SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.31 issue57Anxiety and the fading subject author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Reverso

Print version ISSN 0102-7395

Reverso vol.31 no.57 Belo Horizonte June 2009

 

PSICANÁLISE E LITERATURA

 

O fantasma da ópera

 

The phantom of the opera

 

 

Cristina Gaoni Medioli

Círculo Psicanalítico de Minas Gerais

Endereço para correspondência

 

 


Resumo

O romance O fantasma da ópera narra a história de amor de dois jovens, Christine e Raoul, que é fortemente perturbada pela presença do fantasma edípico, que assombra a fantasia de Christine. Ela terá então que escolher entre o amor sedutor, mas imaginário, para o fantasma, que bordeja o real da morte do pai dela, e o amor simbólico, aquele do anel no dedo, para Raoul, que se tornará enfim seu esposo. O percurso da vida de Christine nos confirmará como as três dimensões Simbólico, Real e Imaginário são inseparáveis. Este enlace nem sempre harmônico levará Christine a se perguntar no túmulo do pai: “Quem é você, amigo ou fantasma?” E ainda: “Por que o passado não pode simplesmente morrer?” Para Christine, a angústia real pela morte do pai, que se transforma em temor ao fantasma, não a impede de fazer o laço do casamento, mas a acompanhará no caminho simbólico que ela traçará ao longo da vida.

Palavras-chave:Fantasias edípicas, Fantasma, Angústia, Laço.


Abstract

The novel “The Phantom of the Opera” narrates the love story between two young people, Christine and Raoul. The story is strongly affected by the presence of the oedipal phantom that haunts Christine’s fantasy. She will have to choose between the seducing  but imaginary love for the phantom which hovers over the reality of her father’s death, and the symbolic love, that of the wedding ring, that she feels for Raoul, who will eventually become her husband. Christine’s path of life will confirm how the three dimensions, the Symbolic, the Real and the Imaginary, are inseparable. This relationship, not always harmonious, will lead Christine to ask herself at her father’s grave: “Who are you, a friend or a phantom? And also: “Why cannot the past simply die?” The real anxiety that Christine feels after her father’s death turns into fear of the phantom. It does not prevent her from exchanging wedding vows, although it will accompany her on the symbolic path that she will tread throughout her lifetime.

Keywords:Oedipal fantasies, Phantom, Anxiety, Bond.


 

 

O Fantasma da Ópera é um romance francês escrito por Gaston Leroux, inspirado na obra Trilby, de George Du Maurier. Publicado em 1910 pela primeira vez, foi desde então adaptado inúmeras vezes para o cinema e importantes peças de teatro, alcançando merecida fama internacional.

A ação desenvolve-se no Ópera de Paris, um monumental e luxuoso edifício. Os artistas e os funcionários do teatro afirmam que o Ópera se encontra assombrado por um misterioso e irascível fantasma, que causa uma variedade de cruéis acidentes a todos aqueles que ousam desafiar a vontade dele.

Nesse cenário ocorre o re-encontro de Christine Daáe, filha de um falecido violinista, e Raoul, o inesquecível amigo da infância.

Contingências querem que Christine tenha a oportunidade de substituir a cantora protagonista cuja voz parece estar sofrendo repentinas alterações.

Sozinha no palco, Christine canta e encanta um público entusiasmado, sendo assim reconhecida pelo saudoso Raoul, que atualmente é um dos patrocinadores do teatro.

No encontro dos dois, uma frase é pronunciada em voz alta por Raoul: “Você gostava de bonecas, chocolate, roupas, história, música, enigmas”. Recordações da infância trazem de volta um passado nunca esquecido e totalmente desligado das lembranças e tentam dar um contorno simbólico ao real desse encontro que desperta e atrai os dois adolescentes, prontos a se jogarem em uma paixão enlouquecedora.

É na emergência desses eventos, entretanto, que Christine, atordoada e trêmula diante do abismo do real do sexo, agarra-se esperançosa às insígnias paternas e, ainda incapaz de sustentar uma escolha na posição de sujeito, conforma-se ao desejo do amado pai.

O inesperado sucesso na ópera lança-a numa trajetória profissional exuberante e promissora. Assim, ela já sabe, será uma boa cantora, cumprindo, enfim, a vontade do pai que, por sua vez, foi um ótimo violinista.

Christine canta com a força e o sentimento inspirados por um misterioso tutor que a guia e lhe abre as portas para um futuro de sucesso, aprisionando-a ao mesmo tempo inexoravelmente ao passado.

