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Junguiana

versão impressa ISSN 0103-0825

Junguiana vol.37 no.1 São Paulo jan./jun. 2019

 

Uma teoria simbólica da história. O mito cristão como principal símbolo estruturante do padrão de alteridade na cultura ocidental1

 

A symbolic theory of history. The Christian Myth as the main structuring-symbol of the Alterity Pattern in Western culture

 

Una teoría simbólica de la historia. El mito cristiano como principal símbolo estructurante del patrón de alteridad en la cultura occidental

 

 

Carlos Amadeu B. Byington

Médico Psiquiatra e Analista Junguiano. Membro fundador da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica. Membro da Associação Internacional de Psicologia Analítica. Criador da Psicologia Simbólica Junguiana. Educador e Historiador. E-mail: c.byington@uol.com.br. Site: www.carlosbyington.com.br

 

 


RESUMO

O artigo busca desenvolver uma conceituação de Antropologia Simbólica que possa perceber e estudar o Self Cultural a partir de quatro estruturas arquetípicas básicas: matriarcal, patriarcal, alteridade e cósmica, na sua transformação histórico-evolutiva da Consciência Individual e Coletiva por intermédio de símbolos estruturantes. Esta metodologia nos permite estudar a interação dos símbolos estruturantes de culturas diferentes nas sociedades pluriculturais em contexto dinâmico e igualitário.
Esta perspectiva simbólica aplicada à História da Cultura Ocidental se destina a estudar a transição da dominância patriarcal para a alteridade por intermédio dos símbolos estruturantes do Mito Cristão. Simbolicamente, os 14 séculos de Inquisição são vistos reintensificando o dinamismo patriarcal a ponto de patriarcalizar o Mito Cristão, estabelecer a dicotomia Cristo-Diabo e levar à dissociação do Self Cultural no século XVIII, produzindo uma grave fixação cultural no desenvolvimento da alteridade no Ocidente daí em diante. São discutidos alguns aspectos dessa dissociação cultural e enfatizada a importância do conceito de Patologia Cultural e de resgate do dinamismo matriarcal ferido.

Palavras-chave: antropologia simbólica, história simbólica, self cultural, alteridade, patologia cultural, dissociação de self cultural, inquisição, renascimento, defesas patológicas do cultural, histeria.


ABSTRACT

The article develops a concept of Symbolic Anthropology to study the Cultural Self based on four archetypal structures, matriarchal, patriarchal, alterity and cosmic as they historically contribute side by side to develop Individual and Collective Consciousness through structuring symbols. This method allows us to study the interaction of structuring symbols in multicultural societies in a dynamic and equalitarian context even though one culture is highly advanced technologically and the other has no written language.
This symbolic perspective is also used to study the transition of our patriarchal Roman-Judaic tradition towards the alterity democratic pattern through the structuring symbols of the Christian Myth. Symbolically, the fourteen centuries of the Inquisition are seen as a reintensification of the patriarchal pattern to the point of patriarchalizing the Christian Myth, establishing the Christ-Devil dichotomy splitting the image of the Christian Godhead and culminating in a severe dissociation of the Cultural Self in the 18th century with an intense injury to the implantation of the alterity pattern which affects us greatly today in all cultural dimensions. The importance of the concept of Symbolic Anthropology and History is stressed to study phenomena such as Cultural Pathology, fixation and dissociation of the Cultural Self. The author stresses the importance of matriarchal dynamism functioning side by side with patriarchal dynamism for society to attain and exercise the alterity democratic pattern of Consciousness. The symbolic richness of Indian and Negro Cultures and the absence in them of a dissociation similar to the Christ-Devil dichotomy is also emphasized as their possibility to contribute to a healthier Cultural Self in our multi-cultural society.

Keywords: symbolic anthropology. symbolic history. cultural self. alterity pattern. cultural pathology. inquisition. renaissance. pathological defenses of the cultural self. dissociation of the cultural self. hysteria.


RESUMEN

El artículo busca desarrollar una conceptualización de Antropología Simbólica que pueda percibir y estudiar el Self Cultural a partir de cuatro estructuras arquetípicas básicas: matriarcal, patriarcal, alteridad y cósmica, en su transformación histórico-evolutiva de la Conciencia Individual y Colectiva por intermedio de símbolos estructurantes. Esta metodología nos permite estudiar la interacción de los símbolos estructurantes de culturas diferentes en las sociedades pluriculturales en contexto dinámico e igualitario.
Esta perspectiva simbólica aplicada a la Historia de la Cultura Occidental está destinada a estudiar la transición de la dominancia patriarcal a la alteridad a través de los símbolos estructurantes del Mito Cristiano. Simbólicamente, los catorce siglos de Inquisición se ven nuevamente intensificando el dinamismo patriarcal a punto de patriarcalizar el Mito Cristiano, establecer la dicotomía Cristo-Diablo y llevar a la disociación del Self Cultural en el siglo XVIII, produciendo una grave fijación cultural en el desarrollo de la alteridad en Occidente de ahí en adelante. Se discuten algunos aspectos de esa disociación cultural y se enfatiza la importancia del concepto de Patología Cultural y de rescate del dinamismo matriarcal herido.

Palabras clave: antropología simbólica. historia simbólica. self cultural. alteridad. patología cultural. disociación de self cultural. inquisición. renacimiento. defensas patológicas del self cultural. histeria.


 

 

1. Introdução

Esta Teoria Simbólica da História busca aplicar o conceito de símbolo estruturante e Self Cultural para compreender os acontecimentos históricos por intermédio da sua função simbólica na estruturação da Consciência Coletiva de cada cultura. Trata-se de tentar compreender o fato histórico na dimensão simbólica como o vínculo do aqui e agora e suas raízes históricas com as estruturas ou arquétipos do Inconsciente Coletivo. Trata-se de um esforço teórico para interagir metodologicamente na Psicologia, História e Etnologia por intermédio da dimensão simbólica.

Um dos grandes empreendimentos em curso nos países do Terceiro Mundo é a busca da Identidade Nacional dentro de uma realidade pluricultural. Está aí algo que temos que construir por nós mesmos e que nenhum ensinamento importado poderá nos trazer. Um francês ou um alemão tem muitos séculos de história do seu povo se comportando como um todo único para referenciar a sua identidade. Um sul-americano percebe a imagem idealizada do índio como um protótipo da convivência integrada do ser humano com esta gigantesca natureza à sua volta, ao mesmo tempo em que convive diariamente com o genocídio indígena e, no Brasil, só recentemente tem notícias de tribos indígenas, como, por exemplo, no Parque do Xingu, que estão aumentando de população, em vez de sempre diminuírem. A maioria dos brasileiros, se não mamou numa negra ou foi criado por ela, dela descende. A comida brasileira, a ligação com o inconsciente, a música e seus ídolos populares frequentemente expressam culturas negras, enquanto que os negros brasileiros, propriamente, continuam intensamente preteridos e seus valores culturais explicitamente pouco reconhecidos. Os imigrantes japoneses e seus descendentes brasileiros, que já beiram 600 mil, vivem na sua cultural riquíssima ainda como uma pequena ilha escondida dentro da realidade nacional. Buscar uma identidade em meio a tanta dissociação é uma imensa tarefa cultural cuja realização apenas desponta.

Esta problemática de busca da nacionalidade de uma sociedade pluricultural dentro de um espírito democrático envolve a construção da identidade em função de relacionamentos nos quais a identidade social do Outro seja tão fundamental quanto a do Eu. A convivência de culturas sem linguagem originalmente escrita, como as Culturas Negras e as Indígenas, com a Cultura Ocidental, de imenso desenvolvimento tecnológico, nos apresenta uma problemática teórica difícil à luz da Antropologia moderna, dentro de uma proposta de democracia e alteridade na qual o Outro seja tão valorizado quanto o Eu. É que não se trata somente de buscarmos um referencial teórico que possibilite percebermos e estudarmos a riqueza de uma cultura em termos científicos e, ao mesmo tempo, o funcionamento dinâmico-histórico desta riqueza, como condição necessária para analisarmos a interação de suas forças em desenvolvimento com as das demais culturas no todo pluricultural. A busca da identidade pluricultural necessita mais que cultivar um ideal social que permita o desabrochar de culturas diferentes, lado a lado, numa interação pacífica. Ela necessita conseguir a convivência democrática dentro de um referencial teórico que nos permita perceber o que está acontecendo profundamente dentro de cada cultura e entre elas durante este conviver, de tal forma que nos possamos engajar nessa dinâmica intercultural, propiciando o desenvolvimento criativo e conscientizando a razão da atuação das forças reacionárias e mesmo patológicas atuando nesse convívio. Esta Teoria Simbólica da História é um esforço teórico nesta direção.

Quem vive nas sociedades pluriculturais do Terceiro Mundo, e não é um paquiderme enclausurado em preconceitos, reconhece claramente, ainda que de forma somente pragmática, o quanto usufrui da riqueza cultural das culturas componentes da sua nacionalidade. Como, porém, estudar cientificamente este usufruto? Como caracterizar antropologicamente o que designamos e sentimos empiricamente como riqueza cultural? É evidente que estou me referindo à riqueza de valores humanos que podem até incluir, mas não se limitam de modo algum a bens materiais e conhecimento tecnológico.

O parâmetro referencial deste trabalho é o parâmetro de desenvolvimento da Consciência Coletiva pelo símbolo estruturante. Uma das inúmeras finalidades de uma cultura é, por intermédio dos costumes, hábitos, rituais e crenças, expressos por meios de suas instituições, manter operativos os caminhos descobertos e acumulados na sua História, para guiar o desenvolvimento dos seus indivíduos. Nesse sentido, podemos perceber como símbolos estruturantes estas vivências culturais acumuladas. Símbolos porque dão sentido a cada fato cultural ligando-o significativamente ao Todo ou Self Cultural. Estruturantes porque transformam e estruturam a Consciência Coletiva por intermédio das gerações. É claro que estes fatos culturais que compõem a cultura servem também para mil outras funções dentro das atividades de um povo. Um enfoque não exclui o outro, apesar dessas funções serem aqui consideradas exclusivamente no seu desempenho como símbolos estruturantes. Estes símbolos são a riqueza a qual me refiro. Acumulados pelo esforço humano desde tempos imemoriais, eles existem em quantidade incalculável em todas as culturas. O símbolo estruturante permite ver o componente do símbolo como estrutura arquetípica e, ao mesmo tempo, seu componente histórico-evolutivo na função estruturadora da consciência daquela determinada cultura onde funciona.

Sincronisticamente à necessidade de perceber e avaliar os valores culturais, em função das necessidades da sociedade pluricultural, devemos assinalar a diminuição do prestígio da liderança cultural exercida pela Cultura Ocidental e de seus valores.

O apogeu do desenvolvimento tecnológico, assinalado pela escalada armazenista do mundo moderno, e o confronto patriarcal das duas nações mais poderosas que investem fortunas gigantescas em armamentos incrivelmente destruidores para manter a paz, enquanto grande parte do mundo, incluindo partes de suas próprias sociedades, vive miseravelmente, estão nos levando cada vez mais a questionar os valores da Cultura Ocidental. O posicionamento no nível internacional, junto aos países líderes, cada dia menos nos convida a optar na medida em que observamos os dois lados sofrerem da mesma doença armamentista, o que faz com que a inexistência de um pré-alinhamento ideológico se transforme cada vez mais na atitude mais ponderada. Se não bastasse a Psicologia a partir de Freud demonstrar cientificamente que os raciocínios do Ego, mesmo que expressando um sabor enciclopédico, são por si só incapazes de amadurecer a personalidade, vem cada vez mais a Sociologia nos evidenciando que conhecimento tecnológico e ideologia política não conseguem, por si só, amadurecer socialmente uma nação. A grande ilusão da razão se desenvolver linearmente em direção à sabedoria, que tanto funcionou no século XIX, vai assim se despotencializando progressivamente ao se aproximar o final deste século XX. A partir desta desilusão, a Antropologia tem se aberto cada vez mais para outros valores culturais, se predispondo até mesmo a repensar inteiramente a finalidade do desenvolvimento cultural.

A desilusão, com a ideia de que o progresso tecnológico nos levaria à sabedoria e a comunicação da economia ao bem-estar social, foi intensamente aumentada pela certeza cada dia maior que, a menos que outras forças culturais nos transformem, o progresso tecnológico subordinado a ambição conflitiva dos países dominantes, muito possivelmente, levará à destruição de nossa espécie. De fato, não é necessário ser analista para perceber que aqueles que cada dia mais se armam para manter a paz evidenciam com isso uma mentalidade, cujo princípio de funcionamento psicológico é essencialmente repressivo e guerreiro.

A desilusão com o progresso tecnológico e material como a grande meta cultural tornou vivência inegável o aviso do filósofo dado no início do processo: "Ciência sem consciência é a ruína da alma" (Montaigne, 1533-1592) e tem aberto a Humanidade para a busca de uma mentalidade capaz de englobar o processo tecnológico de forma mais humanista.

A valorização de outras culturas, então, está ocorrendo, não só como uma necessidade do Terceiro Mundo, mas também do humanismo moderno em busca de uma mentalidade mais sábia do que aquela que atualmente conduz os destinos de nossa espécie. Desiludidos com o poderio tecnológico, como sinônimo de sabedoria, passamos, já agora por questão de sobrevivência, a buscar a sabedoria onde quer que ela se encontre. É nesse verdadeiro estado depressivo que se pode abrir mão verdadeiramente de todo um etnocentrismo para ouvir a sabedoria de outras culturas e elaborar suas características e seus parâmetros, transformando-os em novos caminhos de desenvolvimento. Um pequeno e grandioso exemplo é a divulgação extensa, promovida recentemente, da carta que se segue do Cacique Seathl, endereçada ao Presidente dos Estados Unidos Franklin Pierce, em 1855, respondendo à proposta do seu governo para adquirir o território da tribo Duwamish:

O grande chefe de Washington mandou dizer que deseja comprar a nossa terra. O grande chefe assegurou-nos de sua amizade e sua benevolência. Isto é gentil de sua parte, pois sabemos que ele não necessita de nossa amizade. Porém, vamos pensar em sua oferta, pois sabemos que se não o fizermos, o homem branco virá com armas e tomará nossa terra. O grande chefe, em Washington, pode confiar no que o chefe Seathl diz, com a mesma certeza com que nossos irmãos brancos podem confiar nas alterações das estações do ano. Minha palavra é como as estrelas - não empalidece.

Como podes comprar ou vender o céu, o calor da terra? Tal ideia nos é estranha. Nós não somos donos da pureza do ar nem do resplendor da água. Como podes então comprá-los de nós? Decidimos apenas sobre o nosso tempo. Toda essa terra é sagrada para o meu povo. Cada folha reluzente, todas as praias arenosas, cada véu de neblina nas florestas escuras, cada clareira e todos os insetos a zumbir são sagrados nas tradições e na consciência do meu povo. Sabemos que o homem branco não compreende o nosso modo de viver. Para ele um torrão de terra é igual a outro. Porque ele é um estranho que vem de noite e rouba da terra tudo quanto necessita. A terra não é sua irmã, mas sim sua inimiga, e depois de a exaurir, ele vai embora. Deixa para trás o túmulo de seu pai, sem remorsos de consciência. Rouba a terra de seus filhos. Nada respeita. Esquece as sepulturas dos antepassados e o direito dos filhos. Sua ganância empobrecerá a terra e deixará atrás de si os desertos. A vista de tuas cidades é um tormento para os olhos do homem vermelho. Mas talvez seja assim, por ser o homem vermelho um selvagem que nada compreende.

Não se pode encontrar paz nas cidades do homem branco. Nem um lugar onde se possa ouvir o desabrochar da folhagem na primavera ou o tinir das asas dos insetos. Talvez por ser um selvagem que nada entende, o barulho das cidades é, para mim, uma afronta aos ouvidos. E que espécie de vida é aquela em que o homem não pode ouvir a voz do corvo noturno ou a conversa dos sapos no brejo, à noite? Um índio prefere o suave sussurro do vento sobre o espelho d'água e o próprio cheiro do vento, purificado pela chuva do meio dia e com aroma de pinho. O ar é precioso para o homem vermelho porque todos os seres vivos respiram o mesmo ar: animais, árvores, homens. Não parece que o homem branco se importa com o ar que respira. Como um moribundo, ele é insensível ao ar fétido.

Se eu me decidir a aceitar, imporei uma condição. O homem branco deve tratar os animais como se fossem seus irmãos. Sou um selvagem e nada compreendo que possa ser certo de outra forma. Vi milhares de bisões apodrecendo nas pradarias, abandonados pelo homem branco que os abatia a tiros disparados do trem. Sou um selvagem e não compreendo como um fumegante cavalo de ferro possa ser mais valioso que um bisão, que nós - os índios - matamos apenas para sustentar nossa própria vida. O que é o homem sem animais? Se todos os animais se acabassem, os homens morreriam de solidão espiritual, porque tudo quanto acontece aos animais pode também afetar os homens. Tudo está relacionado entre si. Tudo quanto fere a terra, fere também os filhos da terra.

Os nossos filhos viram seus pais humilhados na derrota. Os nossos guerreiros sucumbem sob o peso da vergonha. E depois da derrota passam o tempo em ócio, e envenenam seu corpo com alimentos adocicados e bebidas ardentes. Não tem grande importância onde passaremos os nossos últimos dias. Eles não são muitos. Mais algumas horas, até mesmo uns invernos, e nenhum dos filhos das grandes tribos, que viveram nesta terra ou que têm vagueado em pequenos bandos nos bosques, sobrará para chorar sobre os túmulos de um povo que um dia foi tão poderoso e cheio de confiança como o nosso.

De uma coisa sabemos, e o homem branco talvez a descobrirá um dia: o nosso Deus é o mesmo Deus. Julgas, talvez, que o podes possuir da mesma maneira como desejas possuir a nossa terra. Mas não podes. Ele é Deus da humanidade inteira. E quer bem igualmente ao homem vermelho como ao branco. A terra é amada por Ele. E causar dano à terra é demonstrar desprezo pelo seu Criador. O homem branco vai desaparecer, talvez mais depressa que as outras raças. Continuas poluindo a tua própria cama e hás de morrer uma noite, sufocado nos teus próprios dejetos! Depois de abatido o último bisão e domados todos os cavalos selvagens, quando as matas misteriosas federem a gente, e quando as colinas escarpadas se encherem de fios que falam - onde ficarão os sertões? Terão acabado. E as águias? Terão ido embora. Restará dar adeus à andorinha e a caça; será o fim da vida.

