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Print version ISSN 0102-7395

Reverso vol.43 no.82 Belo Horizonte July/Dec. 2021

 

PSICANÁLISE E CULTURA

 

Criando filhos no século XXI1

 

Raising children in the 21st century

 

 

Eliana Rodrigues Pereira Mendes

Psicóloga. Especialista em psicologia clínica. Psicanalista formada pelo Círculo Psicanalítico de Minas Gerais (CPMG) e pelo Círculo Brasileiro de Psicanálise (CBP). Clínica particular desde 1971. Coordenadora do Seminário de Psicanálise e Cultura no CPMG, para a formação de novos psicanalistas. Presidente do CPMG nos períodos de 1997-1999 e de 2011-2014. Vice-presidente do CPMG no período de 2017-2020. Delegada do Brasil para a IFPS desde 1998. Editora Regional para a América do Sul, da revista International Forum of Psychoanalysis (IFP) desde 1997. Tem artigos publicados em livros e revistas nacionais e internacionais. Publicou três números da revista International Forum of Psychoanalysis como editora convidada. E-mail: elianarpmendes@hotmail.com

 

 


RESUMO

A autora discute a formação e a evolução da família através dos tempos até os dias atuais, em que novas e diversas configurações se apresentam, o que vai interferir na criação dos filhos. Discute também o que levou à desigualdade dos papéis feminino e masculino, chegando à questão da sobrevivência da família como tal e refletindo sobre as perspectivas e os modos de funcionamento que permitam essa sobrevivência.

Palavras-chave: Família: Evolução no tempo, Novas configurações, Criação de filhos, Desigualdade dos papéis feminino e masculino, Sobrevivência e perspectivas.


ABSTRACT

The author discusses the formation and evo-lution of the Family, through times, reaching the present days, in which new and diverse configurations are presented, what interferes in the way of raising children. The text also discusses what led to the inequality of female and male roles, arriving to the question of family survival, as such, reflecting about perspectives and mode of operations that can allow this survival.

Keywords: Family: Formation and evolution in time, New configurations, Raising children, Inequality of female and male roles, Survival, Perspectives.


 

 

A família, como instituição socioafetiva, sempre ocupou um lugar relevante nas discussões tanto no campo das ciências sociais, da religião, da psicologia, quanto em outras áreas do saber. As mídias de todos os tipos têm como tema as questões familiares, abordando fórmulas, métodos, propostas de saída e soluções na tentativa de resolver os impasses das relações familiares. Tanto numa conversa informal quanto numa sessão de psicanálise, as pessoas estão sempre falando do pai, da mãe, do marido, do filho, do amante.

Desde a criação da psicanálise, as relações familiares foram consideradas pontos cruciais dos conflitos psíquicos. É natural, portanto, que o conteúdo das sessões psicanalíticas gire, com muita frequência, em torno dos impasses nas relações familiares, trazendo as figuras que compõem esse universo, as escolhas amorosas, os desencontros. A psicanálise teve um lugar preponderante para trazer à consideração todas as vicissitudes pelas quais passamos durante a vida.

 

A família básica

Todo ser humano nasce do desejo de outros. E como tal, é necessário que haja o concurso de um pai e de uma mãe para que esse novo ser tenha lugar no mundo. A gravidez pode até não ser consensual entre os dois, mas é necessário que haja aceitação por parte ao menos da mãe para trazer à luz uma nova pessoa. A grande complexidade do córtex humano faz com que o bebê nasça muito incompleto e na total dependência de outro ser humano, suficientemente interessado nele, para que possa sobreviver.

Além de carregar a criança nove meses em seu ventre, a mãe passa por um período de entrega absoluta, no qual ela se dedica totalmente ao recém-nascido. Sem essa dedicação, seria difícil à cria humana tornar-se uma pessoa. Essa dependência longa da mãe na primeira infância traz tal cumplicidade entre a mãe e o filho que leva a mãe a decodificar cada sinal da criança e a razão do seu choro: fome, frio ou outro desconforto. É uma vivência de muita união, que é necessária para o bebê e só é interrompida pela introdução da figura do pai, feita pela própria mãe. E é essa terceira figura que forma o outro lado do triângulo, que vem trazer a representação da lei e da ordem da sociedade maior, introduzindo o filho na cultura e levando à quebra dessa dualidade quase perfeita de mãe-filho. Esses três elementos são básicos na formação de uma família, ainda que possa haver uma substituição dos papéis materno e paterno por figuras que não sejam o pai ou a mãe biológicos.

