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Print version ISSN 0102-7395

Reverso vol.35 no.66 Belo Horizonte Dec. 2013

 

ARTIGO

 

Da dilemática à dialética

 

From dilemma to dialectics

 

 

Arlindo Carlos Pimenta

Círculo Psicanalítico de Minas Gerais
Associação dos Fóruns do Campo Lacaniano

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Após fazer uma resenha histórica do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais, procuramos extrair suas consequências através dos modelos de funcionamento institucional, da transmissão da psicanálise e seus reflexos nos dias atuais.

Palavras-chave: Modelo da IPA, CAD e GEFLA, Tempo do saber (primeiro tempo), Tempo do fazer (segundo tempo), Clínica de Psicanálise, Formação e transmissão.


ABSTRACT

After summarizing the history of Círculo Psicanalítico de Minas Gerais, the author tries to extract the consequences of it, from the point of view of the institutional functionning model, the transmission of Psychoanalysis, and its reflections nowadays.

Keywords: IPA (International Psychoanalytic Association) model, CAD (Trainning Analysis Comission), GEFLA (Studying Groups on Freud and Lacan), Time for Psychoanalytic Clinic, Time of Information (first time), Time of Formation (second time), Psychoanalytic Trainning, Transmission.


 

 

Depois de ler, reler, pesquisar e refletir, fui entrando no túnel do tempo, perdido, buscando angustiado dizer algo não enquanto colagem, mas fruto de uma elaboração que pudesse falar da subjetividade construída a partir de tantos calços e percalços, idas e vindas, enfim algo que pudesse, mesmo que aos poucos, desiludido dos voos e manquejando, chegar a algum lugar.

Nesse percurso-pesquisa reli textos com os olhos de hoje tendo a impressão de uma estranheza, um Unheimlich fascinado ao perguntar: Como alguém escreveu isto naquela época? Ou será que fui eu quem escrevi isto?

Então, me valho de Rogerio Amoretti, em um texto escrito para a comemoração dos 30 anos de Círculo Psicanalítico de Minas Gerais, denominado Cronologia e contradição: o CBP de Viena a Minas Gerais (AMORETTI, 1993, p. 132-142).

E me aproprio de um parágrafo de seu texto como bússola para minhas elaborações.

Diz ele:

Cada aniversário recoloca a questão da identidade que se constitui como processo ancorado no passado que se fez história, no presente que se faz pela repetição ou ressignificação do já vivido, e no futuro, que sendo inevitável precisa ser sonhado e projetado, tendendo a superar dialeticamente o acúmulo de realizações e equívocos do passado e do presente. (AMORETTI, 1993, p. 133).

Perdido no túnel do tempo, pretendo trazer algo da instituição psicanalítica nestes 50 anos e, mais especificamente, do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais.

Encontro-me de início neste passado que se fez história, dialogando com colegas e autores que encontro pelo caminho.

Surpreendo-me encontrando a mim mesmo através do artigo apresentado na IV Jornada, realizada no Hotel Grogotó, em Barbacena, intitulado Política institucional e formação profissional (PIMENTA, 1983, p. 15-21).

Nele tento responder a uma interpelação feita pelos idos de 1975-1976, quando em debate sobre velhos e novos no CPMG. Antonio Ribeiro me questionara: "Arlindo, você já está há tanto tempo no Círculo e ainda se considera um novo?". Tentei atrevidamente, naquela época dizer que velho ou novo é uma questão não de cronologia, mas de posicionamento: "Apesar de novo, e por isso mesmo meu trabalho pretende ser de contestação do estabelecido".

Valho-me nessa contestação de um artigo de Jarbas Portela denominado 15 de outubro de 1886, um espaço para um desejo chamado Freud (PORTELA, 1977, p. 33-97). Nesse artigo o autor faz uma cisão do personagem Freud em Freud-Édipo, que rompe com a linguagem oficial e cria a psicanálise e outro espaço que denomina Freud-Moisés, onde este defende seu império.

Após algumas elaborações pude concluir que existe uma grande desconexão, uma ambiguidade, uma contradição até aqui insolúvel entre o texto freudiano e a instituição do freudismo.

