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Print version ISSN 0102-7395

Reverso vol.40 no.76 Belo Horizonte July/Dec. 2018

 

PSICANÁLISE E LIETERATURA

 

Esboço de um quadro melancólico a teoria de Freud e na literatura de Dostoiévski

 

Sketch of a melancholic picture in Freud's theory and in Dostoevsky's literature

 

 

Kátia Leite de Carvalho

I Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Em seu texto Luto e melancolia, Freud nos fala sobre o empobrecimento do Eu no quadro melancólico, o que torna o sujeito incapaz de qualquer realização, além de apresentar forte sentimento de degradação e inferioridade. Destaca, entre outros aspectos, o quadro em questão com relação à perda de seu objeto, enquanto objeto de amor. A proposta deste trabalho é ilustrar, por intermédio da literatura, tais aspectos na melancolia.

Palavras-chave: Melancolia, Perda objetal, Libido, Mania.


ABSTRACT

In Mourning and melancholia, Freud tells us about the impoverishment of the self in the melancholic frame, which renders the subject incapable of any realization, besides presenting a strong feeling of degradation and inferiority. It emphasizes, among other aspects, the picture in question with respect to the loss of his/her object, as object of love. The proposal of this work is to illustrate, through the literature, such aspects in melancholy.

Keywords: Melancholia, Object loss, Libido, Mania.


 

O homem é um enigma.
É preciso decifrá-lo,
e ainda que passe a vida toda para decifrá-lo,
não diga que perdeu tempo;
eu me dedico a esse enigma,
já que quero ser um homem.

DOSTOIÉVSKI, [1877] 2017, p. 9.

 

Impactado por uma onda de suicídios ocorridos em Petersburgo, por volta do ano 1875, Dostoiévski se dedica a escrever sobre o tema e publica em 1877, entre outros, o conto intitulado O sonho de um homem ridículo.

Nesse conto narrado na primeira pessoa, um jovem descreve sua frágil condição humana com uma sensação de indiferença a tudo que ocorre ao seu redor. Considera-se um ser desprezível e, consternado diante da pequenez que o ronda, decide que não vale a pena viver. O sentimento do personagem, emoldurado por uma insignificância avassaladora que o acompanha desde a infância, é triste e profundo:

Eu sou um homem ridículo [...]. Sempre fui ridículo, e sei disso, talvez, desde que nasci. Talvez desde os sete anos já soubesse que sou ridículo. Depois fui para a escola, depois para a universidade, e ora – quanto mais estudava, mais aprendia que sou ridículo [...]. Assim como nos estudos, acontecia também na vida. A cada ano aumentava e se fortalecia em mim essa mesma consciência do meu aspecto ridículo em todos os sentidos. Todos riam de mim, o tempo todo. Mas ninguém sabia nem suspeitava que, se havia na Terra um homem mais sabedor do fato de que sou ridículo, esse homem era eu [...] (DOSTOIÉVSKI, [1877] 2017, p. 407).

À medida que o texto avança o personagem, que não tem nome, descreve com mais detalhes seu triste estado:

Mas desde que me tornei moço, apesar de reconhecer mais e mais a cada ano a minha horrível qualidade, por um motivo qualquer fiquei um pouco mais tranquilo. [...] Talvez porque na minha alma viesse crescendo uma melancolia terrível por causa de uma circunstância que já estava infinitamente acima de todo o meu ser: mais precisamente – ocorrera-me a convicção de que no mundo, em qualquer canto, tudo tanto faz. [...] Passei a perceber e a sentir com todo o meu ser que diante de mim não havia nada [...]. Então de repente parei de me zangar com as pessoas e passei a quase nem notá-las [...] (DOSTOIÉVSKI, [1877] 2017, p. 408).

Nesta parte do conto, o personagem fala a respeito de um sentimento de melancolia, o que nos pareceu apropriado investigar. Freud ([1917] 1974), em seu texto Luto e melancolia descreve com riqueza de detalhes a diferença entre os dois quadros e nos apresenta o segundo, que aqui nos interessa particularmente, a exemplo do personagem do conto.

Descreve a melancolia em seus aspectos de semelhança com o luto, que envolve o desânimo, a perda de interesse pelo mundo externo, a incapacidade de amar e a inibição de qualquer atividade. No entanto, ressalta que a perturbação da autoestima é um aspecto característico somente do quadro melancólico.