 

A família através dos tempos

Ao longo dos séculos a família tem sofrido inúmeras mudanças em sua configuração. Os bebês de proveta, as barrigas de aluguel, os pares homossexuais que adotam filhos ou que escolhem um entre eles para gerar o filho, as mulheres grávidas após os quarenta anos, as mães adolescentes com filhos criados pelas avós, filhos de produção independente, todos dão testemunho das mudanças da atualidade. Todos esses fatos falam em favor da variação histórica das organizações familiares, que se incluem num processo amplo de metamorfose cultural. Os grupamentos humanos remontam aos primórdios da existência do homem na terra. Porém, sabemos que a família composta de pais e filhos não existiu desde sempre.

O autor Jacques Dupuis (1989), em sua obra Em nome do pai: uma história da paternidade, destaca que

[...] o pai não existia nas primeiras sociedades humanas, que eram sempre matrili-neares. Não havia um saber estabelecido sobre a paternidade, uma vez que não se associava o sexo à fecundação. As mulheres, as matriarcas, eram depositárias de grandes poderes e detentoras da sabedoria sobre a fertilidade quer dos filhos, quer da terra, prática essa descoberta por elas. As deusas predominavam nas crenças e mitos, garantindo a renovação da vida na terra. (Dupuis, 1989 citado por Meira et al., 2003, p. 66).

Ainda havia um desconhecimento do lugar do homem na fecundação e sua função como genitor. O sexo era apenas uma resposta corporal a uma pulsão imperiosa. A identificação do espermatozoide no líquido seminal foi feita no século XIX, mas apenas em 1879 é que foi comprovado seu papel na fertilização pelo médico suíço Herman Fol.

A descoberta da paternidade suscitou uma profunda convulsão social, com refle -xos nas estruturas da família. A descoberta recente dos estudos sobre o DNA veio trazer a confirmação da paternidade, o que não existia antes desse dado. A maternidade sempre foi uma certeza, mas a paternidade sempre foi uma aposta. A filiação passou a ser patrilinear, conferindo ao pai o papel principal na formação da prole. Uma das consequências do novo sistema foi o advento do casamento, cujas primeiras formas não eram estáveis. Os filhos eram gerados em encontros esporádicos pelos homens visitantes, na ocasião dos festivais coletivos e passavam a pertencer coletivamente à comunidade.

A família tem sua origem na idade dos heróis, como um ato de violência, inclusive social. As jovens cativas desses guerreiros tornaram-se os primeiros modelos de mulheres submetidas aos homens, ao seu senhor, e nesse momento viram bens, sujeitos à negociação como objetos de tráfico. Em sânscrito, antiga língua indiana, o casamento Vivaha significa rapto, rapto da noiva. (Dupuis, 1989 citado por Meira et al., 2003, p. 67).

 

O início das desigualdades dos papéis masculino e feminino

Com o começo do cultivo da terra e o estabelecimento dos nossos antepassados ao longo das planícies do Oriente Médio lá pelos anos 8.000 a.C., a relação entre homens e mulheres começou a mudar.

Com a invenção do arado, os povos se fixaram nas terras e a mulher perde sua função antiga de buscar alimentos. Perde sua independência econômica e seu principal papel passa a ser gerar filhos, ou seja, produzir mais mão-de-obra barata na família, isto é, pequenos agricultores, com mãos pequenas, que ajudavam na coleta dos vegetais.

Os filhos representavam uma ajuda nessa luta pela sobrevivência e quanto maior o número deles, tanto melhor. A matemática, então, era feita assim: mais dois braços para o trabalho e apenas uma boca para alimentar, uma lógica que punha os filhos em desvantagem.

O casamento passa a ser uma aliança entre povos, em que a propriedade começa a preponderar e começam os casamentos por conveniência, para fundir posses.

A sexualidade foi se tornando diferente, à medida que os casamentos tinham de ser estáveis e duradouros. Além disso, os cônjuges dependiam uns dos outros para trabalhar a terra. Como o objetivo da mulher era gerar filhos, sua vida sexual e seu valor social se encerravam com a me-nopausa, uma perda anunciada, que pode ser vista ainda nos dias de hoje, embora tenha havido mudanças.

A família patriarcal teve seu auge no século XIX, quando era nuclear, mo-nogâmica, heterossexual e tinha muitas missões, e a principal delas era formar bons cidadãos. Numa época de expansão de na-cionalismos, formava patriotas conscientes dos valores de suas tradições ancestrais.

