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versão impressa ISSN 0102-7395

Reverso vol.40 no.76 Belo Horizonte jul./dez. 2018

 

TEORIA E CLÍNICA PSICANALÍTICA

 

Estruturas clínicas em psicanálise: um recorte

 

Clinical structures in psychoanalysis: a clipping

 

 

Messias Eustáquio Chaves

I Círculo Psicanalítico de Minas Gerais
II Círculo Brasileiro de Psicanálise

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo pretende ser uma síntese de como, a partir da experiência clínica, Freud cria a psicanálise, e depois Lacan avança o seu campo teórico, ambos demonstrando que o inconsciente é estruturado como linguagem, que a fala da mãe dá início a essa constituição, que a incidência da lógica fálica no contexto da vivência edípica e da metáfora paterna é determinante da estruturação psíquica do sujeito e do seu desejo, que a estruturação significante do inconsciente segue a lógica borromeana de RSI e que ambas constroem as estruturas psíquicas humanas inconscientes, o que evidencia a verdade do sujeito na clínica psicanalítica.

Palavras-chave: Inconsciente, Linguagem, Estrutura psíquica, Neurose, Perversão, Psicose, Lógica fálica, Psicopatologia, RSI.


ABSTRACT

This article proposes a short synthesis of how, from clinical experience Freud created psychoanalysis and, after, Lacan puts forwards its theoretical field demonstrating that unconscious is structured as language, and that the mother´s speech starts to this constitution. The incidence of phallic logic in the Oedipus context and paternal metaphor is determinative of subject psychic constitution and his desir. the unconscious significant constitution follows borromeana logic of RSI: both construct human psychic structures evidencing subject true in psychoanalytic clinical.

Keywords: Unconscious, Language, Psychic structure, Phallic logic, Neurosis, Perversion, Psychosis, Psychopathology, RSI.


 

Es preciso, sobre el inconsciente,
ir a los hechos de la experiencia freudiana.

LACAN. Escritos 2, 1960, p. 809.

 

Associar livremente é o principal fundamento da psicanálise. É através de uma fala solta e livremente articulada que o analisando poderá viver a experiência de uma análise pessoal. O principal fundamento para o analista é escutar livremente as redes de significantes presentes na fala do analisando. Paradoxalmente, a escuta é livre e ao mesmo tempo ligada a cada significante que frui da boca do analisando.

O analista se encontra, de saída, com a função de dois orifícios do corpo: boca-falar, ouvido-escutar. Em sua posição e sua função, o analista opera desde o lugar de objeto a, como causa de desejo e mais-de-gozar. A prática clínica indica que, quanto mais o analista escuta em silêncio, mais o analisando tende a falar e, ao longo do percurso, a associar livremente, mais e mais solto em sua fala, ou não. O termo “analisando” tende a ser apropriado para certo tempo do percurso de análise.

À medida que consegue associar as ideias de uma maneira verdadeiramente livre e adquire a prática de se questionar, investigando o próprio inconsciente, é justa a troca nominal do termo “analisando” pelo termo “analisante”, já que o próprio se entrega a uma fala livre e solta, questiona a si mesmo e investiga o próprio inconsciente. A prática clínica revela que não é fácil tornar-se um verdadeiro analisante.

A direção do tratamento, as pontuações, as escansões e cortes da sessão são atos produzidos pelo analista e não pelos analisantes. Atos pré-conscientes; o analista acreditando saber o que faz. Contudo, atos analíticos como formações do inconsciente acontecem tanto do lado do analisante, quanto do lado do analista, um saber do qual nada se sabe, a não ser a posteriori [só-depois].

No dia a dia, o inconsciente está amarrado com as defesas do Eu que, no tratamento, ganha o nome de resistência. Conseguir avançar a investigação do inconsciente – através das formações do inconsciente –é ao mesmo tempo se expor ao possível encontro com a castração simbólica: com a falta-a-ser, com a incompletude do sujeito, com o imponderável, com o impossível de dizer tudo.

Falar livremente, associar as ideias, fazer furos no imaginário, aflorar sentimentos, desvestir as fantasias, arrancar as máscaras imaginárias de esconderijos do Eu, defrontar-se com o vazio de nada ser, e, então descobrir-se sujeito, assujeitado à estrutura do seu próprio inconsciente. Eis a questão, eis as metas e o caminho do percurso de tratamento psicanalítico, isto é, da análise até as últimas consequências.