Encontro-me de passagem com François Routantag em seu texto sobre a Horda selvagem (ROUSTANG, 1989). Nesse texto, o autor faz uma análise da relação de Freud, com seus primeiros discípulos. Freud escreve a Groddeck designando o grupo de seus discípulos como uma "horda selvagem". Na fachada, diz ele, tem-se uma criação cientifica notável; nos fundos, uma miserável história de costumes.

Nessa história conflituosa vale a pena destacar o papel exercido por Max Eitingon no estabelecimento dos parâmetros para a formação psicanalítica. Bastante próximo de Freud, que o inclui no comitê em 1919, Eitingon era antes de tudo um burocrata. Não era brilhante intelectualmente e nunca publicou um trabalho de psicanálise. Em 1920, cria com Abraham o Instituto de Berlim. Criou também o International Training Comission e durante 30 anos anos foi responsável pela regulamentação da formação (MILLOT, 2006).

De início, portanto, e depois de forma generalizada, a preocupação principal era com a burocratização (número de sessões, tempo de análise e supervisão, etc.) que propriamente com a fundamentação teórica dessas exigências.

Encontro em uma esquina do tempo com Marco Antonio Coutinho Jorge, com quem comento rapidamente seu tema sobre Lacan e a estrutura da formação psicanalítica (SAFOUAN, 2006). Digo-lhe que já ouvira falar de Lacan, mas gostaria de trocar ideias mais aprofundadas quando estivéssemos no presente. De momento só gostaria de discordar da ênfase e do efeito que ele dá à descoberta do câncer de Freud em 1923 e à proposição da formação psicanalítica na IPA. Certamente essa descoberta pode ter tido um efeito acelerador, mas a questão já vinha de muito antes. Marco Antonio reforça sua argumentação, chamando Safouan, que salienta que os berlinenses transformaram em obrigação o que pertencia ao domínio da escolha (SAFOUAN, 2006).

Volto a me encontrar com Marco Antonio quando enfatiza que, dos analistas de projeção dos anos 1940, M. Balint foi o único a denunciar a ausência da teoria da formação à qual atribui uma severa inibição por parte dos analistas (LACAN, 2003). Apesar de suas críticas sérias e embasadas a esse sistema, na prática e na IPA, nada mudou. E foi esse sistema que chegou até nós pelos idos de 1963.

 

A psicanálise em Belo Horizonte, sua chegada e suas vicissitudes

Como todo desenvolvimento cultural e econômico no Brasil, a chegada da psicanálise não foi diferente.

De início se restringiu ao eixo Rio-São Paulo. Houve, no entanto uma diferença. Porto Alegre foi incluída nesse eixo devido a sua proximidade de Buenos Aires.

Sabemos da diáspora dos psicanalistas acontecida antes, durante e após a Segunda Guerra Mundial. O local mais procurado por eles foi os Estados Unidos, além da Argentina, na América do Sul, considerada então um centro cultural mais evoluído.

Fora desse eixo (tripé) era muito difícil alguém sustentar sua formação com a exigência de análise didática (3 a 4 vezes por semana), supervisão, cursos teóricos.

Os candidatos a psicanalista de Belo Horizonte iam a São Paulo ou ao Rio de Janeiro com a intenção de após concluída sua formação voltar a sua cidade natal. Mas, após vários anos residindo ali e com clínica já formada, não regressavam mais.

Em interessante trabalho sobre as origens da psicanálise em Belo Horizonte, o Dr. Sebastião Salim relata a saga de um ideal, quando durante 30 anos lutou com a burocracia da IPA para implantar uma unidade em Belo Horizonte (SALIM, 2011).

Encontro-me nas voltas do tempo com a Dra. Elba de Almeida Duque, que me fala de como um pedaço de história pessoal se confunde com o início da história de um grupo (DUQUE, 1993).

A partir de questões pessoais se interessou pela psicanálise. Vai a São Paulo e entra em contato com profissionais da IPA. Traz a Belo Horizonte o Dr. Blay Neto para uma experiência relâmpago.

