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Reverso

versão impressa ISSN 0102-7395

Reverso vol.34 no.63 Belo Horizonte jun. 2012

 

Discurso de posse da diretoria biênio 2011-2013

 

 

Eliana Rodrigues Pereira Mendes

 

 

É com muita alegria que, em nome da Diretoria eleita para o biênio 2011-2013, venho saudar os companheiros e amigos do CPMG.

Pela segunda vez ocupo a função de presidente, tendo sido a primeira vez no biênio 1997-1999.

Esta reincidência me fez refletir, mais detidamente, sobre a importância não apenas da psicanálise, mas também de sua prática clínica e das sociedades que congregam os psicanalistas e ainda sobre a formação de novos profissionais da área.

Um dos mais revolucionários conhecimentos trazidos à luz pela psicanálise, criada no ocaso do século XIX, foi exatamente sobre a subjetividade e a relevância da história de cada sujeito, o que fez parte das mentalidades do século XX e mais ainda do século XXI, onde as diversidades são ainda mais flagrantes. Melhor assim, porque possibilita uma escolha mais próxima do desejo de cada um.

A profissão de psicanalista é bastante singular, e sua prática ortodoxa típica começou no um a um dos consultórios, embora a extensão da teoria psicanalítica alcance toda a humanidade.

Sua transmissão, assim sendo, não pode se dar, comparando grosso modo, numa linha de montagem, onde o que importa é o rendimento do produto feito em massa (como pode ser o caso do ensino psicanalítico nas universidades). Ao contrário, ela tem de se dar na inventividade e no cuidado do trabalho artesanal, onde cada peça é única e vale por si (como pode ser o caso da transmissão nas sociedades psicanalíticas).

Por isso também não é desejável que a psicanálise seja regulamentada como profissão, pois ela ficaria emparedada num conjunto inerte de leis, sujeita a cooptações por pessoas indevidas. O que se deseja para a psicanálise é que ela seja vívida e pulsante (como vêm trabalhando os movimentos psicanalíticos contra a regulamentação desse ofício). Na psicanálise não vale o diploma na parede, mas a própria autorização de cada psicanalista para efetuar sua prática.

Essa prática, no entanto, necessita de um grupo referencial, que a sustente com a teoria e que possa autenticar a prática de seus seguidores. Esse é o espaço das sociedades analíticas, lugar de estudo e de intercâmbio de experiências, além de propiciar a seus participantes um referendo, junto aos colegas, da própria autorização que cada um se dá para ser analista.

Nesse intervalo de doze anos entre a minha primeira gestão e esta que se inicia, muitas coisas aconteceram à nossa instituição.

Como somos um centro de estudos, transmissão e divulgação da psicanálise, foi exatamente nessas atividades que se deram as mais importantes modificações. Entre elas, a mais significativa foi a sistematização da Formação de novos analistas, numa reivindicação dos próprios envolvidos na questão, por meio de um programa de dois tempos:

O tempo da informação (da teoria), aberto a pessoas de nível universitário, que se interessam em conhecer a psicanálise, mas não necessariamente em ser psicanalistas. O propósito desses alunos é, muitas vezes, atingir um patamar diferenciado na sua própria profissão, à luz dos conhecimentos psicanalíticos. Aqui se incluem médicos de diversas especialidades, juízes, advogados, pedagogos, filósofos, administradores, economistas, entre outros, que tiveram suas práticas profissionais enriquecidas pelo aporte da teoria psicanalítica.

Ao fim desse tempo, e após um trabalho escrito que dê conta de como a psicanálise foi absorvida pelo estudante, há a continuação dos cursos, já agora com a abordagem dos textos técnicos de Freud e de Lacan sobre o exercício da clínica, ou seja, o fazer psicanalítico. Isso se dá não só nas aulas teóricas, mas também através dos dispositivos da Clínica de Psicanálise mantida pelo CPMG, que é um espaço privilegiado como propiciador da transmissão da psicanálise, e também de treinamento pessoal, do agora candidato a psicanalista. Essa Clínica, através de seus atendimentos, oferece um amplo acesso aos diversos segmentos da população da cidade. Sendo assim, constitui-se ainda como um dispositivo adequado para pesquisas e aprofundamentos dos estudos sobre a indispensável articulação entre teoria e clínica. Findo esse período, o candidato pode pedir sua entrada na sociedade psicanalítica, através de uma apresentação escrita de seu percurso pessoal, até esse momento, e também de seu desejo de pertencer ao quadro de sócios efetivos do CPMG. Seu pedido de entrada é acolhido por uma comissão ad hoc, que o levará a uma Assembleia Geral do corpo societário.

Durante os dois períodos de formação, é pedido que o aluno (por opção) e o candidato (obrigatoriamente) façam sua análise pessoal, requisito da maior importância, e no caso do candidato, que complemente seu treinamento com a supervisão de seus casos clínicos com um dos integrantes efetivos do CPMG.

Atualmente a Clínica conta com uma parceria com um hospital psiquiátrico da cidade, onde, mensalmente, é feita uma visita com entrevista de um paciente interno, e posteriores observações teórico-clínicas por parte de um dos coordenadores, previamente designado.

