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versão impressa ISSN 0102-7395

Reverso vol.40 no.75 Belo Horizonte jan./jun. 2018

 

O ESPAÇO DA FALTA

 

Dimensões clínicas da angústia

 

Anguish's clinics dimentions

 

 

Vanessa Campos Santoro

I Círculo Psicanalítico de Minas Gerais

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A autora aborda as dimensões da angústia através da clínica.

Palavras-chave: Trabalho clínico, Angústia, Real, Objeto a, Desejo.


ABSTRACT

This paper treats the anguish dimensions’ though clinic works.

Keywords: Clinic works, Anguish, a Object, Real, Desire.


 

O objetivo deste trabalho é fazer uma reflexão sobre a incidência da angústia na clínica. Vamos tratar inicialmente do conceito de angústia. Abordaremos em seguida as modulações da angústia que se apresentam nas estruturas clínicas e como manejá-las pela transferência.

Freud elabora em sua obra duas teorias sobre a angústia.

A primeira – no início de sua prática – postula que a angústia é proveniente da transformação da carga energética (affekt) oriunda do aumento de tensão no limite entre o orgânico e o psíquico (Rascunho E). Ao permanecer não ligada, a carga se transforma em angústia.

O acúmulo das cargas livres se daria de duas formas, a saber: as cargas ou não se ligam (Bindung) às representações (neuroses atuais), ou são desligadas (Entbindung) pelo processo do recalcamento (psiconeuroses).

A segunda teoria da angústia primeiramente proposta em Inibições, sintomas e ansiedade (1926) postula uma situação traumática originária (trauma do nascimento) da qual a angústia atual funciona como um sinal de alarme, causando o recalque. Aqui, portanto, o recalque é consequência da angústia, enquanto na primeira teoria o recalque é causa dela.

Ainda nesse texto Freud dá mais ênfase à angústia de separação do que à angústia de castração e coloca o nascimento como protótipo da separação da criança da mãe. Situa a angústia de castração como angústia de separação de uma parte do corpo muito valorizada: o órgão genital.

A angústia aparece como pontos num deslizamento da associação livre e só de falar há uma contenção do gozo, pois a cadeia significante trata o real pelo simbólico. A estrutura da angústia é a mesma da fantasia. Quando atuo a fantasia, sinto angústia porque, ao me colar nessa resposta que é a fantasia, a falta falta.

A ilusão da satisfação aparece na captura narcísica ou na cena fantasmática. Quando estou aprisionada numa cena, faço um acting out (atuação). O acting out implica sair da cena pela janela do fantasma. Tem aí uma certa estrutura significante. A passagem ao ato é uma forma louca de sair de cena. Cai como o próprio a.

A angústia se dá num tempo de separação, de corte. É na queda do objeto que a angústia aparece ou quando a falta precisa aparecer e não aparece, mas já está tocada.

O trabalho com a angústia, ou seja, o manejo da angústia é fazer faltar. Esse manejo é caso a caso, pontual, a cada momento e pela transferência.

A angústia aponta para uma falta que está sendo tamponada. Uma das saídas da angústia é falar da situação fantasmática. Uma das estratégias é atender mais vezes.

Angústia é o simbolicamente real --> entre o somático e o psíquico.

Lacan retoma o corpo: o que toca o corpo desperta o sujeito. São marcas significantes no corpo vivo, o corpo não entende o que acontece com ele. Quando o corpo se manifesta, temos que escutar.

 

Caso Clínico 1 - Fragmentos de uma supervisão

A., grávida do primeiro filho, muito angustiada pensa em morte: “Para que viver?”

Quanto ao filho, pensa: “Para que nascer neste mundo?”.

O obstetra, preocupado, quer interná-la. A. recusa a internação e vem à sessão todos os dias, às vezes, duas vezes por dia. Só se levanta da cama para vir à análise.

De modo repetitivo, o tema da morte domina as sessões.

O que é morrer? Para onde vamos? Melhor acabar logo com isso. Mas não tenho coragem. O filho? Ele nem existe ainda. Profissão? Agora nem isso me sustenta. Cansei de estudar, de ser sabe-tudo.

A. se angustia com o fim da vida: “Tudo vai terminar. Ninguém sabe a hora”.

Lembra-se do pai, que morreu num desastre aéreo, quando sua mãe estava grávida dela. Não o conheceu. “Deve ser por isso que não suporto pegar avião.”

