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Print version ISSN 0102-7395

Reverso vol.42 no.80 Belo Horizonte Jul./Dec. 2020

 

TEORIA E CLÍNICA PSICANALÍTICAS

 

Intolerância na adolescência: a resistência de adolescentes LGBTI+ à homofobia

 

Intolerance in adolescence: the resistance of young gay people to homophobia

 

 

Roberto César Santana JúniorI; Paulo Roberto CeccarelliII

IGraduando de Psicologia pela PUC Minas. E-mail: juniorroberto850@gmail.com
IIPsicólogo. Psicanalista. Doutor em psicopatologia fundamental e psicanálise pela Universidade de Paris 7 - Diderot. Pós-doutor pela Universidade de Paris 7. Coordenador do Instituto Mineiro de Sexualidade (IMSEX <www.imsex.com.br>). Diretor científico do Centro de Atenção à Saúde Mental (CESAME - www.cesamebh.com.br). Membro da Société de Psychanalyse Freudienne, Paris, França. Membro da Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental. Pesquisador do CNPq. Professor Adjunto IV da PUC Minas. Professor e orientador de pesquisas do mestrado de Promoção de Saúde e Prevenção da Violência/MP, da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professor e orientador de pesquisas na pósgraduação em psicologia da Universidade Federal do Pará (UFPA). Sócio do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais (CPMG). Sócio fundador do Círculo Psicanalítico do Pará (CPPA). Homepage: www.ceccarelli.psc.br

 

 


RESUMO

O presente artigo trata da questão da homofobia vivenciada por jovens e adolescentes e do modo como eles vêm lidando com essa problemática. O objetivo é identificar a postura desses jovens e adolescentes perante situações de discriminação e intolerância por orientação sexual. Percebeu-se a importância de tratar da temática das sexualidades na adolescência, mais especificamente as homossexualidades, visto que o homossexual continua sendo marginalizado na sociedade heteronormativa. Para tratar de um assunto tão complexo, o presente artigo se divide em três partes: na primeira faz-se uma análise do conceito de adolescência; na segunda, uma análise histórico-conceitual das homossexualidades e na terceira há um entrelaçamento de ambos os conceitos no que tange à intolerância propiciada pela homofobia, que é travestida em brincadeiras e enfrentada desde cedo por pessoas LGBTI+.

Palavras-chave: Sexualidades, Adolescência, Homofobia.


ABSTRACT

The article discusses the homophobia experienced by young people and adolescents, and the way they deal with this problem. Our objective is to identify the attitude of these subjects in situations of discrimination and intolerance due to sexual orientation. The theme was dealt with in three parts: in the first one, an analysis of the concept of adolescence is made; then, a historical-conceptual analysis of homosexualities within a psychoanalytical reference and, finally, an intertwining of concepts about intolerance due to homophobia which is, from an early age, faced, disguised in games by LGBTI + people.

Keywords: Sexualities, Adolescence, Homophobia.


 

 

São milhares de adolescentes que
assim como eu,
sofreram esse tipo de agressão.
Tá na hora de transformar
o preconceito em respeito,
de aceitar as pessoas com elas são
e querem ser,
de olhar na cara da homofobia
e dizer:
eu sou assim, e daí?
Pabllo Vittar, 2018.

 

Introdução

Sabemos que a adolescência é uma fase da vida marcada por conflitos devido às mudanças inerentes a ela. Um dos remanejamentos pulsionais mais relevantes na adolescência diz respeito ao modo como o sujeito significa e vivencia sua sexualidade.1 Contudo, o adolescente pode vir a descobrir que, consciente ou inconscientemente, sua vivência da sexualidade está em contradição com o esperado pelo imaginário social do qual ele faz parte.

Norteamos este artigo com a pergunta: em que medida a intolerância sexual sofrida pelo adolescente interfere na construção de sua subjetividade e, por extensão, em suas experiências com o outro e na vida de modo geral?

 

Adolescência: conceito e atualizações

A concepção de adolescência é uma construção sócio-histórica tributária à cultura na qual o jovem está inserido. As diferenças socioculturais, que ditam os costumes, as crenças e os valores, fazem com que a adolescência no Sudeste do Brasil não seja igual à adolescência do Norte (calligaris, 2000).

Diferenças históricas formam gerações com ideais identificatórios distintos, e o encontro dessas gerações gera conflitos devido ao modo distinto de atribuir sentido ao mundo. Entende-se esse conflito como a possível causa para a preconizada e estereotipada definição da adolescência como "aborrescência".

