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Reverso

Print version ISSN 0102-7395

Reverso vol.31 no.58 Belo Horizonte Sept. 2009

 

Clínica Psicanalítica

 

Bebê com risco de autismo em tratamento conjunto: visa-se a reversibilidade total?

 

A baby who runs the risk of being autistic, and multiple treatment: is it possible to revert this case?

 

 

Marie-Christine Laznik; Tradução: Maria Dolores Lustosa Cabral

 

 


Resumo

A questão do autismo é abordada a partir de um tratamento conjunto mãe-bebê, no qual a autora relata as sessões conjuntas mãe-bebê-analista, e as intercorrências durante o processo de cura.

Palavras-chave: Autismo, Tratamento conjunto, Relação mãe-bebê, Intercorrências, Olhar, Isolamento.


Abstract

The subject autism is discussed based on a mother-baby treatment, in which the author relates the mother-baby-analyst sessions and the interactions during the curing process.

Keywords: Autism, Group treatment, Mother-baby relationship, Interactions, Looking, Isolation.


 

 

Marina e sua mãe frequentavam na PMI1 de seu bairro um grupo mãe-bebê. Os monitores estavam inquietos perante este bebê que não tinha nenhuma troca de olhar com sua mãe e cujo olhar tornava-se cada vez mais difícil de ser captado pela equipe. Eles pediram a presença da psicóloga da PMI. Ela também ficou muito inquieta. A psicóloga, de formação psicanalítica, solicitou-me para o dia seguinte.

Percebendo que esse bebê apresentava piscadelas indicativas de risco autista, os recebi o mais rápido possível.

 

Primeira sessão (2/1/02)

Marina chega no porta bebê, no colo de sua mãe. Ela se curva para trás, de uma maneira que evoca um epistótonos, e seu olhar parece querer se grudar ao teto.

No consultório, a mãe me diz que ela não consegue encontrar seu olhar. Ela me fala das enormes dificuldades que teve com seu bebê por causa de dores abdominais intensas. Ela falou disso ao pediatra, que minimizou a queixa explicando que isto era frequente nos bebês, e com o tempo resolveria. Marina chora por longo tempo e de maneira muito intensa. A mãe é atravessada por seus choros e tomada de aflição diante dos berros da filha, não consegue acalmá-la.

Logo que sua mãe a toma sobre seus joelhos de frente para ela, para que possa captar seu olhar, Marina se joga para trás. Eu consigo captar seu olhar, mas com a condição de colocá-la num bebê conforto, diante de mim.

Eu conto para Marina o que sua mãe acaba de me explicar. Minhas frases são simples e penso que Marina está, sobretudo, fixada à entonação da minha voz. Ela se acalma lentamente. Eu introduzo sua mãe para quem ela olha, fazendo pequenos movimentos com os braços. Eu os traduzo imediatamente:

"Mamãe, eu quero ir para seu colo".

Sua mãe, que não podia interpretar esses movimentos como dirigidos a ela, me dirá várias vezes:

"Ela não me pede nada, ela não me chama".

Como eu falo no lugar de Marina, que aos três meses e meio não sabe fazer movimentos melhores que isso, a mãe comovida a toma em seus braços. Estou surpresa com o que se passa. O bebê hipertônico se entrega nos braços de sua mãe como se relaxasse, e enquanto eu lhe falo suavemente o quanto ela está bem ali, ela adormece.

A mãe me conta, então, quanto se sentiu perdida, seu marido trabalhando o dia inteiro. Ela tem seus pais, mas não pode contar com eles. Sua mãe lhe disse que os bebês a fadigam. A mãe teve Marina perto dos quarentas anos, foi sua primeira filha. Quando ela lhes comunicou sua gravidez, eles lhe perguntaram por que ela não tinha engravidado mais cedo, era tarde para eles, isso iria fatigá-los. Sobre o fato, ela associa que a única coisa que sua mãe pôde lhe dizer do seu próprio nascimento era quanto isso tinha lhe cansado, exaurido.

Eu escuto, mas, apenas sublinho a terrível dificuldade na qual ela está diante da dor de sua filha, e lhe peço para insistir junto ao pediatra, para que ele faça um tratamento para suas dores (cólicas). Nada mais.

Eu sinto que esse bebê que berra de dor, vem confirmar sua fantasia de ser uma mãe má.

No fim de uma meia hora, Marina despertou por causa de suas cólicas: ela se retorce agitada pelos espasmos, enquanto sua mãe está numa confusão total. Eu lhe falo, retomando o ritmo e a intensidade de seu sofrimento. Eu consigo captá-lo e acalmá-la, mas a mãe não consegue mais captar seu olhar, Marina continua com os olhos no teto e o tronco muito para trás.

 

Segunda sessão, quinze dias depois

Os pais mudaram de pediatra, o novo receitou um medicamento para dor (cólica) e as crises de Marina desapareceram. Depois da primeira sessão, a mãe conseguia captar um pouco o seu olhar, depois de alguns dias o olhar plana de novo. Era hora de retornar a Mme Laznik2.