Talvez compreendêssemos se conhecêssemos com que sonha o homem branco, se soubéssemos quais as esperanças que transmite a seus filhos nas longas noites de inverno, que visões do futuro oferece às suas mentes para que possam formar os desejos para o dia de amanhã. Mas nós somos selvagens. Os sonhos do homem branco são ocultos para nós. E por serem ocultos, temos de escolher o nosso próprio caminho. Se consentirmos, é para garantir as reservas que nos prometestes. Lá talvez possamos viver os nossos últimos dias conforme desejamos. Depois que o último homem vermelho tiver partido e a sua lembrança não passar da sombra de uma nuvem a pairar acima das pradarias, a alma do meu povo continuará a viver nestas florestas e praias, porque nós as amamos como um recém-nascido ama o bater do coração de sua mãe. Se te vendermos a nossa terra, ama-a como nós a amamos. Protege-a como nós a protegemos. Nunca esqueças como era a terra quando dela tomaste posse. E, com toda tua força, o teu poder, e todo teu coração, conserve-a para teus filhos, e ama-a como Deus nos ama a todos. Uma coisa sabemos: o nosso Deus é o mesmo Deus. Esta terra é querida por Ele. Nem mesmo o homem branco pode evitar o nosso destino comum (cópia cedida pelo Dr. Marcos Gebara Muraro).

É difícil deixar de admitir a superioridade de muitos aspectos dos valores cultivados no discurso desse líder índio sobre os valores tradicionalmente exercidos pela Cultura Ocidental, sobretudo na dimensão que concerne a relação do ser humano com os animais e a natureza no dinamismo matriarcal. O parâmetro que nos permite esta comparação e avaliação cultural não é o tecnológico, nem o econômico, nem o religioso, nem o político, nem o científico e nem o artístico. O parâmetro que nos permite esta comparação e avaliação é a percepção dos valores em função de um todo cultural que propicia o desenvolvimento de cada parte da cultura em relação com o todo cultural. É a esta relação da parte com o todo cultural que denominamos relação simbólica. Por conseguinte, é o parâmetro simbólico que nos permite esta comparação, pois é a vivência de fatos, atitudes e ideologias como símbolos que nos permite avaliar seu desempenho no todo e nos permite um termo de comparação com outras vivências também enfocadas simbolicamente em outros todos culturais.

Um dos fatos que muito dificulta a busca de uma teorização antropológica, que permite estudar a interrelação das culturas em nossa sociedade pluricultural, a ponto de podermos passar a escrever juntos uma História Pluricultural, é um passado histórico da escravatura e genocídio acompanhado de enfoques evolucionistas eivados de preconceitos. Poucos campos das ciências sociais estão tão minados quanto este. Além disto, pretender abordar a história e levar em conta a realidade cultural nos confronta com a problemática da aplicação do conceito evolutivo e a grande dificuldade metodológica de se tentar conjugar Etnologia e História, que frequentemente se transforma na dualidade estrutura-evolução, para muitos uma dicotomia metodologicamente intransponível.

O emprego do enfoque simbólico estruturante à História visa a trabalhar com o prisma histórico de cada cultura e simultaneamente com a noção de estrutura arquetípica universal, abrindo, assim, a perspectiva para um determinado tipo de estudo da interação cultural histórica comparada.

As críticas à dificuldade metodológica de se empregar a noção evolutiva em Etnologia são bem conhecidas a partir de sua própria fundação por Franz Boaz. Não pretendo resumi-las aqui. Abordarei apenas alguns pontos que julgo importantes para a introdução posterior do parâmetro simbólico.

 

2. O Uso do Conceito Evolutivo e suas Grandes Limitações

A descoberta de Darwin (1809-1882), considerada a mais revolucionária depois da de Copérnico (1473-1543), expressou três séculos de articulação do princípio da causalidade com o funcionamento da natureza, nele finalmente inserindo também o ser humano. A Teoria da Evolução, ao situar o ser humano apenas como uma parte diferenciada da vida na Terra provocou resistências que podemos dividir em duas etapas. Na primeira etapa, foi grande a resistência em admitir a ascendência comum com outras espécies, sobretudo com os antropoides. Na segunda etapa, continuamos a resistir a nossa inserção funcional dentro da natureza. O estudo da Socioecologia, por exemplo, nos mostra que a civilização industrial tem tratado a natureza como se sua sobrevivência dela não dependesse. Esse distrato da natureza se agravou com o desenvolvimento tecnológico, e o despertar ecológico do mundo moderno já é devido, principalmente, à inconsequência com a qual estamos malbaratando o planeta pelo desmatamento e poluição a níveis ameaçadores para nós mesmos.

É difícil para o ser humano perceber que ele se diferenciou e se diferencia dentro de uma estrutura psicobiocósmica homeostásica com a qual terá que manter sempre uma relação de dependência produtiva. Esta dependência poderá se tornar destrutiva quando agimos, por exemplo, nefastamente em nossa relação com o meio ambiente, mas a dependência, em si. É inerente à existência.

A inserção do ser humano na Teoria da Evolução foi historicamente um símbolo estruturante de tal impacto na Consciência do século XIX que Darwin somente se referiu explicitamente a ele, em 1871, na obra "A Descendência do Homem e Seleção em Relação ao Sexo", que seria uma de suas últimas. O evolucionismo vinha sendo elaborado como símbolo estruturante da Consciência Coletiva europeia desde o século anterior. O próprio Erasmus Darwin (1731-1802), avô de Charles, já defendia plenamente a tese evolucionista, se bem que deixaria o "como" para seu neto. A estruturação da Consciência Coletiva foi intensamente indiscriminada pelo evolucionismo, agindo como símbolo estruturante sobre ela, a ponto de respeitáveis homens de saber universitário se degladiarem publicamente em função de sermos ou não evolucionistas, era sinônimo de confessar a existência de chimpanzés e gorilas na família. Aos poucos a Consciência Coletiva foi se rediscriminando com o componente evolucionista estruturado na sua Identidade, mas foi deixando de lado a vivência de integração com o todo psicobiocósmico, consequência essencial da Teoria da Evolução biológica. Isto nos permite dizer que, do ponto de vista da História Simbólica, o conceito evolutivo ainda não esgotou sua função estruturante da Consciência Coletiva como consequência do grande ímpeto recebido no século XIX. Devemos pois conceber a ação deste símbolo estruturante se iniciando muito antes do século XIX e se estendendo muito após. A descoberta de um dos "Cosmos" evolutivos pela seleção natural foi assim um grande emergente factual histórico que representa a extremidade de um iceberg simbólico no Self Cultural.

O evolucionismo, como símbolo estruturante, se articula com todo móvel da Ciência de inter-relacionar, significativamente, as partes do todo universal e que necessariamente incluiria, mais cedo ou mais tarde, a própria Consciência também nesta inter-relação. A aplicação do evolucionismo à Astronomia, à Geologia e à Biologia, forma um todo que se subordina humanisticamente ao "Conheça-te a Ti Mesmo", do Oráculo de Delphi, no momento em que reconhecemos por meio do componente simbólico que é a interação do componente subjetivo com o componente objetivo presente nos símbolos que estrutura a consciência. Não é possível conhecermos o mundo sem nele nos situarmos evolutivamente. Não é possível aumentar integralmente o nosso conhecimento das coisas, sem aumentarmos também o conhecimento de nós mesmos.

Paralelamente à admissão da descoberta de Darwin, o final do século XIX e o início do século XX testemunham um início da ciência antropológica eivada de preconceitos evolutivos, todos relacionados com o etnocentrismo. Para se compreender esta indiscriminação referente ao emprego do conceito evolutivo, devemos considerar três fatores. O primeiro foi como se o europeu, em troca da humilhação vivenciada com a inserção do Homo sapiens na escala evolutiva, tivesse inconscientemente que se compensar, colocando-se acima de todas as demais raças e culturas para preservar algo do status perdido. Para se compreender o segundo fator, há que se considerar que o símbolo estruturante emerge frequentemente à Consciência por intermédio do Outro, o que explica porque certos dinamismos psicológicos profundos, percebidos inicialmente por antropólogos europeus em outras culturas, foram considerados características exclusivas destas culturas e de um psiquismo, por eles, denominado primitivo. O terceiro fator foi a projeção sobre outras culturas da Sombra Patológica do Self Cultural europeu intensamente dissociado durante a Inquisição.

Obras como "Primitive Religion" (1861), de Tylor, na questão referente à função do animismo (ENCYCLOPÆDIA BRITANNICA, 1961a) nas religiões de culturas ditas primitivas, ou "The Golden Bough" (1890, p. 53), de Frazer, na questão referente a sociedades que empregam a magia, ou "Les Fonctions Mentals dans les Societés Inférieures" (1910), de Levy-Brühl, na questão referente ao funcionamento do pensamento nas culturas por ele chamadas não só primitivas mas, até mesmo, inferiores (CAZENEUVE, 1963, p. 53), todas essas obras atribuíram a outras culturas características que uma cultura evoluída não possuiria. Podemos dizer que o erro comum a estas obras foi o emprego errôneo do conceito evolutivo, como posteriormente demonstrou a Etnologia pelo convívio do antropólogo com as culturas estudadas. A consagração da Teoria da Evolução na Biologia foi assim acompanhada por uma grande desilusão científica com o evolucionismo, por seu emprego inadequado na Antropologia.

A problemática do uso do conceito evolutivo, de forma preconceituosa e etnocêntrica, chegou ao nível delirante no nazifascismo, comprometendo, já agora de forma terrível e drástica, este conceito no humanismo moderno.

A obra de Franz Boaz ao estabelecer as bases científicas da Etnologia teve como um dos principais parâmetros metodológicos proteger a Etnologia do evolucionismo usado, até então, com características tão etnocêntricas, preconceituosas e perniciosas para as culturas estudadas. Sua influência foi fundamental para preservar o estudo de cada cultura como um todo púnico, tão necessário para se compreender a individualidade cultural. Contudo, como assinalou Lévi-Strauss (1975 p. 21) ao comentar as críticas de Boaz ao evolucionismo: "esta análise crítica é decisiva, mas, levada ao extremo conduziria a um agnosticismo histórico completo". Neste capítulo de Antropologia Estrutural, intitulado "Etnologia e História", Lévi-Strauss afirma a importância da História e da Etnologia, mas as situa metodologicamente sendo exercidas em sentido inverso, "como as duas faces de um Janus", a História olhando na direção do Consciente e da Etnologia, em sentido oposto, na direção Inconsciente (LEVI-STRAUSS, 1975, p. 41).

O abandono do evolucionismo em Etnologia, pela escola americana seguindo a obra e Boaz, deixou um vácuo no relacionamento intercultural. Este espaço teórico foi preenchido parcialmente pelo estruturalismo de Lévi-Strauss, que, ao descrever estruturas culturais universais, como Jung havia feito com o conceito de Arquétipo, permitiu a reaproximação das culturas pela análise de suas estruturas. A introdução do conceito de símbolo estruturante visa a operar como um terceiro fator, intermediando História e Estrutura em função do desenvolvimento da Consciência, aproximando as culturas também pelo seu dinamismo evolutivo, sem cair nos precipícios evolutivos já identificados. O símbolo estruturante é a própria imagem do deus Janus de duas faces de Lévi-Strauss, com a diferença de ser ele, aqui, percebido com as características milagrosas-simbólicas de um verdadeiro deus de duas faces, que é capaz de usufruir delas simultaneamente. Isto significa, conceitualmente, que o símbolo estruturante pode ser percebido simultaneamente atuante na Etnologia e na História, sendo, por isso, passível de estudo e compreensão científica dentro de uma Antropologia simbólica estruturante, tanto com relação à História, quanto com relação a Etnologia.

Paralelamente ao abandono do conceito evolutivo na Etnologia e ao surgimento da Antropologia Estrutural, sobreviveu ainda o uso do conceito evolutivo em Antropologia num emprego que se iniciou no século XIX com a obra de Lewis Henry Morgan "Ancient Society" (1877), e que podemos denominar evolucionismo cultural tecnológico.

A conceituação evolutiva de Morgan teve duas características que devemos ressaltar para compreender sua sobrevivência no evolucionismo moderno, apesar de Franz Boaz ter nela concentrado aquelas críticas já mencionadas (LEACOCK, 1974), que baniram o evolucionismo da Etnologia. A primeira é que, apesar de Morgan, como seus contemporâneos evolucionistas, ter escrito sobre o evolucionismo das culturas em geral, no seu aspecto familiar, social e econômico, ele não sentia nenhuma atração pela parte mítico-simbólico-religiosa das culturas estudadas, chegando mesmo a sentir grande resistência ao seu estudo, o que o levou a escrever: "A religião lida tão dominantemente com o emocional e o imaginário e consequentemente com elementos do conhecimento tão incertos que todas as religiões primitivas são grotescas e até certo ponto ininteligíveis". A segunda característica, relacionada com a primeira, é que seu esquema evolutivo tem como principal parâmetro o fazer e o que é feito nas culturas e por isso foi adotado por Engels (ENGELS, 1977) e por muitos antropólogos e historiadores, daí por diante, para quem o parâmetro evolutivo é basicamente o fator tecnológico e econômico.

De fato, o critério da divisão das fases evolutivas de Morgan é basicamente tecnológico. Os três estados principais são o Selvagem, o Bárbaro e o civilizado. O selvagem se divide em Antigo, caracterizado pela coleta de raízes e frutos, em Mediano, pelo aparecimento do uso do fogo e da pesca, e em Tardio, pelo aparecimento do uso do arco e da flecha. O estado Bárbaro se divide em Antigo, caracterizado pela cerâmica, em Mediano pela agropecuária e a construção de casas com tijolos e pedras, e em Tardio, caracterizado pelo aparecimento da siderurgia. A Civilização é definida pelo aparecimento da linguagem escrita (MORGAN, 1974, p. 9).

Esta aplicação do conceito evolutivo à história das culturas, que denominamos evolucionismo tecnológico, permanece, até hoje, sendo usado por muitos historiadores distinguindo-se, entre nós, Darcy Ribeiro, com sua obra "O Processo Civilizatório" (1975). Apesar de o evolucionismo tecnológico não contar, em seus achados, dados etnocêntricos e errôneos, como o "pensamento pré-lógico" de Levy-Brühl ou o "animismo" de Tylor, por exemplo, seu método de escolha evolutivo, ainda que certo e objetivo, continua basicamente etnocêntrico, pois toma como parâmetro da evolução exatamente aquele referencial que novamente coloca a Cultura Ocidental, a priori, no fim da escala evolutiva. Para a interação em nossa sociedade pluricultural, por exemplo, ele é um método que, se usado, estabeleceria uma assimetria etnológica apriorística intensa, muito objetiva, mas nem por isso menos etnocêntrica. É que, segundo ele, as Culturas Ocidental e Japonesa entre nós seriam as únicas civilizadas, enquanto que as Culturas Negras e Índias estriam ainda em estado bárbaro. Com este parâmetro seria muito difícil um relacionamento intercultural democrático de alteridade. Escolhessem as Culturas Índias o relacionamento com a natureza e as Culturas Negras o relacionamento com o corpo como parâmetro e elas, em cada caso, estariam muito mais evoluídas, enquanto que as Culturas Ocidental e Japonesa ocupariam um lugar, na escala evolutiva, de bárbaros, ou, até mesmo, degenerados ou doentes. Nesse caso, o confronto também estaria prejudicado pelo etnocentrismo.

Outro fato que invalida o uso do evolucionismo tecnológico, no confronto etnológico-histórico de uma sociedade pluricultural, é que seu próprio método, ao ser histórico-evolutivo sem considerar as estruturas culturais, deixa de ser etnológico, como já demonstrara Boaz para a obra de Morgan. Perfeitamente cônscio desta limitação do evolucionismo tecnológico que adota, Darcy Ribeiro (1975, p. 19) escreve: "Esperamos que essa tentativa de sistematização e de renovação conceitual contribua para determinar as etapas básicas de desenvolvimento tecnológico distinguíveis no continuum da evolução humana". E adiante acrescenta, imediatamente antes de explicar seus processos civilizatórios em oito etapas tecnológicas, da revolução agrícola a termonuclear:

Tudo isto significa que a classificação das sociedades concretas dentro dos esquemas evolutivos deve ser feita depois de despojá-las conceitualmente do que têm de peculiar, para atender somente no modo como nelas se conformam as qualidades diagnósticas atribuídas a cada modelo de formação. E também, focalizando-as em largos períodos, que tornem perceptível o sentido das alterações que estão experimentando (RIBEIRO, 1975, p. 34).

Em suma, como sua própria História nos ensina, o conceito evolucionista necessita ser usado com a maior consciência de suas limitações quando aborda culturas diferentes, sob pena, ou de atribuir à cultura estudada algo que pertence à cultura do observador (etnocentrismo), ou generalizar uma categoria para englobar muitas culturas e com isso deixar de lado a própria essência das culturas estudadas, descaracterizando muito da importância buscada no próprio sentido evolutivo.

Esta Teoria Simbólica da História situa sua característica evolucionista na estruturação da Consciência Coletiva a partir da interação do Inconsciente Coletivo e dos acontecimentos, e situações, dentro do Self Cultural de cada cultura. Não há preocupação nesta teoria em posicionar culturas neste parâmetro evolutivo para estabelecer qual a mais ou menos evoluída, se bem que a função do símbolo estruturante em cada Self Cultural pode e deve ser comparada. A própria escolha das quatro estruturas básicas: matriarcal, patriarcal, alteridade e cósmica impede a comparação total, devido à impossibilidade prática que ela implicaria, já que a maioria das culturas, hoje conhecidas, apresenta símbolos estruturantes em maior ou menor número, operando nestas quatro estruturas. A grande preocupação evolutiva desta teoria é quanto à evolução da consciência em função dos seus símbolos estruturantes, e isto nos permite pesquisar e perceber a História simbólica da interação cultural, considerando-se o funcionamento do símbolo estruturante dentro do Self Cultural de cada cultura.

 

3. Evolução, Self Cultural e Símbolo Estruturante

Devido ao seu passado histórico, tão cheio de perspectivas e desilusões, o emprego do conceito evolutivo deve ser sempre acompanhado de uma explicitação do que se quer com ele dizer.

Evolução não significa simplesmente transformação. Evolução é um processo de transformação do organismo com direção e sentido. O sentido inverso desse processo é a involução. Etimologicamente, evolver significa um volver-se para fora e envolver, um volver-se para dentro. Volver vem do latim volvere que quer dizer rolar ou voltar, e o prefixo "e" significa "de" ou "fora". A evolução do ser-no-mundo é, então, o seu processo de desabrochar. Contudo, podemos perguntar: evolver de onde para onde? Voltar-se de que para que ou de dentro de que para fora de quê? Ontologicamente a resposta seria voltar-se de dentro de si mesmo para realizar seu potencial, crescer, ir em direção exterior a si, ultrapassando-se no próximo desabrochar do seu desenvolvimento.