De novo em São Paulo, são fornecidos nomes de analistas em formação em Londres, mas nenhum se interessa em vir. Chega a pensar em ir a Londres fazer sua formação, quando na Faculdade Católica, encontra Luiz Viegas (então Padre Viegas), que lhe fala sobre Malomar. Correspondências são trocadas, e Malomar inicia suas atividades em Belo Horizonte, em abril de 1963.

Malomar estivera por aproximadamente um ano em Viena e se autoatribuiu o título de didata, e o modelo da IPA foi proposto (ao incipiente) Círculo Brasileiro de Psicologia Profunda - Seção de Minas Gerais. No entanto, os conflitos não tardaram a aparecer, juntamente com o sentimento de fragilidade e orfandade.

Apelou-se para a vinda de Caruso, que trouxe algumas consequências, como a ampliação do número de didatas e a fundação da Comissão de Análise Didática (CAD), que fortaleceu o modelo da IPA, propôs um direcionamento na formação, tendo Freud como base, e não uma salada de autores como anteriormente, e estabeleceu controle rígido do poder na instituição. Além disso, foi feita a mudança da sociedade para Círculo Psicanalítico de Minas Gerais (CPMG).

Vários efeitos se fizeram sentir, tais como um modismo alternante de autores e sobretudo uma inibição quase total dos membros do CPMG. O silêncio era a norma.

Encontro-me nas voltas do túnel com Jarbas Portela em suas Notas sobre a identidade do analista, onde faz uma análise interessante da situação do CPMG àquela época — 1979 (PORTELA, 1979). Rejeitando a palavra identidade como inadequada à psicanálise, Portela passa a fazer referências às identificações e propõe duas formas principais de identificação: identificações constitutivas e identificações secundárias ou acessórias.

As identificações constitutivas formariam um núcleo identificatório, que proveria uma certa consistência e continuidade do ser psicanalista. Ao redor desse eixo consistente de identificações, estariam as identificações acessórias, que não alterariam qualitativamente o eixo identificatório constitutivo.

A seguir o autor passa a fazer uma análise da situação do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais sob alguns prismas. Portela aponta a inexistência de um eixo teórico constitutivo consistente, que permitisse uma estrutura teórica mais sólida e na ausência dessa levasse a um praticismo ingênuo ou à formação de psicoterapeutas que só conhecessem um saber liquefeito. Fala do silêncio existente na sociedade e de uma certa tolerância aguada que facilmente se transformaria em covardia intelectual e escapismo. O texto de Portela é digno de ser relido em sua íntegra.

Porém, a questão principal lhe escapa: a estrutura ipeísta da Sociedade, com a agravante de ser dominada pela Comissão de Análise Didática (CAD), da qual o Dr. Portela fazia parte, era a responsável direta por esta situação. Basta lembrar as críticas feitas por Balint a esse sistema de formação.

Esse "balaio de gatos" inicial, ainda segundo Portela e uma tolerância exacerbada, levaram à criação da Comissão de Análise Didática, para que como no Comitê de Freud zelasse pela estruturação da sociedade. A CAD teve seus méritos de início, mas não soube sair desse lugar de poder e gerou muitos sintomas societários.

Fico meio pasmado ao reler este texto e sentir que o Dr. Jarbas percebia claramente a problemática do CPMG, mas não apoiou nem sustentou o movimento político de 1983, que se propunha exatamente a pôr em prática essas questões teorizadas por ele. Preferiu se demitir. Sem dúvida, só posso lamentar.

Em sua entrevista concedida por ocasião dos 40 anos do CPMG o Dr. Portela reconhece: "Foi um erro, foi um erro". E acrescenta: "entrar no poder é fácil. Sair é difícil. Poder do saber, poder afetivo, poder sexual, da sedução, poder político ou militar".1

Na próxima volta ao túnel encontro o Dr. Antonio Ribeiro na 11a Jornada do CPMG em Ouro Preto, na mesa-redonda do CBP sobre formação psicanalítica (SILVA, 1980).

Afirma Antonio Ribeiro:

Ninguém tem o direito de deter o poder pela força, ditatorialmente, do mesmo modo que o saber não pode ficar confinado a grupos.

E mais adiante:

[...] contudo a questão principal, refere-se à análise pessoal, aqui denominada análise didática.