Ele é o fantasma cuja máscara no rosto esconde cautelosamente sua verdadeira identidade e que usa a voz da nossa cantora protagonista para dar vazão à sua inspiração. Ela reconhece nele o anjo da música que o pai violinista prometera enviar-lhe depois de sua morte prematura, quando Christine se encontrava com a idade de apenas 7 anos.

Em um primeiro momento, Christine mergulha nas suas fantasias infantis, e é assim que a veremos atravessar de barco o enorme lençol de água subterrâneo para chegar à morada do fantasma.

Ele é o anjo da música enviado pelo pai e a exorta a se olhar no espelho, pois ao fazê-lo verá o fantasma que habita dentro dela.

Christine interroga o fantasma pedindo-lhe orientação, pois é difícil despertar dos sonhos onde ele nunca deixou de lhe aparecer.

Atrás do espelho abre-se um caminho que a leva aos subterrâneos do teatro, lugar de tênebras, morada de fantasmas, e na escuridão Christine segue cegamente o seu tutor/fantasma.

Ele revela, então, seu lado misterioso e sombrio, mas também o seu lado passional e sedutor, que faz palpitar mais forte o coração de Christine.

O fantasma é ambíguo, ambivalente; ele é romance e tragédia, horror e paixão, realidade e ficção.

O mistério tem que ter fim: no subterrâneo do teatro não mais existe não saber. Christine está pronta para desvelar o enigma. A máscara com que o fantasma oculta seu rosto desfigurado desde o nascimento tem que cair, e assim Christine, com um impulso não domado, a arranca do rosto dele.

O fantasma reage violentamente empurrando Christine para o chão, pois se ela enxergar atrás do véu da fantasia quem ele realmente é, não mais o seguirá. Goza-se só onde não se sabe a verdade; o saber a impediria de gozar.

A força que o fantasma tem para contrastar o amor de Christine e Raoul vem do fato de ele agir sob incógnita, manifestando-se através de enigmas.

A nossa protagonista acha que com ele se abrirão as portas do futuro e do sucesso profissional, e não sabe que ele é fixação ao passado, que ele só canta, inspirando-a, quando ela tem necessidade de ouvi-lo; que ele só existe quando nele se confia e é só o desejo de acreditar nele que lhe dá consistência.

Christine acha que o fantasma é o anjo da música enviado pelo seu próprio pai e com esta fantasia esconde então a sua verdade e o seu inalterado amor por ele.

O fantasma, por seu lado, pode ser respeitado e temido só se ficar sob incógnita. Os fantasmas nos assustam apenas enquanto desconhecidos, depois de desmascarados tornam-se vulneráveis, perdem o valor imaginário que tinham nas nossas mentes e então, aí sim, podem ser vencidos. A partir desse ponto, novas travessias e novos caminhos podem ser trilhados.

Trava-se então uma luta entre o amor imaginário pelo fantasma, que esconde o amor real pelo pai, e o amor mais simbólico, aquele do anel no dedo, por Raoul, que veremos tornar-se seu esposo.

Christine está profundamente dividida; depois de ter desmascarado o fantasma e fugido da proteção cuidadosa de Raoul, volta ao túmulo do pai.

É a cena mais tocante e expressiva da Ópera. Christine pergunta: "Quem está escondido aí?" E ainda: "Quem você é? Anjo ou fantasma, amigo ou pai?"

Depois das voltas no subterrâneo do teatro, moradia do fantasma, Christine desperta para um novo saber e é levada a se perguntar: “Quais desejos intermináveis me trouxeram de volta...? Por que o passado não pode simplesmente morrer?” Enfim ela pede para o pai/fantasma que a liberte e que sejam soltas as correntes que a mantinham presa ao passado. Das voltas ao subterrâneo ela emergiu com um novo anseio e nesse novo caminho, às voltas com o próprio desejo, ela terá que aprender a fazer novas construções.

Mas o fantasma está realmente derrotado?

O fantasma é enigmático, misterioso, intrigante, voluptuoso e sedutor. Tem voz sublime e inspiradora, mas é capaz de proporcionar o amor do sentido, o mais carnal, instintivo, animal. Ele leva para o subterrâneo da mente, onde, na escuridão, qualquer realidade pode ser inventada, sendo esta a maior sedução.