Eu repito para Marina que está num bebê conforto diante de nós três – a psiquiatra infantil está presente – o que sua mãe acaba de me contar. Eu tenho o olhar de Marina que me faz largos sorrisos.

Marina que acaba de completar quatro meses, chupa suas mãos que lhe escapam. Muito atenta, sua mãe lhe ajuda a reter suas mãozinhas junto da boca. De repente, Marina se põe a sugar o dedo de sua mãe com um prazer evidente.

Eu falo no lugar de Marina: "Hum! Como é bom o dedo de minha mamãe! É gostoso!"

Marina o suga ainda com mais vontade.

A mãe: "Mas se ela gosta tanto disto, será preciso lhe oferecer um pirulito".

Eu falo ainda no lugar de Marina: "Mas, mamãe, é do seu dedo que eu gosto! É tudo de bom o dedo da mamãe!"

A mãe: "Ah! Sim, é verdade, os pirulitos ainda não são para sua idade".

Eu me volto, então, para a mãe, para lhe mostrar quanto ela, Marina, gosta do dedo de sua mãe que é bom como um pirulito.

Num tom confidencial, a mãe me diz: "Eu vou lhe confessar, eu também acho o dedinho de Marina bom como um docinho".

No mesmo tom confidencial, eu pergunto: "E o pezinho?".

A mãe cuja filha sempre chupa o dedo, confessa com um cacarejo de prazer: "E às vezes até mesmo a barriquinha!".

A voz da mãe que revela seu prazer é envolvente; Marina olhando para ela se põe a vocalizar com todas suas forças: "Guo, te, re te".

A mãe muito comovida lhe diz: "Mas seria preciso um tradutor para me explicar tudo o que você me conta!".

Eu então digo a Marina que sua mãe ficou muito infeliz quando ela sofria de cólicas e que ela se sentiu tão impotente para aliviar sua dor que perdeu toda confiança na sua capacidade de ser uma mamãe. Marina olha alternadamente ora para mim, ora para sua mãe, que consente, lhe sorrindo. Sua filhinha reponde ao seu sorriso.

A mãe chora: "Você sabe Marina, é de alegria que a mamãe chora." Diz ela a sua filha.

Esse reconhecimento de seu bebê como fonte de alegria (de grande prazer) para a mãe deve provavelmente induzir uma modificação na prosódia materna. O bebê é chamado por essa voz e entra numa verdadeira "protoconversação". A colocação do terceiro tempo do circuito pulsional introduziu uma nova dinâmica entre esse bebê e sua mãe.

Observemos que nosso trabalho de analista aqui, parece com o que fazemos em psicodrama analítico: representar papéis para passar as possibilidades de representações que não se dirigem necessariamente ao eu consciente, vigil da mãe.

Eu recebo Marina e sua mãe três vezes por mês. Ela me diz que Marina está sempre "disponível" nos dias que se seguem à sessão. Mas no final de uns dez dias, seu olhar tende a planar de novo.

Nas sessões, Marina pode permanecer ligada no meu olhar durante longo tempo, sobretudo se eu lhe falo, mas ela retira o olhar de sua mãe muito mais rapidamente.

Eu lhe digo que ela deve ler nos olhos da mamãe as preocupações que não gosta de ver aí.

Marina instaurou um roteiro nas sessões:

Ela começa por estar conosco, sobretudo ligada no meu olhar, depois nós falamos dos cuidados da mamãe. Sua mãe a acalenta, ela relaxa nos braços maternos sua hipertonicidade e adormece frequentemente ao som de minha voz, que se faz voluntariamente baixa e monocórdia. Durante o sono de sua filha, ela me fala dela própria, de sua vida conjugal, de seus pais e do que a magoa. São sessões muito longas, de mais de uma hora.

Algum tempo mais tarde, Marina é colocada na creche e a mãe retoma seu trabalho. A equipe da creche não perceberá as inquietações pelas quais passamos. Ela destacará, no entanto, que Marina faz o que lhe "dá na cabeça." Existem senhoras às quais ela não corresponde nunca, como se não existissem; e a outras, particularmente uma, Maria, ela vai se ligar de uma maneira especial.

Numa outra sessão, enquanto Marina dorme, sua mãe me contará a história de sua avó, nascida de uma família de agricultores de umas das regiões mais remotas da França. A mãe da sua avó (portanto sua bisavó) foi casada com este camponês cuja fazenda era muito distante. Ele lhe tinha feito três filhas, uma atrás da outra. Tudo leva a crer que ela teria desejado uma outra vida, e que seus bebês não foram grande fonte de alegria. Duas de suas filhas nunca tiveram filhos. Somente a avó teve uma filha: ela, bebê fatigante.

Ao contrário, evocando os pais de seu pai, seu olhar se ilumina, ela chega a rir lembrando-se de como seu avô havia enganado os alemães durante a guerra. Marina se volta espantada ao ouvir o riso de sua mãe, a olha, e por sua vez, também ri.

Quando Marina tinha dez meses, a mãe me conta que brincando com ela fez de conta que estava bebendo na mamadeira. Diante de tal audácia lúdica de sua mãe, Marina, a princípio espantada, logo se pôs a rir. Mas isso só foi possível depois que sua mãe começou um trabalho mais pessoal, que se deu da seguinte maneira:

Ela chega para uma sessão e anuncia: "Marina, vai muito bem".