Em princípio todos nós concordamos que não existe diferença entre análise terapêutica e análise didática.

E acrescenta:

[...] não há como negar que a análise didática é uma análise especial. Deve ser mais completa, profunda e que inevitavelmente aparece um terceiro elemento na relação terapêutica: a sociedade ou o Instituto de psicanálise.

E continua:

[...] facilmente o próprio setting perde seu limite e penetra dentro do espaço institucional, numa evidente confusão, ou melhor, descaracterização do processo terapêutico.

E ainda:

Creio que é a analise didática, com seus problemas, que estrutura e dá corpo à sociedade.

Discordo de Dr. Antônio Ribeiro, pois o que é exposto em teoria destoa completamente da prática e do clima que se respirava na instituição. Tem-se a nítida impressão por esse artigo que na prática a teoria era outra.

Venho ao presente para dizer: assim como no artigo anterior lamentei a saída e a não sustentação de suas ideias pelo Dr. Jarbas Portela, quero dizer de minha satisfação da permanência de Dr. Antônio entre nós. Teve a coragem, com todas as dificuldades de deixar a posição de xerife,2 para se tornar um grande mestre, profundo estudioso do texto freudiano e aberto a outras contribuições. Pena que se foi tão cedo!

Na década de 1970, as primeiras notícias do ensino de Lacan, vieram sobretudo através de Célio Garcia. Não sei dizer ao certo se pelo estilo pessoal de Célio Garcia ou por suas divergências com a CAD, ou pelo contato inicial com a obra de Lacan, o fato é que a apresentação de Lacan não foi das melhores no Círculo Psicanalítico de Minas Gerais.

Foi no Colégio Mineiro, o cenário onde as ideias de Lacan tomaram corpo, formando o Grupo de Estudos Freud-Lacan (GEFLA) que evoluiu para o Simpósio, Matema e posteriormente Escola Brasileira de Jacques-Alain Miller.

O CPMG, com estrutura da IPA e mesmo depois da ruptura, foi tomado como contraponto dessa instituição, como lugar mal dito e mal visto.

O ensino de Lacan só era acessível a quem concordasse em aceder à tirania epistêmica do Sr. Miller, que em sua política, levou seus integrantes a ocupar as cadeiras universitárias e do serviço público por onde forçosamente os alunos teriam que passar. Na política da cabeça feita e da visão unilateral, o CPMG foi tomado como lugar da crítica e do desvalor.

Apesar disso, após o movimento político de 1983 e a quebra da estrutura anterior, as ideias de Lacan se tornaram indispensáveis e irrecusáveis a todos aqueles comprometidos com a causa analítica. Nossa preocupação era, então, como ter acesso ao ensino de Lacan sem ter que pagar tributos ao Sr. Miller.

Daí terem nascido o convite e o Seminário de Oscar Cesarotto e Contardo Calligaris, por intermédio de quem foi feito um estreitamento do relacionamento do CPMG com a Associação Psicanalítica de Porto Alegre (APPOA) e de Charles Melman.

A partir de 1998, com a cisão do Campo Freudiano e a criação do Campo Lacaniano, houve uma aproximação maior dessa Escola e do CPMG.

Pelas voltas do século XXI, uma nova aproximação do ensino de Lacan foi feita através do Corpo Freudiano, presentificado por Marco Antonio Coutinho Jorge, que desde 2003 vem apresentando seminários mensais, contribuindo para o crescimento do CPMG.

Chegamos ao presente.

E reencontramos Amoretti:

[...] no presente que se faz pela repetição ou ressignificação do já vivido (AMORETTI, 1993, p. 133).

O que é hoje o CPMG em termos de estrutura?

Uma sociedade plural, responderia alguém. Mas o que vem a ser uma sociedade plural? Vamos a nossa carta de princípios, que diz: "A sociedade deve ter como eixo principal Freud, mas aberta a todas as releituras existentes".

O Dr. José Domingues Oliveira em seu discurso de posse propõe uma sociedade freudo-lacaniana, mas deixa aos historiadores a missão de definir o que seria essa proposta (OLIVEIRA, 1996). Viveríamos, então, um dilema entre ser freudiano sem ser ipeísta e ser lacaniano sem ser milleriano.

