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Reverso

versão impressa ISSN 0102-7395

Reverso vol.40 no.75 Belo Horizonte jan./jun. 2018

 

DISCURSOS

 

Discurso de posse da Diretoria - triênio 2017-2020


 

Boa noite! Agradeço a presença de todos vocês, em meu nome e em nome da Diretoria Executiva triênio 2017/2020, formada por:

Vice-Presidente: Eliana Rodrigues Mendes
Diretora de Secretaria: Maria Auxiliadora Toledo Garcia Freire
Diretora Administrativo-Financeira: Délia Rodrigues Frazão
Diretora Científica: Maria de Lourdes Elias Pinheiro
Diretora de Comunicação: Scheherazade Abreu

Declamar a música As velas do Mucuripe.
As velas do Mucuripe
Vão sair para pescar
Vão levar as minhas mágoas
Para as águas fundas do mar
Hoje à noite namorar
Sem ter medo da saudade
Sem vontade de casar

Calça nova de riscado
Paletó de linho branco
Que até o mês passado
Lá no campo ainda era flor
Sob o meu chapéu quebrado
Um sorriso ingênuo e franco
De um rapaz moço encantado
Com vinte anos de amor.

Aquela estrela é dela
Vida, vento, vela leva-me daqui.

Por que essa canção-poesia de Fagner? Talvez vocês estejam se perguntando. E eu também me perguntei. É uma música de 1977, ano em que passei no vestibular para psicologia. Estava com 20 anos.

Então... Fui dormir pensando o que iria escrever no discurso de posse...

Sonhei e acordei pensando nessa música, na sua letra, na sua escrita, nas palavras. Elas estavam reverberando o que em mim? Com que estava sonhando?

E assim, comecei a trabalhar: a letra é linda... As águas do Mucuripe. O que essas águas estavam desvelando/velando para mim? A psicanálise desvela o sujeito. Discursos. Que desejo é esse? Para que mais trabalho? De que trabalho se trata ser presidente de uma instituição de psicanálise?

As formações do inconsciente falando meias verdades no sonho. Seria talvez a angústia do que o novo sempre nos traz? Estive nas duas últimas diretorias, como Diretora de Comunicação e Divulgação. Antes trabalhei em várias funções desde 2004, ano do Congresso Internacional da IFPS, da qual somos associados

As velas estão saindo pra pescar... diz a música. Estou saindo para o quê? A Diretoria 2017-2020 está saindo para o quê?

Para as águas fundas do mar... Para a transmissão da psicanálise, num momento de torção da nossa formação, para que possamos usar a nossa caminhada construindo uma formação permanente.

Sem ter medo da saudade... Sem ficar fixado no passado, mas sabendo da sua importância. Sem ter medo dos desafios, desses fios que podem nos levar. Aonde... nunca se sabe.

Sem vontade de casar... Mas com vontade de causar?... De provocar desejos. Em todos nós do Círculo, quem sabe?

Aquela estrela é dela. Vida, vento, vela, leva-me daqui.

Aquela estrela é nossa, a Instituição é nossa, somos Nós.

Senão, ela será só um nome no papel. Sem vida. Como um livro sem leitor. Como um cantor sem ouvinte.

Vida, vento, vela, leva-me daqui, a música insiste...

Vida, vento, vela, leva-nos a desejar, a querer o nosso desejo. Que o imaginário não nos paralise. Que possamos sonhar. Que possamos realizar os nossos sonhos. Que possamos continuar a transmissão como operários decididos, como fala Lacan. Que a transmissão se faça. Que os sócios e os candidatos trabalhem na transferência e com a transferência!

Calça nova de riscado, paletó de linho branco, que até o mês passado lá no campo era flor. Que as roupas novas da formação, sementes até um tempo atrás, na figura do referente, façam o seu papel de velar e desvelar levando a criar, a inventar linguagens, novas construções: as termináveis e as intermináveis.

Ah! Sob o meu chapéu quebrado/ O sorriso ingênuo e franco/ De um rapaz moço encantado/ Com 20 anos de amor... Ressoa, reverbera, me avisa o sonho que em mim habita uma moça, uma mulher, que, apesar da cronologia dos anos, vem com mais de 20 anos de amor pela psicanálise. Navegando nas águas fundas do mar, do feminino.

Não naveguei no rio Mucuripe, mas no rio Santo Antônio. Ele passava lá no meu quintal, quintal tão pobre, quintal tão rico. Com forno, com fornalha, com horta, com frutas, com privada, com quarador (as roupas ficavam lá, para se limparem das dores), Com porcos, com sujeira, com cinzas, com esgoto, com bichos, com insetos, com uma cerca de bambu e arames farpados. Estes danados. Danados para machucar!

Depois o pé de ingá, a margem do rio, o rio, uma ilhota, a outra margem, uma estradinha, uma serralheria, a igrejinha de Nossa Senhora do Rosário, com seus mistérios: gloriosos, dolorosos e gozosos. Ainda havia uma montanha atrás e ao seu redor o cemitério. Pulsões, pulsações, quintal do sem-fim. Bordejando e apontando caminhos.

Vida, vento, vela... Leve o Círculo ao trabalho. Como as águas do rio que faziam o pensamento voar: o que tem atrás da serra? De onde essa água vem? Para onde essa água vai? Possibilitando novos lugares. Novas cenas. Eram as águas com seus botes, suas jangadas, suas enchentes e secas, os peixes, os afogados. Fazendo sonhar até esse tal de mar.

Que mar é esse que está no meu nome? Que real é esse que nunca tem nome? E é onde a transmissão acontece, que transmissão é essa? O que acontece no real que não se esgota, nunca chega, não há palavra, igual à água do rio com seus redemoinhos nos mesmos lugares. Mas feitos sempre de outras águas. Um igual sempre diferente. Memórias. Lembradas a partir dos fantasmas. Imaginários da beira, da beira do rio. Virando lendas. Histórias. Simbólico. Fragmentos da realidade reordenados pelo véu da fantasia.

Círculo Psicanalítico de Minas Gerais... 54 anos de transmissão da psicanálise e nos dizeres de Eliana Mendes:

[...] um centro de estudos e transmissão, pesquisa e divulgação da psicanálise. Tendo como fundamentos de seus estudos a teoria de Sigmund Freud, o criador da psicanálise, aberto às contribuições dos pós-freudianos, especialmente às obras de Jacques Lacan, que, ao reler Freud, apropriou-se de seu imenso legado de conhecimento para ir mais adiante.

Vida, vento, vela, leva-me daqui. Quero aprender a aprender.

Vida, vento, vela, leva esta Diretoria a construir caminhos. A andar de botes, jangadas. Remando. Mancando. Sabendo da castração. Mas mesmo assim tentando. Não recuando. Fazendo tessituras. Com a ética e a responsabilidade necessárias e exigidas na formação de analistas. Possibilitando através das múltiplas formas do desejo de saber, que é o verdadeiro laço entre os analistas. As trocas entre os pares.

E agora, vida, vento, vela leva-nos a nossa confraternização, a comemorar a Vida, a nossa formação permanente!

 

Guiomar Antonieta Lage
dez. 2017

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