O que vem a ser um diagnóstico estrutural na psicanálise? O que se quer dizer quando se fala de estrutura? Estrutura psíquica psicanalítica: qual o significado desses três significantes em rede?

Quando pensamos na palavra “estrutura”, ao mesmo tempo somos levados a pensar em outros significantes: estabilidade, algo fixo, seguro, duradouro.

Quando pensamos na palavra “psíquica”, ao mesmo tempo somos levados a pensar em outros significantes: alma, psiquismo, o não biológico.

Quando pensamos na palavra “psicanalítica”, ao mesmo tempo somos levados a pensar em outros significantes: psicanálise, inconsciente, causalidade psíquica, teoria e prática dos discursos do sujeito ao falar de seus sofrimentos.

Assim, a expressão “estrutura psíquica psicanalítica” nos remete às evidências no âmbito do que tem sido observado, pesquisado, construído como teoria, organizado como um saber e devolvido ao campo do atendimento clínico de pessoas angustiadas, que sofrem de conflitos psíquicos, de problemas emocionais variados. E que pedem acolhimento, ajuda, uma escuta movida pelo desejo ético do analista.

Com suas estruturas clínicas, a psicanálise se sustenta na existência do “inconsciente estruturado como linguagem”, suportada por dois pilares fundamentais: Freud, seu descobridor-criador-fundador, e Lacan, seu seguidor-defensor-progressor dos significantes freudianos – nos assinalando a eficiência do percurso e nos revelando a eficácia do tratamento.

É sabido que Freud fez a descoberta do inconsciente durante o atendimento de suas “pacientes histéricas”, que apresentavam sintomas de conversão somática e exigiam a liberdade de falar livremente de seu sofrimento. A partir desse fenômeno e do falar sobre ele, Freud pôde perceber as formações de sintomas, de atos falhos, de chistes, de sonhos: as formações de um “inconsciente estruturado como linguagem”.

Estrutura é uma palavra, um significante, que aparece em vários textos de Freud, possivelmente em toda a sua obra, revelando o mesmo significado com o qual Lacan nos presentearia depois com suas formalizações destacadas. Há vários indícios, ao longo da obra de Freud, de como – evidentemente sem saber –, ele apontou a Lacan, nas entrelinhas de seus textos, os sinais indicativos estruturais das patologias humanas.

Eis alguns momentos especiais, nos quais Freud estaria comprovando o que acabo de dizer.

Freud ([1896] 1976, p. 154, grifos nossos), diz:

O evento precoce deixa uma marca indelével na história clínica, aparecendo representado nela por um conjunto de sintomas e de traços especiais que não poderiam ser explicados de outro modo; é peremptoriamente requerido pelas interconexões, sutis, mas sólidas, da intrincada estrutura da neurose. O efeito terapêutico da análise falha se não tiver penetrado tão fundo; e então não resta qualquer escolha além de rejeitar ou aceitar o conjunto [...] é precisamente porque o indivíduo está em sua infância que a excitação sexual precoce tem pouco ou nenhum efeito na época, mas seu traço psíquico é preservado. Mais tarde, quando na puberdade as reações dos órgãos sexuais se desenvolvem em nível imensurável em relação à condição infantil, fica claro, de um ou outro modo, que esse traço psíquico inconsciente é despertado.

Assim, encontramos vários outros textos em que Freud nos sinaliza para o conceito de estrutura da linguagem do inconsciente, tais como: A psicoterapia da histeria (1893-1895), A interpretação dos sonhos (1900-1901), Psicopatologia da vida cotidiana (1901), Os chistes e suas relações com o inconsciente (1905), A propósito de um caso de neurose obsessiva - o homem dos ratos (1909), as neuroses de defesa, a sexualidade na etiologia das neuroses, a decomposição da personalidade psíquica, o sonho da paciente que Freud chama de “bela açougueira”, detectando o desejo insatisfeito da histérica. A análise que Freud faz é considerada por Lacan um belo exemplo de estrutura da linguagem.

Lacan ([1958] 1975, p. 601) diz:

El deseo del sueño de la histérica en este texto de Freud, resume lo que todo el libro explica en cuanto a los mecanismos llamados inconscientes, condensación, dislocamiento [...] a la sustitución de un término con otro para producir el efecto de metáfora, la combinación de un término con otro para producir el efecto de metonimia [...] en el sueño solo le interesa su elaboración, exactamente lo que traducimos por su estructura de lenguaje.