O Círculo criou também uma estrutura universitária própria, desde que o acesso à academia é barrado ou extremamente dificultado aos não millerianos. Essa proposta nasceu com José Sebastião Fernandes Menezes, Clovis Figueiredo Sette Bicalho e Maria Mazzarelo Cotta Ribeiro, através do trabalho incansável de Eliana Monteiro de Moura Vergara.

O CPMG criou espaço de atendimento e supervisão desde que o espaço público municipal e estadual não era facilitado aos não millerianos. A Clínica de Psicanálise, que já se chamou Social, do Social, tem uma história longa, mas encontra sustentação em colegas como Vanessa Campos Santoro, José Domingues de Oliveira, Maria Angela Assis Dayrell, Nina Rosa Artuzo Sanches, Marisa de Lima Rodrigues, entre outros colegas psicanalistas até Breno Ferreira Pena, que coordena no presente esse espaço importantíssimo e controverso.

 

A estrutura da formação na atualidade

Os seminários apresentados em dois tempos (saber e fazer) têm criado a oportunidade de uma formação universitária, bem-estabelecida e uma renovação, embora até o momento tímida, do quadro societário.

Não há que negar um grande aumento na qualidade dos trabalhos apresentados no final dos cursos, bem como no nível das monografias exigidas ao final do primeiro tempo.

No tocante ao discurso universitário vamos relativamente bem. Talvez pudéssemos sugerir como metodologia um uso maior dos grupos de produção como substituição mesmo que parcial às aulas magistrais.

Falta, a meu ver, algo que aponte mais para a formação do analista em termos das análises pessoais (em que a sociedade sabiamente não interfere), mas que deixa a desejar em termos da transferência de trabalho e compromisso com a causa analítica.

Lacan ao fundar sua escola diz:

Fundo — tão sozinho quanto sempre estive em minha relação com a causa psicanalítica (LACAN, 2003, p. 235).

Mas Quinet observa que, se a relação com a causa analítica é solitária e particular, a sustentação do discurso analítico necessita do coletivo. A escola de Lacan é o coletivo institucionalizado, em que a politica se faz presentificar pela relação de cada um com a causa analítica e a sustentação coletiva do discurso analítico. É o espaço onde a psicanálise em intensão (a prática analítica) está em continuidade moebiana com a psicanálise em extensão (transmissão da psicanálise) (QUINET, 2009).

O CPMG tem uma estrutura material bastante invejável, com sede própria, secretaria e biblioteca, embora de manutenção dispendiosa.

Sua estrutura societária no momento é composta da seguinte forma:

Alunos do 1o tempo: 100

Alunos do 2o tempo: 14 (6 inscrições novas)

Componentes do fórum: 46

Participantes da Clínica de Psicanálise: 9

Sócios: 38

É interessante uma análise desses dados. Sabemos que estar em relação com o discurso universitário (aulas, conferências, palestras) é muito mais cômodo e menos angustiante que estar em um espaço que aponta para o discurso da histérica e o discurso do analista. Isso porque seja na Psicanálise em intensão, seja na participação em cartéis (grupos de produção), seja na apresentação de casos clínicos, se faz necessária uma implicação subjetiva sem a qual o processo de transmissão não se estabelece.

Como afirma Marco Antonio Coutinho Jorge (2006), dois pontos são fundamentais na proposta lacaniana. O tripé se mantém, só que com ênfase na análise pessoal e na afirmação que um analista se constitui a posteriori. A supervisão dentro dessa proposta se mantém como desejável, mas não obrigatória. A teoria e seu atravessamento se fazem pelas vias do discurso universitário, mas principalmente pela utilização dos cartéis, que são uma forma de estudo e transmissão de saber que escapa à forma clássica de mestre-aluno.

O que observamos no Círculo Psicanalítico de Minas Gerais?

No espaço-tempo em que prevalece o discurso universitário (1o tempo: 100 inscritos); no 2o tempo (14 inscritos) em que a análise pessoal é um pré-requisito.

Algo de sintomático acontece sem dúvida. Por que motivo a análise pessoal funciona como uma barreira tão forte e significativa? Impõe-se uma reflexão séria e aprofundada sobre essa questão.

