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Print version ISSN 0102-7395

Reverso vol.34 no.63 Belo Horizonte June 2012

 

Escuta psicanalítica do sujeito na empresa – utopia ou realidade possível?

 

Psychoanalytical listening of company’s employees – utopia or reality?

 

 

Maria Carolina Bellico Fonseca

Círculo Psicanalítico de Minas Gerais

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo relata um trabalho, desenvolvido em empresas de Belo Horizonte, que visava à abertura de um espaço para os funcionários falarem e repensarem dificuldades e problemas pontuais. Com o reconhecimento das questões e assunção das responsabilidades por essas empresas, pretendíamos que uma maior quota de energia criadora pudesse ser liberada, gerando bem-estar e resultados positivos, em casa e no trabalho. O objetivo era a escuta focal destes sujeitos visando a alguma subjetivação dos ‘males’ em causa. Em caso de necessidade, encaminhamentos eram feitos a profissionais, fora da empresa.

Palavras-chave: Psicanálise, Escuta analítica, Atenção flutuante, Desejo, Inconsciente.


Abstract

These paper reports a study in two companies in the city of Belo Horizonte, both of which aimed at giving an opportunity for the employees to talk and rethink their difficulties and punctual problems. We intend, through acknowledgement of their issues and accepting the responsibilities signed them, that a greater quota of creative power could be released, generating well-being and positive results, both at home and at work. It was a time for reflection, providing for some subjectification of these individuals for the “illness” in cause. When necessary, the employees were then referred to a professional psychoanalyst outside the company.

Keywords: Psychoanalysis, Analytical listening, Fluctuating attention, Desire, Unconscious.


 

 

Introdução

O que pode um analista dentro de uma empresa? Seria possível a abordagem da singularidade dentro do espaço coletivo? Quem pagaria pela cara intervenção no um a um? Afinal é sabido que, em sua grande maioria, as empresas, da mesma forma que os seguros de saúde, “não pagam terapia para funcionários” – o custo é elevado e o foco desviado, uma vez que elas favorecem o grupo, o coletivo, muitas vezes em detrimento do individual. Desta forma, a maior parte das intervenções se direciona aos grupos, salvo os processos de coaching que são, em sua quase totalidade, individuais e desenvolvidos com os executivos de empresas visando ao aprimoramento de habilidades e competências. Seriam estas intervenções clínicas? O que é clínica?

De acordo com o dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa, esta palavra deriva do grego klinikê,ês 'cuidados médicos a um doente acamado', e seu uso fora do sentido terapêutico está ligado ao trabalho de um “grupo de pessoas dedicado à análise e à solução de problemas concretos ou à aquisição de uma habilidade específica ou de conhecimentos especializados; curso intensivo de especialização”.

Cura, cuidado ou busca de soluções para problemas estão sempre relacionados ao emprego do termo e associados à figura daquele que sabe e usa o poder curador e daquele que padece de dor. Esta conceituação se aplica bem ao trabalho desenvolvido pelos psicoterapeutas e mesmo pelos analistas. Mas e quanto às empresas? Sévigny, num texto que aborda a atuação das ciências humanas em instituições e empresas, nos diz que, quando este termo é empregado em ciências humanas, ele “remete a uma prática centrada em casos individuais, particularmente casos problemáticos, para os quais é preciso encontrar soluções” (SÉVIGNY, 2001, p.15). Este autor amplia o campo da abordagem clínica ao referi-la como utilizável “em quase todos os setores que se possa imaginar: da família ao trabalho, da religião às artes, dos negócios sociais aos negócios políticos, das associações de saúde às organizações de trabalho” (Idem, p.17). Ele chama a atenção para o trabalho do clínico, que inclui desde explicação de situações e problemas até a análise da compreensão e interpretação que os sujeitos fazem dos mesmos.