O grande problema do emprego do conceito evolutivo, para a Antropologia, foi usá-lo de forma unidirecional, ou seja, como se os estágios evolutivos devessem, paulatinamente, se afastar das origens para nunca mais voltar. Tylor, com o animismo, Levy-Brühl, com o pensamento pré-lógico, e Frazer, com a magia como ciência bastarda, falam de estados culturais que implicitamente poderiam e deveriam ser ultrapassados no desenvolvimento da humanidade, e que já o teriam mesmo sido relativamente ultrapassados pelos europeus, e daí terem esbarrado na mesma dificuldade. Na realidade, estavam descobrindo e descrevendo características do dinamismo matriarcal que se apresenta de formas diferentes durante a evolução cultural, mas não pode ser nunca inteiramente ultrapassado, por se tratar de uma estrutura ou arquétipo do ser humano.

Esta problemática da antropologia, porém, pode ser relacionada com o próprio processo evolutivo da Consciência humana. É que, na medida em que a Consciência se desenvolve, ela tende, até mesmo por um processo de autoafirmação, a se considerar autônoma, e aí está, ao mesmo tempo, o seu desenvolvimento, a sua tentação e, frequentemente, seu erro e até mesmo perdição. É esta tendência ao exagero da sua autoafirmação que seduz a Consciência, ao lidar com o conceito evolutivo, para estabelecer o evolucionismo unilateral, por meio do qual se admite a matriz evolutiva, mas se nega o relacionamento dialético com ela durante a evolução. É como se o cientista, que lida com o conceito evolutivo, sentisse, de repente, que tem nas mãos uma arma para assegurar o poder da Consciência contra qualquer dependência e, ao usá-lo com essa finalidade, empobrecesse e até mesmo invalidasse a grande criatividade e extensão do conceito. Não são somente os instintos ou as "pulsões do Id" que estão sujeitos a transformação, ao passarem do Inconsciente para o Consciente. Qualquer ocorrência psicológica como, por exemplo, o processo de conceituação está sujeita ao redutivismo durante sua elaboração pela Psique no processo de Conscientização. Assim, a redução do conceito evolutivo ao evolucionismo unilateral é apenas um exemplo de uma ocorrência psicológica comum.

Como leciona Junito de Souza Brandão, os Gregos prezavam extraordinariamente o metron, a justa medida, e acreditavam que sua ultrapassagem, a demésure, como por exemplo a hybris dos heróis, fosse irremediavelmente punida pelos deuses (BRANDÃO, 1982). A grande hybris do herói é cair na tentação de ser capaz de tudo, como se fosse um deus, e aí transgredir seus limites. Já os mortais não podem, sequer, encarar um deus na mitologia grega, sem serem punidos com a cegueira ou com metamorfoses de sua identidade. Na dimensão psicológica, isto significa que a Consciência, ao vivenciar a força criativa dos arquétipos, corre sempre o risco de indiscriminação (confusão) e, até mesmo, de desestruturação, daí o fato dos símbolos estruturantes culturais atuarem em contextos rituais e institucionais, por intermédio dos quais a cultura oferece à Consciência caminhos de discriminação e desenvolvimento abertos há séculos e milênios, e aprimorados durante a estruturação de seus costumes e tradições. Mas a Consciência deve constantemente se afirmar, para manter sua identidade discriminada do Outro a sua volta, e é no exagero desta autoafirmação que a Consciência chega a negar suas origens e o mundo a sua volta, dos quais depende sempre para se revitalizar e renovar. Vem daí uma atitude de onipotência que pode acometer a Consciência, durante toda a vida, e levá-la a errar na avaliação da realidade. Esse erro e suas consequências são representados na Mitologia Grega pela ultrapassagem do metron e seu castigo.

Da mesma forma que o conceito evolutivo foi usado na Antropologia como se estruturas pudessem ser ultrapassadas, na Psicologia também isto aconteceu. Desde o início das teorizações psicanalíticas, notamos uma tendência evolucionista unidirecional. A direção do desenvolvimento seria sempre do Id se transformar em Ego. A fase oral da libido seria seguida pela fase anal e esta pela uretra, fálica, e depois pela genital e qualquer volta atrás seria uma regressão. Por isso, muitos analistas acreditam até hoje que, uma vez terminada sua própria análise, podem, daí por diante, lidar com o Inconsciente dos outros sem levar mais em conta a continuação do desenvolvimento da sua própria personalidade a partir do seu Inconsciente. Não prestam mais atenção aos símbolos dos seus sonhos e fantasias e, se por acaso percebem manifestações dos seus processos inconscientes, que necessitam inegavelmente de compreensão analítica, concluem entristecidos que infelizmente ainda estão com problemas e por isso necessitam de uma reanálise. Não lhes passa pela mente que o Inconsciente é uma estrutura criativa e que daí decorre que quanto melhor esteja analisada uma pessoa, mais apta e aberta ela deverá estar para auscultar seus símbolos em todas suas manifestações psíquicas, inclusive seus sonhos, única forma de colaborar, conscientemente, com seus processos inconscientes no desenvolvimento de sua personalidade. Pai, mãe, criança, adolescente, cônjuge e velhice são estruturas, são arquétipos. As vivências pessoais com pai e mãe, por exemplo, podem se esgotar e ser ultrapassadas, mas com isso nem se esgotam nem se ultrapassam estas estruturas, e, por isso, com elas trabalharemos, enquanto houver vida individual e cultural. Coube a Jung introduzir a noção de estrutura em Psicologia, com a descoberta do Inconsciente Coletivo e dos Arquétipos, e descrever a relação dialética do Ego com o Inconsciente, na qual concluiu que quanto mais adiantada estivesse uma pessoa no seu desenvolvimento psicológico, mais ela estaria em condições de se relacionar dialeticamente com seus processos inconscientes (JUNG, 1959, p. 1).

Parece claro, pois, que a grande problemática científica no uso do conceito evolutivo se originou no fato de se encadear estruturas sucessivamente, criando com isso um desligamento dissociado e alienante entre os estágios atingidos e as estruturas que se julgavam ultrapassadas. O conceito evolutivo não deve então ser empregado buscando-se o que é no processo que está desabrochando e qual a relação do estruturado com a estrutura que o estruturou principalmente após o fenômeno de estruturação referido. Chegamos assim ao evolucionismo dialético ou de alteridade, que conjuga processo de desenvolvimento e estrutura, levando em conta as características de cada um. Concluímos, então, que o grande problema do emprego do conceito evolutivo, que o torna unilateral e não dialético, é o favorecimento do processo de desenvolvimento em detrimento das estruturas por que passa. Isso só pode ser evitado se considerarmos estrutura e processo de desenvolvimento como polaridades dialéticas em qualquer emprego do conceito evolutivo. A intenção científica primordial do etnólogo, tão bem caracterizada por Boaz, é proteger a integridade das culturas estudadas, inclusive do etnocentrismo do pesquisador. Por isso, uma das principais preocupações de qualquer um que busque estudar o processo de desenvolvimento numa cultura é não deixar de reconhecer, como tal, nenhuma estrutura presente no processo estudado. Metodologicamente, o ideal seria termos uma estrutura que representasse todas as outras e com a qual pudéssemos sistematicamente relacionar, desde o início, o processo de desenvolvimento, pois aí nos asseguraríamos sempre de estarmos respeitando a relação entre o processo de desenvolvimento e estrutura. Mas existe uma estrutura que possa representar todas as demais numa cultura, ou seja, é possível concebermos uma estrutura da totalidade de uma cultura?

Uma estrutura de totalidade só é possível de se conceber cientificamente a partir da dimensão simbólica que engloba a relação sujeito-objeto dentro da ciência psicológica. Qualquer outro enfoque científico de uma estrutura cultural não representa a totalidade, porque a estrutura é objeto de estudo de um observador que busca metodologicamente, de alguma forma ao menos, permanecer fora da observação. A metodologia científica, inclusive a metodologia etnológica de Boaz, busca sempre a objetividade, eliminando os componentes subjetivos como contaminação do campo de observação. Na Psicologia Simbólica, porém, a observação do Outro faz parte de um todo maior ou Self que engloba a estruturação do Eu e, por isso, a dinâmica subjetiva é parte operante e indispensável do estudo objetivo. Não se trata somente de invalidar a busca de um objetivismo com a afirmação de que o sujeito é inseparável do objeto, mas de frisar que sujeito e objeto são inseparáveis, porque, psiquicamente, o conhecimento objetivo é sempre acompanhado da estruturação do Eu por intermédio do símbolo. Por isso, a busca do objetivismo puro não só é impossível quanto é indesejável, pois conduz à alienação do que está acontecendo com o sujeito, durante a aquisição do conhecimento objetivo.

Jung (1960) descreveu o Self como o Arquétipo Central da Psique, que corresponde a uma estrutura de totalidade englobando o funcionamento dos processos conscientes e inconscientes. Os símbolos do Self são símbolos de totalidade, aparecendo nas formas geométricas ou mandalas, como o quadrado, a cruz, o círculo e a espiral: na natureza, como a árvore, o diamante, a pérola, o Sol, uma estrela, ou o Cosmos; no próprio corpo humano, como o Antropos; na sociedade, como o povo, o governo ou o presidente; em ideias, como a eternidade, o infinito, e o conceito de Deus. Estes símbolos aparecem indicando vivências de totalidade durante o processo de desenvolvimento e com isso expressando sua importância fundamental para o processo.

O desenvolvimento psicológico é, frequentemente, considerado como um processo subjetivo geralmente situado dentro do crânio, em contraposição ao resto do corpo e ao mundo exterior. Isto expressa e cultiva uma dicotomia psique-matéria, psique-corpo, dentro-fora e sujeito-objeto, que se adapta, como uma luva, à dissociação do Self Cultural europeu ocorrida na Inquisição, e impede a percepção do processo psicológico e do exercício da própria teoria do conhecimento dentro de um todo dinâmico e significativo.

As vivências de totalidade, que englobam historicamente entidades que se acham separadas ao nível da Consciência, são, contudo, impressionantes e necessitam da conceituação de estruturas para percebê-las. Inicia-se uma relação terapêutica onde conscientemente o terapeuta nada tem a ver com os problemas do analisando e, no entanto, frequentemente aparecem símbolos no decorrer do processo que envolvem o processo existencial dos dois. Reúne-se um grupo para uma atividade qualquer e, após certo tempo, começamos a perceber reações em bloco ou mesmo individuais, mas que os indivíduos não as teriam sozinhas. Viajamos e nos sentimos de forma diversa de quando estamos com nosso grupo cultural. Um indivíduo aprende a língua de um país, vive nele anos como estrangeiro e ao voltar ao seu núcleo de origem, de repente, sente uma vivência de pertencer dinamicamente a algo maior que nunca teve no estrangeiro. Às vezes, as brigas num casamento ou entre irmãos têm sua explicação numa necessidade de afirmação de identidade contra um fator maior que tudo envolve e aglutina. Este fator é muito maior que a identidade grupal, se bem que esta identidade tenha nele a sua origem. Existe algo maior nos fenômenos psíquicos que engloba estes fenômenos dentro de um processo de desenvolvimento que envolve as pessoas presentes, quer elas se deem conta ou não. Torna-se, porém, difícil percebermos essa estrutura de totalidade quando, a priori, já percebemos a psique dissociada do corpo, presa dentro do crânio e separada conceitualmente do mundo.

Se percebermos, porém, o fenômeno psicológico inseparavelmente da hominização do planeta e derivando de um todo cósmico, como viu Teilhard de Chardin (1962), poderemos conceituar um Self Cósmico como estrutura básica da relação do Ser Humano com o Universo e, a seguir, conceber uma série de processos de totalidade dentro desta estrutura básica maior, que expressaríamos como Self Individual, Self Conjugal, Self Grupal, Self Cultural e, até mesmo, como Self Terapêutico (BYINGTON, 1983). A psique individual relaciona-se com o cosmos como a Consciência se relaciona com o Inconsciente do qual emergiu. A estrutura do Self é difícil de ser compreendida, porque com a Inquisição deu-se a dissociação cultural Ciência-Religião, com a dissociação subsequente da função totalizadora do pensamento europeu. A percepção gestálica da totalidade, que naturalmente apreende a relação sujeito-objeto num todo operacional, ficou assim seriamente afetada. Esta conceituação ajuda a nos abrirmos teoricamente para estas vivências de totalidade que, na realidade, já estão presentes em tudo que fazemos. É que o Self Individual e Cultural tem um enorme poder criativo estruturante e, por isso, praticamente qualquer coisa que entre no seu campo operacional, seja fato, pessoa ou vivência, logo se torna um símbolo ao ser ligado ao todo operativo. Este fato levou a um ditado comum na religiosidade da Idade Média, segundo o qual, tudo o que é efêmero expressa a totalidade. É este fenômeno também que explica porque os hindus procuram poupar tudo o que vive. Sua doutrina da reencarnação, vista simbolicamente, inter-relaciona significativamente tudo o que existe com a finalidade da vida humana. Nesse sentido, seu conceito de Atman corresponde ao de Self Cósmico.

O conceito de Self Cultural é da maior importância para percebermos o funcionamento articulado das partes culturais como um todo e, ao mesmo tempo, ele nos permite perceber esse todo dinamicamente como algo único. A compreensão do dinamismo do Self Cultural se torna mais acessível quando percebemos o seu funcionamento pelas suas três grandes partes constitutivas, ou seja, o significante (arquétipo-estrutural-inconsciente-indiscriminado) o significado (histórico-consciente-discriminado) e o símbolo estruturante que os vincula no processo evolutivo.

Erich Neumann (1973, p. 44) descreveu o Eixo Ego-Self para articular inseparavelmente o significado arquetípico e o significante-consciente no desenvolvimento individual. Ao aplicar este conceito à cultura, inseri no centro do Eixo Consciência Coletiva-Self Cultura, o conceito de Símbolo Estruturante como vínculo operativo. Forma-se com isso uma noção de campo estruturante, no qual os objetos são detectados como símbolos, na medida em que é percebida sua ligação com o todo, e como símbolos estruturantes, quando nos damos conta da sua função no Eixo Consciência Coletiva-Self Cultural (Gráfico 2, p. 16).

O símbolo estruturante é essencialmente bipolar, abrindo-se nos dois sentidos do Eixo. No sentido do Inconsciente ele se abre para receber a energia psíquica ativada pelas estruturas arquetípicas e veiculá-las à Consciência, intermediando a discriminação. No sentido do Consciente, o símbolo estruturante se abre para receber a discriminação já gasta e exaurida, introduzir a energia ainda inconsciente e indiscriminar a Consciência no processo criativo que conduzirá a uma nova discriminação. O símbolo estruturante é, pois, o Janus de duas faces de Lévi-Strauss (1975 p. 41) que representa, operativamente, estrutura e processo de desenvolvimento. Etnologia e História. A grande dificuldade do pesquisador em lidar com o conceito evolutivo é fascinar-se com a visão de uma só das faces e alienar-se na unilateralidade.

Ainda que possamos e devamos compreender o funcionamento do símbolo estruturante no dinamismo matriarcal, patriarcal e cósmico, sua concepção vem do dinamismo da alteridade que é especializado em manter a firme identidade do Eu como uma face e, ao mesmo tempo, defrontar plenamente o Outro como a outra face do mesmo fenômeno de transformação. Quando o Evangelho nos fala em "virar a outra face" diante de uma ofensa, ele está estruturando a Consciência Coletiva com o dinamismo de alteridade, pois é ao examinar o outro lado da moeda, no momento em que estamos feridos e mais propensos a nos entrincheirarmos no Eu ou num só lado da realidade, que mais podemos nos tornar capazes de compreender a função do Outro na estruturação da Consciência.

Muito se tem escrito sobre o conceito de símbolo como representativo de significados ocultos ou latentes que devem ser decodificados ou interpretados. Isto tudo também é válido para o conceito de símbolo estruturante quando percebido dentro de sua função principal de organização da energia psíquica individual e cultural para estruturar a Consciência Individual e Coletiva na construção e transformação permanente da identidade. A dimensão simbólica, ou seja, a estrutura simbólica é de acesso difícil para a reflexão e merece toda a atenção e o esforço do pesquisador para poder ser vivenciada e compreendida. No entanto, o que se quer enfatizar aqui é a função estruturante da dimensão simbólica, que expressa a pujança fantasticamente criativa do Inconsciente Coletivo no indivíduo e na cultura. É o estudo e o alcance da energia criativa da dimensão simbólica na sua função estruturante que se constituem na essência de uma Teoria Simbólica da História, pois, neste caso, a História não é percebida por intermédio nem só dos seus acontecimentos, nem só de suas várias forças dinâmicas, sejam elas econômicas, políticas, religiosas, e sim por meio de tudo o que acontece numa cultura percebido como Símbolo Estruturante e expressa a atividade do Self Cultural, usando o passado e o presente numa articulação criativa que orientará o futuro.

A função transcendente, descrita por Jung (1957) como pertencente ao Self e como capaz de unir os opostos para formar sínteses que não existiam antes (tertium quod non datur), pode ser percebida como uma parte da função do símbolo estruturante, ao agir sobre uma discriminação consciente e criar outra discriminação, da mesma forma que na lógica de Hegel, o confronto da tese com a antítese dá nascimento à síntese. Há que se perceber isto tudo, porém, funcionando dentro de uma estrutura de totalidade com o sentido e a direção processual do Self Individual e Cultural.

Com isso, podemos compreender a intuição de Hegel (1953) de que "a História é a realização do espírito do mundo", se raciocinarmos que o espírito do mundo não é o fantasma de um velho de barbas brancas, organizando a história de cima de uma montanha, e sim a intuição de uma estrutura simbólica de totalidade que participa, estruturalmente, do fenômeno histórico. A argumentação de Marx, seguindo Feuerbach, de que a teoria de Hegel seria idealista, e não científica, contrariamente ao materialismo histórico que seria científico por fundamentar na História não na encarnação de um espírito, mas na luta de classes econômica (MARX, 1961), pode ser vista como complementar a Hegel e não necessariamente invalidante. Para tal, podemos raciocinar que Hegel intuiu o Self Cultural e expressou simbolicamente pela palavra encarnação sua relação com a História, enquanto que Marx descreveu, pela função consciente da sensação, a influência das forças econômicas na transformação do Self Cultural. Podemos também aplicar o enfoque simbólico e a função intuitiva ao materialismo dialético. Nesse caso, o modelo econômico, de Marx, dos relacionamentos das classes pode ser visto nesta Teoria Simbólica da História por intermédio do conceito de símbolo estruturante como, apenas, uma das estruturas de relacionamento de polos do Self Cultural. Da mesma forma, a noção de "mais valia" pode ser aplicada a qualquer transformação social em andamento (BYINGTON, 1980). As relações homem-mulher e branco-negro no Self Cultural brasileiro, por exemplo, podem ser estudadas, dentro da noção de "mais valor" da energia social, como um encontro de polaridades ocorrendo paralelamente à interação de classes econômicas com a função simbólica estruturante também de grande significado na transformação do nosso Self Cultural.