Lacan, como um bom auditor de Freud – (leia-se ouvinte-leitor), como se escutasse Freud dizer enquanto o lia nas linhas e nas entrelinhas, conectado ao significante freudiano, corrigindo mentalmente desvios feitos por alguns neofreudianos e também se dissociando da linguística de Saussure e de Jakobson –, deu à estrutura da palavra uma formalização não estruturalista, baseando-se na experiência clínica de Freud, em sua construção da teoria e do discurso freudiano, efeito de sua escuta, de sua fala e de sua escrita. Do grande balaio das sementes significantes de Freud, Lacan soube colher o melhor, para fazer as suas plantações freudiano-lacanianas, identificando-se aos significantes de Freud.

O bebê, num tempo lógico dos seus primeiros seis meses de vida, é marcado simbolicamente pela Bejahung, a inscrição e afirmação primeira do significante Nome-do-Pai. Depois, a criança vive o estádio infantil da polimorfia perversa, como todos vivem em seu desenvolvimento bissexual humano. Depois, ao longo da complexa vivência da metáfora paterna junto ao par parental, a criança é confrontada com a castração simbólica, a incidência do Nome-do-Pai como Lei do pai, da falta, da incompletude do ser.

Pensar numa estruturação do inconsciente tomando como referência a topologia borromeana é acreditar que, havendo uma foraclusão do Nome-do-Pai, começa a ser delineada uma estrutura psicótica fora da chamada crise psicótica. É uma operação de defesa.

Calligaris (1989, p. 13 e 17, grifo nosso), afirma:

Qualquer tipo de estruturação do sujeito é uma estruturação de defesa, no sentido freudiano, no sentido em que Freud fala de psiconeurose de defesa. É uma estruturação de defesa na medida em que se subjetivar, existir como sujeito – barrado pela castração, como na neurose, ou não, como na psicose –, obter algum estatuto simbólico e alguma significação, é necessário que o sujeito seja algo distinto do Real do seu corpo, algo Outro e mais do que alguns quilos de carne. Por isso, o sujeito se estrutura em uma operação de defesa. [...] Na neurose, há o serviço da dívida simbólica ao pai, porque o neurótico erra e se sente culpado. Na psicose, não há dívida, não há erros, não há culpa. O que há na psicose fora da crise é errância, é um andar repetidamente a ermo, cujo fim é a defesa face à angústia.

Assim como acontece com a estruturação da neurose, a estruturação de uma perversão pressupõe que o bebê fez a inscrição da Bejahung. Enquanto o futuro neurótico se confronta com um pai castrado simbolicamente, um pai que faz valer a sua lei, o futuro perverso joga com o pai a realidade de uma lei outra.

Para o sujeito perverso, a lei do pai não é a lei simbólica no registro da falta a ser do pai (Outro castrado). É a lei do pai mesmo, da pessoa de um pai fantasiado e pensado como completo, que alimenta a fantasia no filho, que acredita que o pai sabe tudo sobre o sexo e o gozo, fixado a um supereu arcaico.

Identificada com um pai não castrado e uma lei arcaica, a criança recusa a lei construída no campo simbólico da falta a ser. Para fazer valer sua defesa, a criança desmente, nega e renega constantemente o Nome-do-Pai, apostando todas as fichas no gozo da usurpação do lugar paterno e de sua Lei.

É de notar que em vários textos de sua obra, Freud escreve sobre o crescimento da criança, chamando nossa atenção para o que acontece desde o nascimento até aos 5 anos completos de vida. Utiliza-se da tragédia de Édipo Rei para elaborar o seu pensamento sobre um complexo de Édipo e um complexo de castração simbólica – vividos pela criança no campo do Outro. No contexto edipiano, esses complexos vão se estruturando, se amarrando, se enodando no campo da fala, da palavra e da rede de significantes de uma linguagem inconsciente. Uma leitura inicial de analistas pós-freudianos ligava-os a uma teoria de desenvolvimento.

Lacan, apoiando-se na lógica da matemática, em vários objetos topológicos, especialmente na topologia dos nós borromeanos, faz uma releitura esclarecedora, nos facilitando o entendimento dos novos avanços teóricos da psicanálise.