Além disso, pontua:

[...] O melancólico exibe ainda uma outra coisa que está ausente no luto [...], um empobrecimento do Eu em grande escala. No luto, é o mundo que se torna pobre e vazio; na melancolia, é o próprio Eu (FREUD, [1917] 1974, p. 278).

E continua:

O paciente representa seu Eu para nós como sendo desprovido de valor, incapaz de qualquer realização e moralmente desprezível, ele se repreende e se envilece, esperando ser expulso e punido. Degrada-se perante todos, e sente comiseração por seus próprios parentes por estarem ligados a uma pessoa tão desprezível. [...] estende sua autocrítica até o passado, declarando que nunca foi melhor (FREUD, [1917] 1974, p. 278).

Dostoiévski ([1877] 2017) não nos diz do passado de seu personagem nem mesmo de uma possível perda recente. Sabemos que já se considerava ridículo por volta dos sete anos, e talvez esse fato nos propicie uma preciosa pista.

É interessante perceber que Freud ([1917] 1974) nos aponta que a melancolia, tal como o luto, pode se constituir diante da perda de um objeto amado. Porém, destaca que o objeto pode não ter morrido de fato, no caso do melancólico, “[...] mas tenha sido perdido enquanto objeto de amor” (FREUD, [1917] 1974, p. 277).

Diz que o paciente pode estar ciente de que uma perda tenha ocasionado sua condição, uma vez que sabe

[...] quem ele perdeu, mas não o que ele perdeu nesse alguém. Isso sugeriria que a melancolia está de alguma forma relacionada a uma perda objetal retirada da consciência [...] (FREUD, [1917] 1974, p. 278, grifo nosso).

Nosso personagem desafia o leitor a prosseguir diante da descrição de sucessivas autoacusações e de um cenário em que o suicídio parece ser o fim inevitável. Relata sua dificuldade para dormir, sua falta de apetite, a interrupção de seus pensamentos e como tudo lhe era indiferente.

Neste ponto, recorremos novamente a Freud ([1917] 1974) quando nos aponta que um

[...] quadro de delírio de inferioridade (principalmente moral) é completado pela insônia, pela recusa de se alimentar e [...] por uma superação da pulsão que compele todo ser vivo a se apegar à vida (FREUD, [1917] 1974, p. 278).

Ainda destaca que seria infrutífero contradizer um paciente diante de tantas acusações contra seu Eu. Pontua que, diante desse quadro, o paciente é tão desinteressado e tão incapaz de amar e de realizar quanto afirma. Por outro lado, destaca que isso é secundário, pois “[...] trata-se do efeito do trabalho interno que lhe consome o Eu” (FREUD, [1917] 1974, p. 278).

Prosseguindo com seu relato, o personagem diz que, após um dia muito chuvoso, toma o caminho de casa quando já havia anoitecido e vê no céu uma estrelinha. Ao se defrontar com essa imagem, decide que naquela noite se mataria, porém não contava que algo de inusitado ocorreria para lhe mostrar a verdade.

No trajeto para a casa, uma menina o agarra pelo cotovelo e, aos gritos, tenta dizer-lhe algo que ele não consegue a princípio entender. Nota que a garotinha estava em pânico e subitamente percebe que ela diz algo que se relacionava à mãe. Embora ela não dissesse de forma clara o que estava acontecendo, o personagem entende que a mãe estava doente em algum lugar ou que algo sério havia ocorrido. Apesar de não atender as súplicas da garotinha e ter agido de uma maneira brusca e até mesmo agressiva, o personagem guarda em sua memória a cena ocorrida:

A menina tinha uns oito anos, de lencinho e só de vestidinho, toda encharcada, mas guardei na lembrança especialmente os seus sapatos rotos e encharcados [...]. Foram especialmente eles que me saltaram aos olhos [...]. Voltei o rosto para ela, mas não disse uma palavra e continuei andando, só que ela corria e me puxava, e na sua voz ressoava aquele som que nas crianças muito assustadas significa desespero. Conheço esse som (DOSTOIÉVSKI, [1877] 2017, p. 410).