O aspecto histórico-evolutivo do Self Cultural é estudado nesta Teoria Simbólica da História por intermédio da estruturação da Cultura e da Consciência Coletiva pelos símbolos estruturantes. O conceito de desenvolvimento do Self Cultural se fundamenta na diferenciação e organização das funções culturais subordinadas a quatro estruturas básicas de organização do Self e da Consciência, denominada matriarcal, patriarcal, de alteridade e cósmica.

O conceito de Self Cultural, como conceito psicológico que é, engloba, por meio da noção de Símbolo estruturante, todas as funções da cultura e as subordina ao desenvolvimento psicológico humano. Mas por que é que devemos subordinar o Self Cultural ao psicológico e não ao econômico, ao jurídico, ao político, ao religioso, ao artístico, ao científico ou a qualquer outra atividade humana? Porque percebemos a dimensão psicológica abrangendo todas as demais, por intermédio da concepção simbólica estruturante que reúne subjetivo e objetivo no desenvolvimento da Consciência. A dimensão psíquica é assim concebida como a essência do ontológico e, por isso, ao ser tomada como parâmetro de totalidade, preserva a integridade do ser humano no nível individual e social, evitando os enfoques unilaterais que conduzem ao redutivismo. O mesmo não acontece com as demais dimensões que expressam atividades humanas setorizadas e que, se tomadas como referencial para o desenvolvimento individual ou cultural, conduzem a um redutivismo ideologicamente asfixiante para outras dimensões.

Este equacionamento do psicológico com o ontológico, porém, só pode ser feito com uma Psicologia Simbólica e nunca com uma Psicologia que se restrinja ao subjetivo em detrimento do objetivo. É o conceito de símbolo, reunindo o Eu e o Outro na estruturação da personalidade e da cultura, que nos permite equacionar o psiquismo com a essência do ontológico numa Antropologia Simbólica ou psicocêntrica. Nesse sentido, um sábio não é necessariamente um autor de grandes descobertas, famosas obras de arte ou capaz de intensas vivências místicas. Um sábio se caracteriza pelo seu grande desenvolvimento psicológico, ou seja, por sua capacidade de lidar conscientemente com os fatos e acontecimentos como símbolos dentro do processo de desenvolvimento psicológico. Da mesma forma, a riqueza de um Self cultural não é dimensionada essencialmente pelo seu poder econômico, geográfico, tecnológico ou político, mas pela quantidade de símbolos estruturantes que dispõe para operacionalizar seu desenvolvimento. Introduz-se, assim, a categoria de valor humano, unida pelo símbolo ao conceito evolutivo, ou seja, reúne-se valor e meta, subordinados ao processo de desenvolvimento simbólico. Com isso surge a problemática da meta ou do para quê do desenvolvimento do Self Cultural e que deve ser examinada, não como a realização de algo especialmente fora ou além de si mesmo, mas como a realização das potencialidades do próprio Self Individual e Cultural. A evolução do Self para fora de si mesmo ultrapassando-se na sua autorrealização, já está dentro de sua característica estrutural.

Apesar de conceituar o arquétipo do Self como uma estrutura psicológica inconsciente, Jung frisou, repetidamente, que ele englobava a Consciência. Isto contrariaria a definição do arquétipo, o que levou à sugestão de se empregar a denominação Arquétipo Central e de se usar Self como um conceito de totalidade, mas não como arquétipo. Apesar de Jung não ter construído sua Psicologia Arquetípica em torno da função estruturante da personalidade e da Consciência do nascimento até morte, ao conceituar o Self, ele uniu inseparavelmente os processos conscientes e inconscientes numa totalidade dinâmica que é, justamente, a condição básica para uma Psicologia Simbólica estruturante. De fato, não existe significante, estrutura ou arquétipo, sem um correspondente de significado, estruturante ou egoico. Nesse sentido, a intuição de Jung pode ser estendida a todos os arquétipos e estruturas, exatamente o que se faz ao perceber cada símbolo como símbolo estruturante com uma direção e sentido no desenvolvimento. Não se pode, sobretudo no Self como estrutura da totalidade psíquica, conceber uma estrutura sem um componente de interação dialética (feedback) ao desempenhar sua função (veja Gráficos 1 e 2 do artigo "O Desenvolvimento Simbólico da Personalidade" ou no final deste artigo).

 

 

Percebendo-se o Self cultural como uma estrutura que coordena e padroniza o desenvolvimento individual e cultural, podemos descrever quatro estruturas básicas, por intermédio das quais o Self orienta esse desenvolvimento. São elas a matriarcal, a patriarcal, a da alteridade e a cósmica. Estas quatro estruturas são evolutivas no desenvolvimento individual, quando se constituem como ciclos estruturantes de implantação sucessiva, e perduram durante toda a vida. Estes ciclos apresentam duas fases estruturantes, sendo a primeira caracterizada pela passividade do sujeito e a segunda por sua atividade dentro do mesmo padrão estruturante. Dentro do Ciclo Estruturante Matriarcal, por exemplo, apesar de desde sempre o ser humano ter participado passivamente na sua alimentação dentro da natureza, a revolução agropecuária é um gigantesco marco na incrementação estruturante da segunda fase do ciclo matriarcal, que possibilitou a relação cada vez mais ativa do ser humano com a Natureza. Foram necessários milênios de atividade estruturante do Arquétipo da Grande Mãe para isso acontecer. O mesmo podemos dizer da revolução linguística, com a linguagem escrita, e sua relação com o dinamismo patriarcal.

O fato de usarmos as mesmas estruturas para referenciar o desenvolvimento individual e cultural pode levar o pesquisador a redutivismos grotescos, sobretudo quando um referencial é usado indistintamente par interpretar o outro. Mantida a discriminação dos contextos coletivo e individual, porém, o fato de ambos terem o mesmo referencial evolutivo se torna da maior importância para não desviarmos os propósitos de desenvolvimento do Self Individual e Cultural, um do outro, de forma alienante como tão frequentemente acontece. Ao sermos gregários, somos também animais culturais. Ao estudarmos a cultura de forma separada do desenvolvimento psicológico individual, frequentemente, perdemos de vista seus fatores comuns de desenvolvimento e nos concentramos nos seus conflitos. Deixamos, assim, muitas vezes de lado dois fatos fundamentais. O primeiro é que o símbolo estruturante não pode prescindir do Outro na formação do Eu e da Consciência, e que este Outro é corpo, natureza, ideias e emoções, mas também imprescindivelmente pessoa, estando este dado presente em toda atividade social. O segundo é que, devido à efemeridade da vida individual em contraposição à duração da espécie, a cultura se transforma no vínculo entre antepassados e descendentes, numa obra comum que se realiza sempre pelo desenvolvimento individual.

A grande obra realizada no desenvolvimento simbólico da personalidade individual e cultural é a diferenciação paulatina de sua Consciência do todo e, ao mesmo tempo, o estabelecimento de caminhos simbólicos de relacionamento com esse todo para a realimentação e o desenvolvimento criativo permanente da Consciência. O ciclo cósmico é o último ciclo estruturante, exatamente por preparar a vivência direta do Todo do qual a Consciência se diferenciou. Ao percebermos a morte na velhice somente como destruição, não estamos percebendo a inter-relação da direção e do sentido do desenvolvimento simbólico da personalidade e da cultura, para lidar com o fenômeno do relativamente curto tempo de vida individual na evolução cultural. Evidentemente que este desenvolvimento se faz passando por todas as etapas da construção da identidade, e sua diferenciação, dentro das características a nossa espécie, mas se não percebermos esta possibilidade maior da capacidade do desenvolvimento individual, não conseguiremos perceber a contribuição do desenvolvimento cultural a esta característica individual. Assim considerando, não devemos continuar repetindo alienantemente a afirmação corrente de que os mitos relacionam os feitos individuais com a eternidade, devido a uma negação fantasiosa da morte. Precisamos perceber que esta ligação insere o desenvolvimento individual, por intermédio dos seus símbolos estruturantes, no desenvolvimento cultural que o transcende no tempo e, consequentemente, também na morte.

É somente quando nos damos conta desta relação permanente do todo com a Consciência, que compreendemos não só o que é o desenvolvimento simbólico estruturante, como porque o psicológico é a essência do ontológico. Este passo é necessário para não usarmos a descoberta de Darwin defensivamente, num evolucionismo unilateral, segundo o qual a Consciência se separaria cada vez mais do todo para, finalmente, ser simplesmente destruída na morte. Parte da continuidade da psique individual após a morte está assim relacionada com a inseparabilidade da vida individual e cultural. Admitir a relação psicológica da Consciência diferenciada com o todo cósmico no final da vida é indispensável para vivenciarmos o evolucionismo criativamente, num relacionamento dialético progressivo da Consciência com o todo desde sua origem, durante sua diferenciação e até sua inter-relação na morte. A relação da Consciência com o todo é, então, parte essencial do discurso simbólico estruturante, que engloba a relação indivíduo-cultural e nos propicia perceber a História individual e coletiva, significantemente, como desenvolvimento simbólico.

 

4. As Quatro Estruturas Básicas do Self Cultural no Desenvolvimento Simbólico

Foi Johan Jacob Bachofen possivelmente quem primeiro estabeleceu a precedência do matriarcado sobre o patriarcado no desenvolvimento cultural ao estudar principalmente a cultura Greco-Romana, seus costumes, sua literatura e seus mitos (BACHOFEN, 1967). Ao fazê-lo, teve o grande mérito de descobrir e chamar a atenção para a primordialidade do fator matriarcal sobre o patriarcal. Ao situá-los, porém, numa evolução histórica sucessiva, enredou-se no mesmo evolucionismo unilateral não dialético e não estrutural de Tylor, Frazer e Levy-Brühl e, por isso, sua hipótese tornou-se, junto com o pensamento evolutivo de Morgan, um dos alvos da crítica metodológica de Boaz ao fundar a Ciência da Etnologia. Como assinala Lévi-Strauss:

Tanto entre os Pueblos do sudoeste como nas tribos do Alasca e da Colúmbia Britânica, constata-se que a organização social toma formas extremas e opostas nas duas extremidades do território considerado, e que as regiões intermediárias apresentam uma série de tipos de transição. Assim, os Pueblos ocidentais têm clãs matrilineares sem metades, os Pueblos do Leste têm metades patrilineares sem clãs. A parte norte da costa do Pacífico caracteriza-se por clãs pouco numerosos e uma floração de grupos locais de privilégios nitidamente marcados, ao passo que a parte sul tem uma organização bilateral e grupos locais sem privilégios marcados (1975, p. 20).

Continua Lévi-Strauss:

O que se pode concluir disto? Que se produziu uma evolução de um tipo ao outro? Para que esta hipótese fosse legítima, seria preciso estar em condições de provar que um dos tipos é mais primitivo que o outro; que sendo dado o tipo primitivo, ele evolui necessariamente para a outra forma; enfim, que esta lei opera mais rigorosamente no centro que na periferia. Na falta desta tripla e impossível demonstração, toda teoria de sobrevivência é vã e, neste caso particular, os fatos não autorizam nenhuma reconstrução histórica tendente, por exemplo, ao afirmar a anterioridade histórica tendente, por exemplo, a afirmar a anterioridade histórica das instituições matrilineares sobre as instituições patrilineares (1975, p. 21).

Em seguida cita Boaz:

Tudo o que se pode dizer é que fragmentos de desenvolvimentos históricos arcaicos não podem deixar de subsistir mas, se é possível e mesmo provável que a estabilidade inerente às instituições matrilineares as tenha frequentemente conduzido, onde existem, a se transformarem em instituições patrilineares ou bilaterais, disto não resulta de nenhuma maneira e por toda parte que o direito materno tenha representado a forma primitiva (BOAZ, 1924).

Esta Teoria da História em função dos símbolos estruturantes e das transformações da Consciência não se fundamenta em nenhuma prova de que o encontro do dinamismo matriarcal numa cultura esteja evoluindo para o patriarcal e, por isso, a argumentação de Lévi-Strauss e de Boaz, por um lado, é perfeitamente compatível com ela. De um fato, porém, se faz questão e este é a primordialidade do dinamismo matriarcal psico-mitológico na estruturação da Consciência Individual e Coletiva. Como, todavia, este dinamismo provém de uma estrutura, esta primordialidade não pode ser usada numa evolução linear, como fez Bachofen. Assim, também, o fato de encontrarmos o dinamismo matriarcal dominante numa determinada fase histórica de uma cultura não nos autoriza a afirmar nem que aquela cultura "ainda" esteja no ciclo matriarcal e nem que se esteja diante de uma regressão patriarcal. O dinamismo matriarcal é uma estrutura indispensável à vida psíquica individual e comunitária e, por isso, sua função estruturante está sempre presente onde existe vida humana. O dinamismo matriarcal é responsável pelo início da estruturação da Consciência, permanece ativo durante toda a vida e é, provavelmente, o último dinamismo a continuar atuante no pré-coma que geralmente antecede a morte.

Evidentemente que etnologicamente não podemos provar isso, porque não há maneira de se verificar como funcionava a consciência do Homo sapiens quando nossa espécie surgiu há 100 mil anos (LEAKEY; LEWIN, 1981, p. 84). Todavia, dentro do conhecimento genético atual, muito possivelmente os bebês nascem hoje com o mesmo potencial estruturante que nasceu o primeiro bebê, depois que se constituiu o padrão genético de nossa espécie, e tudo indica que as crianças que nascem hoje, em qualquer cultura, iniciam a estruturação de sua Consciência dentro do dinamismo matriarcal. Podemos mesmo supor que nenhuma criança, que nasça hoje, apresente uma capacidade de discriminação que abstraia do desejo imediato e seja capaz de generalizar esta abstração, compreendendo e exercendo-a de forma planejada (dinamismo patriarcal). Parece assim altamente provável que, mesmo que certos pais exerçam sobre a criança uma educação radicalmente patriarcal, a estruturação inicial da Consciência infantil e suas identificações primárias se farão, inevitavelmente, por intermédio do dinamismo matriarcal, guiada pelo sentido e pela necessidade de alimentação, de carinho e de cuidado, em meio a uma simbiose intensa, sem que os limites e as polaridades, que lhe são impostos, sejam por ela discernidos e iniciando suas discriminações pelo desejo, dentro do princípio geral da fertilidade.

Necessitamos compreender o que é o dinamismo matriarcal psicológico, a nível individual, para discerni-lo bem, no coletivo. Observando como os símbolos estruturantes de alimentar e cuidar do bebê vão, aos poucos, estruturando a identidade do Eu e do Outro e discriminando sua Consciência do Inconsciente Coletivo, teremos um modelo para pensar a função da cultura em estruturar a Consciência Coletiva, na medida em que a diferenciação cada vez mais do Inconsciente Coletivo desde tempos imemoriais. O alimento torna-se um modelo do que é o símbolo estruturante no dinamismo matriarcal, quando percebemos sua pujança instintiva e sensorial, com todas suas ramificações existenciais e culturais, como base da satisfação e da sobrevivência do ser humano, por intermédio da interação do seu corpo com o meio. Compreende-se facilmente como o alimento se torna um dos símbolos protótipos da realização do desejo, mas é preciso um grande esforço da Consciência para percebê-lo como símbolo estruturante da Consciência e do Self, com a miríade de discriminações das quais poder-não-poder, certo-errado, vida-morte, desejo-frustração, sucesso-fracasso, tarefa-afetividade são apenas algumas. É fácil compreendermos como, nos primeiros 90 mil anos de nossa espécie, a fome nos guiou pelo mundo como animais coletores, até nossa Consciência se tornar capaz de plantar, de fazer com a terra o que a natureza sempre fez com a nossa frente. É muito difícil, porém, imaginarmos como toda essa atividade funcionou sempre como símbolo estruturante da Consciência para diferenciá-la dos processos inconscientes e estruturá-la, enquanto iam se constituindo os caminhos da cultura. O alimento, como símbolo estruturante do dinamismo matriarcal, é apenas um exemplo, pois todas as atividades humanas são simbolizadas, cada uma trazendo inúmeras contribuições.

É penetrando na essência do dinamismo matriarcal que vamos compreendendo, de dentro para fora, como ele se estruturou culturalmente com os Mitos das Grandes Mães e os rituais de fertilidade, pois, assim, podemos compreender como ele provém de uma estrutura que evolutivamente não pode ser ultrapassada.

Não devemos equacionar o dinamismo matriarcal com a família matrilinear ou matrilocal, apesar de haver, sem dúvida, um relacionamento entre os três. O dinamismo matriarcal deve ser essencialmente compreendido no seu aspecto psicológico como um padrão de organização da personalidade, da cultura, da Consciência Individual e Coletiva. Sua característica principal é a proximidade da Consciência dos processos inconscientes, o que dá à consciência uma discriminação como se fosse mais compatível com a claridade lunar do que com a solar (NEUMANN, 1973 p. 20). Suas discriminações, por isso, não são rígidas e preservam uma capacidade muito grande de se transformarem frequentemente, invertendo as polaridades discriminadas, quase que inconscientemente, em função das necessidades do momento. São discriminações lábeis essencialmente pragmáticas e, por isso, com pouquíssimo dogmatismo abstrato, sujeitas a serem novamente indiscriminadas, cedendo lugar a outros símbolos estruturantes com outras discriminações, quase que como ilhas que afloram e submergem com o movimento das marés. Seria, porém, erro grave achar que elas sumiriam e que o pensamento matriarcal é pré-lógico, pois, logo em seguida, dependendo da maré, lá estão aquelas ilhas, aqueles núcleos de consciência, firmes como nunca, discriminados e adequados à realidade de forma, não raro, surpreendentemente inteligente. Esta habilidade do discurso matriarcal, oriunda de sua proximidade do inconsciente, faz com que este dinamismo da Consciência Coletiva necessite de expressão ritualística, geralmente com abundante expressão sensorial rítmica musicada e dançada, para expressar e manter as discriminações matriarcais. Por outro lado, porém, é a própria habilidade do dinamismo matriarcal que faz com que ele, uma vez estruturado ritualisticamente, se constitua em hábitos culturais seculares dos quais a Consciência Coletiva dificilmente abre mão para mudar.

É difícil acompanhar, porém, a lógica do pensamento matriarcal porque ele é tão próximo do inconsciente que sua lógica escapa frequentemente à racionalização consciente. O outro fator que dificulta a compreensão da lógica matriarcal é que nela predominam geralmente as funções conscientes do sentimento e da intuição, contrariamente à lógica patriarcal, por exemplo, na qual as funções do pensamento e da sensação tendem a predominar. É impossível, às vezes, explicar porque a mãe sente que o filho necessita dela naquele exato momento ou como o lavrador pressente as mudanças do tempo ou o pescador, quando não deve sair ao mar. É esta proximidade do Inconsciente que explica a grande forma ritualística de lidar com os símbolos estruturantes por intermédio da possessão e da magia. Não me parece correto dizer que o Xaman ou a Iyalorixá entra em estado de inconsciência total na possessão, mas sim que entram em estado de semiconsciência, pelo qual vão sendo orientados matriarcalmente por símbolos estruturantes. O Xaman, que no transe entra no corpo do seu paciente e viaja ao mundo (inconsciente) dos espíritos para buscar a cura, ou a Iyalorixá, que recebe um Orixá, experiencia uma vivência intensamente simbólica que seria destituída de significado e de capacidade estruturante se eles não a acompanhassem de alguma forma conscientemente.