Ela coloca sua filha no chão. Marina tem nove meses, engatinha e mostra interesse por mim e também pelos objetos. Eu retomo: "Marina, com efeito, está bem, e você?".

A mãe esconde seu rosto com as mãos e se põe a chorar. Ela jamais se entregara dessa maneira. Marina vai em direção à sua mãe e lhe estende os braços. Amavelmente, aninha-se em sua mãe, enquanto eu nomeio o que ela faz. Entre lágrimas a mãe tenta lhe sorrir. Nesse momento e para nossa grande surpresa, Marina aponta para sua mãe um belo móbile colorido dependurado no teto do meu consultório. A cada vez que Marina chorava, a mãe ia lhe mostrar o belo móbile, para consolá-la.

Nós compreendemos, ao mesmo tempo, que Marina, identificada com sua mãe, tenta consolá-la. A mãe está muito comovida, e diz que ela é ainda muito pequena para querer consolar sua mãe. Melhor seria que ela viesse falar com madame Laznik, diz ela. O que fazemos.

Aos 11 meses, Marina procura sua mãe com o olhar, a cada vez que vai começar uma ação, ou mesmo entrar em contato comigo. O laço entre as duas me parece estabelecido, mas eu continuarei a segui-las depois das férias.

 

"Marina por ocasião de sua recaída aos quinze meses"

Depois das férias de verão, eu encontro uma adorável menininha de 13 meses que anda e se dirige a mim e a sua mãe num tônico diálogo sonoro. Sua filha lhe parecendo muito bem, a mãe me pede para continuar a vir, mas para falar dela própria. Eu aceito.

Mas desde o final da primeira sessão, a mãe comenta certo fechamento em Marina. No fim de um mês, o fechamento se confirma e Marina vagueia sem parar. A mãe me pede para revê-la.

Quando eu a recebo, vejo-me diante de uma menininha vagando por toda parte, e que não me endereça um olhar. O mesmo na sessão seguinte: Marina não parece um bebê de 15 meses, em vias de se tornar autista, como se nunca tivesse sido cuidada, já que sua recusa de se comunicar não a impede de seguir intelectualmente o que se passa, mas eu devo reconhecer que ela fez uma recaída grave.

O pai veio me falar de sua inquietação em relação a sua filha que passou o fim de semana a empilhar – sozinha no seu canto – caixas de videocassete. Ele me pergunta se eu nunca havia pensado em autismo. Eu lhe respondo que esta doença só é diagnosticada enquanto tal aos três anos e que nós fazemos o que é preciso para que este diagnóstico não possa ser colocado. Observemos de passagem quanto os pais não são ingênuos em relação aos problemas de suas crianças, quando eles ousam falar deles.

Durante os dois anos que se seguiram à recaída de Marina, nós filmamos praticamente todas as sessões. Eis alguns extratos da terceira, a que se segue à entrevista com os pais.

Ao chegar, a mãe comenta num tom que tenta ser alegre: "Vindo, ela olhou muito o teto do metrô, do elevador". Eu lhe respondo no mesmo tom: "Coisa para provar à mamãe que ela tem toda razão de se dar ao trabalho de trazê-la para ver Mme Laznik".

Esta jovialidade serve para fazer face à ausência total de contato com Marina. Esta, instalada diante de uma mesinha de jogo, coloca e retira incansavelmente grandes feltros num pote que se encontra diante dela. Marina, que tem um pouco de febre, recusou lanchar na creche. A mãe começa a lhe dar um iogurte; esta será a única vez que ela a alimentará na sessão. Marina se deixa tirar a chupeta sem desviar o olhar por um só instante dos grandes feltros e sempre os olhando, ela abre a boca para a colher de iogurte, enquanto sua mãe se queixa de não conseguir captar seu olhar: "às vezes eu tento, mas não chego lá. Ela vira a cabeça". Quando me dirijo a ela, ela não reponde mais. Como se minha voz fosse apenas um barulho entre outros. As colheradas se sucedem na boca de Marina que se deixa alimentar inteiramente, não retirando nem sua atenção, nem seu olhar dos grandes feltros. Um lápis cai da mesa, Marina choraminga, tentando pegá-lo. Eu lhe digo: "Pegue Marina". Ela o pega sem um olhar. Eu comento no seu lugar: "Não, eu não olho Mme Laznik". A mãe, com quem eu trabalhei durante o primeiro ano de vida de Marina, responde no seu lugar: "Não, eu achei minha cadeirinha, eu estou bem instalada, tá?". Este tipo de jogo de palavra que tanto tinha divertido o bebê3 cai agora no vazio. A mãe, que continua a alimentá-la, calcula mal e o iogurte cai no seu rosto. Marina não tem nenhuma reação.

Há dez minutos a sessão começou e parece que deve se passar da mesma maneira que as duas precedentes, sem nenhum laço entre nós e Marina. Eu reflito que esta situação não pode durar, pois a criança está em perigo. Este fechamento reinstalado há quase dois meses não pode de maneira nenhuma prejudicar seu aparelho psíquico.

