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versão impressa ISSN 0102-7395

Reverso vol.42 no.80 Belo Horizonte jul./dez. 2020

 

PSICANÁLISE EM TEMPOS DE PANDEMIA

 

O inominável que nos atravessa e seus desdobramentos psíquicos1

 

The unspeakable that crosses us and its psychic unfoldings

 

 

Juliana Marques Caldeira Borges

Psicanalista. Sócia do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais. Vice-presidente do Círculo Brasileiro de Psicanálise. E-mail: jucborges@gmail.com

 

 


RESUMO

O presente artigo propõe refletir sobre possíveis questões decorrentes do surgimento da pandemia da Covid-19 no País e sobre os desdobramentos psíquicos do isolamento social no período de quarentena, imposto para se evitar a circulação do coronavírus. A autora parte do referencial teórico da psicanálise e de sua experiência clínica para essa reflexão.

Palavras-chave: Pandemia, Covid-19, Coronavírus, Psicanálise, Angústia, Morte.


ABSTRACT

This article proposes to reflect on possible issues arising from the emergence of the Covid-19 pandemic in the country and on the psychological developments of social isolation in the quarantine period, imposed to prevent the circulation of the coronavirus. The author starts from the theoretical framework of psychoanalysis and from her clinical experience for this reflection.

Keywords: Pandemic, Covid-19, Coronavirus, Psychoanalysis, Anguish, Death.


 

 

Boa noite a todos. Hoje temos um encontro para refletirmos sobre esse momento inesperado e impensável que vivemos. E quando somos surpreendidos por algo dessa natureza, só nos resta buscar palavras para contornar a angústia e nos colocar a trabalho, uma vez que ocupamos uma função da qual não havemos de recuar quando somos chamados ao encontro daqueles que nos esperam.

Agradeço o convite para estar com vocês feito pelas professoras Stetina Trani de Menezes e Dacorso, e Adriana Ventura, coordenadora do curso de Psicologia da UniAcademia. Não foi fácil aceitá-lo, porque talvez vocês esperem de mim uma aula que os apazigue. Não sei se essa possibilidade existe.

Estamos diante de algo que nos desassossega o tempo todo, que nos tira a melhor das possibilidades de viver, o poder caminhar distraídos pelas ruas da cidade, pelas linhas da vida. Vivemos para distrair a morte, nos disse Freud.

Só assim damos conta de não pensar no nosso findar, que há de chegar para todos. Damos conta de viver a ilusão da imortalidade, fazemos planos, acreditamos que vamos morrer velhinhos depois de termos esgotados nossos desejos, realizando-os na companhia daqueles que amamos e que nos cercam.

Por isso, temos as listas que ficaram famosas como Mil lugares para conhecer antes de morrer, Mil filmes para ver, Mil livros para ler, vinhos, restaurantes e por aí vamos num rol infinito como se fosse possível tal realização, esgotar todas as listas sendo que o desejo do sujeito não cessa.

As fatalidades, quando ocorrem, nos desarvoram porque nos roubam essa ilusão, nos trazem a realidade, a de que todos nós, um dia, iremos embora, e dela não temos como escapar... Mesmo que a gente esteja escapando todos os dias, dia após dia, ano após ano. "É preciso estar atento e forte, não temos tempo de temer a morte", diz o refrão de Caetano Veloso.

Do nosso tema de hoje, O inominável que nos atravessa e seus desdobramentos psíquicos, o que podemos dizer?

Vou falar a partir de duas reflexões: uma, que assinala o que ocorre hoje no âmbito do social, e outra, que surge a partir do meu lugar de analista, no qual escuto o sujeito do inconsciente na condução das análises de meus clientes.

Desse lugar, então, vou buscar intervir para que esse inconsciente possa aparecer em linguagem, uma vez que ele se apresenta também fora da análise, na vida do sujeito, em ações, em fantasias, em sonhos e em sintomas psíquicos, entre outras manifestações.

Um exemplo que me ocorre é um ato falho cometido por mim logo no início do isolamento, há quase dois meses, quando fui buscar uma entrega que chegara ao meu prédio. Disse ao meu filho: "Vou ali na enfermaria buscar uma encomenda", ato falho que aponta claramente para a fantasia de adoecimento, hospital, cuidados, quando o que mais ouvíamos era que não haveria lugar para todos os adoecidos por Covid-19 e, dessa forma, a pessoa poderia vir a morrer.