Apoiando-se nas descobertas e construções de Freud e nas redescobertas e contribuições de Lacan – além da transmissão de tantos outros psicanalistas renomados –, pode-se elaborar uma síntese das complexas e paradoxais vivências das crianças, que acontecem desde o nascimento até aos cinco anos completos de vida, quando se constitui e se estrutura o campo do inconsciente (linguagem, simbólico), o campo das fantasias fundamentais (imaginário), o campo pulsional (o real do instinto, das pulsões), marcando a incompletude do ser, da falta a ser.

Insistindo na construção teórica do simbólico, Freud chegou à teorização das pulsões e depois à teorização da fantasia inconsciente. Sem saber, sinalizou para Lacan as bases para a sua teorização dos registros do simbólico, do imaginário e do real.

Podemos situar a tripartição lacaniana real, simbólico e imaginário do seguinte modo: o real ex-siste; o simbólico insiste; o imaginário consiste. Isso significa que o desejo do psicanalista é eminentemente um aliado do simbólico e, é claro, da simbolização por meio da qual a análise opera (JORGE, 2017, p. 46).

É possível elaborar de forma sintética, o que Freud descobre e nos ensina que acontece no período da infância, engendrando os fundamentos da constituição inconsciente da neurose, da perversão e da psicose, tripartição que se revelará na clínica, exatamente na sessão analítica, como estruturas neuróticas, ou perversas, ou psicóticas.

Cada estrutura clínica psicanalítica é o resultado de múltiplas vivências complexas e paradoxais de cada criança com o seu par parental (mãe e pai), a partir da Bejahung, ou seja, da inscrição primeira do Nome-do-Pai (ou da falta dessa inscrição), de sua presença ou ausência, com as consequências nos apontando três diferentes versões desse significante paterno: a versão que engendra as neuroses, a versão que engendra as perversões e a versão que engendra as psicoses.

O quadro a seguir é uma construção nossa.

 

 

Três versões do pai na escolha forçada de neuroses, de perversões, de psicoses:

Versão do Pai X. Ausência do significante Nome-do-Pai na estrutura chamada de psicose. Foraclusão, forclusão ou rejeição (Verwerfung) completa da castração, isto é, não inscrição do falo simbólico ou da representação da castração simbólica no inconsciente (psiquismo), com a consequente exposição à angústia de fragmentação e de aniquilamento do eu-imagem corporal. Fora da crise, a busca de solução será escolhida entre sublimar a angústia em atividades artísticas (pintura, escultura, criação musical, criação poética e literária) ou em atividades locomotoras errantes (de errância) e outras possibilidades. Em crise (durante e após o surto), a busca de solução será escolhida entre o assassinato ou o autoextermínio, a tentativa de cura através das formações alucinatórias e/ou da construção de um delírio (de uma metáfora delirante). Goza-se de atos mortíferos tanto quanto de delírios e alucinações.

Versão do Pai Y. Presença do significante Nome-do-Pai na estrutura chamada de perversão. Recusa, renegação ou desmentido (Verleugnung) da representação da castração simbólica no inconsciente (psiquismo), com a consequente transformação do afeto (angústia) numa ação de permanente desafio e transgressão à lei do pai. Goza-se da fantasia fixada na insistente busca de, paradoxalmente, ao mesmo tempo renegar (recusar) e reafirmar a realidade da castração simbólica, através de uma forte perseguição da satisfação pulsional completa. Onde? Na incansável busca de usurpar o lugar do pai simbólico, este que é o Outro da linguagem, da determinação simbólica e da ordem simbólica.

Versão do Pai Z. Presença do significante Nome-do-Pai na estrutura chamada de neurose. Recalcamento (Verdrängung) e deslocamento da representação da vivência da castração simbólica no inconsciente (psiquismo), com a consequente transformação do afeto (da angústia) em fobias [como nas fobias típicas], e/ou fenômenos somáticos, e/ou somatizações, [como na histeria], e/ou ideias compulsivas, dúvidas obsecantes, remorsos persistentes, agressividade, ambivalência, medos, formações reativas e mecanismos ritualísticos de fazer/desfazer [como na neurose obsessiva]. Tudo isso presente na formação dos sintomas, em que o sujeito “escolhe” se submeter à Lei do Pai. Nas histerias, os efeitos da castração (falta) e da formação dos sintomas se revelam, preferencialmente, no corpo. Nas neuroses obsessivas, os efeitos da castração (falta) e da formação dos sintomas se revelam, preferencialmente, no nível do pensamento. Nas manifestações fóbicas, os efeitos da castração (falta) e da formação dos sintomas se revelam, preferencialmente, no deslocamento do objeto da angústia para um animal ou coisa. Exemplo: deslocamento do pai para o cavalo, no caso do pequeno Hans. Nas neuroses, goza-se dos sintomas e das fantasias ancoradas, fixadas, cristalizadas, enlaçadas aos sintomas.