O Prof. René Daktine e o Dr. Jean Bergès diziam, tanto um como outro4, que devia haver uma "psicossomática" do autismo, que o não uso do órgão podia lesar o órgão.

Há muito tempo que a minha leitura dos filmes familiares de bebês que se tornaram autistas me ensinou que o fato de eles não irem em direção ao Outro está aí presente, desde o nascimento. O que não exclui que fatores complexos que nós ainda não conhecemos possam desempenhar um papel durante a gravidez. Geneviève Haag fala de uma raiz pré-natal do problema sonoro que lhe pareceu como muito importante5.

Minha experiência com Marina e sua recaída me ensinaram que deve haver um fator suplementar em jogo, além daquele demonstrado por Zilbovicius e outros pesquisadores com imagem cerebral. Mesmo depois de o bebê ter descoberto sua atração pela voz e o rosto humano, Marina foi capaz de se fechar. Eu muitas vezes, me coloquei questões sobre as causas dessa recaída. Certamente, tanto o fato de ter concordado em parar de vê-la, a pedido da mãe, o que aceitei de bom grado, quanto a interrupção de 50 dias para as férias de verão não me pareciam tê-la afetado. Mais tarde, eu aprenderei que ela só tinha voltado à creche após o meu retorno, volta particularmente difícil, porque as duas referências às quais ela estava habituada não estavam mais lá. Eu aprenderei também que para a mãe, a retomada do trabalho tinha sido marcada pela mudança de seu superior hierárquico e pelo sentimento de ter sido colocada à parte. Em novembro, a mãe estava deprimida, mas é difícil saber o que tinha acarretado essa espiral descendente. Em todo caso, devo sublinhar um fator de uma maior sensibilidade nesta criança, do que em outras, às mudanças de seu ambiente. Face a uma fragilidade tal da criança, nós podemos mesmo nos interrogar sobre a oportunidade de aceitar sua mãe numa psicoterapia analítica. Todos nós sabemos que no início de um processo pessoal dessa ordem, o sujeito está frequentemente perdido em seus pensamentos. Isso não teria sido interpretado pela criança como uma perda do laço com a mãe?

Em todo o caso, o que eu posso afirmar é que, diante deste conjunto de dificuldades, Marina, tal qual um pequeno submarino, tinha fechado as escotilhas e mergulhado. Nesta sessão, toda sua atenção, visual e auditiva, se concentrava nos grandes feltros que ela colocava e retirava do pote, visivelmente atenta ao barulhinho que isto provocava e à sua cor. Poderíamos pensar numa vontade de um proto-sujeito de não ouvir esta voz humana? Haveria um fator de hipersensibilidade6 nesses bebês que os levaria a evitar uma voz humana contanto que ela fosse portadora do menor sinal depressivo? Como se isso não pudesse não acarretar no bebê uma resposta do tipo depressivo intolerável? A ideia de Mônica Zilbovicius de usar antidepressivos nas crianças implica na hipótese de processos metabólicos deste tipo. Se eu permaneço muito reservada quanto ao uso deste tipo de medicamento para os pequenos, eu devo reconhecer que para a mãe o uso do antidepressivo melhorou sua relação interpessoal. Mas isto somente pôde acontecer quinze meses mais tarde, quando Marina já havia saído há muito da situação. Num primeiro momento, a questão não é que eu fale com a mãe, que a veja aliás todas as semanas, pois isto equivaleria a lhe atribuir uma responsabilidade indevida neste caso, posto que o estado de fechamento de Marina teria deprimido não importa qual pai. Mais tarde, quando sua filha conseguiu estabelecer uma verdadeira relação com ela, ela pôde me falar de seu núcleo depressivo, muito anterior ao nascimento de sua filha.

Mas é, sobretudo, pela vontade que a entrada de sua filha no maternal se fizesse da melhor maneira possível que ela decide tomar "alguma coisinha" antes das férias de verão. Que não me façam dizer que esta estrutura mais depressiva da mãe possa ser a causa da patologia de sua filha; se tal fosse o caso, uma grande parte da humanidade seria autista. Antes me parece que este elemento despertava na criança alguma coisa de análogo e intolerável para ela.

 

Retorno ao material clínico

Abrindo inteiramente a boca para as colheradas de iogurte, Marina olha atentamente para a câmera diante dela.

A mãe falando no lugar da criança: "Pelo contrário, a tomada de cena, isso me intriga"7.

Não obstante, ao lado conciliador e empático dos nossos discursos, Marina permanece petrificada como se nossas vozes fossem apenas um barulho de fundo do ambiente. Ela não presta atenção aos barulhos dos carros na rua. É evidente que a clínica com estas crianças confirma as descobertas de Zilbovicius: "nossa voz é, com efeito, tratada como se tratam os barulhos exteriores".

Não é com isto que ela iria se tornar "expert em voz e rostos humanos", como diz Zilbovicius, e "o desenvolvimento de seu cérebro corria o risco de não se fazer da maneira habitual". Os primeiros resultados em imagem cerebral valorizaram a dificuldade de emparelhar uma voz e uma imagem visual no autismo. Laurent Mottron8 faz um recenseamento dos trabalhos a propósito das dificuldades de percepção intermodal.