Em psicanálise o conceito de clínica leva em consideração, entre outras coisas, o pressuposto de uma alienação fundamental do sujeito no Outro, pois a criança, ao nascer, encontra-se num estado de não consciência de si mesma, em total dependência do outro materno, do qual deve se separar para advir enquanto sujeito. Tal operação, no entanto, pode apresentar falhas, tropeços que marcam o indivíduo impedindo muitas vezes o advir de seu desejo, trazendo consequências que vão desde as diferentes formas de estruturação até o adoecimento físico. É claro, porém, que a entrada do Outro é estruturante e corresponde, numa certa medida, à própria entrada do sujeito na linguagem e na cultura. O perigo está no fascínio que esta aproximação sujeito-Outro pode significar para o primeiro, a ponto de impedi-lo de se constituir como sujeito do inconsciente, de ter acesso ao seu próprio desejo. É este o nosso campo de atuação clínica enquanto psicanalistas.

Assim, podemos dizer que o conceito de clínica em Psicanálise vem associado à redescoberta da constituição da subjetividade e suas relações com o desejo e o gozo. Para isto o analista deve abster-se do aconselhamento, “respeitar a individualidade do paciente e não procurar moldá-lo de acordo com suas próprias ideias pessoais (...) contentar-se com evitar dar conselhos e, em vez disso, com despertar o poder de iniciativa do paciente” (FREUD, 1922, p.304). Nesta clínica faz-se necessária, a partir de “uma atenção parcialmente suspensa”, a escuta acurada do paciente associada à “arte interpretativa” (como Freud a descreve no mesmo artigo) para que o sujeito possa advir de sua alienação no discurso do Outro. Aqui se faz necessário determo-nos um pouco no conceito de escuta, que é importante no trabalho que ora descrevemos.

 

A escuta analítica

Freud se refere à escuta do paciente em vários momentos de sua obra quando se dirige aos analistas em recomendações sobre a técnica. Assim, além da passagem citada acima no texto de 1922, existem muitas outras passagens, mas, pinçarei mais uma no texto de 1912, Recomendações aos médicos que exercem a Psicanálise:

A regra para o médico pode ser assim expressa: Ele deve conter todas as influências conscientes da sua capacidade de prestar atenção e abandonar-se inteiramente à ‘memória inconsciente’. Ou, para dizê-lo puramente em termos técnicos: ‘Ele deve simplesmente escutar e não se preocupar se está se lembrando de alguma coisa” (FREUD, 1912/1969, v.XII, p.150, grifo nosso).

Escutar está ligado ao desprender-se de si, de um saber já dado, para uma maior aproximação do outro sem a intermediação da teoria. O analisando não pode ser colocado numa cama de Procusto teórica na qual a escuta de seu dito é balizada por uma teoria, seja ela qual for, pois, caso contrário, em lugar de escutar o sujeito, tudo o que o analista ouvirá não passará de ecos, restos de um já sabido discurso. Nada mais longe da Psicanálise... Para escutar, o analista deve despir-se de seu Eu, abrindo mão de seus pensamentos e da atração exercida sobre si pela teoria, é preciso “(...) fazer calar em si as ambiguidades, os enganos e erros do discurso intermediário (...)” (NASIO, 1999, p.126). Nasio se refere a esta atitude do analista como “fazer-silêncio-em-si”, expressão interessante para falar da negação, da abolição do si-mesmo, da imagem especular.

É fazer silêncio-em-si, negar o si-mesmo... e suprimir, apenas durante o espaço de um segundo, os diversos suportes construtivos do nosso Eu, a saber: o tempo, o espaço, os outros e principalmente toda visada ideal, todo objetivo no horizonte, todo sujeito-suposto-saber que, habitualmente, garante a escolha à qual procedemos quando o psicanalista está sentado em sua poltrona e acredita escutar o analisando” (NASIO, 1999, p.126).

Esta recomendação marca a diferença do trabalho do analista para o dos outros psicoterapeutas – nada de conselhos, casos, considerações ou tarefas. O lugar do analista deve ser opaco, uma vez que seu ser de sujeito não entra em cena com o paciente, ou seja, seu desejo, pensamento e julgamento racionais não devem participar de um trabalho que mereça o nome de psicanalítico. O analista ‘na direção’ de uma análise não dirige na acepção do termo: “exercer a direção de (instituição, cidade, país etc.); administrar, governar, gerir; ou no sentido figurado, dar (a alguém) orientação com conselhos, exemplo etc.” (Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa). Não, o analista dirige sem dar ou exercer direção, apagando-se para que o outro possa advir com seu desejo, medos e angústias. Ao silenciar frente à demanda de amor e ao convite à repetição na transferência, o analista “dirige” o paciente rumo ao diferente, ao inusitado de seu ser e, consequentemente, para fora da neurose. É, pois, nessa direção que deve caminhar a cura e todo o trabalho do analista.