Em vez de ir à portaria, posso pensar que meu inconsciente me mandou direto à enfermaria, garantindo, assim, uma vaga em um hospital e resolvendo minha angústia frente a possibilidade de morte? Essa é a minha interpretação, mas a diferença entre o inconsciente se apresentar na vida cotidiana ou em uma sessão de análise é que dessa apresentação, dirigida ao analista, outros significantes podem vir a surgir e o inconsciente, estruturado como linguagem, pode passar para o registro do Simbólico.

Então esse inominável, que podemos aqui também chamar de Real, atravessa o sujeito em um viés traumático. Para a psicanálise, aquilo que é da ordem do trauma é um acontecimento inesperado, incapaz de ser simbolizado, de ser traduzido em linguagem, no momento de seu surgimento. Nada mais da ordem do Real que a nossa morte, pois nunca seremos capazes de dizer sobre ela. Não há como simbolizar algo que, quando nos atingir, irá nos silenciar para sempre, não há mais a palavra do sujeito, nem de seu corpo, nem do sujeito do inconsciente. Uma vez morrendo, estaremos mortos (sem entrar aqui no âmbito religioso que nos traz outras reflexões e/ou perspectivas).

Mas da morte, como acontecimento inevitável no âmbito social, podemos e devemos falar. E é o fato de falarmos, de nos indagarmos, de nos debruçarmos sobre o tema, que nos salva do desamparo que esse significante nos provoca, principalmente se nos propomos a fazer laços para dar conta desse inominável juntos.

Isso justifica, então, meu desejo de e s tar com voc ê s , não para ap aziguar, mas para dar nome, junto a vocês, a esse inominável. Porque o vírus tem nome, foi batizado. Mas o horror que ele provoca no imaginário do sujeito e no social, diante de um número cada vez mais crescente de óbitos, esse horror é da ordem do inominável, palavra essa que encontramos no Google (2020) com esta definição:

Inominável
adjetivo de dois gêneros:
p.us. que não pode ser designado por
um nome, que não tem nome por não se
poder definir ou qualificar.
"uma tristeza inominável."

Pejorativo - pejorativamente
a que não se quer dar nome por considerações
de ordem estética ou lógica ou
porque é demasiadamente abjeto, vil para
ser nomeado; horroroso, péssimo.
"um livro inominável."

...e aqui, como desdobramento, podemos pensar: "uma doença inominável, um acontecimento inominável", mesmo que tenha um nome.

Vejamos a reflexão sobre o horror desse inominável no social.

O que temos visto são notícias que apontam para uma epidemia iniciada por volta de dezembro, na China, passando por vários países (e aqui não vou me deter) até chegar ao Brasil e se tornando, portanto, uma pandemia. O vírus tem um alto poder de contágio, provoca sintomas que, em muitos casos, evoluem rapidamente para óbito. Já em outros a forma é mais leve, e até agora não se concluiu cientificamente nada que traga uma certeza sobre qual forma a doença pode vir a se manifestar em cada paciente. Logo, de início, já estamos lançados à sorte e a um enigma: "Se eu me contaminar, o que vai ser de mim?"

E quando estamos diante de um enigma, buscamos descobrir uma resposta. A falta de resposta vai trazer uma série de reações emocionais, como a sociedade tem enfatizado, como medo, ansiedade, estresse, angústia. Quanto mais notícias são divulgadas sobre a evolução do coronavírus nas cidades, nos estados e nos países, mais se acentuam essas reações, naturais ao que surge como perigo à integridade física e psíquica do ser humano.

Freud ([1895] 1977) vai assinalar a primeira experiência de satisfação como o momento em que o sujeito é marcado para sempre, entra no circuito pulsional e vai desejar reviver essa experiência para se sentir satisfeito ao longo de sua trajetória. Sendo assim, a busca do ser humano é pela completude.

Em 1994 o psicanalista mineiro e querido colega Antônio Ribeiro Franco da Silva já nos chamava a atenção para o fato de que:

Apagado enquanto sujeito desejante, ao homem moderno só resta encontrar algo que obture a sua falta. Assim, vivendo uma constante situação de crise, inclusive de sobrevivência, o homem moderno anda à procura de alguma droga, milagrosa se possível, que seja capaz de lhe trazer a ilusão da completude, do bem-estar e da felicidade (Silva, 1994, p. 17).