Faz-se uma borda na repetição. Foi-lhe dito que ela não suporta não poder saber sobre a morte. A morte está na vida como limite.

As flutuações da teoria da angústia progridem com o conjunto da doutrina e com as exigências da clínica.

A angústia é experimentada no Eu. Tem a estrutura temporal do instante. A angústia irrompe diante de uma ruptura de significação. É uma experiência de destituição subjetiva selvagem.

O lugar do analista é não-todo, ele opera não com sua subjetividade, e sim no lugar da divisão do sujeito em relação a seu gozo, fazendo semblante de objeto a e sustentando uma análise.

O dispositivo psicanalítico da transferência acolhe e opera com os afetos que a articulação significante transporta, transfere. Daí o valor clínico da angústia, que precede a formação dos sintomas e indica o desejo. O próprio sujeito, quando deseja, deseja enquanto Outro.

A partir de 1974-1975, Lacan se refere à angústia como acontecimento de REAL. No Congresso de Roma, realizado de 30 out. a 3 nov. 1974, ele faz uma comunicação intitulada A terceira, em que afirma: “Angústia é o sintoma tipo de todo o acontecimento do real” (LACAN, 1981, p. 14).

No Seminário 10: a angústia Lacan ([1962-1963] 2005) esclarece certos pontos precisos:

• Angústia, afeto que não engana.
• A angústia é quando a falta falta.
• A angústia tem uma estrutura de exceção: todos os afetos se desviam, deslocam ao longo das cadeias significantes.
• A angústia é amarrada ao objeto, não sem objeto.
• A angústia não é sem Outro. Estabelece o objeto a causa do desejo, que é a marca de uma falta radical na estrutura do humano.

Há uma diferença entre objeto como causa de desejo e objeto que serve para fixar a angústia. Lacan faz uma leitura da angústia num além do Édipo. Há uma distância entre desejo e angústia.

A natureza da angústia se refere a momentos, fenômenos de aparição no imaginário de alguma coisa do invisível e do informulável do sujeito e do Outro. São aparições no nível das rupturas de significação (rupturas da cadeia significante).

Na relação do sujeito ao Outro, o lugar vazio é questionado. Ele se angustia por duas razões: quando não se pode saber o que o Outro quer do sujeito (impotência de saber) e quando essa falta se preenche pela iminência de resposta possível.

Exemplo: o angustiado da página em branco.

Perguntem ao angustiado com a página em branco, e ele lhes dirá quem é o excremento de sua fantasia (LACAN, [1960] 1998, p. 832).

Na análise, essa destituição subjetiva programada toca os fenômenos da angústia.

E aí chegamos às estruturas clínicas e aos efeitos que elas sofrem em decorrência do discurso capitalista, lembrando que cada estrutura implica uma posição ética.

Tomaremos mais a clínica da neurose. A neurose é a mais defendida das estruturas clínicas, o que explica o neurótico fabricar sintomas; ele sintomatiza seus gozos. A neurose, então, é uma estrutura de defesa em relação ao gozo.

Na experiência clínica as angústias superegoicas são as mais difíceis de reduzir e as mais devastadoras.

Freud atribui ao superego a reação terapêutica negativa, apresentada por aqueles sujeitos que não suportam o êxito e recusam qualquer sinal de melhora. É uma angústia paradoxal em relação ao princípio de prazer. Não é o mal que engendra a culpa, mas o bem.

Nesse sentido, para Freud o superego interdita o gozo, enquanto para Lacan o superego comanda o gozo. Superego é de início uma voz que repreende herdada do Outro. É uma cadeia significante que se impõe na dimensão de voz.

O superego é diferente do ideal do eu, que também pode ser esmagador.

Os afetos do superego são angústia e culpa. Entretanto, há diferença entre os dois: a culpa é um afeto que engana; a angústia é um afeto que não engana.

O superego profere uma ordem impossível de ser cumprida pelo sujeito, mesmo que se esforce bastante, porque o gozo é fálico, limitado, fixado ao um e dura pouco. Angústia e culpa se avizinham, pois as duas estão na linguagem e no saber.