Mas seria tal escuta possível fora do setting analítico, fora de um trabalho de análise? Por que não? Afinal, o sujeito do inconsciente não se dá a ver apenas num consultório, pois caso contrário, não existiriam atos falhos, lapsos, sintomas e sonhos. Além disso, a escuta do sujeito, como vimos, é possível quando o ser do analista se apaga e quando este se abstém de dar conselhos, estipular tarefas, como um Mestre que tudo sabe, ou, como nos diz Freud (1912), quando ele consegue evitar a "atividade educativa” controlando-se e guiando-se “pelas capacidades do paciente em vez de por seus próprios desejos” (FREUD, 1912/1969, v.XXII, p.157), sem “privilegiar, em sua escuta, nenhum dos elementos particulares do discurso do analisando” (CHEMAMA, 1995, p.22).

Isso, porém, não é tão simples numa proposta de trabalho focal, pois, as pessoas que aderem a ela têm, no mínimo, uma fantasia de que ‘basta conversar com o psicólogo que tudo se resolverá’, como num passe de mágica. Este, pois, seria então o primeiro problema a ser confrontado neste trabalho nas empresas – a alta expectativa das pessoas e a crença num alívio rápido sem um grande envolvimento dos sujeitos. Além disso, um trabalho de escuta fora do setting correria o risco de se tornar um trabalho de análise selvagem, o que não era meu desejo. Mas achei que valeria o risco, confiei na possibilidade de transposição desta frustração inicial, na eficácia da escuta e no meu bom senso e experiência como analista para evitar as malhas de uma atuação selvagem. E foi apostando nisto que aceitei o trabalho dentro de uma empresa, tendo em mente que é possível a escuta pontual; afinal, se este era um espaço “para pensar questões pessoais”, deveria ser também para pensar responsabilidades e envolvimentos nas questões trazidas e isto poderia ser o começo, o meio ou o fim de alguma coisa para essas pessoas.

Assim, foi com o conceito de escuta em mente que iniciei o trabalho, aberta às diferentes possibilidades de encaminhamento de cada indivíduo.

 

O trabalho

O psiquismo e, em especial, o inconsciente são enigmáticos e o trabalho daqueles que se dedicam a eles sempre atrai, no mínimo, a curiosidade das pessoas. Aqui não foi diferente.

A Simpson (nome fictício) era uma empresa jovem, com aproximadamente 250 empregados numa faixa de idade de 30 anos, com um número maior de solteiros que de casados e poucos descasados. Quando o programa foi implantado, ele atendia à demanda de funcionários que queriam um psicólogo clínico para discutir questões ligadas principalmente à educação de filhos e relacionamentos pessoais. Além disso, a coordenação do departamento de Recursos Humanos (RH), através de queixas das chefias, já havia notado que tais questões tomavam um tempo precioso do envolvido e dos colegas ao seu redor, além de implicar em baixa de produção e faltas.

Este programa fazia parte de uma série de outros implantados por este departamento com o foco no ‘bem-viver’. Eram implantados simultaneamente dois, que ficavam por um tempo e depois eram substituídos – ginástica laboral, shiatsu, artes, culinária eram alguns dos programas que já haviam sido implantados e terminados. A duração de cada programa variava de acordo com a demanda dos funcionários, numa média de um a três anos e com o limite imposto pelo departamento de RH. As aulas ou sessões aconteciam num espaço reservado dentro da empresa e no horário de trabalho.

Fui contatada, fizemos um pequeno projeto e iniciamos o trabalho. Primeiro montamos um pequeno consultório – três poltronas, um tapete, uma mesinha de centro e duas plantas arrumadas de maneira a compor um espaço confortável, no qual a luz era quebrada dando um toque aconchegante ao local. “Ficou muito bom”, era o primeiro comentário de todos que entravam seguido por, “nem parece que estamos na empresa”. A agenda era organizada pelo departamento de RH através da ‘intranet’, ou seja, os funcionários se inscreviam e eram organizados de forma a serem atendidas de cinco a dez pessoas por semana (começamos com duas manhãs e, depois de algum tempo, passamos para uma manhã de trabalho semanal). Caso necessitassem, poderiam voltar dentro do mês da consulta desde que houvesse vaga, pois a preferência era atender aqueles que ainda não tinham participado. Isso gerou reclamações, mas a empresa pretendia garantir que aquele espaço não se transformasse num de “terapia”, fugindo assim da proposta.