A prática da magia é comum dentro do dinamismo matriarcal. A magia reúne e mistura os polos subjetivo e objetivo nas suas práticas e assim sendo, como o dinamismo matriarcal tem a polaridade consciente tão próxima e até mesmo intermeada com a polaridade psíquica inconsciente, ele reúne, confunde e indiscrimina, facilmente, sujeito e objeto, sendo, por isso, extraordinariamente propício para a prática da magia. O mesmo será com o animismo e pelo mesmo motivo.

Vemos então que Levy-Brühl, com sua conceituação da participação mística e do pensamento pré-lógico, Frazer, com sua visão da magia como ciência bastarda, e Tylor, ao conceber fenômenos religiosos como animismo, estavam se referindo a fenômenos inerentes ao dinamismo psicológico matriarcal. Ao se escudarem, porém, no evolucionismo não dialético para explicá-lo, reduziram-no a uma simples etapa primitiva, sem perceber sua natureza estrutural característica do Inconsciente Coletivo. Com isso, estes pesquisadores se reduziram a um etnocentrismo patriarcal europeu e não puderam valorizar suficientemente o imenso potencial estruturante do dinamismo matriarcal, riquíssimo, expresso em tantas culturas que estudaram e, sobretudo reaplicaram seus estudos adequadamente em sua própria cultura.

A Antropologia moderna, reconhecendo o redutivismo desses pesquisadores, mas não reconhecendo a função indispensável do dinamismo matriarcal na estruturação da Consciência e do Self Cultural, continua, sem o querer, a não valorizar adequadamente este dinamismo e as culturas nas quais ele sobejamente se expressa. Com isso, não se valoriza devidamente muitas outras culturas, pois elas são consideradas completamente "diferentes" da Cultura Ocidental, e os postulados de Boaz, feitos para proteger cientificamente o estudo de cada cultura como um organismo único, neste caso, se transformam num instrumento de desvalorização involuntário das culturas estudadas. Ao achar, por exemplo, que a cultura Iorubá-Nagô não pode ser comparada com a Cultura Ocidental em Antropologia, não valorizamos devidamente o equilíbrio dinâmico que ela mantém entre o dinamismo matriarcal (culto dos Orixás) e patriarcal (culto dos Eguns), face à unilateralidade da Cultura Ocidental por dominância patriarcal.

Ao não se reconhecer o dinamismo matriarcal como estrutura, prejudica-se também extraordinariamente o estudo do Self Cultural da Cultural Ocidental. Um dos grandes prejuízos que daí decorre para a Cultura Ocidental é não se poder reconhecer e estudar um dos seus grandes males, que é a Histeria como a grande disfunção que é do dinamismo matriarcal ferido, pessimamente expresso e elaborado, devido à unilateralidade patriarcal cultural.

Crescem os distúrbios neurovegetativos e as síndromes psicossomáticas. Em vez de reconhecermos neles as manifestações milenarmente descritas desde Hipócrates como Histeria, vamos racionalizando e nos defendendo dela, batizando-lhe com novos nomes para camuflar seu poderio e lançando mão de um gigantesco arsenal terapêutico para reprimi-la. O dinamismo patriarcal fabrica no momento o maior arsenal armamentista farmacológico com que já se combateu uma doença. Ao corpo que clama, por meio de sintomas, por uma vida humana mais íntegra, mais ecológica no sentido da natureza, mas também do corpo, da sociedade e das emoções, responde-se com centenas de milhões de comprimidos de psicofármacos para reprimi-lo.

A Histeria, porém, como o animismo, a magia e a possessão, jamais será completamente reprimida, porque ela é um sintoma que se enraíza numa estrutura, sendo, por isso, mais inteligente do que a tecnologia industrial. Da mesma forma que as histéricas da Inquisição ficavam diabólicas e transformavam em demônios, os padres que as mandavam queimar, e mais tarde na Salpetrière ridicularizaram Charcot, imitando inconscientemente o quadro epiléptico que o mestre fazia questão de nelas ver para depois enfrentar Freud e sexualizar inconsciente e sedutoramente a transferência para "confirmar" sua teoria pansexual das neuroses, assim, também hoje, o histérico se transforma num habituado e dependente, para neutralizar, ainda que patologicamente, a ação repressiva da indústria dos tranquilizantes.

Isto tudo já é parte de uma Teoria Simbólica da História. A noção do inconsciente como desejo, quando desejo quer dizer a vivência da pujança sensual do desenvolvimento, é uma perspectiva matriarcal de se perceber esse desenvolvimento. A força do dinamismo matriarcal, capaz de dominar até mesmo a identidade, está simbolicamente representada num festival de Afrodite no qual se sacrificavam leitões num poço e ao qual os homens vinham vestidos de mulher e as mulheres de homem. Significativamente este festival da deusa era chamado Histeria (NIKLEM, 1974).

É o imenso potencial estruturante dos símbolos matriarcais que permite à Histeria lutar com o dinamismo repressivo patriarcal, por intermédio da magia e do princípio homeopático do similia similibus. É, porém, a compreensão da Histeria como disfunção do dinamismo matriarcal que nos permite compreendê-la lado a lado com a possessão, a magia, o animismo e todas as outras formas estruturantes tão básicas, normais e indispensáveis para o desenvolvimento primordial da Consciência e do Self Cultural por intermédio da estrutura matriarcal. A compreensão da expressão psicótica da Histeria nas psicoses matriarcais é também uma das grandes necessidades da psiquiatria moderna pelo fato do seu tratamento e prognóstico ser inteiramente diverso do das psicoses patriarcais como, por exemplo, o grupo das esquizofrenias.

O fato de uma cultura apresentar um dinamismo matriarcal exuberante não que então, de forma alguma, dizer que ela deva ser considerada menos evoluída que outra que esteja se expressando dominantemente por intermédio do dinamismo patriarcal. Apesar de esta Teoria Simbólica da História ser evolutiva, não é esse tipo de evolução que basicamente lhe interessa, pois sua tentativa é uma porta aberta para se recair em etnocentrismos. Qualquer antropólogo experimentado poderá fornecer centenas de exemplos para ilustrar a riqueza do dinamismo matriarcal. Cito um, apenas à guisa de ilustração.

Trata-se de um caso ocorrido entre uma companhia de mineração de urânio, representante da última fase evolutiva tecnológica, ou seja, a fase termonuclear, e uma tribo de aborígenes da Austrália, ainda na idade da pedra, ou seja, em plena selvageria, segundo Morgan, Engels e Darcy Ribeiro. Conta-nos um artigo da revista Time, de 9 de setembro de 1974, que uma companhia de mineração descobrira, quatro meses antes, na região de Nebarlek, o depósito de urânio mais rico do mundo e apressou-se em fazer contratos com firmas japonesas no valor de 60 milhões de dólares. A negociação foi inviabilizada, porém, porque os aborígenes que detêm o título de posse da terra recusaram-se a permitir que se mexa naquela terra, que em sua religião é Gabo Djang, ou seja, "o lugar onde as formigas verdes vêm sonhar". Segundo sua tradição, se este lugar for profanado, as formigas se transformarão em monstros devoradores de seres humanos e devastarão a Terra. A companhia mineradora já está oferecendo aos "selvagens" pela terra 13 milhões de dólares, mas, estes, apesar de paupérrimos, recusaram-se a vendê-la por respeito ao poder das formigas verdes. Considerando-se as formigas verdes um símbolo estruturante do Arquétipo da Grande Mãe no Self Cultural destes aborígenes, percebemos que sua interação com o dinamismo matriarcal, tem uma função de integração entre sua sociedade e a natureza. É claro que num enfoque meramente tecnológico, ninguém teria a menor dúvida em afirmar que a Cultura Ocidental é infinitamente mais evoluída do que a dos aborígenes de Nebarlek. Poderíamos afirmar o mesmo em termos comparativos da sabedoria do Self Cultural? Poderíamos simplesmente negar esta "inteligência" mitológica afirmando tratar-se de uma coincidência? Contudo, quando admitimos o poder intuitivo do dinamismo matriarcal negligenciá-lo metodicamente passa a ser uma atitude pouco científica.

Pensemos, por exemplo, na construção das usinas nucleares brasileiras, na década de 1970, obedecendo a um dinamismo patriarcal centralizador, para atender às necessidades de energia termonuclear do país. Enquanto isso, num dinamismo matriarcal negligenciado, observamos milhões de brasileiros mal atendidos quanto à casa, escola, saúde e alimentação, sendo que, entre eles, milhões de crianças correm o risco de deficiência cerebral futura por carência proteica na alimentação. Não se trata aqui de desvalorizar a ciência, ridicularizando-a em função de suas limitações. Nem tampouco de transformar o dinamismo matriarcal em ciência esotérica, valorizando afirmações intuitivas, como se houvessem passado pelo exame do método científico. Trata-se, sim, de valorizar o dinamismo matriarcal como ele realmente é, e levar em consideração seus símbolos como expressão autêntica do Self Cultural, inclusive para tentar compreendê-los melhor pelo dinamismo de alteridade, que é capaz de estudar, lado a lado, o dinamismo matriarcal e patriarcal. Assim fazendo, percebemos que o dinamismo matriarcal, mesmo confundindo as polaridades entre si, é muitas vezes mais adequado e inteligente que o patriarcal para lidar com certas situações, devido à frequente rigidez e unilateralidade do dinamismo patriarcal, que o impede muitas vezes de atender à situações humanas como um todo.

O que nos interessa no enfoque evolutivo simbólico é a historicidade de três vertentes. A primeira é a relação entre os símbolos estruturantes e o Self Cultural de cada cultura, distinguindo-se onde os símbolos estão atuando livre e criativamente no seu funcionamento histórico e onde estes símbolos estão operando dentro de defesas, caracterizando verdadeiros núcleos de patologia cultural. A segunda vertente caracteriza-se pela interação dos dinamismos estruturais na Cultura, como, por exemplo, os conflitos entre os dinamismos matriarcal e patriarcal, acima citados no caso de Histeria. A terceira vertente é a reação de uma cultura aos símbolos estruturantes de outra, o que nos permite o estudo da Antropologia Simbólica Transcultural e a percepção da formação da identidade nacional numa sociedade pluricultural como a nossa.

A primeira vertente desta Antropologia Simbólica é aqui estudada, no seu aspecto criativo, pela análise da função estruturante de alguns símbolos do dinamismo patriarcal e de alteridade na Cultura Ocidental e, no seu aspecto patológico, pela fixação e dissociação do Self Cultural ocorrida, dos séculos XIII a XVIII, em função da Inquisição. A segunda vertente está aqui exemplificada na interação dos dinamismos patriarcal, de alteridade e matriarcal na Cultura Ocidental. A terceira vertente não foi especificamente estudada neste artigo. Cito como seu exemplo, apenas a título de ilustração, o fenômeno de se confundir o Orixá Exú com o Diabo na Cultura brasileira, cujo estudo comecei a desenvolver em outro trabalho (BYINGTON, 1982a). Aparentemente poderíamos achar que se trata simplesmente de um sincretismo como outro qualquer. Um estudo simbólico deste sincretismo, porém, nos revela que o Diabo, percebido como símbolo estruturante no Ocidente, representa exatamente aqueles componentes sensuais e agressivos dissociados do símbolo de Cristo com a ação repressiva da Inquisição. Cristo e Exú são símbolos estruturantes, entre outras coisas, do Arquétipo do herói intermediador do Consciente e do Inconsciente, da vida e da morte, presente em inúmeras culturas e representado, por exemplo, por Hermes, na Grécia, e Mercúrio, em Roma. O sincretismo Diabo-Exú representa, então, o sofrimento do Self Cultural com a dissociação do complexo simbólico Cristo-Diabo e a tentativa simbólica estruturante de ultrapassar esta dissociação, por intermédio do símbolo estruturante Exú, que na cultura Iorubá-Nagô não sofreu esta dissociação.

Deve, portanto, ficar bem claro neste trabalho que, apesar de tudo indicar que a implantação dos ciclos estruturantes surge nas culturas evolutivamente, este fato não será aqui uso para comparar, evolutivamente, as culturas entre si, devido à dificuldade prática de estabelecê-lo historicamente. É que estas quatro estruturas são arquétipos da nossa espécie, ou seja, modalidades de funcionar de nossa mente, geneticamente herdadas, e que em determinadas condições existenciais e históricas são ativadas. Como saber se essa ativação histórica foi própria da cultura ou chegou a ela pelo difusionismo cultural, se está aparecendo pela primeira vez ou se é a reintensificação de algo que já ocorreu no passado? Por isso, seria temerário usar esta teoria para situar, hierarquicamente, culturas que ainda estariam exclusivamente no padrão matriarcal, diante de outras que já teriam atingido o patriarcal, o de alteridade ou o dinamismo cósmico. Isto só serviria para atrapalhar o uso deste enfoque simbólico para melhor compreender as três vertentes culturais mencionadas acima, no que ele se me tem mostrado ser de grande utilidade.

Uma descrição sumária em conjunto das quatro estruturas básicas e seus respectivos padrões de Consciência pode ser encontrada da página 21 à página 25, no artigo referente ao Desenvolvimento Simbólico da Personalidade.

 

5. A Implantação do Ciclo Patriarcal na Cultura Judaica. O Conflito Matriarcal - Patriarcal

Erich Neumann (1954), ao retomar a descoberta de Bachofen e descrever psico-mitologicamente "História da Consciência", empregando mitos por ele e Bachofen designados matriarcais e patriarcais, não chegou em momento algum de sua obra a se referir concretamente à História propriamente dita, como assinalou criticamente Giegerich (30). Uma das justificativas que podemos dar a Neumann é que, ao centralizar suas pesquisas nos Mitos Assírio-babilônicos e Egípcios, restringiu-se a uma área da cultura sobre a qual temos pouco conhecimento histórico e isto, naturalmente, tornou-se difícil a correlação mitológico-histórica. Outra possibilidade é que Neumann nunca abordou a correlação histórica, porque, ao escrever sobre "Origens e História da Consciência", havia pensado somente em estágios simbólico-mitológicos e nunca na História propriamente dita. Esta última hipótese talvez explique porque não se interessou em estudar sistematicamente o Velho Testamento como a maior expressão de nossa mitologia patriarcal e, por conseguinte, a de mais fácil correlação com a nossa História.

Esta Teoria Simbólica da História reconhece basicamente a descoberta de Bachofen e seu emprego por Neumann, com as ressalvas que já fizemos sobre a existência de duas fases em cada ciclo estruturante e sobre a continuação estruturante do Ciclo Matriarcal durante e após a dominância do Ciclo Patriarcal. No que tange à categorização dos mitos em matriarcais e patriarcais, porém, como dissemos acima, as ressalvas são muito mais numerosas. É que, como esta teoria introduz o Ciclo de Alteridade e o Cósmico na teorização evolutiva, a classificação dos mitos em matriarcais e patriarcais somente, leva a grandes incompreensões quanto a verdadeira função estruturante destes mitos na cultura. Mitos como o de Édipo, incluindo, sobretudo a segunda parte do Mito descrito na Antigona, de Sófocles, ou Mitos como Eco e Narciso, Os Mistérios de Elêusis, a tragédia dos Atridas incluindo a Orestéia, Eros e Psique, Teseus e Ariadne, o Mito de Palas Atenas, o Mito do segundo Dionisos e muitos outros, apesar de incluírem elementos matriarcais e patriarcais, são na realidade mitos estruturantes do padrão de alteridade na Consciência Coletiva da Cultura Grega. São mitos que quando abordam os dinamismos matriarcal e patriarcal não o fazem para empregar seus símbolos estruturantes simplesmente como tal, mas para estruturar um estado de Consciência capaz de relacionar dialeticamente, e em igualdade de condições, o Eu e o Outro e todas as polaridades entre si, inclusive as duas grandes polaridades estruturantes fundamentais que são o dinamismo matriarcal e patriarcal.

Talvez seja a Trilogia de Ésquilo, a Orestéia, a melhor expressão da cultura grega para nos exemplificar como a passagem para o dinamismo de alteridade se originou no antagonismo entre o dinamismo matriarcal e patriarcal e se transformou na sua relação dialética. Trata-se, nada mais nada menos, do que a própria transformação do julgamento patriarcal generalizado do "olho por olho, dente por dente", dentro do qual o conflito patriarcal-matriarcal não teria fim, no julgamento de cada caso individual em si, dentro do seu contexto global.

Na primeira peça da Trilogia, denominada Agamemnon, vivenciamos a tragicidade terrível do dinamismo patriarcal na repressão brutal do feminino. Aguardando os ventos da guerra que conduzirão as naus gregas para punir o amor de Helena por Paris e reconstituir o casamento patriarcal grego ultrajado, Agamemnon mata o cervo de Artemis cometendo sacrilégio no seu santuário. Hiphigênia, sua filha, é sacrificada e os ventos impulsionam os gregos para arrasar Troia.

O sacrilégio do santuário da grande deusa da caça, ou seja, a violentação ecológica é cotejado aqui com um golpe mortal no que há de mais precioso na afetividade, na anima, no carinho do próprio Rei como condição essencial do espírito patriarcal conquistador.

O feminino ferido no amor de Helena arrasado em Troia une-se à irmã-mãe Clitemnestra, que não pôde perdoar o assassino de sua filha e levanta-se para a vingança por intermédio de outro assassinato, desta vez do próprio Rei.

Electra, porém, irmã de Hiphigênia, não se conforma com a morte do pai, pois a alma de Agamemnon, ao não receber os ritos funerários, não pôde descer ao Hades. O amor agora muda de lado. Saciada a ira do mundo feminino matriarcal ultrajado, agora o princípio masculino patriarcal ferido necessita ser reconhecido e honrado como necessário e indispensável que foi no desenvolvimento da cultura. Orestes se une a Electra representando a totalidade sob nova forma e ambos investem contra Clitemnestra punindo mortalmente o princípio matriarcal vingador.

Na última peça da trilogia, as fúrias representantes do princípio matriarcal ferido serão atacadas por Apolo impiedosamente no julgamento de Orestes e ameaçarão o extermínio da própria espécie humana com mais uma vingança. A peça se chamara, porém, as Euménides ou benevolentes, pois, por intermédio da sabedoria de Palas Atenas, as fúrias ou Eurineas serão aplacadas e a retaliação fica daí por diante substituída pela convivência e interação dialética dos dois princípios fundamentais, o matriarcal e o patriarcal, já agora propiciando o desenvolvimento dos arquétipos da anima e do animus na estruturação da consciência coletiva que permitira o surgimento da democracia, do respeito da individualidade tanto quanto da coletividade e propiciara a interação criativa e dialética do conflito de opostos.