Portanto, mais do que nunca a ordem do dia é de tentar devolver às pequenas Marinas com menos de dois anos, a vontade de ouvir a voz humana e olhar o aspecto do seu entorno mais próximo. É o que pôde se passar na sequência desta sessão, verdadeira reanimação psíquica.

Eu faço semblante de tomar a colherada seguinte de iogurte.

MCL: "Bem, é Mme Laznik que vai comer. Hum! Hum! Hum!. É gostosa com baunilha!.

Este fragmento portador de minha surpresa e prazer diante deste cheiro de baunilha suscita desde o primeiro hum! um olhar sorridente em Marina como que partilhando do meu prazer. Mas ele desaparece logo no final da frase.

Para tentar captar o olhar de sua filha, a mãe por sua vez faz semblante de tomar o iogurte, dizendo:

Mãe: "Eu tomo um pouco? Eu tenho o direito de tomar deste iogurte tão bom? Não tem um pouco de morango dentro...", acrescenta ela, fingindo saborear.

Nada em Marina demonstra que teria percebido o jogo de sua mãe. Tentando não perder a cabeça, a mãe lhe dá uma nova colherada de iogurte. Marina é perfeitamente capaz de antecipar a aproximação da colher abrindo a boca, mas nada nela revela qualquer prazer partilhado.

Eu decido de novo fazer semblante de comer.

MCL: "Pra Mme Laznik! Eu também, eu quero! Hum! É bom". Desde o meu hum! de surpresa e prazer, Marina me olha de novo nos olhos com um largo sorriso, como partilhando do meu prazer. Mas isto não dura mais que dois segundos.

Minha transferência me aponta que este novo sucesso suscita uma aflição na mãe; eu chego aí; ela não. Decido inverter o jogo. Tomando o iogurte e a colher, eu falo:

MCL: "Bem, é Mme Laznik que vai dar a mamãe".

Mãe: "Ah! Mudaram de distribuidor!", a mãe exclama. Graças ao nosso laço antigo, esta situação insólita – uma mulher de quarenta anos, para quem isto não podia acontecer ha décadas – desencadeia em Marina uma exclamação de surpresa e divertimento. Marina nos olha, uma e outra rindo, aproximando seus braços com ritmo, como se fossem bater palmas. Eu comento.

MCL: "Isto dá certo se mamãe encontra prazer, mas se mamãe alimenta a si mesma isto não tem graça".

Como sempre, ela me olha quando seguro o iogurte, lhe ofereço uma colherada de verdade. Marina abre minha boca, baixando o olhar em sua habitual indiferença. Eu comento:

MCL: "Eu só como quando se faz pequenas palhaçadas".

Esta criança distingue claramente o registro da necessidade alimentar daquele da pulsão oral. Não é com iogurte que se pode alimentar sua vontade de ver e de escutar: é de uma particular prosódia em nossas vozes, portadoras de picos alternados entre surpresa e prazer. Estes picos são característicos do que se chamou ha muito tempo de mamanhês e há pouco se chama parentês, pois os pais também são capazes de produzi-los, tanto quanto as mães. Nós sabíamos desde há muito tempo (A. Fernald, 1979) que a prosódia que provém disso não podia se encontrar na fala de um adulto com outro adulto, a não ser em situações excepcionais nas quais a surpresa e o prazer se conjugariam. Há pouco N. Reissland, (2002) provou que a surpresa produz na voz do pai de um bebê, um pico de energia elevada, enquanto que o prazer produz um pico muito baixo. Eu constato que, quando os dois se produzem sucessivamente, isto dá a aparência de colinas recortadas própria da prosódia do parentês. Mas antes de abordar a análise de nossas vozes, voltemos ao fio da sessão.

Eu devolvo o iogurte para a mãe, que lhe propõe:

Mãe: "Mais um pouquinho?". Tentando captar seu olhar, ela retira a colher quando a boca se abre perguntando: "Onde está a boca?" Marina, impassível, continua a manipular os grandes feltros, enquanto sua boca se abre quando a colher se aproxima. E tendo engolido sua colherada, eu lhe pergunto:

MCL: "Estava bom? Estava bom?". Ela permanece impassível. O contato estava rompido.

MCL: "E eu"?! E eu?! E eu?! Eu recebo um pequeno olhar, mas na tentativa seguinte a manobra não dá mais certo.