A angústia segue o gozo fálico de maneira muito próxima: o homem sofre a angústia da detumescência, de não mais poder (impotência).

A mulher sofre por ser objeto de uso (instrumento de gozo) e em ser reduzida a objeto fora do uso. Quanto mais agarrado ao gozo fálico, como na melancolia e na neurose obsessiva, mais o supereu se enfurece.

 

Histeria

As formas de angústia são diferentes no obsessivo e na histérica. A histérica se identifica com a castração como faltosa. O obsessivo tem a resposta. Ele sabe por que corre mais risco de cair no lugar de objeto do desejo do Outro (a mãe): ele tem o que ela deseja.

A histérica faz greve do corpo (LACAN, [1969-1970] 1992, p. 88) e parece paradoxal com as somatizações que reconduzem o gozo ao corpo, deserto de gozo, corpo que só goza na superfície. A somatização é o significante que se imiscui nas funções do corpo, que atravessa a superfície e que toca as próprias funções.

A partir de agora as histéricas têm acesso a um leque muito amplo de angústia quando querem bancar O Homem e apresentam novas oportunidades de angústias em vez de novos sintomas. Estão sujeitas a todas as angústias ligadas ao poder fálico: à angústia de impotência, às angústias superegoicas, que demandam sempre mais. Atualmente, a inveja do pênis desemboca em angústia e não em depressão.

Para Soler (2012), os novos sintomas têm uma dimensão de acting out histérico, pois gozam de um corpo sem passar pelo órgão e pelo sexo: estresse, tetanias, sintomas uretrais, anais, genitais e os transtornos da oralidade – as bulimias e as anorexias, os obesos e os esqueléticos.

Hoje em dia os acting out estão mais do lado da destituição do objeto. As histéricas vestem o objeto decaído, o objeto abandonado, confundido muitas vezes com a melancolia.

 

Caso clínico 2 - fragmentos

Abandonada pelo namorado, B. diz:

A falta que sinto dele é como uma faca enfiando na perna. Dói demais, depois passa. Agora, a saudade... essa não passa.... É horrível ficar sozinha. Tenho pânico de domingo em casa. Daí não como.

Enquanto o homem tem um sintoma que serve a seu gozo ‘a-sexuado’, e muitas vezes esse sintoma é uma mulher, a mulher é um corpo que não é somente falo, mas é sintoma de um outro corpo. A histérica se define não por ter ou por ser um sintoma, mas por se interessar pelo sintoma e pelo gozo de um outro.

A mulher histérica não é o gozo que ela quer. Exemplo disso é a grande tolerância das histéricas à impotência do homem e à sua própria frigidez.

Um ponto extremo de angústia é a devastação tanto da mãe quanto do parceiro. A única coisa em comum entre a reivindicação e a devastação é a dor.

A devastação está fora do falicismo, é o afogamento mais radical dos traços significantes que a inveja do pênis e vem junto com a desorientação. Refere-se ao gozo Outro, que é desidentificante e apela ao Outro do amor (absolutização do amor).

Freud já dizia que a angústia das mulheres é perder o amor. Aí a mulher procura quem a nomeie e quem nomeia o inominável.

 

Neurose obsessiva

A neurose obsessiva apresenta o fracasso do recalque, numa luta interminável. A ideia rejeitada é substituída por deslocamento para qualquer coisa que seja de pouca importância.

Na neurose obsessiva prevalece o sintoma, que prolifera para produzir o maior evitamento possível da angústia. Os sintomas obsessivos são de dois tipos:

• Os negativos: proibições, precauções e expiações. São mais antigos.
• Os positivos: satisfações substitutivas que aparecem sob disfarces simbólicos.

A anulação retroativa e o isolamento são sintomas substitutos do recalque.

No isolamento há uma destituição do afeto ligado a uma certa experiência, e suas conexões associativas são suprimidas ou interrompidas.

Na anulação trata-se de fazer desaparecer algo que foi feito e é uma forma de substituir o que não foi recalcado.

O obsessivo que afirma ter sido muito amado pelo Outro e que se identifica com o falo imaginário, tem um eu muito consistente e, portanto, usa mecanismos de defesa muito estruturados.

O sadismo do superego não triunfa sobre o obsessivo porque seu sadismo é dividido: uma parte maltrata a si mesmo através das autorrecriminações, e a outra parte persegue seu objeto, agredindo o parceiro.