Lacan (2003) nos diz ainda na proposição de 9 de outubro de 1967, que não necessitava de um número elevado de pessoas na constituição de sua escola, mas sim de trabalhadores decididos.

Observamos no espaço do fórum a existência de 48 sujeitos que estudam, publicam, mas que se mantêm mais como trabalhadores indecisos. Por que motivo se recusam a se tornarem sócios do CPMG? Será que se sentem temerosos de uma participação politica ativa e decidida?

Tem-se a impressão que o fórum se transformou; de sua proposta inicial se tornou um limbo político institucional societário. Estuda-se, publica-se, mas se omite na sustentação política do discurso analítico. O corpo societário infelizmente não foge à regra do fórum com pequena participação e presença ativa.

Se Otto Lara Resende dizia que o mineiro só é solidário no câncer, poderíamos dizer também que o corpo societário do CPMG só é solidário nas crises?

"Para não dizer que não falei de flores", gostaria de assinalar positivamente nosso departamento de publicações.

A revista Reverso, criada na gestão de Johannes Hubertus Dousi, em substituição ao Boletim Informativo, atinge atualmente um alto padrão de artigos publicados obtendo a classificação B2 — atribuída pela CAPES.

Um dos pontos altos do CPMG na atualidade é sua biblioteca com acervo invejável de livros e revistas. Totalmente informatizada, facilita sobremodo as consultas e pesquisas efetuadas. Fazem parte do seu acervo, também totalmente preservadas em DVD, entrevistas com os fundadores e ex-presidentes do CPMG até 2003, além de conferências, congressos e jornadas patrocinados pela instituição.

Outro ponto a destacar: As jornadas anuais têm paulatinamente melhorado em termos do conteúdo dos trabalhos apresentados e da organização, um ponto de atração de colegas de outras instituições e profissionais que a partir daí procuram nossa instituição para participação em seminários e cursos.

Voltemos a Amoretti:

[...] e no futuro que sendo inevitável, precisa ser sonhado e projetado, tendendo a superar dialeticamente o acúmulo de realizações e equívocos do passado e do presente (AMORETTI, 1993, p. 1 33).

Se o sonho é a realização de um desejo, que posso desejar ao CPMG, para que possa superar dialeticamente nossos equívocos?

De certa feita perguntaram a Freud o que se poderia esperar de uma análise bem-sucedida. Esperava-se uma resposta bombástica e complexa. Mas Freud responde dizendo: "O que podemos esperar é uma razoável capacidade de amar e trabalhar".

Desejo que o CPMG possa valorizar cada vez mais e em primeiro lugar as análises através das quais e no a posteriori se constituirão os analistas. Eles poderão se dedicar à causa analítica, essência do desejo, o agalma.

Desejo um espaço algamático sustentado pela política da falta a ser. O resto, não tenho dúvida, virá por consequência. E não por dilema, mas dialeticamente o CPMG constituirá seu lugar terceiro.

Parabéns, Círculo Psicanalítico de Minas Gerais!

 

Referências

AMORETTI, R. Cronologia e contradição: O CBP de Viena a Minas Gerais. In: Reverso, Belo Horizonte, n. 35, 1993, p. 132-142. Publicação do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais.         [ Links ]

DUQUE, E. A. Círculo Psicanalítico de Minas Gerais - 30 anos. In: Reverso, Belo Horizonte, n. 35, 1993, p. 17-25. Publicação do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais.         [ Links ]

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Endereço para correspondência:
Endereço para correspondência
Rua Paraíba, 1317/201 - Savassi
30130-141 – BELO HORIZONTE/MG
E-mail: arlindopimenta@gmail.com

Recebido em: 04/06/2013
Aprovado em: 10/06/2013

 

 

Sobre o Autor

Arlindo Carlos Pimenta
Psiquiatra. Psicanalista. Sócio do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais. Participante da Associação dos Fóruns do Campo Lacaniano (AFCL).

 

 

1Entrevista gravada. Vídeo comemorativo dos 40 anos do CPMG.
2Como era chamado o Dr. Antonio naquela época.