Logo, se estamos diante de uma falta de resposta da ciência para uma vacina que nos assegure a cura e a vida, vamos temer não só a nossa morte como também a daqueles que amamos, e esse fato tem agravado, e muito, os desdobramentos psíquicos da pandemia.

[...] "se o ser humano é faltoso e incompleto num constante vir a ser" e se sabemos, como analistas, que o sujeito se constitui a partir do encontro com o Outro e se torna marcado pela falta desde seu primeiro grito, sabemos também que o laço amoroso traz a ele a ilusão da completude e a sustentação para o lugar da falta. Perder quem se ama traz, inquestionavelmente, a vivência da falta em seu estado bruto, se assim podemos dizer, a perda do lugar da garantia, do colo, da presença amorosa, da proteção, enfim, da completude que se busca nesse Outro concebido pelo desejo como "imortal". A morte é nosso maior medo, assunto tabu a ser evitado, se possível ignorado, uma vez que nos traz angústia e mal-estar (Borges, 2017, p. 1).

Outro aspecto que quero assinalar é a vivência do luto, comprometida por mortes repentinas, velórios rápidos com impedimento de presenças, muitas vezes com situações nas quais mesmo um filho ou uma mãe não podem se despedir de quem partiu. Essa realidade, inclusive, tem sido um agravante para as pessoas que adoecem e são internadas, sem direito a acompanhantes devido ao contágio, desamparadas e entregues à própria sorte, onde ficarão à mercê de fantasias que apontam, inclusive, para uma morte solitária sem direito a despedidas, o que se trata também de uma ilusão, posto que nunca saberemos se vamos morrer na presença de quem amamos. Mas o ritual nos apazigua da fantasia de abandono.

Tomando aqui o processo de luto em decorrência de perdas significativas e pensando no que hoje a sociedade vive, trago algumas falas para ilustrar o viés traumático de perdas trágicas semelhantes às mortes por Covid-19, inesperadas e rápidas após o processo de adoecimento.

Este trecho que vou citar é de um trabalho que apresentei um uma jornada do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais (CPMG)2 intitulado Até que a vida nos repare, onde discorro sobre a vivência do luto e a falta.

As palavras de quem perdeu, retiradas da página Vamos falar sobre o luto, onde está a íntegra destes relatos:

• No começo, eu senti como se houvesse caído em um buraco escuro e desconhecido. [...] O luto era um tabu muito grande e eu sentia que tudo que as pessoas queriam (com as melhores das intenções) era me ver bem de novo [...]. Entendi que o tempo ameniza a dor, mas é a gente que reinventa a vida! (Maciel, 2017).

Perder alguém é também perder-se de si mesmo. [...] Quando perdemos alguém parece que perdemos o nosso próprio rumo, passamos a não ver mais sentido em muitas coisas e a não reconhecer mais a vida que conhecíamos até aqui. [...] O importante é ter a clareza de que o luto é um processo de transformação e não de superação. É um caminho doloroso, sem ponto de chegada, mas que chama para uma reinvenção da própria vida (Thomaz, 2016).

Neste ponto, gostaria de assinalar a questão do isolamento social. Se sabemos que o sujeito se constitui na relação com o Outro, isolar-se socialmente não é uma tarefa fácil. Pressupõe várias condições do sujeito e a primeira é uma posição ética frente ao social e ao grupo, porque o objetivo do isolamento é preservar vidas. Temos visto como isso depende de cada um e de cada estrutura psíquica.

Uma outra condição é a de qual lugar no social o sujeito responde: qual sua profissão, sua idade, qual sua possibilidade de cumprir o isolamento. São questões importantes que vão também definir os desdobramentos da vivência da pandemia.

Um outro aspecto a ser destacado é o uso das máscaras que cobrem os rostos, as expressões faciais, os sorrisos e, assim, dificultam ao sujeito a expressão de suas emoções e sentimentos, tão comuns em nossa convivência no cotidiano.

O que isso representa para cada um de nós?

E para as crianças em desenvolvimento?

Como pensar este tempo no qual o encontro dos corpos se encontra barrado?