Na neurose obsessiva a ideia rejeitada não retorna metaforicamente pela via substitutiva. Surge no lugar uma “alteração do eu” sob a forma de maior consciência.

Há o afastamento da libido no processo de recalque através da formação reativa. É um método diferente da formação de um sintoma, e a ideia rejeitada é deslocada para algo indiferente ou pequeno, persistindo uma satisfação pulsional infindável que não se integra ao processo metafórico da formação de sintoma.

O recalque fracassa, e o retorno do que foi recusado volta como ansiedade moral e autocensura acentuada, pondo em jogo mecanismos de fuga, evitações e proibições.

O obsessivo estende ao infinito o “tempo para compreender”, procrastinando e evitando o momento de concluir.

O modo particular de o sujeito obsessivo de lidar com a própria angústia é a dúvida.

 

Fobia e pânico

A fobia é a casa de guarda que protege da angústia. O objeto fóbico vem preencher sua função sobre o fundo de angústia. Trata-se da angústia de castração.

A fobia é a primeira articulação subjetiva perante a angústia. É o sinal, o tempo de espera de uma operação simbólica que só chega depois, atrasada em relação ao real pulsional.

É na encruzilhada a caminho da subjetivação do sujeito que se cruzam as operações fundantes de desamparo e sujeição ao Outro e o que não se articula na dimensão significante e se introduz como gozo. A fobia como tempo de compreender é uma placa giratória, que pode levar às neuroses ou à perversão. Ela irrompe quando há ausência ou precariedade de simbolização e abalo de uma significação fálica.

Lacan situa o surgimento da angústia diante não da falta, mas da falta da falta, onde há uma falha na operação de castração, não instaurando a falta e vindo um significante se colocar no seu lugar. Ou seja, na fobia a falta está na iminência de ser instaurada ou na iminência de faltar.

 

Caso clínico 3 - fragmentos

Criança com pavor de ladrão fez terapia comportamental. Deslocou o medo para vampiros. Chega ao consultório dizendo:

– “É pior, porque não durmo. Eles atacam à noite. Fico acordado escutando, esperando algum barulho”.

– “E o que mais você escuta à noite”?

Chegamos à conturbada vida sexual dos pais com brigas e agressividades. Afetada pelo comportamento dos pais, a criança diz:

– “De noite eles se transformam, tão calmos de dia...”

Um dia, bate com força na porta antes da sessão:

– “Olha aqui. É disso, é isso que me apavora”.

Abre uma revista Seleções, que reproduz o órgão genital masculino em tons de verde e rosa.

– “Meu pai me mostrou um atlas de médico enorme e fiquei apavorado e ele falando sem parar. Aí é que fiquei com muito medo.”

Quem é o ladrão que rouba a paz da criança trazendo-lhe a genitalidade de uma forma ascética, sem a criança manifestar interesse? E os vampiros da noite que se transformam e não o deixam dormir?

O pânico é uma irrupção direta, súbita e intensa de angústia, aparentemente fora de toda rede de significação manifestando-se sintomaticamente no corpo. É um encontro com o real na forma de exposição ao objeto a, sem recursos simbólicos para contornar a falha.

Esses processos de alteração no eu atrapalham a direção do tratamento. Freud ([1932] 1976, p. 274) fala da “adesividade da libido” quando o paciente fica fixado a seus objetos de gozo. Chama de “inércia psíquica” esse esgotamento da plasticidade. É um modo de gozar do sintoma carregado de pulsão de morte na sua obstinação repetitiva.

A presença da angústia na direção da cura é como uma bússola para seu manejo e as manobras transferenciais do analista.

A angústia é insuportável de suportar, não tem remédio, mas tem tratamento. O sintoma e o psicanalista são tratamentos possíveis para a angústia.

O analista também se angústia e tem que atravessar a própria angústia. Em A crise do analista: fragmentos de um caso (Boletim Informativo do CPMG, n. 13, 1979), o colega José Domingues de Oliveira escreve sobre um paciente que ameaça suicidar-se. Uma análise começa com o sintoma e não termina sem angústia. O melhor que se pode esperar de uma análise no seu fim é o caminho da letra (bonheur).