Percebemos nesta parte do conto, uma quase semelhança entre a idade da garotinha e a idade do personagem principal, mencionada no início do conto, enquanto descrevia seu comportamento ridículo. Ele diz conhecer o som do desespero que sentiu na menina, como se fizesse menção a uma situação já vivida por ele.

Freud ([1917] 1974) nos diz que o melancólico aponta para uma perda relativa de seu Eu. Por outro lado, ressalta que, ao ouvir atentamente um paciente com esse quadro, percebemos que muitas das autoacusações não parecem se aplicar a ele mesmo. Pontua que, com pequenas modificações, poderiam se ajustar a outra pessoa, “[...] alguém que o paciente ama, amou ou deveria amar” (FREUD, [1917] 1974, p. 280).

Continua ressaltando que tal situação é frequentemente confirmada, que as autorrecriminações são dirigidas a um objeto amado e deslocadas para o Eu do próprio paciente, que não se envergonha de suas queixas,

[...] já que tudo de desairoso que diz sobre si próprio refere-se, no fundo, à outra pessoa (FREUD, [1917] 1974, p. 281).

Em determinado momento do encontro com a suplicante garotinha, o personagem se irrita e, de maneira muito agressiva, afasta-a aos gritos. Seria esse um momento de tão forte identificação com o desamparo já sentido em sua infância que o enfureceu dessa forma?

Com Freud ([1917] 1974) podemos fazer uma analogia para o quadro que se apresenta quando ele diz que, num dado momento da vida do sujeito, uma escolha objetal e uma ligação da libido com uma pessoa específica é realizada. No entanto, devido a um desapontamento oriundo da pessoa amada, a relação objetal é destroçada e como resultado há uma retirada da libido desse objeto deslocando-se para outro, o que não é realizado sem profundas consequências.

O deslocamento da libido, agora livre, é redirecionado para o próprio Eu do indivíduo sem, contudo, ser empregado de maneira específica.

[...] mas serviu para estabelecer uma identificação do Eu com o objeto abandonado. Assim a sombra do objeto caiu sobre o Eu, e este pôde, daí por diante, ser julgado por um agente especial, como se fosse um objeto abandonado. [...] A escolha objetal é efetuada numa base narcisista, de modo que o investimento objetal, ao se defrontar com obstáculos pode retroceder para o narcisismo. A identificação narcisista com o objeto se torna, então, um substituto do investimento erótico e, em consequência, apesar do conflito com a pessoa amada, não é preciso renunciar à relação amorosa (FREUD, [1917] 1974, p. 282).

Ao chegar a casa, o personagem se atormenta com a cena vivida e começa a se indagar sobre o porquê de não ter ajudado a menina e se irrita com seus pensamentos, principalmente porque aquilo lhe deveria ser indiferente como tudo ao seu redor sempre lhe parecera. Vê-se acometido por um sentimento de pena e dor com relação à menina, e isso o atormenta ainda mais.

O fato é que, diante da cena vivida, ao voltar para casa, o personagem decide adiar a morte.

[...] Era como se agora eu já não pudesse morrer sem antes resolver uma coisa qualquer. Numa palavra, essa menina me salvou, porque com estas questões eu adiei o tiro (DOSTOIÉVSKI, [1877] 2017, p. 412).

À medida que o conto prossegue, o personagem relata um sonho que teve naquela noite e que lhe anunciou a verdade sobre a qual sustentaria sua vida a partir de então. No sonho, ele prossegue com a ideia de suicídio e termina por dar fim à própria vida, mas de uma forma diferente da que havia planejado. O tiro, que anteriormente seria dirigido à sua cabeça, é direcionado ao coração, e essa mudança parece muito significativa sobretudo porque, a partir daí e enquanto sonhava, passa ter sensações e sentimentos que antes pareciam ter desaparecido por completo.

Em seu percurso onírico, o personagem viaja em direção a outro planeta, em direção à estrelinha que havia apreciado ao caminhar pela rua chuvosa antes de encontrar a garotinha. A estrelinha vista em sua caminhada parece servir como metáfora, um ponto de luz na escuridão e, no sonho. Parece sustentar o mesmo sentido. Algo distante mas, quem sabe, já vivido e novamente procurado.