O termo "adolescência", do latim adolescentia ou adolescere, significaria "crescente" numa tradução literal. Isso pode ter contribuído para que alguns teóricos desenvolvimentistas conceituassem a adolescência como uma passagem da infantia (incapacidade de voz) para a plenitude adulta de um sujeito desenvolvido e dotado de voz e vez perante a sociedade (Frota, 2007). Porém, trata-se de algo mais complexo que um mero período de transição. A puberdade não conceitua a adolescência, mas a inicia.

As transformações do corpo ocorridas na puberdade impõem ao sujeito a construção de uma nova imagem corporal. [...] Trata-se da adolescência, que, diferente da puberdade, é fenômeno cultural e consiste no processo no qual se adquirem as características [...] da condição adulta (Moreira et al, 2011, p. 458).

 

Homossexualidades: análise histórico-conceitual

A sexualidade é uma dimensão central humana (Freud, [1905] 1996). Suas inúmeras formas de satisfação, que acompanham o sujeito do nascimento à morte, participam da construção das identidades social e subjetiva do sujeito (Carvalho et al., 2002).

A sexualidade humana transcende determinações biológicas da função única da reprodução (Freud, [1905, 1908, 1930] 1996; Lacan, 1998). A regulamentação da sexualidade e de suas práticas advém da reproduzida ideologia religiosa que visa o controle dos corpos, logo dos sujeitos (Ceccarelli; Salles; 2010).

Assim, a homossexualidade deve ser tratada no plural, "homossexualidades", devido à impossibilidade de se "acreditar que a chamada 'orientação sexual' traduza em todos os casos a mesma dinâmica pulsional" (Ceccarelli, 2012, p. 105). Outro equívoco é tratar a sexualidade como orientação sexual. Cada sujeito, subjetivamente, dá sentido à sua sexualidade. Trata-se não de algo orientado, mas do resultado da dinâmica pulsional, que traduz uma trajetória psicossexual única, que cada sujeito construiu visando sua sobrevivência psíquica.

Esse caminho pulsional se sustenta em três pilares: (a) o corpo biológico (o real do corpo), que acompanha o sujeito desde o nascimento, é dotado de um órgão sexual que, através do olhar de quem o acolhe, o define como macho ou fêmea; (b) o corpo imaginário, que é preconcebido e está ligado ao lugar que o sujeito ocupa no desejo e no imaginário de quem lhe deu vida psíquica; essa idealização se manifesta nos atributos que serão sustentados no sujeito ao longo de sua vida; (c) o corpo simbólico, que é atravessado pelo pulsional e pela linguagem, diz do modo como o sujeito se percebe e se relaciona consigo mesmo e com o outro. O sentido atribuído ao corpo dita a vivência humana, seja em questões relacionadas à concepção de belo, ou na identidade subjetiva e sexual, entre outros (Mcdougall, 1997).

O preconceito perpassa todas as expressões da sexualidade além das heteronormativas. O discurso ideológico, que varia com o tempo e as relações de poder, determina o normal e o patológico (Ceccarelli; Salles; 2010). É possível perceber essa variação diante dos quatro grandes momentos históricos focando na vivência da sexualidade humana, particularmente, na homossexualidade.

Na Grécia antiga, as relações homoafetivas masculinas eram culturalmente aceitas e, de certo modo, incentivadas. Acreditava-se que a prática sexual entre dois soldados possibilitaria a transmissão das boas características como força e bravura de um para o outro, além da crença de que, desse modo, eram fortalecidos os laços de companheirismo nas tropas. O modelo de educação vigente na época, as chamadas efebia e pederastia, preparava o jovem para a civilidade e cidadania, principalmente para a vida militar. A efebia era uma educação básica e a pederastia seu refino. Além dos estudos militares, eram ensinadas noções básicas de filosofia. Na pederastia, o erômeno aprofundava seus conhecimentos e desenvolvia-se intelectual e moralmente. A relação pederástica era valorizada pela cultura local que a registrava das mais diversas formas: através da literatura, artes ou filosofia (Sousa, 2008). Em três posteriores momentos se percebe uma perspectiva antagônica à vivenciada na Grécia da Idade Clássica.

Na Idade Média, fruto do intenso poder da igreja e da moral judaico-cristã, as relações entre pessoas do mesmo gênero eram consideradas pecado mortal.