Antecipando o parágrafo seguinte, cito Lacan ([1972-1973] 1985, p. 188 e 196).

Alíngua serve para coisas inteiramente diferentes da comunicação [...] O inconsciente é efeito de alíngua que eu escrevo numa só palavra para designar alíngua materna [...] O Um encarnado na alíngua é algo que resta indeciso entre o fonema, a palavra, a frase, mesmo todo pensamento. É o de que se trata no que chamo de significante-mestre.

Vários significantes se inscrevendo, se registrando, na placa matriz mental da construção da estrutura psíquica que, uma vez iniciada segue em frente, no campo da linguagem, criando o “baú do tesouro dos significantes” à disposição do sujeito. Servindo-se desse tesouro dos significantes, organiza-se ao longo da primeira infância o enlaçamento topológico de real, simbólico, imaginário, RSI, amarrando o que é do registro do Imaginário (linguagem de imagens, e de fantasias, e de gestos), o que é do registro do Simbólico (linguagem da fala e das palavras), e o registro do Real (o que escapa a representação simbólica de qualquer tipo de linguagem e fica marcado como impossível de dizer).

Do embate primeiro com das Ding (a Coisa) e de todos os embates subsequentes com o impossível, ficam os restos com os quais Lacan cria o conceito de objeto a – causa de desejo e mais-de-gozar, revelando um efeito paradoxal.

Lacan usa a expressão “perversion” [père-version] para dizer de outra versão do pai – a perversão – para dizer de outra vertente estruturante da Lei do pai diferente daquela que estrutura a neurose. Não se deve confundir “perversion” com perversidade. Nota-se, ao longo da transmissão de Freud e de Lacan, que podemos ter outra versão estruturante da Lei do pai, agora na psicose: uma versão do pai inscrita pelo significante da falta do Nome-do-Pai, ou seja, ato de exclusão, de ausência da Bejahung, o significante primeiro do Pai, Nome-do-Pai, ‘semente’ da metáfora paterna.

Desta reflexão decorre que podemos conjeturar como o fizemos, a incidência de três versões do pai – a versão do pai nas neuroses, a versão do pai nas perversões, a versão do pai nas psicoses.

A complexa e lenta construção topológica borromeana dessas três versões acontece na primeira infância, considerando-se que, ao completar os cinco anos de vida, a estrutura de cada uma delas já está feita, construída em seus fundamentos de estrutura psíquica.

A noção de diagnóstico psicanalítico numa perspectiva estrutural é possível sob a existência de quatro fundamentos essenciais: (a) a associação livre do analisando; (b) a escuta dos significantes presentes na fala do analisando e assimilada pelo analista em sua posição de semblante de objeto a; (c) o fenômeno da transferência presente na situação analítica; (d) o desejo-função do analista na direção do tratamento.

Identificamos no parágrafo anterior as três estruturas clínicas no campo da psicanálise. Falta ressaltar que as fobias, inicialmente classificadas por Freud como um tipo de neurose, passaram a ser designadas e transmitidas por Lacan como uma placa giratória presente tanto na estrutura histérica quanto na estrutura obsessiva.

A dinâmica edipiana – de ser o falo materno na identificação com o falo imaginário da mãe e, paradoxalmente, do ter o falo paterno, na identificação simbólica com o pai, através da vivência da castração simbólica – acontece no tempo lógico de uma identificação simbólica (pelos caminhos da fala) com o sujeito suposto não tê-lo, a mãe, e, ao mesmo tempo, com o sujeito suposto tê-lo, o pai. Mas o sujeito suposto não tê-lo pode ser o pai, e o sujeito suposto tê-lo pode ser a mãe.