A descrição do sonho prossegue, e nele nosso personagem parece viver um momento único de muita felicidade. Nada parecia faltar, nem mesmo o sentimento de amor que há muito tempo não sentia. No entanto, apesar das boas emoções sentidas durante o sonho, a sensação ridícula não o abandona, e ele tenta explicar aos novos companheiros os sentimentos ruins que o habitam.

O personagem continua sua narrativa, mas em determinado momento chega a duvidar de que aquilo pudesse ter sido um sonho. Quem sabe um delírio? Ele assim adverte o leitor acreditando que um sonho não seria tão rico em detalhes.

O fato é que, ao acordar, o personagem descarta para longe de si o revólver que continuava engatilhado sobre a mesinha. Decide não mais se matar para fazer pregações.

[...] Ah, agora, a vida e a vida! [...] Sim, a vida e a pregação! Naquele mesmo minuto decidi que iria pregar [...] a verdade, pois eu a vi com os meus próprios olhos (DOSTOIÉVSKI, [1877] 2017, p. 424).

Prosseguindo sob os aspectos e as características da melancolia, Freud ([1917] 1974) parece fazer novamente um paralelo com o conto apresentado quando nos diz da insônia, que caracteriza bem o quadro melancólico de nosso personagem, até que ele consegue dormir e tem o sonho da revelação. Explica que a insônia se apresenta de forma rígida nessa condição, impossibilitando o retraimento necessário dos investimentos para que o indivíduo possa dormir.

Destaca que o

[...] complexo de melancolia se comporta como uma ferida aberta, atraindo a si as energias investidas [...] provenientes de todas as direções, e esvaziando o Eu até este ficar totalmente empobrecido (FREUD, [1917] 1974, p. 286).

Além disso, pontua que o quadro melancólico pode desaparecer após determinado período, sem deixar sinais de grandes alterações, característica que pode ser compartilhada com o luto.

E continua:

[...] a característica mais notável da melancolia [...] é sua tendência a se transformar em mania – estado este que é o oposto dela em seus sintomas (FREUD, [1917] 1974, p. 286).

Alerta que tal mudança não acontece em nenhuma forma de melancolia uma vez que, em alguns casos, o curso das recaídas permanece sem a manifestação dos estados maníacos ou se apresentam de forma muito leve.

No conto apresentado, o personagem parece sair de seu profundo estado melancólico após o encontro fortuito com a garotinha e o sonho que se seguiu. No entanto, os sentimentos relatados principalmente na segunda parte do sonho parecem reintroduzi-lo novamente em sua condição de objeto abandonado, com baixa autoestima e empobrecimento de seu Eu em elevada escala.

Daí é importante observar que

[...] o conteúdo da mania em nada difere do da melancolia, que ambas as desordens lutam com o mesmo complexo, mas que provavelmente, na melancolia, o Eu sucumbe ao complexo, ao passo que, na mania, domina-o ou o põe de lado. [...] Todos os estados, tais como a alegria, a exultação, ou o triunfo que nos fornecem o modelo normal para a mania, dependem das mesmas condições econômicas (FREUD, [1917] 1974, p. 287).

Freud ([1917] 1974) continua nos apontando que, como resultado da situação exposta, uma quota de energia psíquica mantida pelo indivíduo torna-se desnecessária e passa a se disponibilizar para possibilidades de descarga. Com a descarga, que pode causar súbitos alívios, esse indivíduo tende a apresentar uma espécie de júbilo, de sensação de triunfo e maior disposição para apresentar ações diante das situações que lhe ocorrem.

Contudo, pode-se afirmar que

[...] a mania nada mais é do que o triunfo desse tipo; só que aqui, mais uma vez, aquilo que o Eu dominou e aquilo sobre o qual está triunfando permanecem ocultos dele (FREUD, [1917] 1974, p. 287).

Não seria esse o caso de nosso personagem que, ao se deparar com a cena da menina na noite escura e após seu sonho, passa a se ver de maneira um tanto triunfante ao encontrar a verdade a ser revelada a todos?

É importante destacar que ele não deixa de se identificar com a desgraça e a dor, mas é como se algo inusitado lhe desse novo sentido:

[...] Ah, eu estou cheio de ânimo, eu estou novo em folha, eu vou seguir, vou seguir, ainda por mais mil anos (DOSTOIÉVSKI, [1877] 2017, p. 425).