Estou inquieta, temendo que ela se feche por muito tempo. Apoiada então no que eu sei sobre o efeito "voz de sereia" – que uma prosódia portadora de "sideração e luz" pode ter, mesmo nos bebês que se tornaram autistas mais tarde –, eu tento criar em mim uma imagem interna capaz de me colocar num estado deste tipo. Eu retomo o pote de iogurte e aspiro seu cheiro: a baunilha me invade. Eu imagino um belo parque com uma plantação de baunilha. Um ambiente tropical se desprende deste parque, estilo cartaz do "Club Méd". Ainda que eu nunca tenha estado lá, não deixo de sentir o impacto publicitário de seus grandes cartazes feitos para provocar o sonho de outros lugares desconhecidos. Meu pé de baunilha imaginário parece com um grande arbusto com folhas brilhantes, verde-escuro; ele está coberto com belas flores brancas. Quando eu sonho agora, eu percebo que isso parece com uma imensa gardênia. O branco das flores sendo suscitado provavelmente pela cor do iogurte. Eu nunca vi um pé de baunilha e ignoro com o que ela se parece. Não importa, rapidamente eu sou lançada num mundo mágico de surpresa e de prazer. Eu me ouço dizer a Marina a quem ofereço uma colher de iogurte, para aspirar sob seu nariz:

MCL: "Olhe o cheiro!" Não falta entusiasmo no meu enunciado e os picos prosódicos de minha voz devem condizer, pois a menininha me olha sorridente. Quanto ao aparente absurdo do meu enunciado, ele seguramente reenvia a uma condensação do meu desejo de lhe fazer sentir a alegria do perfume e a beleza das flores. Eu ousarei propor a hipótese que a pulsão quando ela prende o Outro em seu circuito, é produtora de co-modalidade. Uma pulsão oral está necessariamente intrincada com as pulsões escópica e invocante.

Vinte minutos mais tarde, é Marina que, com a ajuda de uma comidinha, me oferece prato e colher, fazendo por sua vez semblante de me alimentar.

Mas antes de analisar o valor desta cena, vale sublinhar que ela teve lugar depois de uma outra, ei-la aqui: Marina quer empurrar uma cadeirinha pelo cômodo. Na época ela deslocava os móveis por toda parte, um grande prejuízo para seus pais, que viam aí, e com toda razão, uma ação de fechamento de sua parte. Isto tinha acontecido também nas sessões precedentes, mas aí, em vez de jogar no chão o boneco que lhe ocupa a cadeira, Marina o deposita sobre meus joelhos. Decido lhe cantar uma canção de ninar: "Câlin, câlinou, câlinette, câlinette, câlin, câlinou, câlinou pour le poupon"*. O ritmo é lento, mas marcado pelas repetições e as vogais são particularmente acentuadas e aumentadas. Marina não tira os olhos de mim enquanto dura a canção, mas os retira instantaneamente assim que termina. Entretanto, ela retomará, ela mesma, a toada doce algumas sessões mais tarde, ninando um minúsculo bebê de dois centímetros, num berço também minúsculo. Seguramente, ter-se-ia que refletir muito sobre o poder desses ritmos nos acompanhamentos deste tipo de criança.

Mas voltemos à cena na qual ela me alimenta. Uma grande esperança me invade então: ela acaba, espontaneamente, de ter êxito numa das questões-chave do C.H.A.T9, questão validada para bebês mais velhos que ela. Sua capacidade de fazer semblante se estabeleceu. Minha alegria interna diante do êxito num teste cognitivo repousa no fato que desde há muito eu penso que a questão: "A criança capaz de oferecer uma comidinha, um café ou um chá à sua mãe vai muito além de sua capacidade de fazer semblante?" Seu fundamento é apenas o fecho do terceiro tempo da pulsão oral. Quando uma criança oferece, pelo jogo, alguma coisa de bom para sua mãe, ela se encontra além do registro da satisfação da necessidade. Mas, trata-se aqui de um objeto bom para a mãe e não para a criança, que nesta idade não gosta nem de chá nem de café. O fundamento da capacidade de responder positivamente a esta questão do C.H.A.T. depende, pois, da capacidade da criança de desejar se fazer portadora do objeto, que responde à pulsão oral de sua mãe. Se o lactente oferece seu pezinho ou seus dedos para que sua mãe se alegre, representando comê-los, a criança maior vem oferecer, para este jogo pulsional do Outro, não mais um pedaço do corpo, mas um objeto sublimado. Quando Marina me alimenta com a colher, eu represento comer uma deliciosa omelete imaginária. Marina segue atentamente as marcas do prazer em meu rosto e na minha voz.

Na sessão seguinte, é seu pai que a acompanha. Ela retoma o jogo do restaurante, nos alimentando alternadamente, encantada em nos dar tanto prazer.

Marina confirma minha hipótese atual sobre o estabelecimento do aparelho psíquico: seu prazer de funcionar é tributário do prazer que ele suscita no Outro. Formulação não sem analogia àquela que prevalecerá para todos e que nós devemos a Lacan: o desejo do sujeito é o desejo do Outro.

Mas em Marina, estes momentos felizes são apenas ilhotas emergentes de um mar de indiferença. Mesmo a sessão de que eu acabo de descrever alguns fragmentos está pesadamente comprometida, o que fará Pierre Ferrari dizer quando ele a visionará: "Você acredita que se possa chegar aí em relação a ela?". A frase enunciada em um tom afetuoso deixa transparecer sua inquietude legítima. Eu também, no momento, não sei nada, a não ser que aos quinze meses ela está muito mais difícil de mobilizar que aos três meses. Somente um ano mais tarde é que eu poderei dizer que ela parece ter saído do processo. Nunca é demais dizer aos pediatras quanto seria importante nos encaminhá-los nos seus primeiros meses de vida.