Na Inglaterra dos séculos passados, o filho mais velho era o herdeiro absoluto do qual todos os outros dependiam. Na Itália fascista de Mussolini, as mulheres que tivessem seis filhos machos eram condecoradas pela sua contribuição de um grande número de novos soldados.

Mas a família patriarcal era uma família excessivamente centrada na figura do homem e sacrificava muito a mulher e os filhos. O pai era o chefe, o gerente, aquele que dava o nome e subordinava todos a si. A esposa era destinada às quatro paredes do lar e os filhos submetiam suas opções tanto profissionais quanto amorosas às necessidades familiares. A liberdade de escolha do parceiro matrimonial era muito pequena. Muitas vezes esses casamentos eram decididos pelos pais e os noivos se conheciam muito pouco.

No Brasil recém-descoberto, houve um trato do governo de trazer órfãs de Portugal para se casarem com os desbravadores da terra, o que resultava em famílias pouco ligadas pelo afeto. O par romântico, por excelência, tem em Romeu e Julieta, clássica peça de Shakespeare, o protótipo universal, mas é uma exceção em muitos países. Em sociedades mais tradicionais, como na Índia, por exemplo, os casamentos arranjados ainda se mantêm para a maioria da população.

 

A família na modernidade

Com a chegada da Revolução Industrial e com o advento da psicanálise, começa a ser valorizado o movimento de conceder mais importância à subjetividade e à predominância do particular em oposição ao coletivo. E é nessa vertente que o desejo de alcançar a felicidade de qualquer forma surge no mundo ocidental, quando a tecnologia e a ciência oferecem soluções ideais de satisfação.

As duas grandes guerras mundiais também contribuíram para a liberação das mulheres e sua importância na provisão da família. Com os homens longe de casa, as mulheres passam a lutar pela sobrevivência e a trazer dinheiro para o lar, o que subverte seu papel de assujeitadas ao marido.

No mundo atual, a figura do pai começa a ser minimizada com os bebês de proveta e o esperma congelado, embora sua função seja sempre importante. O que cada um na família deseja é ser cada vez mais feliz, ser ele mesmo, escolher sua própria atividade, sua profissão, seus amores, sua própria vida enfim, sem tantos compromissos com os familiares e os antepassados. Isso acontece principalmente com os que foram mais dominados: os jovens e as mulheres. Estas, mais claramente, querem ser donas absolutas de seu corpo, de seu ventre, de seu sexo. A mulher já pode ir a um banco de esperma e escolher as características que deseja de um macho reprodutor.

Segundo a antropóloga americana, Helen Fisher (1993, p. 32), hoje estamos fazendo uma volta às configurações primitivas da família.

O lar não é mais um lugar de produção: não fazemos nosso pão, não criamos as galinhas que comemos, não plantamos os vegetais e frutas que nos alimentam. Ao invés disso, caçamos e buscamos comida nos supermercados. Somos mais nômades, já que migramos do trabalho para a casa, para a escola, para as casas de férias ou sítios, em qualquer oportunidade de um fim de semana ou feriado. [...] A sexualidade feminina está se tornando muito mais proeminente.

Os relacionamentos são vários: aos divórcios seguem-se outros casamentos, e a esperança de uma nova realização tenta suplantar a experiência vivida anteriormente (embora nem sempre dê certo). Os filhos dos casais de hoje são poucos e a sexualidade feminina está cada vez mais dissociada da função procriativa. No entanto, já é abertamente tratada, com as mulheres exigindo mais orgasmos e não tolerando a dupla moral masculina e os adultérios.

A mulher começa a ver que sua sexualidade não termina com a idade, mas pode até melhorar quando os filhos crescem. Seus ideais de vida têm se modificado muito em relação aos modelos passados. Nos países industrializados, hoje se casa cada vez mais tarde e os casamentos são menos duradouros.

Ao mesmo tempo, há grande incidência de gravidez entre os adolescentes. Os filhos de casais divorciados já representam, muitas vezes, a terça parte das salas de aula. Veem-se também mais nascimentos extraconjugais ou produções independentes, e um forte crescimento de famílias em que o pai e a mãe são um só - geralmente a mulher, mãe solteira ou divorciada, que assume a guarda e o encargo da criação dos filhos. Muitas crianças, crescendo entre mães e professoras, só veem rostos femininos.

Mas ao pai que assim o deseja, tem sido franqueada também a educação dos filhos e a direção da casa, sem que sua virilidade seja questionada, ou sem que precise esconder sentimentos mais ternos. No caso de pais separados, a guarda compartilhada parece ser uma solução mais adequada do que a submissão a uma lei ditada por outros.