Como tem sido a vivência da sexualidade dos adolescentes, quando deveriam estar se descobrindo nesse lugar? E a dos adultos?

Saindo de um viés social e passando para a singularidade, gostaria de me deter aqui no que disse que faria a seguir, do lugar de analista. Sabemos que cada sujeito vai tomar para si um acontecimento a partir de sua constituição subjetiva, de sua estrutura psíquica, e o atravessamento do que aqui chamamos de inominável vai fazer com que o sujeito formule significantes ao que o coronavírus produz em seu inconsciente.

É com esses significantes que o analista vai operar, saindo do âmbito social para o particular, para o caso a caso, para a escuta do inconsciente que se apresenta e na condução que podemos tomar, para que algo do horror possa ser simbolizado no trabalho analítico. Torna-se importante nomear o desamparo, a devastação, o que é da ordem do inominável para cada sujeito.

É preciso dizer rapidamente sobre algumas reações a essa pandemia, possíveis aos sujeitos. Sabemos que na neurose há uma demanda de resposta ao Outro para a falta de respostas e provavelmente os rituais de limpeza irão se acentuar, os corpos irão sofrer mais com o deslocamento do afeto. Já o sujeito perverso pode vir a fazer uso de seu comportamento para horrorizar as pessoas com a possibilidade de contágios. O sujeito psicótico poderá surgir em uma posição delirante de descoberta da cura e salvação da humanidade. O paranoico irá ter a certeza de que há mesmo uma perseguição que o fará ficar tão mais protegido e temeroso do que sempre foi. Enfim, são alguns exemplos que trago aqui pela impossibilidade de nos aprofundarmos nesta questão agora.

Fica como sugestão para vocês o texto de Freud ([1924] 1977) A perda da realidade na neurose e na psicose, visto que os neuróticos poderão ser tomados, neste momento, por fantasias tão intensas que podem ser entendidas como um estado de surto psicótico.

Mas o que mais nos importa é a escuta do analista para uma questão crucial neste momento, teorizada por Freud ([1920] 1977) e desenvolvida posteriormente também por outros teóricos da psicanálise, como Lacan, que é a pulsão de morte versus pulsão de vida, ou pulsão sexual. A sexualidade aqui significa a posição do sujeito de investimento libidinal em tudo aquilo que o leva a seguir em frente e desafiar seu destino, que é o da própria morte.

A pulsão de morte vai dizer da agressividade presente e necessária para a sobrevivência, mas quando de -sarticulada da pulsão de vida, faz com que o sujeito busque a destruição de si mesmo e se lance a um abismo qualquer, que pode surgir, por exemplo, como nos casos das pessoas que desafiam a morte e desconhecem os perigos reais presentes no curso da vida.

Nesta pandemia temos visto, inclusive, respostas nesse sentido. Os estados depressivos graves que podem surgir como consequência da pandemia são outro ponto a ser assinalado e vão depender também da questão pulsional que aqui aponto, presente na economia psíquica do sujeito.

Insisto, então, na questão da singularidade. Mas assinalo também a importância que tem sido dada pela sociedade aos cuidados com a saúde mental durante e após a pandemia. Esta semana a Organização Mundial da Saúde - OMS (ONU News, 2020) publicou um guia com os cuidados às pessoas acometidas pela doença e seus familiares, e diversas universidades e pesquisadores do tema têm feito publicações similares.

Haverá saída? Fica aqui uma pergunta que tenho escutado, assim como respostas como "nunca mais seremos os mesmos", "a sociedade vai ter que mudar", "teremos um novo normal".

Nós não sabemos. Talvez este seja o maior ponto de angústia: o não saber, a falta de respostas para nos tirar ... da falta! A maneira como iremos criar e reinventar a vida está na descoberta de que é preciso fazer laços com o outro, nos cercar de amor, como escreveu Freud a Einstein no texto Por que a guerra?

Tudo que produz laços emocionais entre as pessoas tem efeito contrário à guerra. Essas ligações podem ser de dois tipos. Primeiro, relações como as que se tem com um objeto amoroso, embora sem objetivos sexuais. A psicanálise não precisa se envergonhar quando fala de amor, pois a religião também diz: "Ama o próximo como a ti mesmo". Sem dúvida, é uma coisa mais fácil de se pedir do que de realizar. O outro tipo de ligação emocional é o que se dá pela identificação. Tudo que se estabelece importantes coisas em comum entre as pessoas produz esses sentimentos comuns, essas identificações. Nelas se baseia, em boa parte, o edifício da sociedade humana (Freud, [1932] 1977, p. 430-431).