O sujeito procura a análise quando seus sintomas não o protegem mais da angústia. Daí pode-se dizer que uma análise terá sempre que tocar na angústia subjacente ao sintoma e manejá-la pelo trabalho da transferência.

Transformar o sintoma em questão para o sujeito pela operação do SsS (sujeito suposto saber) é des-velar o molde fantasmático de todas as formas do sintoma.

A fantasia tem na neurose um lugar estrutural. É uma tela protetora em relação ao real, sendo efeito do recalcamento originário.

Lacan postula uma travessia da fantasia no final de análise, necessária para se desvencilhar das fixações imaginárias próprias da fantasia, permitindo ao sujeito bascular entre sua própria divisão e o objeto a, causa de desejo ().

O analista incluído no sintoma pela transferência é que faz o corte de todo sentido possível dos jogos neuróticos e trata o mal pelo pior, isto é, o sintoma pela angústia.

É o desejo do analista que opera o esvaziamento das significações fantasmáticas do sintoma causando a angústia.

Desejo de analista, função que toca o real e que faz objeção ao amor de transferência, que preserva a angústia e evidencia o sem sentido do desejo do Outro.

O percurso de uma análise parte do sintoma – tratamento do real – para produzir angústia e daí atravessá-la pela fantasia, pois a destituição subjetiva não é o fim da análise.

A angústia tem que ser um instante de ver, para logo compreender e concluir. Se for um estado permanente vira um sintoma, como na melancolia, na obsessão e na síndrome do pânico, quando paralisa as operações possíveis do sujeito a partir do objeto a.

Ficar siderado a um desejo do Outro consistente é “ficar na pior”.

O manejo da angústia pelo desejo de analista propicia que a separação não seja uma volta da alienação e que o sintoma, no fim, seja um significante novo que porta um desejo inédito.

A angústia que interessa à psicanálise diz respeito ao sujeito em suas operações de falta, ao desejo e ao gozo que o determina nos modos como se enlaçam o real, o simbólico e o imaginário, de onde se extrai o objeto a.

No Seminário 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise, Lacan ([1964] 2008) recomenda não só o manejo da transferência e da demanda, mas também o necessário manejo da angústia, na direção do tratamento, para que o sujeito não sucumba a ela.

A angústia é, para a análise, um termo de referência crucial, porque, com efeito, a angústia é o que não engana. Mas a angústia pode faltar. Na experiência é necessário canalizá-la e, se ouso dizer, dosá-la, para não ser por ela submerso. Aí está uma dificuldade correlativa da que há em conjugar o sujeito com o real... (LACAN, [1962-1963] 1993, p. 43).

Se a angústia é uma das manifestações possíveis para um analisando sob transferência e faz trabalhar na análise, ela pode paralisá-lo quando se trata de um supereu feroz, produzindo culpa, punição, sentimento de inferioridade. É necessária a intervenção do analista para modulá-la, enfim, manejá-la. É uma forma de tratar o real pelo simbólico.

No final de análise, com a dessuposição de saber ao Outro, pode irromper muita angústia em certos analisandos.

A angústia representa na análise o encontro narrado com o real, com as quedas das identificações, dos ideais, do narcisismo inerente à alienação do sujeito e à extração do objeto a da separação.

Cabe ao analista sustentar análises que exijam manejos a mais, como aqueles casos graves de angústia que são medicalizados.

Concluindo, o difícil manejo da angústia na clínica é feito sob transferência, passa pelo analista e o envolve. A análise do analista é fundamental para lidar com a angústia do analisando sem tamponá-la nem deixá-lo à deriva em suas manifestações excessivas como no pânico, quando o corpo é invadido.

Lembramos sempre que precisamos da angústia, sinal para chegar ao objeto a, que por sua vez nos sinalizará o fantasma do analisando.

Sentir o que o sujeito pode suportar dessa angústia é o que nos põe à prova a todo instante (LACAN, [1962-1963] 2005, p. 13)

 

Referências

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Endereço para correspondência:
E-mail: vansantoro@uol.com.br

Recebido em: 28/02/2018
Aprovado em: 16/03/2018

 

Sobre a autora

Vanessa Campos Santoro
Psicóloga.
Psicanalista.
Sócia do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais.
Coordenadora da XXXVI Jornada do CPMG do triênio 2018-2020.

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