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Reverso

versão impressa ISSN 0102-7395

Reverso vol.39 no.74 Belo Horizonte dez. 2017

 

Psicanálise e Contemporaneidade

 

TOC, TOC, TOC, posso entrar?

 

 

Thiago Silva Martins

I Círculo Psicanalítico de Minas Gerais
II Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais

Endereço para correspondência

 

 


 

Se for o desejo,
Não és bem vindo.
Se for o ensejo,
Receberei sorrindo.

O desejo traz consigo
Um vaso sem flor.
O ensejo é amigo
E oferece seu Favor.

Temo abrir a porta
E não ser ninguém.
A Morte me desconforta
E, assim, não me convém.

Contudo, a morte sempre bate,
Quer entrar a qualquer Custo.
Mas meu cão ainda late,
Evitando o meu susto.

Quando bate-se em uma porta,
Fantasio o Outro lado
Mamãe a chegar com exagerada torta.
Sonho comê-la no quarto trancado.

A mamãe me agrada,
Eu agrado a mamãe.
Mamãe me agrada mais ainda,
E eu agrado mais ainda a mamãe.

Mamãe prefere a minha casa
Às dos demais,
Pois a piscina não é rasa
Como a do meus pais.

Se for a bater a amada
A receberei com pudor e requinte.
A mesa de jantar enfeitada,
E o “boa-noite cinderela” no brinde.

Prefiro a amada a dormir profundo
Do que despertar da magia.
Ou a demandar todo o Mundo,
Do que desejar a alforria.

Minha casa é a mais imponente da rua,
Limpa, organizada, bem-te-vis, impecável.
Já no porão, vê-se a coluna impotente e nua,
Sujo, escuro, Ratos, condenável.

A arquitetura da casa ao lado,
Tem a alcova na entrada.
É de Dolmancé, o depravado,
Sempre cruel na varada.

Dolmancé à minha porta,
Bate, bate, bate forte.
Sinto o pulsar da minha aorta,
Clamo a Deus que me castigue e conforte.

Afinal, pode alguém sofrer ou morrer,
Com tamanha crueldade.
Daí tenho que me precaver,
Fazendo obras e mais Obras de caridade.

Do outro lado, vive a decoradora
A variar no jardim seus ornamentos.
Fachada moderna e sedutora,
E interior de cômodos insatisfeitos.

Convido os outros a me visitar,
E conto proezas a mim mesmo.
Mas não os escuto falar,
Jogam palavras a esmo.

O Outro chega a meu lar,
Sem ser convidado.
Daí tagarelo sem parar,
Entra mudo e sai calado.

Em minha casa, na Zona Sul,
Tenho um cômodo preferido,
É o toalete da cor azul,
Onde fica meu trono querido.

Entronado, sou majestade do prazer
Ao sentir o cetro escorregar.
No fundo, como poderia ser
Gozar dele entrar?

O quadro na sala,
Presente de meu Pai,
Parece que não se cala
Da Dívida que me contrai.

Tento virá-lo pra rede,
Preferível, mas improvável.
Tento tirá-lo da parede,
Impossível, indestacável!

Sofro com as janelas,
Se as tranquei ou não.
Sou tomado de cautelas,
Seguro firme no corrimão.

A casa tem cão de guarda, alarma,
Cerca elétrica, câmera e arma.
Tudo pra me defender do carma
E viver na ilusão do darma.

Contudo, a casa não é protegida
Contra fenômenos da Natureza.
Pode ser a qualquer tempo infligida
Pelo real e sua crueza.

Contra Ela, acredito nos rituais,
Supertições do baú.
Ainda, nas ciências naturais,
Pra que eu não tome no ... u

TOC, TOC, TOC, posso entrar?
Não! Sou lobo em pele de cordeiro.
Cordeiro de Deus, que Tirais
O pecado do mundo, Dai-me a paz!

 

 

Endereço para correspondência:
E-mail: silvamartinsthiago@gmail.com

Recebido em: 08/08/2017
Aprovado em: 01/09/2017

 

Sobre o autor

Thiago Silva Martins
Administrador de empresas.
Pós-graduado em finanças e controladoria e MBA executivo pela Fundação Dom Cabral.
Candidato em formação no CPMG.
Acadêmico do 5º ano de medicina na Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais.

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