E nós, psicanalistas, por onde vamos nesta função, agora online na maioria de nossos atendimentos? Ao oferecer uma escuta sem respostas prontas, poderemos possibilitar ao sujeito a reinvenção da vida, para lidar com o lugar da falta?

Esta continua sendo a minha aposta. Aceitar a castração é não buscar "reparação" para o objeto perdido, e sim buscar outras maneiras de simbolização. A psicanálise oferece a palavra e, quando circula, a palavra pode nos salvar da solidão e fazer desse atravessamento um caminho a ser reinventado, da singularidade ao laço social.

Cito a seguir um trecho da apresentação Psicanálise e pandemia na vida cotidiana, do psicanalista Joaquim Lavarini, disponível em seu canal no Youtube:

Segundo Freud, devido à pulsão de morte, o sujeito se torna um campo fértil para a guerra e para seu antídoto - Eros. Por que, então, a psicanálise? A intrusão do significante na constituição do sujeito o obriga a ter com a verdade uma relação que o torna um campo fértil para a análise. Trata-se de uma fórmula freudiana de descompletar uma relação de dois (façam amor, não façam guerra) por meio de um terceiro, "...ser falante de guerra, de amor, de psicanálise (Lavarini, 2020).

A isso eu acrescentaria: falar do medo e das fantasias de modo singular e diferente das listas de sintomatologia ou doenças que são citadas como agravantes neste momento, como "síndrome do pânico", "depressão", "transtorno obsessivo compulsivo" entre outras.

Para terminar esta apresentação não terminada, gostaria de dizer que não é por acaso que a arte vem nos salvar nesse atravessamento, com as lives e os shows que tantos de nós temos apreciado neste tempo.

Eliana Mendes vem nos lembrar, em seu texto Esse estranho, íntimo, multiface-tado objeto a publicado no site do Círculo Brasileiro de Psicanálise (CBP), que:

A criação artística, a meu ver, captura esse momento mágico em que o objeto a tanto pode representar o ideal quanto a pulsão criadora, fusionados aí numa forma nova de manifestação, que pode, até mesmo, romper o mal-estar que nos acompanha como seres humanos [...] A verdade, aí também, tem a estrutura da ficção. A vida imita a arte, tanto quanto a arte imita a vida. O olhar e a voz dos artistas voltam a funcionar como objeto a causa de desejo (Mendes, 2020)

Quero agradecer a possibilidade de passar esta noite com vocês me distraindo do mal-estar e terminar, então, com arte.

Trago um poema de Cecília Meireles que me faz pensar sobre a importância de nosso encontro para darmos conta do desamparo e, para além dele, seguirmos em frente.

Interlúdio

Cecília Meireles

As palavras estão muito ditas
e o mundo muito pensado.
Fico ao teu lado.

Não me digas que há futuro
nem passado.
Deixa o presente - claro muro
sem coisas escritas.

Deixa o presente. Não fales,
Não me expliques o presente,
pois é tudo demasiado.

Em águas de eternamente,
o cometa dos meus males
afunda, desarvorado.

Fico ao teu lado.

E Lulu Santos, um trecho de sua canção:

A cura

[...] Enquanto isso
Não nos custa insistir
Na questão do desejo
Não deixar se extinguir
Desafiando de vez a noção
Na qual se crê
Que o inferno é aqui

Muito obrigada!

 

Referências

BORGES, J. M. C. Até que a vida nos repare. XXXV Jornada de Psicanálise do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais A falta está fazendo falta. Belo Horizonte (MG), 22-23 set. 2017.         [ Links ]

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Recebido em: 12/08/2020
Aprovado em: 18/09/2020

 

 

1 Tema proposto pela Coordenadora do Curso de Psicologia do Centro Universitário UNIACADEMIA, de Juiz de Fora, Adriana Ventura, e apresentado por mim em 20 maio 2020 para a Comunidade Acadêmica através de plataforma virtual.
2 XXXV Jornada de Psicanálise do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais A falta está fazendo falta. Belo Horizonte (MG), 22-23 set. 2017.

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