Trata-se não da anatomia do corpo e sim de imaginário enlaçado ao simbólico e ao real – real que lemos como “disposição hereditária” (Freud) face ao enlaçamento com o imaginário e o simbólico –, como resto de toda a operação significante no processo de estruturação do inconsciente, do sujeito e do seu desejo, da escolha dos sintomas e dos traços estáveis da estrutura de cada um em sua singularidade.

É somente através das associações livres do analisando que algo da estrutura do sujeito é localizável, a partir da nossa captação dos traços estruturais e dos sintomas. E percebemos a implicação lógica que amarra a natureza da estrutura, enlaçando o tipo do sintoma e os traços estáveis, formando uma estrutura. Então, podemos identificar a estrutura inconsciente desse sujeito da qual o sintoma dá testemunho. Só podemos localizar isso fazendo uma boa escuta do dizer do analisando. As pulsões buscam a sua satisfação e topam com as defesas, e o resultado disso é o retorno sobre o próprio eu (ego) na forma de um sintoma.

Para Joël Dor (1994, p. 21-22, grifos nossos).

A formação do sintoma é tributária da palavra e da linguagem. O diagnóstico não pode deixar de se ver aí concernido. As referências diagnósticas estruturais advêm, então, num só registro. [...] A identidade de um sintoma nunca é senão um artefato a ser colocado por conta dos efeitos do inconsciente. A investigação diagnóstica precisa, então, prolongar-se aquém do sintoma, para que se descubra a causalidade psíquica. [...] Então, no desdobramento do dizer se manifestam essas referências diagnósticas estruturais [...] que aparecem como indícios codificados pelos traços estruturais que são, eles próprios, testemunhas da economia do desejo. Daí a necessidade de se estabelecer claramente a distinção que existe entre os “sintomas” e os “traços estruturais”.

É perfeitamente justificável dizer que as estruturas psíquicas evidenciadas na clínica psicanalítica são efeito da constituição do sujeito no campo do “inconsciente estruturado como uma linguagem”, no crescimento da criança até completar os cinco anos de vida, passando pela experiência da dinâmica edipiana, da metáfora paterna, isto é, da castração simbólica, da negociação com o significante fálico, e de como este (o falo) se conjuga com o desejo e a falta. São momentos determinantes para o sujeito e o seu desejo, além de favoráveis à cristalização de organizações estruturais, borromeanamente enlaçadas, amarradas no tempo lógico da constituição psíquica.

As instituições psicanalíticas cumprem o seu dever ético de transmissão da psicanálise e da formação de novos psicanalistas, seguindo os fundamentos propostos por Freud e por Lacan – análise pessoal, estudo teórico-clínico e supervisão clínica, tanto quanto da formação permanente dos psicanalistas experientes.

 

Referências

CALLIGARIS, C. Introdução a uma clínica diferencial das psicoses. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989. (Série Discurso Psicanalítico).         [ Links ]

DOR, J. Estruturas e clínica psicanalítica. Rio de Janeiro: Taurus, 1994.         [ Links ]

FREUD, S. A hereditariedade e a etiologia das neuroses (1896). In: ______. Primeiras publicações psicanalíticas (1893-1899). Direção-geral da tradução de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1969. p. 154-155. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 3).         [ Links ]

JORGE, M. A. C. Fundamentos da psicanálise: de Freud a Lacan, v. 3: a prática analítica. Rio de Janeiro: Zahar, 2017.         [ Links ]

LACAN, J. La dirección de la cura y los principios de su poder. In: ______. Escritos 2. 12. ed. México: Siglo Veintiuno, 1984. p. 601-605.         [ Links ]

LACAN, J. O seminário, livro 20: Mais, ainda (1972-1973). Texto estabelecido por Jacques-Alain Miller. Tradução de M. D. Magno. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. p. 188 e 196.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
Messias Eustáquio Chaves
E-mail: mesquioves@gmail.com

Recebido em: 07/08/2018
Aprovado em: 28/09/2018

 

Sobre o autor

Messias Eustáquio Chaves
Psicanalista.
Sócio do Circulo Psicanalítico de Minas Gerais (CPMG) e do Círculo Brasileiro de Psicanálise (CBP).
Atendimento clínico desde 1980.
Transmissão da psicanálise no CPMG desde 1988 e do seminário Estruturas clínicas desde 1995.
Há 39 anos na mesma instituição.
Tem artigos publicados na Reverso e na Estudos de Psicanálise.

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