Com o advento do cristianismo, a homossexualidade passou a ser uma prática condenada, considerada pecado abominável, como mostram várias passagens da Bíblia [...] Há textos no Antigo Testamento, origem da Bíblia e da Torah, considerando a homossexualidade uma abominação (Paoliello, 2013 p. 30).

Ora, numa época em que a moral cristã ditava as noções de certo e errado e que a bíblia era considerada um manual para a vivência humana, tudo que variasse da norma era julgado ofensivo a Deus. A população, imersa naquele discurso, agia contra esses sujeitos na crença de estar fazendo justiça divina. Logo, naquela perspectiva, a homossexualidade era tratada como uma fuga ao que foi deixado pelo criador do céu e da Terra, já que, de acordo com a moral imposta na época, a finalidade do ato sexual era unicamente a frutificação da união ungida pelo Deus Todo-poderoso, enraizando, assim, a hetero-normatividade (Ranke-Heinemann, 2019).

Entre os meados do século XII e o fim do século XIX, a sodomia, como eram chamadas as homossexualidades, era criminalizada e penalizada com a morte (Paoliello, 2013). No século XVI, em Portugal e suas colônias, a sodomia era um pecado imperdoável e punida com a queima do corpo do infrator até que não houvesse vestígios de sua existência.

No final do século XIX, mediante a influência dos ideais da Revolução Francesa, iniciou-se a descriminalização das homossexualidades. A França foi o primeiro Estado a descriminalizar as práticas homossexuais, seguida do Brasil em 1830 (Paoliello, 2013).

Na mesma época, ocorreu em Berlim um período de tolerância marcado pelos inúmeros bares gays e pelas publicações dirigidas a esse público em dois principais veículos: o jornal Der Eigene (fundado em 1886, quando Oscar Wilde foi preso na Inglaterra, foi o primeiro jornal no mundo dirigido à defesa dos direitos dos homossexuais) e a revista Sappho und Sócrates. Porém, nesses veículos não havia lugar para as mulheres homossexuais. Em 1919 Hirschfeld fundou o Instituto para a Ciência Sexual, que abrigou uma das maiores bibliotecas sobre a questão homossexual. No entanto, com a ascensão do nazismo, o instituto foi atacado em 6 de maio de 1933, e foram queimadas as 12 mil obras e mais de 35 mil fotos (Ceccarelli, 2012).

Mesclado aos tempos atuais, há o movimento que não mais criminaliza as homossexualidades, mas as patologiza. Em A despatologização da homossexualidade, publicado em 1832, o inglês Alexander Morrison apresentou um tratado trazendo as características fisionômicas da doença mental. Ao ilustrar a obra com relatos de doenças, refere-se em nove deles a características homossexuais, o que constituiu o prenúncio da ciência se apropriando da manifestação da sexualidade humana. (Paoliello, 2013).

Com a psiquiatria ganhando espaço na medicina através do diagnóstico e da classificação das doenças mentais, surgiam os trabalhos do advogado alemão Karl Ulrichs, o primeiro ativista LGBTI+ de que há registros históricos. Com a publicação de seus trabalhos, Ulrichs (2000) incita a discussão sobre o tema, principalmente no meio médico.

Uns dos frutos dessas discussões foram os dois estudos publicados por Karl Westphal nos quais um homem e uma mulher "sofriam" de atração pelo mesmo sexo, fazendo de Westphal o autor do primeiro estudo médico sistematizado sobre a homossexualidade. Porém, mesmo com o cuidado ao abordar o tema, o autor conclui que os que apresentavam características homossexuais - denominadas por ele como "contrarare sexualempfindung" [sentimento sexual contrário] - apresentavam quase sempre doenças mentais. Assim, Westphal selava a definição patológica para as homossexualidades (Paoliello, 2013).

Se a diversidade das sexualidades e a maneira como têm sido concebidas e contextualizadas são aspectos presentes desde os primeiros registros da história do homem (Gregersen, 1983), o que dizer da homofobia e do modo como o adolescente tem lidado com esta questão nos tempos atuais?

 

O adolescente e a homofobia2

Como vimos, as concepções de adolescência e das homossexualidades variam com o tempo e com a cultura. O modo como o sujeito vai passar pelas fases psicossexuais é singular e único. Nessa perspectiva, é nítida a diversidade sexual, embora o imaginário social ainda esteja distante do respeito às diversidades. Sem dúvida, o que está em jogo aqui é o narcisismo das pequenas diferenças (Freud, [1917, 1921, 1930,1939] 1996).