O trabalho de reanimação psíquica efetuado nesta sessão repousa nas pesquisas multidisciplinares, das quais eu participo.

Por exemplo: quando ela para de responder ao meu jogo, isto me faz pensar que eu perdi o frescor da verdadeira surpresa com ela, e procuro então me reassegurar nas representações que chegam a mim.

Mas, será que reencontraríamos isso na análise das vozes?

Os registros desses fragmentos de sessão foram confiados a uma psicolinguísta para análise em laboratório. Eles confirmaram as hipóteses por mim formuladas.

Mas, em Marina, esses momentos felizes foram durante muito tempo apenas ilhotas emergindo de um mar de indiferença. Aos quinze meses era muito mais difícil mobilizá-la do que aos três meses.

Mas, sobretudo, a menor contrariedade da mãe – uma greve de transporte, um ônibus que parte num dia de chuva, alguma coisa desagradável no metrô – acarretava imediatamente um fechamento total de sua parte, que em geral durava 24 horas, às vezes até mesmo 48. A mãe contava como tentava entrar de novo em relação com ela.

Somente um ano mais tarde é que eu poderei dizer que ela me parecia ter saído do processo.

Mas ela ainda guarda, até os cinco anos, uma falta de interesse pelas crianças de sua idade, o que contrastava, aliás, com habilidades extraordinárias para uma menininha.

Eis o exemplo mais surpreendente:

Marina chega à sessão e anuncia: "Hoje eu tenho quatro anos e meio".

O que era verdade. Depois, ela me dá um pequeno pônei, e pegando um outro, diz:

"Eu sou a mamãe pônei e você é o pequeno pônei".

Nós começamos a jogar.

Ela faz a mamãe pônei dizer: "Eu comprei um novo ‘doudou’, o seu estava sujo, eu o joguei fora. Este aqui é o mesmo".

A mãe, que sempre prestava muita atenção no velho "doudou", cuja importância ela conhecia e a quem ela sempre tinha recorrido, me olha um pouco apavorada.

Eu digo do lugar do pequeno pônei: "Mas eu quero meu velho ‘doudou’. É dele que eu gosto!".

A mamãe pônei: "Eu o joguei fora, no lixo!".

Pequeno pônei: "Então vamos procurá-lo dentro!".

Mamãe pônei: "Muito tarde. Ele partiu no caminhão de lixo".

O pequeno pônei, choramingando: "Mas então pode-se ir ao porão procurá-lo na grande lixeira!".

Mamãe pônei: "Tarde demais. O caminhão de lixo já passou!".

Como pequeno pônei, eu percebo tal abatimento que não sei mais o que fazer. Paro de jogar. Marina pega o pequeno pônei e o faz jogar, ela mesma. Ela o faz caminhar, subir no espaldar de uma cadeira, comentando: "O poneizinho vai passear. Olhe! Ele vê uma ponte! Olhe! Ele sobe em cima! Olhe! Ele se joga da ponte no rio!".

E o pequeno pônei, com efeito, cai do espaldar da cadeira.

Marina continua sua história, fazendo os personagens jogarem: "A mamãe se precipita à beira do rio, ela corre para retirar seu pequeno pônei e o traz para a margem".

"O pequeno pônei não mexe mais. Está morto."

A partir daí, contracenando com os dois pequenos pôneis, Marina começa um longo monólogo, absolutamente trágico, da mãe do pônei, que se dirige ao seu filho inerte: "Poneizinho, olhe para mim. Poneizinho fale comigo! Poneizinho você está me ouvindo? Poneizinho, abra seu olhinho! Eu lhe suplico! Mexa uma patinha!".

Enquanto ela continua esse lamento maternal, as lágrimas caem de seus olhos.

"Mexa pelo menos sua orelhinha, eu lhe suplico!"

A cena dura alguns bons cinco minutos, o que para a mãe e para mim – brancas e petrificadas – nos parece uma eternidade.

Eu pergunto à mãe se ela teve alguma experiência de uma mãe que tenha perdido seu filho, tal o tom de lamento, perfeitamente justo. Não.

O monólogo se interrompe quando eu digo: "Está na hora". Marina então se levanta para partir, como se nada tivesse acontecido, deixando sua mãe e a mim mesma numa grande perturbação. Nós tentaremos durante duas semanas ligar este conhecimento de Marina com algum acontecimento da realidade. Em vão.

São meus alunos a quem informava que me fizeram ver que este pequeno pônei, inerte como morto, parecia bastante com a própria Marina, tal como sua mãe nos descrevia durante os episódios de fechamento.

Eu comuniquei à mãe, que concordando, acrescenta: "Eu não sabia que eu sofria tanto".

Marina tinha tido, portanto, durante seus momentos de fechamento, um acesso a uma dimensão da angústia materna cuja gravidade escapava até mesmo à própria mãe.

As pesquisas atuais de Laurent Mottron, especialista em autistas em alto nível, o levam a afirmar a existência de fator de hiperdiscriminação perceptiva neles.

Nossa Shakespeare em potencial manteria este talento?