É como se momentaneamente o Eu do personagem tivesse

[...] superado a perda do objeto, e, consequentemente, toda a quota de contrainvestimento que o penoso sofrimento da melancolia tinha atraído para si vinda do Eu e vinculado teria se tornado disponível (FREUD, [1917] 1974, p. 288).

No estado maníaco, o indivíduo demonstra que se liberou de certa forma do objeto que lhe causara tanto sofrimento e passou a procurar novos investimentos objetais.

Finalizando seu texto, Freud ([1917] 1974) marca de forma apropriada que as causas excitantes na melancolia têm amplitude maior do que às relacionadas ao luto, sobretudo devido ao conflito existente e oriundo de uma ambivalência.

No luto existe a perda real do objeto, que pode ser ocasionada pela morte.

Na melancolia existem lutas isoladas em torno do objeto, que são protagonizadas pela batalha entre o amor e o ódio:

[...] um procura separar a libido do objeto, o outro defender essa posição da libido contra o assédio. A localização dessas lutas isoladas só pode ser atribuída ao sistema inconsciente (FREUD, [1917] 1974, p. 290).

Destaca ainda que a ambivalência percebida na melancolia pertence efetivamente àquilo que é recalcado e que as experiências consideradas traumáticas relacionadas ao objeto podem ativar outro material recalcado.

Prossegue pontuando que,

[...] dessa forma, refugiando-se no Eu, o amor escapa à extinção. Após essa regressão da libido, o processo pode tornar-se consciente, sendo representado à consciência como um conflito entre uma parte do Eu e o agente crítico (FREUD, [1917] 1974, p. 290).

Contudo, ao apresentar o sistema inconsciente como ponto topográfico no qual a melancolia se processa, Freud ([1917] 1974) se questiona sobre as condições econômicas para o surgimento da mania após a melancolia ter seguido seu curso. Alega esperar que essa condição seja encontrada precisamente na ambivalência na qual esse quadro é também acometido.

Porém, destaca que

[...] das três pré-condições da melancolia – perda do objeto, ambivalência e regressão da libido ao Eu –, as duas primeiras também se encontram nas autorrecriminações obsessivas que surgem depois da ocorrência de uma morte. [...] Somos levados, assim, a considerar o terceiro fator como único responsável pelo resultado. O acúmulo de investimento que, de início, fica vinculado e, terminado o trabalho da melancolia, se torna livre, fazendo com que a mania seja possível deve ser ligado à regressão da libido ao narcisismo. O conflito dentro do Eu, que a melancolia substitui pela luta pelo objeto, deve atuar como uma ferida dolorosa que exige um contrainvestimento extraordinariamente elevado (FREUD, [1917] 1974, p. 291).

É certo que, continuando seus estudos e com a construção da teoria psicanalítica, Freud se debruçou sobre novos textos, entre eles, Além do princípio do prazer (1920), em que o conceito de pulsão de morte também trouxe nova luz para os aspectos do quadro melancólico.

Importante, contudo, é destacar que, ao final, o personagem de Dostoiévski ([1877] 2017), aqui apresentado, prossegue com sua missão de propagar a verdade. Verdade revelada que talvez tenha lhe poupado a vida – por intermédio da instalação do quadro de mania – da morte certa que seu estado melancólico inicial poderia provocar.

 

Referências

DOSTOIÉVSKI, F. O sonho de um homem ridículo (1877). In: ______. Contos reunidos. (1877). 2. ed. Tradução de Priscila Marques e outros. São Paulo: Editora 34, 2017. p. 407-425.         [ Links ]

FREUD, S. Luto e melancolia (1917). In: ______. A história do movimento psicanalítico: artigos sobre metapsicologia e outros trabalhos (1914-1916). Direção-geral da tradução de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1974. p. 271-291. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas, 14).         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
Kátia Leite de Carvalho
E-mail: katialcarvalho@yahoo.com.br

Recebido em: 07/06/2018
Aprovado em: 28/09/2018

 

Sobre a autora

Kátia Leite de Carvalho
Psicóloga. Mestre em psicologia pela PUC Minas.

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