Declarar-se homossexual atualmente ainda é um tabu e causa medo em grande parte dos jovens, além da insegurança em relação à família, já que há uma forte preocupação em relação aos desafios diários a serem enfrentados. Nossa cultura é marcada pela hegemonia masculina e pela violência com qualquer variação da heteronormatividade. Nas escolas, por exemplo, é comum o bullying, além de uma forte repressão contra alunos(as) por seus trejeitos ou sua atitude considerada fora do padrão. O mesmo ocorre na família e demais instituições.

Para dar corpo às nossas hipóteses, realizamos entrevistas, com 12 sujeitos da região metropolitana de Belo Horizonte: gays, lésbicas e pansexuais3 com idade entre 18 e 25 anos sobre suas sexualidades, traçando um paralelo entre o momento em que declararam sua "orientação sexual" e os dias atuais. Evidentemente, dados coletados através de depoimentos não se caracterizam trabalho clínico tal como o realizado em consultórios.

Contudo, a escuta psicanalítica em entrevistas possibilita apreender elementos da subjetividade desses sujeitos, sobretudo aqueles relacionados com os elementos identificatórios presentes no imaginário social relativos aos padrões da sexualidade. Quatro momentos possibilitaram a compreensão de como esses sujeitos entendem o ser homossexual em seu cotidiano.

Inicialmente, buscamos entender a experiência de se declarar homossexual; em seguida, os medos enfrentados na ocasião; depois, a percepção da sociedade hoje; e, finalmente, os sentidos relativos à autopercepção atribuídos pelo sujeito no meio em que está inserido. Ao analisar os relatos dos jovens, foi perceptível a crescente luta por direitos e o empoderamento desses cidadãos conscientes de que sua sexualidade não os rebaixa nem os eleva.

A representatividade e visibilidade que a comunidade LGBTI+ vem ganhando influenciam diretamente na vivência e na liberdade desses jovens. Um dos sujeitos diz do orgulho presente em grande parte dos membros da comunidade LGBTI+:

[...] ouvir um ídolo cantar que 'não importa se você é gay, hetero, bi, lésbica ou transexual, você está no caminho certo, pois nascemos para sobreviver, nascemos para ser corajosos' e ainda que 'somos perfeitos a nossa maneira, pois nascemos assim' é encorajador, da vontade de sair acolhendo todas as manas4 que ainda não se estabilizaram após o processo de se assumir e dizer pra elas que vai ficar tudo bem.

Verificou-se que raramente a família aceita ao saber das preferências sexuais do sujeito. Entre os entrevistados, apenas três relataram acolhimento e apoio por parte da família desde o início. Os outros sofreram algum tipo de violência nesse momento, alguns foram até privados de direitos como moradia e bens pessoais:

[...] ela (a mãe) saiu do meu quarto e começou a chorar, [...] daí ela chegou no meu quarto e falou pra aproveitar que eu já estava arrumando minha bolsa que eu também arrumasse minha mala.

Guerra e Rocha (2013, p. 19) dizem:

A violência homofóbica se inicia dentro das próprias relações familiares, o desrespeito e a discriminação são praticados pelos próprios pais que por ignorância acabam cometendo atrocidades contra seus filhos.

Os principais medos que impediam a autodeclaração da homossexualidade são, unanimemente, o medo da reação de familiares e amigos. Esse medo se relaciona fortemente com questões religiosas:

Eu venho de uma família evangélica e fui criado na igreja. Meu pai é pastor então era bem complicada a situação [...] meu pai só descobriu quando eu tinha 18. Mas apesar de tudo ele deixou as ideologias dele de lado e disse que me amaria da mesma forma. Eu tinha muito medo da reação das pessoas.

Guerra e Rocha (2013, p. 9) dizem do medo do desamparo enfrentado por crianças e adolescentes que se percebem homoafetivos:

Percebido o desejo por pares do mesmo gênero, o jovem não encontra amparo ou compreensão, mas obstáculos inseridos através da mídia, escola, colegas e manifestações de intolerância dos próprios pais.

Procuramos entender as percepções dos sujeitos quanto aos desafios atuais.

Embora se reconheçam avanços significativos na luta pela causa LGBTI + , ainda é recorrente na fala dos sujeitos o medo de violência nas ruas:

Acredito que temos muitos desafios a serem enfrentados, mas o desafio que precisa ser vencido com mais urgência é a violência que a sociedade LGBTI + sofre todos os dias. Penso que muitas vezes o ódio está velado atrás de uma máscara religiosa, e esta, muitas vezes, determina como as pessoas devem ser e se comportar.