Nos dois anos que se seguiram, Marina começou, cada vez mais, a estabelecer relações sociais, se normalizou, ela se banalizou.

Uma simples menininha inteligente, cuja mestra, no final do CP, se diz muito satisfeita. A única censura que ela lhe podia fazer era de ser um pouco tagarela com suas companheiras. Marina, entretanto, não compreende por que esta censura deixava sua mãe e sua analista tão felizes.

Eis o que escreve Catherine Morillon, sua ortofonista:

"Marina é uma criança agradável, que estabelece um bom contato com o adulto. Ela veio me ver para resolver uma dificuldade de linguagem (perturbação da articulação), uma vez por semana. Ela aprendeu e se apropriou do que eu lhe tinha proposto. Eu continuei com meu trabalho um pouco além, pois eu lhe mostrei como mudar o modo de deglutição, a fim de preservar sua dentição por um tempo maior. Eu comecei o tratamento quando ela estava no início do CP. Atenta para que a aprendizagem da língua escrita se desenrolasse bem, eu cheguei a lhe propor ler alguns quadros de leitura, a fim de me assegurar que suas habilidades, nesse domínio, se desenvolvessem bem. Ela agora lê muito bem, neste início do CE 1.

No decorrer da reeducação, Marina estava muito feliz em vir. Nós navegamos entre as aprendizagens que eu lhe propunha, um ritual que ela reencontrava com a maior satisfação, e um jogo de curta duração no fim da sessão. Esse ritual consistia num reencontro com o desenrolar dos conjuntos das sessões, visto que ela retomava a leitura de todos os quadros feitos no início do tratamento (pouco numerosos!) e que estavam, evidentemente, bem ultrapassados. Reencontrar o conjunto das marcas assinalando a direção que nós tínhamos percorrido permaneceu fonte de um grande prazer ao longo do tratamento. Este vai terminar em três sessões. Marina partirá com seu dossiê como me pediu."

Nas semanas que se seguiram ao término das sessões com sua ortofonista, Marina se mostrou bastante triste, dizendo que a escola não lhe agradava mais. Foi lhe proposto reencontrar, se necessário, com madame Morillon. Logo, seu prazer de aprender e rever seus amigos voltou.

Eu continuo recebendo a mãe de Marina uma vez por mês, pois a experiência de sua recaída me inquietou muito e porque é a primeira vez que vejo uma criança que havia tomado o caminho do autismo sair dele, praticamente sem nenhuma sequela.

Como compreender este "milagre?".

É verossímil que a plasticidade cerebral dos primeiros meses de vida possa ser fator importante. Mas as últimas pesquisas genéticas, às quais o professor Arnold Munich faz alusão em suas recentes conferências, parecem dar à epigênese um papel preponderante nas patologias autistas. Ora pareceria que a epigênese se prolonga durante os primeiros meses de vida. O psicanalista que recebe neste período o bebê e sua mamãe teria, portanto, a possibilidade de intervir neste momento crucial. Uma espécie de terapia gênica? Eis as nossas perspectivas para o trabalho do psicanalista junto dos bebês e seus pais...

 

 

1 Trata-se de um centro de Prevenção Materno-Infantil da Cruz Vermelha.
2 A mãe repetirá isto durante três meses, no fim de cada sessão.
3 Para descrição do tratamento de Marina, durante seu primeiro ano de vida, ver Lês Cahiers de Preaut, n.1, idem.
4 Os dois tinham sido alunos do Prof. J. de Ajuriaguerra
5 Haag, G. Reflexões de psicoterapeutas de formação psicanalítica que se ocupam de sujeito com autismo; ainda não publicado.
6 Frances Tustin tinha evocado alguma coisa parecida a propósito dessas crianças – futuras autistas – muito vulneráveis, crianças que ele queria guardar numa redoma. Ver; Tustin F: Conversação psicanalítica, Associação Audit anduze,1944. Ao contrário, eu não a acompanho quando ela imagina um período prévio no qual a mãe e a criança teriam vivido um laço anormalmente estreito cuja ruptura teria sido traumática. Isto não é absolutamente o que se decifra tanto nos filmes familiares quanto na minha experiência analítica com esses bebês e suas mães.
7 Nos filmes de bebês que se tornaram autistas mais tarde, nós observamos este interesse pela câmera. Na época em que se devia colocá-la diante do rosto humano, a dúvida era possível quanto ao objeto de investimento do olhar do bebê. Mas agora que as câmeras se colocam mais longe, não é o rosto daquele que filma que é olhado, mas a câmera.
8 Mottron.L: O autismo: uma outra inteligência. Idem. Ele cita o trabalho de boucher, J. Lewis, V. Collis. G., 1998.
9 Trata-se de um questionário cognitivo construído por S.Baron Chen, que permite avaliar aos dezoito meses as crianças que foram autistas aos três anos. Nas pesquisas de "PreAut" sobre os sinais de autismo, nos utilizamos uma variante francesa um pouco modificada.
* N.T. Trata-se de uma canção usada para acalmar as crianças e ajudá-las a adormecer: Câlin – carinhoso, meigo, doce e carinhoso. Câliner – acariciar docemente.

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