A noção de filho natural - o bastardo desprezado de outros tempos - perdeu muito de sua conotação pejorativa. Nas sociedades avançadas, vários são os casais sem filho, por opção, os "child-free" ou casais "dink" - double income, no kids [salário duplo, sem crianças]. Seria essa opção uma característica do nosso mundo pós-moderno hedonista, com a liberdade de fazer o que se deseja?

De qualquer forma, ter ou não ter filhos não é mais uma atitude automatizada pelo casamento, mas uma opção consciente. O próprio planejamento familiar é um modo de considerar o desejo e as possibilidades de cada par, o que foi viabilizado pela criação da pílula anticoncepcional e de outros métodos contraceptivos como o DIU, entre outros, que ajudam a manter uma vida sexual mais livre, sem desistir do prazer.

O filho não é mais a finalidade maior do casal. Mas quando existe por escolha é, mais do que nunca, o objeto de um investimento afetivo reforçado. É o filho indivíduo, e não tanto o herdeiro, o descendente, como nas antigas famílias. É o filho em si, e como são poucos, tendem a ser mais considerados e bem cuidados. Esse cuidado, porém, tem que ser bem feito, para que crianças muito mimadas e únicas, não se tornem pequenos tiranos que querem impor suas vontades a todos. Aí há a inversão dos papéis: pais subjugados e crianças excessivamente voluntariosas.

 

A família sobreviverá?

Assiste-se hoje a um claro declínio da figura paterna. A família moderna tem dificuldade de transmitir seus valores, sejam eles econômicos, sociais, culturais, sejam simbólicos. Aí se incluem fortuna, profissão, crenças, saberes.

Na era da informática, os filhos são muito mais capacitados do que seus pais no uso de computadores e máquinas em geral, o que faz com que os pais percam o papel de iniciadores do saber de que os filhos precisam e altera muito o relacionamento familiar, acabando com a idealização e a liderança dos mais velhos.

Se, no mundo medieval, as crianças eram criadas no coletivo, nos séculos seguintes, foram fechadas em internatos e na própria família. No século XXI, a internet arromba as portas de nossos lares e as crianças e adolescentes têm o mundo literalmente nas mãos. O conhecimento e a diversão (globalizados) podem ser obtidos a qualquer hora.

Cabe, então, aos pais a função de não simplesmente proibir os filhos de usar esse dispositivo atual e muitas vezes útil, mas de orientá-los nesse uso e nos conteúdos mais adequados para a idade de cada um. A proibição pura e simples não leva a uma aprendizagem. Mas a escuta e um bom entendimento podem levar a uma capacidade de discernimento, que é o objetivo principal da própria educação em si. Tarefa difícil, mas que não deve ser negligenciada.

Anuncia-se a morte da família, mas ela insiste em sobreviver. O que será que a mantém até os dias de hoje? Assim como a criança aponta o que há de sintomático na família, a família, como célula fundamental da sociedade, revela o que há de novidade, de sintomático na cultura.

As atuais denúncias sobre a família soam como expressões sintomáticas e mostram uma "nova cara" para o grupo familiar que se evidencia como porta-voz da cultura, sobre o antigo impasse do homem diante do mal-estar da civilização e da condição humana, sempre como um ser de falta.

O ser falante, ao fazer parte da cultura se distancia de sua origem animal, regida por instintos. Isso traz uma quebra da harmonia com a natureza. Desde o nascimento, o homem não consegue sobreviver sozinho. Ele precisa de um outro a quem se submete. Marcado, assim, por esse desamparo estrutural e inscrito na ordem da cultura, da linguagem, o homem deve pagar o preço da perda do paraíso.

O homem tem que lidar com normas, valores, para viver com seus semelhantes e isso faz parte da estrutura de todo ser humano. É algo de que não se pode escapar. Temos, de um lado, as pulsões e, do outro, as exigências sociais e morais a que devemos atender. Isso gera um mal-estar permanente, quando o sujeito se defronta com a dificuldade de sua satisfação completa. (Freud, [1930] 1976).

Sabe-se que a busca do objeto perdido, pretenso possuidor da chave da felicidade, é sempre fracassada, por estrutura. Por outro lado, é essa procura que impulsiona o movimento do desejo.

O termo "família" remete a conjunto e ficar junto é o movimento que o homem prioriza como resposta ao mal-estar. O sujeito tenta achar no laço familiar, na relação com o outro, o que, por estrutura, é da ordem do impossível: a junção, a simetria, a adequação.