Para minha surpresa, as pessoas entenderam e aceitaram bem a proposta sem perder de vista que, se necessitassem de um trabalho analítico, seriam encaminhadas para um profissional fora da empresa. Seguindo minha proposta inicial eu escutava as queixas, medos, dúvidas e pedidos de conselhos e tentava remeter os sujeitos ao seu papel em cada situação que era trazida, ou seja, para sua implicação na mesma. Alguns foram evasivos e se calaram, outros negaram qualquer participação e não voltaram, mas muitos foram fisgados e se propuseram a repensar os problemas por um novo prisma do qual o ganho secundário, desejos inconfessáveis, medos e angústias próprios a cada um constituíam algumas de suas facetas. Estas pessoas retornaram sempre que possível e puderam se beneficiar do programa. Entre elas obtive resultados que realmente me surpreenderam e que me sinalizaram a importância do trabalho que eu estava desenvolvendo, como no fragmento de caso que se segue abaixo:

“Rita, casada há muitos anos com José, procurou o atendimento para se queixar do marido alcoólatra. A bebida, assim como a embriaguês e suas consequências, era motivo de muitas brigas e discussões. Mas sua maior queixa era o distanciamento do marido e sua falta de compreensão, que substituía a antiga relação de companheirismo. Ela se dizia em estado de constante mau-humor e impaciência. Problemas de saúde foram surgindo e ele sem lhes dar atenção até que sofreu um Acidente Vascular Cerebral. Apavorado com a proximidade da morte, ele ‘NUNCA MAIS BEBEU’, isso há TRÊS ANOS (primeira incoerência no discurso). Em seguida Rita passa a falar que, após um tratamento prolongado, ‘ELE MUDOU COMPLETAMENTE’ – vendeu o bar que tinha, passou a ficar mais tempo em casa, tornou-se carinhoso e paciente com ‘as implicâncias’ da esposa, mas que ela, apesar de amá-lo muito, achava que o casamento tinha acabado, pois ELA NÃO CONSEGUIA ‘ACEITÁ-LO ASSIM’ (segunda incoerência).

Pontuei: – parece que você precisa de seu marido alcoólatra... Ela se assustou e após ter dito que não havia pensado nisto, calou-se pensativamente e foi embora. Remarcou mais uma sessão e entrou chorando e me agradecendo por eu ter “devolvido a vida para ela”, ela não estava podendo ver que a situação tinha mudado e reagia à situação anterior. Em suma, ela não estava podendo ser feliz por rancor, dificuldade de perdão, etc. Disse que não precisava mais de mim, tornou a agradecer e foi embora.

Rita poderia ter sido encaminhada para uma análise, mas não era esse seu desejo. Ela, e ao que parece o marido também (pois ele mandou me agradecer), estava feliz por ter o marido de volta, este era o seu desejo e deveria ser respeitado. Foi o que fiz.

É claro que nem todos os casos foram como o de Rita, mas em muitos deles foi possível:

• Em lugar de dar conselhos sobre educação, ajudar os pais a repensarem o motivo pelo qual não conseguiam se fazer obedecer pelos filhos, o que estava em jogo por trás da guerra na hora das refeições, banhos, desobediências.

• Repensar a forma como viam a adolescência, a infância e às vezes se dar conta que não tinham que repetir os próprios pais em tudo.

• Ajudar os casados a se reverem em suas relações com seus cônjuges, pontuando seu envolvimento na provocação de atritos ou na dificuldade de abrir mão dos mesmos.

• Repensar com as moças e os rapazes solteiros sua responsabilidade na dificuldade de conquistar e, acima de tudo, manter um(a) parceiro(a).

• Em suma, pinçar a ponta do desejo que se fazia ver por trás das questões, denunciada pelas incoerências, atos falhos, piadas e brincadeiras que traziam para as sessões. Pinçar na inconsistência do discurso um pouco desse sujeito do inconsciente.