Na sequência, vemos que Raoul alcança Christine no cemitério e com uma luta de espada derruba o fantasma, ferindo-o até quase a morte. É a hora em que Christine grita: “Não assim, não deste jeito...”, pois na sabedoria instintiva dela, já sabe que não é Raoul que pode derrubar o fantasma que habita nela. Não é com o poder simbólico de uma espada que as suas fantasias se dissiparão. E sabe também que se a luta é só no imaginário, imaginária será também a vitória.

Christine volta a fazer mais uma apresentação no palco. É uma armadilha para o fantasma aparecer e ser finalmente derrotado. Não é para o fantasma que Christine canta, e ele desafiado e enfurecido rapta-a mais uma vez.

Dissolveram-se as tênebras no subterrâneo de Christine e ela não chora mais. Intuitivamente ela se oferece ao fantasma em um beijo apaixonado e ele chora as lágrimas amargas da derrota. Um fantasma que não assusta não tem mais poder. Ele sabe que ao levantar o véu da fantasia encontra-se desmascarado, e se a sua verdadeira identidade não pode mais ser velada, o seu poder imaginário esvaece.

O espelho não guarda as imagens nele refletidas, Christine não mais encontrará o fantasma ao se olhar no espelho. Assim, ela pode ir embora junto com o seu Raoul.

Mas volta a pergunta mais uma vez: O fantasma está realmente derrotado?

Lembramos que Christine tentou bordejar o real, mas foi pelo amor imaginário de Raoul que se deixou levar. Vamos então acompanhar qual foi o destino da viagem dos dois amantes.

Com um pulo no tempo de 50 anos para a frente, revemos um Raoul envelhecido e frágil, pois encontra-se em uma cadeira de rodas.

Quais os caminhos que foram interrompidos? Para onde não conseguiu levar a sua amada?

Ele está levando um presente comprado no leilão do velho teatro. É uma caixinha de música, a mesma cujo som foi o fundo musical da história de Christine e o fantasma. Isso indica que nunca houve uma completude no par Christine e Raoul, ela nunca conseguiu desvencilhar-se completamente do fantasma.

Raoul sabe disso e agora é tarde demais para lutar, mas ao menos a caixa de música ele faz questão de depositar, com as próprias mãos, no túmulo, e com um gesto orgulhoso da mão dispensa a ajuda do motorista para se levantar. Parece com isso resgatar-se de toda uma vida vivida pela metade; não se sente completamente derrotado ao poder acrescentar ao menos alguns símbolos a este romance.

Assim, prestes a ir embora, ele volta a cabeça mais uma vez para o túmulo e, sem mais hostilidade, acolhe no olhar o presente, última homenagem que o fantasma deixou no túmulo de sua saudosa musa inspiradora. É uma rosa vermelha enlaçada com fita preta, como aquelas que ele costumava mandar para o camarim de Christine, e nesse enlace encontra-se também o anel de noivado com o qual ele desejou consagrar o namoro deles.

Entendemos agora que o pai, anjo e fantasma, foi o amor recalcado, sublime, eterno e avassalador. Raoul, o marido, foi o amor companheiro, possível de se viver, seguro, tranquilo.

Mas cabe mais uma vez se perguntar: Por que o passado não pode simplesmente morrer?

Analisando a trajetória de Christine, vemos que ela passou do amor/horror ao fantasma, que era imaginário, ao amor pelo marido, que também tem sempre um contorno imaginário.

Ela pedia libertação do pai/fantasma, mas ficou amarrada às substituições imaginárias que fez ao conhecer Raoul. O amor de um homem salva? Não há salvação que venha do outro e constatamos que, como em um teatro de marionetes, o pai de Christine puxou os fios do destino dela até o fim.

Teria uma análise mostrado um caminho diferente para a protagonista desta história?

A análise poderia ter ocasionado a travessia do fantasma, mas para isso acontecer tem que se aprender que a verdade é uma fantasia que se há de perseguir cada vez mais longe. Sendo assim, o encontro com o real não pode ser evitado.

 

Bibliografia

http:/letras.terra.com.br/fantasmadaopera/278610/        [ Links ]

http:/www.yukicosplay.com/phantom/origem/erik.htm        [ Links ]

Gerard Butler; Emmy Rossum; Patrick Wilsom; Minnie Driver. Um filme de Joel Schumacher. O fantasma da Ópera. Universal.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
Rua Pisa, 499 – Bandeirantes
31340-690 – BELO HORIZONTE/MG
Tel.: (31)3492-4142
E-mail: crimedioli@terra.com.br

 

 

Sobre a Autora

Cristina Gaoni Medioli
Advogada. Participante do Fórum de Psicanálise do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais – CPMG.

Creative Commons License