O julgamento de Orestes termina empatado. O "voto de Minerva" por intermédio do qual Palas Atenas liberta Orestes e, por conseguinte, Electra para viverem suas vidas não deve ser entendido como mais uma vitória revanchista patriarcal e sim como o início de uma nova era na qual o próprio Zeus se apresenta transformado. Palas Atenas, o feminino oriundo da cabeça de Zeus, ou seja, do Logros da própria divindade diminuíra a dominância de Apolo e reassegurara o resgate do mundo matriarcal e o seu culto permanente outra vez em solo grego. Esta inovação introdutória da interação matriarcal-patriarcal no padrão de alteridade permitiu aos jovens irmãos Orestes e Electra, sobreviventes da tragédia original, buscarem um novo andrógino, um novo quatérnio hermafrodita, um novo coniunctio para cada um, já agora libertos da problemática do hermafrodita parental que lhes deu origem.

Trata-se de tal inovação cultural que incluirá não somente uma nova forma de se conceber o amor, a justiça e a verdade como também até mesmo uma nova forma da natureza humana ultrapassar o incesto. Este santuário das Erineas transformadas em Euménides representa o resgate do feminino e o mesmo que será visitado pelo Édipo de Sófocles que quando guiado por Antígona atingira a santificação em Atenas. O incesto que, depois da homossexualidade de Laios, não pode mais ser resolvido pela repressão patriarcal, encontra no resgate do matriarcal e na sua dialética com o masculino no padrão de alteridade uma forma muito mais criativa e eficiente para ser elaborado.

A esfinge oriunda da família monstruosamente incestuosa da serpente Echidna está ligada à homossexualidade de Laios e à decadência da unilateralidade do padrão patriarcal. Édipo acredita poder bani-la e ao incesto laçando-a aos abismos por intermédio da formulação do enigma do desenvolvimento existencial por intermédio do Logos. Este caminho mostra-se, porém, ineficiente, e Édipo, em vez de se livrar do incesto, afunda nele irremediavelmente. Somente após sua imensa tragédia e que Édipo descobrira o novo caminho da cultura ao purificar-se no santuário das grandes deusas mães. E o fato de reconhecê-las e respeitá-las que as apazigua e transforma em benevolentes sem o que o padrão patriarcal não pode realmente ser transcendido.

A abordagem da transição da dominância patriarcal para a de alteridade, por estar muito mais próxima de nossa problemática e, por isso, conter dados históricos abundantes para sua demonstração, ilustrara melhor esta Teoria Mitológica da Historia do que o confronto matriarcal-patriarcal sobre o qual trabalharam Bachofen e Neumann.

O Velho testamento expressa a implantação do padrão patriarcal na Cultura Judaica e o início de sua implantação expressa, como seria de se esperar, um conflito patriarcal-matriarcal. O início da implantação apresenta o conflito evolutivo mitológico como um conflito entre Judeus e Egípcios, mas a crise máxima deste conflito, no episódio da adoração do bezerro de ouro no deserto, ocasionando a quebra das primeiras Tábuas da Lei, nos demonstra de forma exuberante que o conflito mitológico-cultural ocorreu também dentro da Cultura Judaica. De fato, nem teria cabimento colocar a Cultura Judaica como representante do padrão patriarcal e a Egípcia, do matriarcal, pois a própria Mitologia Egípcia nos mostra intensa e extensamente a transição matriarcal-patriarcal, e também de alteridade, nos mitos de Ísis, Osíris, Set e Horus. Quero frisar que a transição da dominância matriarcal-patriarcal ocorreu, como expressa o Velho Testamento, também dentro da Cultura Judaica. Este fato nos permite acompanhar o Ciclo Patriarcal nas raízes judaicas de nossa Cultura Ocidental e atestar a radicalidade da sua implantação e unilateralidade do seu desenvolvimento frente ao seu Ciclo matriarcal. Este radicalismo na implantação do Ciclo Patriarcal e fundamental para que possamos compreender porque nosso Ciclo de Alteridade necessitou de um Mito Messiânico tão pujante para sua implantação, contrariamente, por exemplo, a Cultura Hindu na qual, por exemplo, a contribuição do Budismo na implantação do padrão de alteridade e cósmico se enraíza nos Vedas e Upanishads que já apresentavam inúmeros elementos pós-patriarcais de alteridade.

Cada ciclo do desenvolvimento tem a finalidade de estruturar a Consciência Individual e Coletiva com um determinado padrão de relacionamento do Eu com o Outro. Os ciclos simbólicos estruturantes não se diferenciam entre si pela presença deste ou daquele Símbolo, desta ou daquela função psíquica, e sim pelo padrão que rege a estruturação e que orientara o relacionamento do Eu e do Outro na Consciência por ele estruturada. O padrão patriarcal funciona com uma discriminação muito mais rígida e maniqueísta dos polos de cada símbolo do que o padrão matriarcal. Por isso, em todo padrão patriarcal de qualquer cultura ou personalidade vamos sempre encontrar um grau determinado de rigidez na colocação dos limites de suas discriminações. Esta rigidez expressa o grau do componente repressivo sempre presente, que traz consigo uma maior ou menor eletrização na discriminação dos polos dos Símbolos. Isto quer dizer que a estruturação ca Consciência pelo padrão Patriarcal se faz sempre por intermédio de uma determinada repressão em nome de uma lei e ordem abstratas, que fazem com que a Consciência Individual ou Coletiva seja codificada e organizada de forma relativamente repressiva e elitista no relacionamento do Eu e do Outro. Enquanto que, nas discriminações matriarcais, a conotação simbólica de se assenhorizar de coisas alheias, por exemplo, pode variar intensamente já nas discriminações patriarcais isto tende a ser sempre considerado delito grave e punido severamente. Há sempre uma tendência a separar nitidamente o que é o Eu e o que é o Outro, bem como a separar nitidamente os polos antitéticos dos símbolos estruturantes e a codificá-los de forma elitizada. Na Cultura Judaica, esta codificação foi levada a um grau muito intenso, o que situado no contexto dos demais símbolos estruturantes do Velho testamento, denota a existência de um componente patriarcal repressivo muito rígido para levá-lo a cabo. Um determinado componente repressivo e sempre necessário para levar a cabo qualquer discriminação patriarcal, pois, caso contrário, o fluxo da vida psíquica, permanentemente criativo e indiscriminado, facilmente a reindiscrimina. O dinamismo patriarcal impressionou tanto Freud que sua obra, apesar de partir da pesquisa científica que é baseada no padrão de alteridade, descreveu os processos inconscientes quase que exclusivamente dentro da teoria da repressão. Os desejos inconscientes, muitos dos quais operando dentro do dinamismo matriarcal, teriam que ser necessariamente reprimidos. Podemos associar esta identificação de Freud com o dinamismo patriarcal e sua essência repressiva sobre o inconsciente com certa desesperança e pessimismo que permeia sua obra "O Mal-Estar na Civilização", e que talvez tenha uma explicação no fato de um gênio, com um grande ideal humanista, não ver outra sadia para a civilização a não ser pela repressão incompatível com o padrão democrático e científico de alteridade.

Um símbolo estruturante dos mais exemplificativos desta codificação patriarcal são as Tábuas da Lei do Velho testamento. Elas expressam uma discriminação de opostos na Consciência típica dos símbolos estruturantes atuando no Self Cultural por intermédio do Arquétipo do Pai. Estas características típicas de estruturação patriarcal são a grande abstração, a generalização, a eletrização, a abrangência temporal e o componente repressivo nas discriminações. A grande abstração nos fala, por exemplo, de "Amar a Deus sobre todas as coisas". Não especifica que coisas. São coisas de um modo geral (abstração) e sem qualquer exceção (generalização). A característica repressiva emana da conotação imperativa de toda generalização, das proibições e da denominação de "mandamentos" dada as discriminações. A abrangência temporal vem do infinitivo e da generalização. Não e preciso especificar, por quanto tempo. Em nenhum mandamento figura a palavra sempre, porém ninguém tem a menor dúvida, ao lê-los, que se trata de dogmas para todo o sempre. A eletrização na discriminação resulta da própria codificação repressiva que engloba a codificação ética e dogmática, pré-estabelecendo que muitas polaridades devem ser favorecidas e outras tantas desfavorecidas. No mandamento "respeitar pai e mãe", por exemplo, se estabelece uma tal "mais valia" no uso do poder, ou seja, uma tal assimetria elitista no relacionamento entre as duas principais relações, entre os jovens e os velhos, isto e, entre dois dos principais grupos da sociedade, que inúmeros setores dos costumes e das leis foram rigidamente discriminados a partir desse mandamento. O fato de os mandamentos serem gravados na pedra por Deus são também, simbolicamente, significativos de sua proposta de duração eterna, de verdade absolutamente dogmática, de invariabilidade e de intransigência. As Tábuas da Lei e a jurisprudência talmúdica me parecem um grande exemplo da ligação entre o estabelecimento da linguagem escrita e a dominância do dinamismo matriarcal.

O símbolo estruturante das Tábuas da Lei, sem dúvida, central no estabelecimento da dominância patriarcal no Self Cultural Judaico, deve, porém, ser abordado dentro da viagem heroica por intermédio do deserto, em busca da Terra Prometida, que é, em si própria, a transformação da Consciência Coletiva, da dominância matriarcal para a patriarcal. Contudo, esta própria viagem, cheia de frustrações e de "desmames" sem conta da fertilidade do seio prazeroso, sensual e propiciador da fertilidade da Grande Mãe regente do Ciclo Matriarcal, e um gigantesco símbolo estruturante encadeado em muitos outros com os quais forma o grande mito patriarcal do Velho Testamento.

O próprio relato da criação do mundo e, sobretudo, da mulher criada a partir do homem, já nos sugere fortemente a dominância do dinamismo patriarcal. A sadia do Paraíso inconsciente, repressivamente, na qual o próprio símbolo do conhecimento e estruturado junto com a codificação do bem e do mal, do certo e do errado, reforçam esta noção. A corrupção da humanidade punida pelo dilúvio, seguido da destruição de Sodoma e Gomorra pelo fogo, confirma não só a estruturação patriarcal do Self Cultural, exuberantemente por intermédio de símbolos estruturantes cósmicos, como confirma, também, a intensidade e a radicalidade dessa estruturação que será reconfirmada, muitas vezes por intermédio do Velho Testamento, na tendência punitiva extrema, e até mesmo genocida, do Deus Patriarcal, com a qual tem que se haver muitas vezes o herói implantador do novo padrão para garantir a sobrevivência do seu povo. Este componente genocida visto como símbolo estruturante da Consciência Coletiva sugere que a constelação da ação estruturante do Arquétipo do Pai e aqui tão intensa, que sua implantação atinge níveis ameaçadores de desintegração do próprio Self Cultural. E este perigo que torna a ação heroica implantadora do novo padrão aparentemente ambígua, pois a tarefa heroica deve desempenhar a implantação dos novos símbolos e ao mesmo tempo proteger o seu povo do próprio Deus que a promove, ou seja, da estrutura arquetípica que promove a implantação. Esta característica de radicalismo do padrão patriarcal influencia fundamentalmente a Historia de um povo, pois ela lhe predispõe intensamente a polaridade guerra-submissão ao martírio e ao genocídio.

O Senhor disse a Moisés: Vai, desce porque corrompeu-se o teu povo que tiraste do Egito. Desviaram-se depressa do caminho que lhes prescrevi; fizeram para si um bezerro de metal fundido, prostraram-se diante dele e ofereceram-lhes sacrifícios dizendo: Eis o Israel o teu Deus que te tirou do Egito. Vejo, continuou o Senhor, que este povo tem a cabeça dura. Deixa pois que se acenda minha cólera contra eles e os reduzirei a nada; mas de ti farei uma grande nação. Moisés tentou aplacar a ira do Senhor dizendo-lhe: Por que, Senhor, se inflama a vossa ira contra o vosso povo que tiraste do Egito com o vosso poder e a forca de vossa amo? [...] E o Senhor se arrependeu das ameaças que tinha proferido contra o seu povo (Ex 32:7-14).

Os símbolos estruturantes patriarcais, que se seguem, são altamente significativos e se centralizam na busca da terra que e prometida e na qual se formara a "grande nação". Percebe-se como sendo de fundamental importância a união do conceito de construção de uma "grande nação", de "terra prometida" e de consciência patriarcal formando uma coisa só no Self Cultural de um povo. A estruturação do ciclo patriarcal com estas características nos permite compreender a importância extraordinária que os símbolos patriarcais ocupam na cultura Judaica. Outros dois símbolos estruturantes básicos vêm reforçar, ainda mais, esta cadeia simbólica estruturante. Trata-se da dispensa do sacrifício de Isaac e da circuncisão.

O sacrifício de Isaac deve ser percebido, para esta argumentação, a luz do símbolo estruturante Isaac, como filho único da velhice de Sarah e do patriarca Abraão. A idade de 99 anos na qual Abraão concebeu Isaac também e numericamente simbólica e sugestiva por ser o último ano antes do número 100, o que nos dá a noção de final e de totalidade. A geração de Isaac, a estruturação patriarcal social da propriedade da terra e a circuncisão estão vinculadas como símbolos estruturantes inseparáveis no Mito.

Abraão tinha 99 anos. O senhor apareceu-lhe e disse-lhe:

Eu sou o Deus Todo Poderoso. Anda em minha presença e sê integro: quero fazer aliança contigo e multiplicarei ao infinito a tua descendência. Abraão prostrou-se com o rosto por terra. Deus disse-lhe: este é o pacto que faço contigo: serás o pai de uma multidão de povos. De agora em diante não te chamaras mais Abrão, e sim Abraão, porque farei de ti o pai de uma multidão de povos. Tornar-te-ei extremamente fecundo, farei nascer de ti nações e terás reis por descendentes. Faço aliança contigo e com tua posteridade, uma aliança eterna, de geração em geração para que eu seja o teu Deus de tua posteridade. Darei a ti e a teus descendentes depois de ti, a terra em que moras como peregrino, toda a terra de Canaã em possessão perpétua e serei o teu Deus. Deus disse ainda a Abraão: Tu, porém, guardaras a minha aliança, tu e tua posteridade nas gerações futuras. Eis o pacto que faço entre mim e vós e teus descendentes e que tereis que guardar: todo homem dentre vós será circuncidado. Cortareis a carne de vosso prepúcio e isso será o sinal da aliança entre mim e vós... Assim será marcado em nossa carne o sinal de minha aliança perpétua. O varão incircunciso do qual não se tenha cortado a carne do prepúcio será exterminado do povo por Ter violado a minha aliança (Gen 17:1-14).

Esta passagem plena de símbolos estruturantes intensamente significativos une descendência patriarcal, posse de terra, herança patrilinear, obediência e circuncisão, sob pena de eliminação. Compreende-se disto muita coisa, inclusive porque Freud reduziu o importantíssimo símbolo estruturante de aniquilamento existencial ao Complexo de castração. A ameaça de castração, como todos os símbolos estruturantes, pode ser vivenciada em qualquer dinamismo estruturante. E sobejamente conhecida em mitologia a castração dos jovens deuses Atis, Osiris, Tamuz e Adonis, associada aos rituais de fertilidade Grande Mãe. No caso do Velho testamento, porém, este símbolo estruturante expressa o Arquétipo do Pai, porque está associado com uma ameaça relacionada com a obediência a um código ético abstrato e não com o princípio da fertilidade. O fato de Freud tê-lo articulado somente com o Complexo de Édipo, ou seja, como casal parental, já discriminado numa nítida estrutura patriarcal de papéis conjugada ao poder ameaçador da autoridade do pai, regulando o tabu de incesto pela repressão, mostra o quanto Freud edificou sua Psicologia basicamente dentro do padrão patriarcal, o que explica o redutivismo dos símbolos a esse padrão tão frequente em sua obra.

Quando chegaram ao lugar indicado por Deus, Abraão edificou um altar. Colocou nele a lenha, amarrou Isaac, seu filho, sobre o altar em cima da lenha. Depois estendendo a amo, tomou a faca para imolar o seu filho. O anjo do Senhor, porém gritou-lhe do céu: - Abraão, Abraão! - Eis-me aqui. - Não estendas a tua mão contra o menino e não lhe faças nada. Agora eu sei que temes a Deus, pois não me recusastes o teu próprio filho, o teu filho único (Gen 22:9-12).

Reduzir esta passagem simplesmente a um complexo filicida de Abraão por competição do pai com o filho, e reduzir a Psicologia Coletiva à Psicologia Individual é reduzir a cultura ao complexo de Édipo familiar patriarcal e não perceber a função estruturante do sacrifício de Isaac no Self Cultural. Ao ver este sacrifício como símbolo estruturante da implantação do padrão patriarcal, percebemos que se trata da repressão do Arquétipo do Filho em cada homem para submetê-lo, obediente e domesticado, ao desempenho patriarcal. A circuncisão, assim, lhe acompanhara sempre no seu órgão reprodutor associando desobediência a Deus com ameaça de castração e de morte ao lhe relembrar o que teria acontecido a Isaac se Abraão não houvesse demonstrado obediência absoluta.

Este pacto feito entre Deus e Abraão, no qual foi contratado o nascimento de Isaac, nos mostra muito sobre o símbolo estruturante Isaac, e nos permite compreender o significado de evitar o seu sacrifício em troca da obediência, na estruturação patriarcal da obediência como condição de sobrevivência, sendo a circuncisão a marca física deste contrato. Trata-se nada mais nada menos que obediência ou morte, pacto presente no pênis de cada homem e no batismo de cada novo descendente. Isaac e o único herdeiro, não só dos bens, como da liderança e da transmissão da tradição. Morto ele, não haveria tempo, nem condições, para gerar outro e a própria linha de continuidade da implantação patriarcal seria interrompida. A morte de Isaac representaria simbolicamente o próprio genocídio da grande nação israelita na sua raiz. E esta vida que e pedida em sacrifício pelo Deus Patriarcal e que é poupada após ter sido dada. O sacrifício poupado de Isaac se torna assim o símbolo estruturante da obediência que assume papel dos mais centrais na implantação patriarcal. A obediência sem contestação, que é a consequência do autoritarismo dogmático e, por isso, e uma das condições essenciais para o funcionamento do dinamismo patriarcal, e aqui, porém, levada ao auge de importância.

Não devemos identificar de forma alguma o Judaísmo moderno como dinamismo patriarcal, pois modernamente tanto o Judaísmo quanto o Cristianismo apresentam uma dialética própria entre os dinamismos matriarcal, patriarcal e de alteridade. Refiro-me, aqui, somente à constelação histórica do dinamismo patriarcal na Cultura Judaica e o posterior surgimento histórico do dinamismo de alteridade com o Cristianismo. Após a dissociação do Self Cultural do Ocidente, concomitante à Inquisição, a dominância do dinamismo patriarcal no Cristianismo se tornou tão essencial quanto a sua proposta de busca de alteridade.