Muitos foram os pedidos de encaminhamento para análise, mas, até onde eu sei, poucos foram levados adiante. Depois de três anos o programa foi finalizado com avaliação muito positiva do trabalho, mas com a justificativa de que ele já havia cumprido sua função e que, mantê-lo por mais tempo, poderia implicar num vínculo indesejável.

 

Conclusão

O que pode a Psicanálise? Qual a extensão de sua aplicação? Numa época de consumo exacerbado e tempo acelerado, tudo tem que ser “para ontem”, e o fim da Psicanálise vem sendo preconizado por muitos – por ser um processo longo, caro, mas acima de tudo, por não se conformar e sim por arrancar o sujeito das malhas de um gozo de consumo que não pode ser questionado. Daí o sucesso das terapias mais adaptativas que atuam no comportamento e na adequação do sujeito ao seu tempo e cultura. Com isso nada é questionado e o império do consumo cresce.

A Psicanálise não só tem um lugar como tem uma função – ir na contramão desse acting out auxiliando o sujeito a encarar o vazio, a dor de existir, sem ter que recorrer à aquisição de gadgets tamponadores e descartáveis. Encarar o vazio como única possibilidade de acesso ao desejo, ao sujeito do inconsciente e à criação.

Desta forma, os trabalhos fora dos consultórios não só são possíveis como desejáveis. A atenção flutuante e a escuta são viáveis e necessárias se o objetivo é colocar o indivíduo frente a frente consigo mesmo e com suas questões. Isso é possível a partir da escuta atenta do discurso, do apaziguamento interior do analista e de uma postura ética, na qual o compromisso não pode ser com a produção, mas com o sujeito. Preço alto que pode implicar na dispensa do analista... É preciso coragem, estofo e muita análise...

O trabalho que desenvolvi nessas empresas enriqueceu-me muito ao me ajudar a apurar minha escuta. Além dos atendimentos, fui convidada a fazer palestras sobre educação, drogas, relacionamento afetivo, etc. Eu reservava esses momentos para trabalhar as dúvidas relacionadas aos temas pedidos, e os momentos das consultas para escutar as pessoas. É claro que nem sempre o efeito de sujeito pôde ser alcançado e que algumas vezes precisei ser mais direta e falante, responder a questões, mas, ainda assim, nestas ocasiões, foi possível apontar para a maioria das pessoas o lugar em que se colocavam no mundo, o que já era um começo.

Após esta experiência, fui indicada pela Simpson para desenvolver o mesmo trabalho, também muito bem-sucedido, em outra empresa. Trabalho possível a partir da aplicação da Psicanálise fora do setting, também chamado de Psicanálise em extensão. O sujeito humano é o mesmo em qualquer lugar, “sujeito livre, dotado de razão, mas cuja razão vacila no interior de si mesma. É de sua fala e seus atos, e não de sua consciência alienada, que pode surgir o horizonte de sua própria cura” (ROUDINESCO, 2000, p.69). Daí a necessidade da escuta acurada, cuidadosa. Além disso, como nos lembra Pommier (1990), em Psicanálise trabalhamos não com a “verdade do saber”, mas com o erro – lapso, erro de gramática, erro lógico, fading – que é o que constitui o melhor critério de deciframento do inconsciente. Sendo assim, pode-se pensar que, onde houver um ser falante dotado de inconsciente, desejo e gozo, é possível um trabalho analítico de escuta e pontuações no discurso que possam abrir as cortinas para uma outra cena.

 

Bibliografia

CHEMAMA, R. Dicionário de Psicanálise Larrouse. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. 241 p.         [ Links ]

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HOUAISS, A. Houaiss. Dicionário eletrônico da língua portuguesa. Verbete: Clínica.         [ Links ]

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ROUDINESCO, E. Por que a psicanálise? Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000. 163 p.         [ Links ]

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Endereço para correspondência:
Rua Santa Rita Durão, 321/511 – Funcionários
30140-110 – BELO HORIZONTE/MG
Tel.: (31)3281-3677
E-mail: cbellico@terra.com.br

RECEBIDO EM: 28/02/2012
APROVADO EM: 30/04/2012

 

 

Sobre a Autora

Maria Carolina Bellico Fonseca
Psicanalista. Sócia do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais. Mestre em Psicologia pela UFMG.