Como se vê, o tempo de cada candidato obedece a seu próprio desejo, e à escolha que ele faz de seu percurso, embora haja uma sugestão de precedências do que ele vai estudar.

Nosso ano letivo é pontuado de eventos que tratam da divulgação e transmissão da psicanálise.

- Temos uma jornada anual, sobre tema de grande motivação do grupo e com apresentação de trabalhos de todo o CPMG e de analistas de outras instituições, e ainda com convidados especiais. O tema da jornada, aliás, é objeto de estudo e de apresentações antecipadas abordando o assunto. Isso se dá, muitas vezes, nos Seminários Livres mensais, outra das atividades da Diretoria Científica, abertos ao público, em geral.

- São oferecidos cursos mensais com convidados especiais, psicanalistas ou não, segundo o interesse da maioria dos participantes do CPMG.

- Mantemos, há trinta anos, uma publicação, atualmente semestral, da revista Reverso, veículo de comunicação e registro escrito de nossa produção científica, como também outro espaço de troca com a comunidade psicanalítica, em geral.

- Participamos, dentro de nossa filiação nacional, do Círculo Brasileiro de Psicanálise (CBP), que publica a revista Estudos de Psicanálise, que recebe artigos do CPMG e proporciona Congressos bianuais para os sócios.

- Nossa filiação internacional é com a International Federation of Psychoanalytical Societies (IFPS), que edita a revista quadrimestral International Forum Of Psychoanalysis, da qual também podemos participar, além de promover encontros internacionais a cada dois anos, num país da federação. Vale lembrar que sediamos e promovemos um Fórum Internacional em 2004, que congregou mais de seiscentos participantes, não só do Brasil, mas de vários outros países. Quanto à revista internacional, já foram publicados dois números preparados pela editoria regional brasileira, sendo que um terceiro versando sobre Trabalho e Psicanálise será publicado no início de 2012, com maciça presença de artigos de Minas Gerais.

- Temos ainda um programa de extensão cultural do qual podem participar alunos, candidatos, sócios e público interessado, que é o Dedo de Prosa, que oferece visitas guiadas a museus, projeção e comentário de filmes, debates sobre assuntos instigantes no momento, tornando possível uma conexão ativa com o ambiente cultural da cidade.

- Nossa transmissão e ensino têm sido solicitados por outras cidades mineiras, como já aconteceu com Montes Claros, Ponte Nova e Sabinópolis, e até mesmo por outro estado, como é o caso de Belém do Pará, que apresentou uma demanda de formação e com isso levou ao compromisso do quadro de professores de se deslocar até lá, numa iniciativa da última diretoria que nos antecede.

Do ponto de vista patrimonial, trocamos nossa sede própria por outra mais adequada às nossas atividades. Além disso, abrigamos uma preciosa biblioteca, a terceira mais completa do Brasil sobre temas psicanalíticos, segundo fonte fidedigna, da qual podemos nos orgulhar e nos valer à vontade.

Se listo todos esses itens é no intuito de mostrar quanto foi importante o esforço conjunto de todos nós, e em especial o empenho das diretorias que se desdobraram para dar conta das muitas programações e compromissos de trabalho, desenvolvidos pelo CPMG. Se somos o que somos hoje, foi porque nos dedicamos de fato ao nosso trabalho, tendo a psicanálise como causa.

Quero agradecer, de modo especial, à Diretoria que nos antecede, na pessoa de Ana Cristina Teixeira da Costa Salles, incansável durante os quatro anos de gestão.

Com quase cinquenta anos de existência, que se completarão em 2013, nossa instituição nos destina um legado de muitas realizações que temos de manter e fazer evoluir.

A Diretoria de 2011-2013 está comprometida em trabalhar e aprimorar a Trans-Formação do CPMG, entendendo como tal a formação expandida e atualizada ao longo do tempo, não só para estudantes e candidatos a psicanalistas, mas ainda e principalmente para os sócios efetivos que, longe de se contentarem com sua efetividade, sabem que ela não é estática, nem traz garantias, mas que tem de impulsionar no sentido de querer sempre mais, dar sempre um passo adiante na formação, que é permanente.

Quero concluir agradecendo a todos os colegas, mais do que colegas, os amigos que se empenharam desejosamente nessa Diretoria. Sabemos que nos espera uma longa caminhada, mas queremos cumpri-la com o desejo entusiasmado de analistas, um desejo que empolga e anima. Bem sabemos que esse desejo tem de assumir a falta, como consentimento à inevitável castração. Mas esperamos que esse mesmo desejo possa investir afeto no saber que ele abrange, dando-lhe uma conotação de um saber alegre, um saber desejante, um gaio saber, na acepção lacaniana. É bom contar com vocês nessa nova travessia.

Repetindo o que já disse anteriormente, ao final da minha primeira gestão, a Diretoria ocupa um lugar-função, que se justifica enquanto serviço a prestar, e que depois deverá ser retomado por outros, mais outros e assim sucessivamente. É a única forma que temos de continuarmos vivos como corpo societário.

Obrigada a todos que vieram nos prestigiar nesta noite.