A radicalidade da implantação deste Ciclo patriarcal representada pelos símbolos do Velho Testamento trouxe uma rígida codificação de discriminação a Consciência Coletiva, dentre as quais uma intensa codificação elitizada entre o homem e a mulher. Sabemos hoje que a mulher tem as polaridades Yang e Yin, masculino e feminino, tanto quanto o homem e que por isso todo casal forma uma relação quaternária e não binária. Esta é, porém, uma aquisição da Consciência de Alteridade. O padrão patriarcal codifica rigidamente as polaridades e, ao fazer isso, reduz os símbolos a determinadas polaridades e a elas se atém para melhor poder executar sua rígida discriminação. A mais importante discriminação patriarcal, e que é, por isso, executada com maior poder repressivo e elitizante, é a discriminação patriarcal-matriarcal. Qualquer elemento matriarcal como rituais de fertilidade, adoração de ícones, rituais mágicos, supersticiosos ou adivinhatórios, bem como os cultos femininos de um modo geral, se tornam absolutamente tabus. Até mesmo animais ligados às divindades matriarcais como, por exemplo, o porco, podem ser proibidos na alimentação, como pode ter sido o caso na Cultura Judaica.

A importantíssima discriminação homem-mulher, fundamental em qualquer processo de formação de identidade, do Eu e do Outro, quer no processo de desenvolvimento individual, quer cultural, se torna, por isso, no Ciclo Patriarcal, a principal polaridade estruturante, devido principalmente as características biológicas de reprodução da mulher e da dependência do recém-nascido que a tornaram desde tempos imemoriais um dos maiores símbolos estruturantes do feminino e do matriarcal na Psique de cada mulher e de cada homem. Este verdadeiro equacionamento da mulher com o matriarcal e do homem com o patriarcal, que reduz o quatérnio homem-mulher à díada homem-mulher restringe a mulher ao codificá-la como o principal símbolo estruturante matriarcal e a reprime a seguir, intensamente, ao estabelecer a discriminação patriarcal-matriarcal radical.

Neumann e Bachofen não perceberam a permanência do dinamismo matriarcal, após a implantação do patriarcal, por desconhecerem o Ciclo de Alteridade, mas também devido ao fato do dinamismo matriarcal ser intensamente reprimido no Self Cultural na vigência de um Ciclo Patriarcal radical, o que dá frequentemente ao pesquisador a impressão de que o dinamismo matriarcal normalmente desaparece. Parece-me que o pesquisador, nesses casos, tanto no campo mitológico quanto psicológico, quando já não está, fica fascinado pelo dinamismo patriarcal. Ao estudar sua luta com o dinamismo matriarcal, o observador pode se identificar com o padrão patriarcal e passar daí por diante a identificar a essência do progresso com o predomínio patriarcal. Do fascínio à possessão é um passo, e há pesquisadores que se tornam vítimas de verdadeira possessão pelo Arquétipo do Pai, passando a idealizá-lo e denominar primitivo, selvagem, infantil ou regredido qualquer manifestação do padrão matriarcal. Quando o pesquisador vem de uma cultura predominantemente patriarcal, o fator etnocêntrico tem geralmente sua origem nessa identificação com o dinamismo patriarcal.

O fato de, frequentemente, em certas famílias, a mãe mandar no lar e nos filhos, por exemplo, não nos obriga a ver nisso uma dominância matriarcal, porque, nesses casos, a mãe pode estar educando por intermédio da lei patriarcal e não matriarcal. Seria uma grande limitação confundir a mulher com o matriarcal e o homem com o patriarcal, apesar disto ser a tendência natural no dinamismo da consciência patriarcal. Apesar de nesses casos a mãe se tornar autoritária, isso não quer dizer que ela esteja realizando pessoalmente ou que esteja conscientemente atuando no dinamismo matriarcal. Pelo contrário, no mais das vezes, o que vemos no caso da mãe autoritária na família patriarcal é que ela exerce seu autoritarismo como um comandante patriarcal de saias, em detrimento do seu desenvolvimento como mulher. O que observamos também muitas vezes em famílias intensamente patriarcais é a constelação simbólica do Arquétipo da Grande Mãe de forma tão negativa, que a mãe atua de forma pejorativa o símbolo matriarcal estruturante, seja por intermédio da possessividade da mãe superprotetora, vítima e santa, seja por intermédio da rejeição da mãe terrível e bruxa. Nesses casos, também, o que observamos, não é a mãe pessoa que atua, pois esta é geralmente submissa e cumpridora dos mandamentos patriarcais, mas a mãe tornada símbolo estruturante do Arquétipo da Grande Mãe reprimido e ferido tão intensamente, que a transforma na mãe frustrada que, muitas vezes sem querer e, até pelo contrário, se esforçando muito para ser boa mãe, se transforma no símbolo estruturante matriarcal central da neurose ou psicose dos seus filhos. Isto, porém, é secundário ao fato da mulher mandar ou não em casa.

A atividade repressiva do padrão patriarcal sobre o matriarcal que expressa a intensidade da radicalização da implantação do Ciclo Patriarcal na Cultura Judaica está expressa, também exuberantemente, no episódio da quebra das primeiras Tábuas da Lei por Moisés.

Vendo que Moisés tardava em descer da montanha... Abraão tomou o ouro em suas mãos e fez dele um bezerro de metal fundido. Então exclamaram: - Eis, ó Israel, o teu Deus que te tirou do Egito... O Senhor disse a Moisés... - Deixa pois que se acenda minha cólera contra eles e os reduzirei a nada... (Moisés) -Aplaque-se vosso furor... -E o Senhor se arrependeu... Moisés desceu da montanha segurando nas mãos as duas Tábuas da Lei que estavam escritas dos dois lados, sobre uma e outra face. Eram obras de Deus e a escritura nelas gravada era a escritura de Deus... Aproximando-se do acampamento viu o bezerro e as danças. Sua cólera se inflamou, arrojou de suas mãos as Tábuas e quebrou-as ao pé da montanha. Em seguida, tomando o bezerro que tinham feito, queimou-o e esmagou-o até o reduzir a pó que lançou na água e fez beber aos israelitas... Moisés viu que o povo estava desenfreado... Venham a mim todos aqueles que são pelo Senhor. Todos os filhos de Levi se ajuntaram em torno dele. Ele disse-lhes: -Eis o que diz o Senhor, o Deus de Israel: Cada um de vós meta a espada sobre sua coxa. Passai e repassai por intermédio do acampamento de uma porta a outra e cada um de vós mate o seu irmão, o seu amigo, o seu parente. Os filhos de Levi fizeram o que ordenou Moisés e cerca de três mil homens morreram naquele dia ante o povo (Ex 32:1-29).

Vivenciamos nesses símbolos o ressurgimento do padrão matriarcal em plena transformação do Self Cultural durante a implantação patriarcal. Este ressurgimento matriarcal antipatriarcal está claramente expresso na adoração do bezerro de ouro, símbolo aqui de sensualidade, fertilidade e fausto, com sacrifícios e danças claramente indicativos de um festival matriarcal. O padrão matriarcal emergente foi de poder tão intenso que indiscriminou as discriminações patriarcais, indiscriminação essa terrivelmente expressa na quebra das Tábuas da Lei, ou seja, na indiscriminação da essência do poder estruturante patriarcal, aqui simbolizado pelo próprio dogmatismo da linguagem escrita. A reação a esta indiscriminação foi tão violenta que tangenciou o genocídio e se expressou provavelmente no que terá sido uma guerra civil de grandes proporções fratricidas, expressando simbolicamente o massacre repressivo do padrão matriarcal como condição da implantação cultural da radicalidade do padrão patriarcal proposto.

A História da Cultura Judaica é plena de episódios e fases de ressurgimento do padrão matriarcal por intermédio da adoração de ícones, práticas supersticiosas e mágicas, quando não diretamente por intermédio do sacrifício às divindades matriarcais da natureza por rituais de fertilidade politeístas, como, por exemplo, o deus Baal dos Cananitas.

No trigésimo oitavo ano de Asa, Rei de Judá, Acab filho de Amri, tornou-se rei de Israel e reinou vinte e dois anos sobre Israel em Samaria. Acab filho de Amri fez o mal aos olhos do Senhor e mais ainda que todos os seus predecessores. Como se não lhe bastasse o andar nos pecados de Jeroboão, filho de Nabat, desposou ainda Jezabel, filha de Etbaal, rei dos Sidônios e chegou até a render culto a Baal, prostrando-se diante dele. Erigiu um altar a Baal no templo que lhe edificou em Samaria. Acab fez também a Assera e Acab irritou o Senhor, Deus de Israel, mais ainda que todos os seus predecessores no trono de Israel (I Reis 16 29-33).

Estes eventos e fases de ressurgimento matriarcal, porém, nunca chegaram a influenciar significantemente o Self Cultural Judaico que sempre continuou a se estruturar dominantemente pelo dinamismo patriarcal radical, aperfeiçoando, século após século, a sabedoria talmúdica, por intermédio da linguagem escrita, com discriminações cada vez mais minuciosas e abrangentes do Logos patriarcal "transcendente, onipresente e onisciente" de inspiração monoteísta.

 

6. O Mito Cristão e o Ciclo de Alteridade na Cultura Ocidental

O início da implantação do Ciclo de Alteridade pelo Mito Cristão na Cultura Ocidental coincide com o início de nosso calendário, o que bem expressa a ocorrência de uma nova era. A pujança do Mito Cristão, sua imensa riqueza em símbolos estruturantes e sua influência histórica, fácil e abundantemente demonstrável, durante dois mil anos, o tornam uma ilustração exuberante para esta Teoria Simbólica da História. A enorme deformação do Mito por sua patriarcalização defensiva e reacionária na Inquisição, que levou a grande dissociação do Self Cultural do Ocidente após o Renascimento, torna o funcionamento histórico estruturante deste Mito um exemplo, também muito ilustrativo, do que é a patologia do Self Cultural vista a partir de uma Antropologia Simbólica.

A própria implantação do radicalismo patriarcal determinou possivelmente tal sofrimento do Self Cultural, que condicionou, após a implantação patriarcal assegurada, o surgimento de símbolos estruturantes messiânicos no Velho testamento e em numerosos escritos apócrifos da religião judaica. O Novo Testamento e a paixão de Cristo foram, assim, a principal manifestação messiânica a partir do Velho Testamento, mas de forma alguma a única (BRIERRE-NARBONNE, 1933).

Os símbolos estruturantes do Novo Testamento quando percebidos dentro da conceituação do Eixo Ego-Self expressam, sem sombra de dúvida, um padrão de estruturação da Consciência muito diferente do padrão patriarcal e que, ao mesmo tampo, não coincide com o padrão matriarcal. Percebem-se componentes matriarcais e patriarcais interagindo num padrão de consciência muito mais diferenciado e desenvolvido que o padrão matriarcal e patriarcal. Denominei-o padrão de alteridade (alter = outro) porque nele a Consciência se torna capaz pela primeira vez de perceber o Outro como a si mesma, ao mesmo tempo em que se percebe e ao Outro como expressão do todo. Alteridade não é simplesmente um padrão igualitário de relacionamento do Eu com o Outro isoladamente, mas do Eu com o Outro relacionados significantemente, ou seja, conscientemente dentro do processo de transformação do todo. Na vivência da alteridade o Eu se torna capaz de vivenciar a dualidade na unidade. No padrão de alteridade, o relacionamento do Eu e do Outro inclui, simultaneamente, o elemento erótico aglutinador do dinamismo matriarcal e o elemento dogmaticamente discriminador do dinamismo patriarcal no qual a identidade e a separação do Eu e do Outro são claramente mantidas na Consciência. O relacionamento igualitário e dialético do Eu e do Outro é orientado pela relação da Consciência com o todo processual. O padrão de alteridade, como qualquer outro padrão estruturante, é, assim, inseparável do contexto evolutivo. Contudo, enquanto que nos padrões parentais (matriarcal e patriarcal) o todo é percebido coordenando a relação do Eu com o Outro por intermédio do desejo ou necessidade de sobrevivência e vitalidade (matriarcal), ou de subordinação à lei tradicionalmente revelada e dogmatizada, para o desempenho de tarefas abstratamente codificadas (patriarcal), na alteridade o Eu se relaciona com o Outro igualmente e desse relacionamento percebe criativa e dialeticamente o desenvolvimento processual do todo, passando a se tornar coautor consciente e corresponsável por sua História.

A importância do reconhecimento da existência do padrão de alteridade, como um desenvolvimento do Self Cultural além do padrão patriarcal, não pode ser subestimada. Podemos dizer que os grandes problemas do Self Cultural do Ocidente e, por intermédio de sua influência cultural do mundo moderno, dependem dessa problemática e abrangem todas as suas dimensões culturais.

A Física Moderna desenvolve-se cada vez mais no padrão de alteridade, por intermédio do qual o espaço é vivenciado como um Outro que, percebido simbolicamente, tem formas possivelmente tão variáveis quanto às da própria Consciência. O desafio da Física moderna é estudar um Espaço que se revela à Consciência de forma tão criativa quanto ela própria. Para tal é necessário que a consciência abra mão de um posicionamento fixo entre o Eu e o Espaço dentro do qual se revela o conhecimento, ou seja, é necessário que a Consciência possa perceber o Espaço não como um Outro objetivo, fixo e separado inteiramente do Ego, mas também como símbolo estruturante capaz de revelar permanentemente o Outro, à medida que transforma e estrutura o Eu. Assim sendo, o desafio da Física moderna ao cientista é também metodológico e epistemológico, pois não se trata somente do equacionamento do Outro, como na Física Clássica, mas também da percepção da transformação do Eu e seus novos posicionamentos adquiridos à medida que o Eu conhece cada vez melhor o Outro. Paralelamente ao desenvolvimento do conhecimento objetivo, cresce também o conhecimento subjetivo por intermédio de confrontar o próprio espaço como símbolo estruturante. O desenvolvimento da Ciência, assim, torna-se inseparável do desenvolvimento de uma determinada mentalidade. O grande sonho de Einstein, de unir a micro e a macrofísica, ou seja, de inter-relacionar o campo eletromagnético e o gravitacional, é também uma problemática típica da alteridade. O esforço de Einstein ilustra o desenvolvimento da consciência buscando perceber a interrelação dialética de polos complementares, e aparentemente excludentes, como expressão simbólica bipolar de um todo processual.

Duas das grandes linhas de desenvolvimento da Medicina Moderna dependem basicamente do desenvolvimento da Consciência de alteridade. A relação Psique-Soma se mostra a principal responsável pela patologia de um sem número de casos clínicos que perambula pelos consultórios do mundo inteiro com diagnósticos de somatização e distúrbios vegetativos, a maior parte dos quais passa a ser reprimida patriarcalmente, cedo ou tarde, por tranquilizantes. Qualquer clínico moderno admite francamente que uma grande, se não a maior parte dos seus casos cardiovasculares, gastrointestinais, pneumológicos, reumatológicos ou dermatológicos depende de um relacionamento Psique-Soma que o ensino médico começa relutantemente a admitir. Para abordarmos o relacionamento Psique-Soma de forma conjunta, necessitamos perceber as funções do corpo como símbolos estruturantes expressando o Self Individual e isso somente conseguiremos plenamente ao exercer, conscientemente, o dinamismo de alteridade. A relação Psique-Soma aguarda o desenvolvimento da Medicina em direção a uma maior percepção simbólica do corpo, na qual será reconhecido para cada órgão um funcionamento normal e patológico, com componentes subjetivos e objetivos. A percepção simbólica plena do Outro, que no caso é o Soma, depende do Eu atingir a posição de alteridade. O mesmo acontece na imunologia, na qual, para se vivenciar o modelo dialético antígeno-anticorpo na saúde e na doença como expressão do Self Individual nos símbolos estruturantes corporais, se torna necessário operar na consciência dialética de alteridade.

Percebe-se assim, claramente, que o desafio do médico e de qualquer outro cientista moderno não é só o do crescimento linear do seu saber, e sim do crescimento circular deste por intermédio do qual mudam o Eu e o Outro. Assim, nos abrimos para permitir ao Outro uma relação dialética com qualquer Outro que lhe apareça como oposto. A relação doença-saúde, sintoma-organismo, vista simbolicamente, passa a ser considerada expressão do todo psicossomático que é o Self Individual e Cultural. O sofrimento do doente, visto como símbolo estruturante necessita, então, ser relacionado também com todo o corpo, com a personalidade, com a sociedade, com a ecologia e com a cultura, que em última instância o engloba. Este relacionamento não poderá ser compreendido somente dentro do princípio da causalidade, pois todo sintoma, a nível simbólico, terá sempre inúmeras causas. Neste caso, o modelo médico passa a fazer parte do modelo do processo de desenvolvimento simbólico da personalidade. O sintoma, nesse caso, necessita ser visto também dentro do princípio da sincronicidade que permitirá à Consciência não se limitar a uma ou duas causas somente, mas permanecer aberta operativamente para todas elas. Esta abertura operativa do médico para o sintoma, do religioso para o pecado, do político para a disfunção social, do cientista para o erro, do educador para a inadequação da criança, só pode ser atingida no dinamismo da alteridade, posto que no dinamismo patriarcal o Eu e o Outro são codificados restritivamente, o que impede o Ego de perceber o Outro como símbolo estruturante, e no dinamismo matriarcal o Eu lida com o Outro mágica ou esotericamente, o que impede seu relacionamento igualitário e dialético.

Tivesse Alexandre Fleming simplesmente repreendido seu ajudante e mandado jogar fora a placa de cultura contaminada pelo cogumelo penicillium, e a era dos antibióticos teria demorado um pouco mais. Nesse caso, ele teria agido patriarcalmente em função da pré-codificação, segundo a qual a contaminação seria somente indevida e nefasta. Foi sua abertura científica para o padrão de alteridade que lhe permitiu dar espaço ao Outro e perceber junto ao aspecto negativo da placa contaminada também algo positivo. Com isso, transformou-se a identidade do Outro-Cogumelo, mas também do Eu-Médico. Nunca mais os médicos foram os mesmos no seu posicionamento frente ao universo bacteriano.

A problemática político-econômica do mundo moderno depende, como as demais acima mencionadas, do desenvolvimento da Consciência de Alteridade. As ideologias políticas e econômicas buscam modelos de interação dialética nas quais política e economicamente as polaridades participem do poder. Até mesmo as limitações patriarcais da praxis desta busca, como as diferentes ditaduras do proletariado, passam a ser vistas como o movimento histórico em direção à alteridade. Da mesma forma que a Consciência de Alteridade na Medicina depende da percepção simbólica do corpo, na Economia Política ela dependerá da percepção simbólica das fontes de produção e detenção da riqueza como expressão do Self Cultural. Cada vez nos damos mais conta que o desenvolvimento material e tecnológico unilateral, que não leva em conta o ser humano como um todo, pode se tornar alienante e danificante. A percepção da transformação, almejada não somente como uma mudança econômica, mas como uma alteração de todas as discriminações da Consciência Coletiva, é que nos permitirá reunir o materialismo histórico de Marx com o pensamento histórico-religioso de Hegel, ultrapassando a dicotomia idealista-materialista tão nefasta a compreensão dos símbolos estruturantes do Self Cultural.