O sujeito dividido procura no grupo uma resposta para essa tal divisão. No entanto, essa resposta nunca é obtida. Como ser de desejo, o sujeito é regido por uma ética da diferença, na qual sua singularidade é contraponto a qualquer tentativa de uniformização. Apesar das diversas roupagens com que a família se apresenta, ao longo da história, há elementos que não variam, marcando sua estrutura: há sempre a função de pai, mãe e filhos. É intrínseco ao ser humano criar laços e estes estão sempre, invariavelmente, perpassados pelo mal-estar. (Saal, 1995 citado por Meira et al., 2003, p. 74).

Há uma idealização de que a família funcione como lugar ideal e harmônico. Há inclusive uma historiadora francesa, Michelle Perrot (1993, p. 81), que usa a metáfora dos nós e do ninho para descrever a família. Os nós são as dificuldades que nos invadem nos relacionamentos familiares, e o ninho é a parte boa da família representada pelo afeto, pelo aconchego e pela solidariedade que ela pode proporcionar.

No entanto, a falta é constituinte da subjetividade. Não é possível haver perfeição. Sempre haverá crises que marcam a incompletude humana.

 

Perspectivas para a família

A psicanálise propõe que a família seja vista não como massa, uma soma de individualidades, resultando numa totalidade, mas que seja vista como um conjunto aberto, uma coleção de singularidades, onde cada membro possa ser respeitado por si mesmo, no um a um.

Por isso,

[...] a família só funciona enquanto fracassa, na medida em que como pais ou como mães sejamos insuficientes. Nada mais terrorífico do que a suficiência absoluta de uma mãe, que seria a completude que impediria o surgimento do filho; nada mais terrorífico do que um pai que seja tão pai que funcione como pai da horda primitiva. (Saal, 1995 citado por Meira et al., 2003, p. 74).

Pais e filhos têm que aprender com seus próprios erros e numa relação aberta devem procurar juntos uma nova forma de funcionamento da família. Apesar dos avanços apresentados, a ciência e a tecnologia ainda não têm condição de estabelecer um modo de funcionamento ideal para as famílias. Não há um protótipo de um bom pai, de uma boa mãe ou de um filho ideal que funcione sem conflitos.

Assim,

[...] do ponto de vista da psicanálise a família tem de ser considerada em sua particularidade. Não existe A Família como modelo pronto e ideal, mas há famílias com seu modo singular de funcionamento. (Meira et al., 2003, p. 75).

O que importa é tornar a família mais ligada ao desejo, exercitando sempre a solidariedade, a fraternidade, a ajuda mútua e os laços de afeto e menos ligada às punições e assujeitamentos. Para que isso se dê, é necessário que haja um esforço dos pais e dos filhos para que possam conversar entre si e respeitar, tanto quanto possível, a subjetividade de cada um.φ

 

Referências

CARAM, C. T. M.; TRAVAGLIA, I. H.; MELGAÇO, R. G.; MEIRA, Y. M. (org.). O que sai desse baú? In:. O porão da família: ensaios de psicanálise. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo, 2003. p. 43-52.         [ Links ]

CARAM, C. T. R. M.; TRAVAGLIA, I. H.; MELGAÇO, R. G.; MEIRA, Y. M. (org.). Em nome da família. In:. O porão da família: ensaios de psicanálise. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo, 2003. p. 65-75.         [ Links ]

FISHER, H. Sexo milenar. Tradução: Sibelle Pedral. Veja 25 anos: reflexões para o futuro. São Paulo, SP: Abril, 1993. p. 28-39.         [ Links ]

FREUD, S. O mal-estar na civilização (1930). In:. O futuro de uma ilusão, o mal-estar na civilização e outros trabalhos (1927-1931). Direção geral da tradução: Jayme Salomão. Rio de Janeiro, RJ: Imago, 1976. p. 81-171. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 21).         [ Links ]

PERROT, M. O nó e o ninho. Tradução: Paulo Neves. Veja 25 anos: reflexões para o futuro. São Paulo, SP: Abril, 1993. p. 74-81.         [ Links ]

 

 

Recebido em: 16/08/2021
Aprovado em: 24/09/2021

 

 

1 Trabalho apresentado na live da Escola de Pais do Brasil, São Paulo, SP, em 26 jul. 2021. Disponível em: https:// www.youtube.com/watch?v=FerQyr9oFwM.

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