O modo como o sujeito se percebe em sociedade nos informa o quanto a sociedade ainda tem que avançar em relação às homossexualidades.

No entanto, o fato que chama atenção é o preconceito percebido dentro da própria comunidade:

O maior preconceito que eu passo por ser um garoto bissexual/pan é não estar dentro dos padrões "bicha". Posso dizer que enfrento muitos desafios dentro da própria comunidade homossexual que se limita a um padrão.

Há forte repressão do gay afeminado e da lésbica masculinizada por vivenciarem suas referências de gênero fora dos moldes preestabelecidos. É provável que a existência do preconceito dentro da comunidade LGBTI + se deva ao fato de que é

[...] o discurso social que constrói não apenas as referências simbólicas de gênero [...], mas também os parâmetros que definem as "sexualidades normais" e as "desviantes". [...] este discurso contribui para que o sujeito homossexual, marcado pelos ideais sociais constitutivos das identificações, se sinta "desviante", [...] excluído do discurso dominante. A organização simbólica da sociedade na qual os sujeitos LGBTI+ nascem cedo lhes informa que sua forma de viver a sexualidade é errada" (Ceccarelli, 2008, 89).

 

Reflexões finais

É nítido que a comunidade LGBTI + tem se fortificado na luta por igualdade e pelo aumento da visibilidade - impulsionada por movimentos artísticos como a cultura Drag - das mais diversas formas de manifestação de afetividade e de sexualidade.

Retornamos à pergunta inicial deste artigo: Em que medida a intolerância sexual sofrida pelo adolescente interfere na construção de sua subjetividade e, por extensão, em suas experiências com o outro e na vida de modo geral? Percebe-se que há, por parte dos jovens, um sentimento de cansaço de ter medo de sair às ruas, cansaço de ter que escolher como se vestir e se portar para evitar a violência.

Cada vez mais o jovem vêm incitando a militância por direitos. A vivência num personagem que enaltece a discrição para esconder sua real vivência sexual, que comporte e sustente os ideais heteronormativos, não mais apetece aos jovens LGBTI+ como antes.

A resistência vem cada vez mais emitindo a mensagem de que ser homossexual, seguindo padrões ou não, não difere o sujeito dos demais. A cada dia, os sujeitos buscam seus objetivos, vivenciam seus impulsos, suas mazelas e suas belezas, o que não parece passível de julgamento.

Em tempos de intolerância, é de suma importância a resistência em cada uma dessas cúpulas de segregação, seja ela de qual for a natureza. Para tratar da problemática da homofobia enfrentada por adolescentes, é preciso entender que não se trata de uma adolescência, mas de adolescências, no plural.

Da mesma forma, se faz necessário entender a pluralidade da sexualidade humana como variantes marcadas pela cultura e pela moral. Vistas as variáveis que perpassam nosso estudo, é possível que o "sair do armário" e a militância sejam respostas à intolerância.

A visibilidade para o movimento LGBTI+ no Brasil e no mundo cresce de modo progressivo. Através das mídias, a mensagem de igualdade entre os gêneros e as identificações sexuais têm alcançado horizontes cada vez mais distantes. Após séculos de segregação, as homossexualidades vêm conquistando cada vez mais direitos, embora reste ainda muito que ser feito.φ

 

Referências

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Recebido em: 27/03/2020
Aprovado em: 18/09/2020

 

 

1. A partir de Freud ([1905] 1996, 206), sabemos que a particularidade das manifestações da sexualidade de cada indivíduo é o resultado de um longo percurso identificatório que começa nos primeiros meses de vida, e é reeditado na adolescência. Trata-se da escolha bifásica de objeto: "[...] a primeira se caracteriza pela natureza infantil dos alvos sexuais. A segunda sobrevém com a puberdade e determina a configuração definitiva da vida sexual".
2 Homofobia (homo = igual e fobia, do Grego ijófoç,medo) é um neologismo cunhado em 1960 pelo psicólogo clínico George Weinberg. Indica ódio, aversão e discriminação de uma pessoa contra o mesmo, contra o igual. Os dois radicais gregos definem sentimentos negativos em relação aos homossexuais e às homossexualidades, o que pode incluir formas sutis, silenciosas e insidiosas de preconceito e discriminação (Ceccarelli, 2011).
3 Aquele(a) que sente atração sexual por todos os gêneros (Silva; Santos, 2017).
4 Ao dizer a palavra "mana", o jovem se refere aos membros LGBTI+ como um todo.

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