O difícil não é geralmente uma compreensão superficial do que seja alteridade, pois o padrão amoroso, criativo e democrático de relacionamento é algo que no mundo moderno todo mundo acha que mesmo quando não pratica, pelo menos sabe o que é. O difícil é tentarmos compreender profundamente o que é a alteridade como um padrão evolutivo e histórico da Consciência que somente é possível a partir de uma sólida estruturação matriarcal e patriarcal. O imediatismo histórico, que relaciona a problemática individual e cultural somente ao passo imediato, produz explicações mais lógicas e acessíveis à Consciência, pela explicação causalista e redutivista, mas ao preço da alienação do Self Cultural, que estende suas raízes dentro do passado distante para se nutrir nos símbolos estruturantes de mitos milenares.

É necessário o funcionamento da Consciência no padrão de alteridade para se compreender como os grandes movimentos sociais modernos se inspiram diretamente, ou estão intensamente influenciados, pelo Mito Messiânico de Alteridade do Novo Testamento, no Ocidente, ou pelo Hinduísmo, Budismo ou taoismo, no Oriente, na medida em que lutam ao mesmo tempo pelo resgate do reprimido e pela interação democrática da polaridade resgatada com o todo-social. As reivindicações das minorias étnicas, a reformulação da atitude frente à loucura e ao inconsciente, o movimento de liberação da mulher, o movimento pelo reconhecimento da homossexualidade e uma grande parte da imensa transformação sociopolítica dos séculos XIX e XX são exemplos da implantação institucional da ação milenar dos símbolos estruturantes da alteridade.

A implantação mítica da Alteridade no Self Cultural, por intermédio dos símbolos estruturantes do Novo Testamento, só pode ser compreendida, nesta teoria simbólica evolutiva, se percebermos o quanto o ser humano, tanto homem quanto a mulher, se sentem oprimidos pelas características repressivas de um padrão patriarcal radical. Com o advento da Alteridade, nossa cultura começa a aprender que, todo símbolo, como todo ser humano, é bipolar; todos temos as polaridades masculino-feminino ou Eros-Logos. É preferível usarmos a polaridade Yang-Yin do taoismo, que é muito mais abrangente que masculino-feminino, pois ela engloba a polaridade sexual lado a lado com as outras que possamos imaginar. Essa abstração do Yang e Yin na Cultura Chinesa, que abrange as polaridades dos símbolos de forma tão ampla, é um exemplo da evolução do Ciclo de alteridade no Self Cultural Chinês. Ele nos mostra, ao mesmo tempo, nossa limitação ao necessitarmos ainda de uma polaridade muito menos abstrata, como masculino-feminino, para expressar a polaridade básica humana, o que expressa o quanto ainda estamos predominantemente orientados pelo redutivismo do dinamismo patriarcal.

À luz desta noção de polaridade em todos nós, podemos compreender que no padrão patriarcal radical, o homem, mesmo usufruindo da posição elitista na discriminação homem-mulher, sente-se também intensamente oprimido, se bem que frequentemente inconsciente, pois seu compromisso e identificação com o machismo repressor costumam impedi-lo de perceber o quanto ele também se sente oprimido no seu lado Eros ou feminino ou Yin. Esta opressão gera uma ânsia de liberdade no Self Individual e Cultural que, além de uma certa intensidade, se torna uma causa de luta pela própria sobrevivência. É esta identificação de liberação da repressão psicológica com a sobrevivência da humanidade que se constituiu, em meio às condições extraordinárias do Oriente Médio da época, numa mensagem de salvação. Podemos então ler esta mensagem à luz desta Teoria Simbólica da História como "salvação da opressão do padrão patriarcal radical e redenção pela transição do Self Cultural para atingir o padrão de alteridade".

Geralmente, o sofrimento, oriundo da opressão do patriarcalismo radical, é aliviado, oprimindo-se patriarcalmente com a mulher, os filhos, a sociedade e outros povos. A Lei de Talião, "olho por olho, dente por dente", no patriarcalismo radical não é só exercida para punir, mas se constitui na própria essência de funcionamento repressivo do dinamismo do padrão patriarcal. "Eu oprimo e assim me recompenso, na medida exata em que, consciente ou inconscientemente, me sinto oprimido". Por isso, por sua própria dinâmica repressiva, o padrão patriarcal é um padrão guerreiro, sobretudo da guerra de conquista, de domínio e de extermínio. Sabemos que a interpretação marxista reduz o padrão guerreiro ao padrão capitalista. Sabemos, porém, da História Moderna, que o Estado Comunista pode ser tão imperialista quanto o Capitalista. Claro está que sempre encontraremos o fator econômico nestes casos intensamente atuante, mas não é necessário que ele seja sempre determinante, pois o fator político ou religioso poderá ter igual ou maior importância na motivação e no desencadeamento de ação guerreira. Acima do fator econômico, político ou religioso está o padrão patriarcal que predispõe à ação guerreira de conquista e à repressão de um modo geral.

A busca de liberdade na vigência do padrão patriarcal pode ser exercida, então, numa revolução e não necessariamente na passagem para a Alteridade. Esta é até mesmo a norma. Por isso, é sabido politicamente, e a História do dinamismo patriarcal nos mostra que os tiranos sobrevivem mais quando encontram um inimigo externo para guerrear, e que é difícil a uma ditadura sobreviver em caso de perder uma guerra. Isto nos mostra que ou o poder patriarcal mantém reprimida a sua própria ânsia de libertação na repressão de novos inimigos ou investe contra sua própria cúpula. Mesmo assim, porém, ele tende a permanecer no dinamismo parricídio-filicídio. O governo patriarcal mantém-se e reprime os mais jovens ou é por eles derrubado e substituído com outro governo mais ou menos repressivo, sempre, porém, dentro do padrão patriarcal. Como mostrou Raskowski, a guerra patriarcal é filicida, pois são os pais e generais que assinam as declarações de guerra e os filhos e soldados que morrem nos campos de batalha (RASCOVSKI, 1973). Podemos ver nisto também, a canalização da tendência parricida para um inimigo externo na busca da manutenção do poder patriarcal. Este é o modelo da primeira fase do Mito de Édipo, sobre o qual Freud edificou sua teoria de desenvolvimento da personalidade. Nesta fase, porém, Édipo não ultrapassa sua problemática "edípica". Neste modelo, pelo contrário, ele a mantém, pois atua o incesto de forma sombria e reprimida e ao percebê-lo, cega-se, expressando psicoticamente como não consegue confrontá-lo e elaborá-lo. É somente na segunda parte do Mito que Édipo, pela mão de sua filha Antígona, peregrina em direção ao Santuário das Erínias e encontra sua redenção. Ou seja, a ultrapassagem do dinamismo patriarcal não está no dinamismo parricida-filicida, por intermédio do qual ele se mantém, mas na peregrinação ao feminino para resgatar o matriarcal indiscriminado e ferido e estabelecer uma nova relação do princípio masculino e feminino no Ciclo de Alteridade. A Esfinge é um monstro incestuoso resultante da cópula da mãe-serpente Echidna com seu filho cão Orthos e é enviada contra Tebas pela grande mãe Hera devido a paixão homoerótica de Laios por Crisipos. Incesto e homossexualidade interligam-se expressando no mito uma problemática de desenvolvimento tanto matriarcal quanto patriarcal na transição para a alteridade. A obra de Freud manteve-se basicamente no dinamismo patriarcal porque sua teoria de formação da Consciência moral (Superego) da personalidade advogou como principal tarefa de desenvolvimento psicológico a repressão do Complexo de Édipo. Ao reprimir o Complexo de Édipo e edificar o Superego, a moral e a própria cultura sobre esta repressão sublimada, perpetuamos o padrão patriarcal e jamais o ultrapassamos. Foi por isso que Freud terminou sua teoria de desenvolvimento da personalidade na puberdade. É na adolescência que se constela exuberantemente o padrão de alteridade, por intermédio do confronto dos Arquétipos do Herói, da Anima (homem) e Animus (mulher) com os arquétipos parentais. O Complexo de Édipo só é realmente ultrapassado quando adquirimos a capacidade de ir além do dinamismo patriarcal e nos tornamos capazes do dinamismo de alteridade. Para isso são necessários não só a morte da disputa do poder paterno, como também a abdicação não repressiva, mas sim sacrificial e criativa, do desejo materno e incestuoso. Trata-se da morte mitológica do casal parental, o que significa a desidealização do mundo passado, infantil e parental, e a aquisição da noção de importância do presente e do futuro a serem vividos por uma individualidade única, independente e responsável como coautora da própria vida. Trata-se de uma forma individual e cultural muito mais evoluída de se lidar com o incesto. Enquanto que no padrão patriarcal o incesto é reprimido e a Consciência se identifica com a tradição, na alteridade a Consciência interage criativamente com a tradição, que, assim, se desidealiza e se transforma.

A grande pergunta que devemos confrontar, então, é: por que naquele momento histórico o Self Cultural Judaico apresentou essa verdadeira mutação psicológica que o cindiu entre o dinamismo patriarcal e de alteridade?

Como disse acima, o movimento messiânico judaico é antigo. Moisés como herói patriarcal foi um grande Messias na passagem do dinamismo matriarcal para o patriarcal. Posteriormente, porém, já francamente dentro do dinamismo patriarcal, o messianismo se dividiu numa corrente visando a restaurar a glória patriarcal e noutra almejando a alteridade. Torna-se, assim, imprescindível a distinção entre o messianismo patriarcal e de alteridade. Ambos são acionados pelo Arquétipo do Herói, mas cuidam de implantar ou referendar padrões arquetípicos inteiramente diversos. Sob o impacto da opressão romana, o Self Cultural do Judaísmo se dividiu. Por um lado havia a tendência patriarcal habitual de resolver esse sofrimento pelo dinamismo guerreiro parricida-filicida. O Messias, aleijado nesse caso, era imaginado como um poderoso rei guerreiro que devolveria aos Judeus o grande poder patriarcal secular conquistado sob o comando de David. Por outro lado, intensificou-se o messianismo de alteridade e o Mito Cristão foi encarnado e vivido historicamente.

O dinamismo patriarcal é essencialmente repressor, guerreiro e simbolicamente parricida-filicida. O complexo de castração, que Freud viu em todo filho, corresponde ao componente filicida estruturante do padrão patriarcal que se conjuga ao componente parricida descrito por ele no Complexo de Édipo. No nível individual, o padrão patriarcal somente se mantém pela repressão, o que propicia a conquista de situações novas, sobretudo as competitivas, mas tende posteriormente a não poder lidar com o Outro, dialética e criativamente, em igualdade de condições e por isso a estagnar-se no dogmatismo tradicionalista. No nível cultural, o padrão patriarcal desenvolve-se pela organização repressiva e pela guerra, o que tende levar a Cultura à expansão e, posteriormente, à submissão e até mesmo à destruição quando começa a perder militarmente.

No século que antecede ao Cristianismo, os Judeus se achavam militar e politicamente oprimidos sob o jugo patriarcal romano. Contudo, o próprio Império Romano já apresentava no início de nossa era praticamente a totalidade de sua expansão e politicamente não tinha mais nenhuma criatividade expansionista para oferecer ao mundo. O assassinato de Júlio César (44 a.C.), pelos senadores, dentro do próprio Senado e em nome da República, visto simbolicamente, expressou a incompatibilidade de reintensificação patriarcal com a evolução da consciência política romana. O que Roma havia já atingido do padrão de alteridade, no que muito contribuiu a influência grega, sofreu uma repatriarcalização intensa com a centralização do poder do império e o advento dos Césares. Enquanto que o padrão patriarcal romano serviu grandiosamente à expansão guerreira, sua recrudescência nos Césares, para manter a unidade imperial, implodiu durante três séculos na prepotência e no arbítrio. Aos desatinados de Tibério (42 a.C.-37 d.C.), contemporâneo de Jesus, seguem-se os governos de Calígula, Cláudio e Nero, dos quais Calígula e Nero expressaram exuberantemente por intermédio do dinamismo psicopático, megalomaníaco e paranoide, a desestruturação do Império que se aproximava. Essa desestruturação simbolicamente pode ser vista como uma implosão do dinamismo patriarcal que, não tendo mais condições de expressar seu poder repressor estruturante no expansionismo, passa a ser vítima dos seus próprios símbolos estruturantes que, ao não contribuírem mais para estruturar a Consciência Coletiva, passam a indiscriminá-la e conduzi-la ao caos. Foi o poder patriarcal de Roma que bloqueou grandemente a reorganização do poder patriarcal judaico favorecendo o surgimento do messianismo de alteridade no Oriente Médio. Foi a mutação ocorrida no Self Cultural Judaico, encarnando historicamente o Mito Cristão, que precipitou, três séculos depois, a conversão do Império à busca da implantação do dinamismo de alteridade que continuaria a obra da Cultura Grega e da República Romana. Nesse sentido, o "lavar as mãos" com que Pilatos enfrenta a condenação de Jesus é símbolo da impossibilidade da lei romana de trazer qualquer participação ao Self Cultural Judeu no drama que nele se desenrolava e que determinaria a própria conversão da lei patriarcal do Império Romano para o Mito Messiânico da Alteridade três séculos depois.

O mundo moderno nos mostra sobejamente a relatividade da eficácia do Ciclo Patriarcal como padrão estruturante da Consciência Coletiva. Devido ao extraordinário poder guerreiro, desenvolvido pela espécie humana, que ultrapassou de muito, em nossa época, a capacidade de destruir a sua própria vida no planeta, percebemos claramente que a solução repressiva dos conflitos entre as polaridades, como preconiza o Arquétipo do Pai, é incompatível com a sobrevivência de nossa espécie. Vemos que o padrão patriarcal foi de grande valia para estabelecer a hegemonia humana sobre o planeta e teve papel fundamental no desenvolvimento da Consciência Coletiva de todas as culturas com função significativa na formação do Mundo Moderno. Contudo, com o poder destrutivo que atingimos e que está cada dia mais ao alcance de todos, inclusive dos grupos minoritários, o princípio patriarcal assimétrico da organização elitista do poder necessita ser substituído dominantemente pelo encontro dialético criativo das polaridades em conflito, como preconiza o padrão de alteridade, por uma questão de sobrevivência da espécie. Isto que hoje é meridianamente claro, como necessidade do Self Cultural, foi provavelmente um fator decisivo na constelação do herói messiânico de alteridade dentro do Self Cultural Judaico, apesar do anseio simultâneo da Consciência Coletiva também por um herói messiânico patriarcal. O surgimento do Mito Messiânico de Alteridade no Oriente Médio e sua difusão posterior evidenciam que, na evolução simbólica, o aspecto autóctone e difusionista tem igual importância. O enfoque simbólico nos permite ver também um componente autóctone na continuidade da evolução do Self Cultural Romano quando sofreu o impacto difusionista dos símbolos de alteridade cristãos. De fato, ao vivenciarmos a dialética do Coliseu e das catacumbas, historicamente percebemos que o difusionismo da alteridade originado no Oriente Médio, no início desta Era, encontrou subsídios fundamentais nas raízes históricas da própria Roma.

O surgimento do messianismo de alteridade, a partir do Self Cultural Judaico, pode assim ter-se relacionado com a necessidade criativa do Inconsciente Coletivo humano de produzir um padrão estruturante mais propício para o desenvolvimento da cultura, visto que o padrão patriarcal estruturante dominante no Self Cultural, tanto do oprimido judeu como do opressor humano, se mostrava ineficiente face às necessidades evolutivas, não só das duas culturas, como já agora da própria espécie. O símbolo estruturante do "povo escolhido" tão pujante na História do Judaísmo se tornaria assim duplamente significativo; primeiramente, na implantação patriarcal e no desenvolvimento de um monoteísmo civilizatório com imenso poder estruturante cultural e, posteriormente, na constelação da alteridade para continuar a transformação cultural europeia e finalmente se apresentar como proposta humanista de sobrevivência da espécie, lado a lado com as demais contribuições de outras culturas para a Consciência de Alteridade, sobretudo da Cultura Egípcia, da Cultura Greco-Romana, da Cultura Hindu por intermédio do Hinduísmo e do Budismo, da Cultura Chinesa por intermédio do Taoismo, na Cultura Japonesa por intermédio do Budismo Zen e hoje cada vez mais também a partir das culturas do terceiro mundo, que começam a se reorganizar em função da busca da sobrevivência pela alteridade. Não podemos subestimar também a contribuição do misticismo Judaico para a Alteridade na Cultura Ocidental, paralelamente ao Cristianismo, por intermédio da Cabala que se continuou no Hassidismo no século XIX do qual emergiram as obras de Buber, na Filosofia, e Moreno, na Psicologia, sem dúvida duas pérolas da alteridade no século XX. Gnosticismo, Cabala e Alquimia podem assim ser vistos como desenvolvimentos do Self Cultural, em direção à Alteridade, paralelos e, ao mesmo tempo, consequências do Mito Messiânico do Novo Testamento. O maior e talvez o menos compreendido de todos os fenômenos resultantes da implantação da alteridade a partir do Mito Cristão foi o desenvolvimento da mentalidade científica a partir do Renascimento, que abordaremos a seguir, e que continuaria no humanismo do século XVIII, no socialismo utópico do século XIX e no socialismo revolucionário-político do século XX.

 

7. A Implantação da Alteridade até o Renascimento

Relembro ao leitor que este artigo é apenas um resumo de uma teoria para analisar simbolicamente a História à luz da qual toda nossa História pode ser relida. O que antecedeu e o que se segue são, pois, apenas o assinalamento de alguns poucos marcos referenciais ao longo de um imenso caminho.

O impacto cultural do Mito Cristão para implantar o dinamismo de alteridade como um padrão post-patriarcal de Consciência se deu por intermédio das funções do sentimento e da intuição e da atitude de introversão. É importante estudar se todas as grandes mutações culturais se introduzem por intermédio destas funções para depois passarem ao pensamento e à sensação como aconteceu na Cultura Ocidental a partir do Renascimento.

Os séculos iniciais do Cristianismo se caracterizam muito pelo culto da vida monástica. No refúgio das formas longilíneas do estilo gótico, tem lugar central a vivência introvertida e afetiva do sacrifício do Filho pela redenção dos sofredores e oprimidos, junto com a intuição do significado deste sacrifício para o futuro da vida individual e comunitária. Este Filho sacrificial, que é o Messias, é, ao mesmo tempo, o símbolo estruturante ou o protótipo do novo estado de consciência proposto pela alteridade. Trata-se do Arquétipo do Filho, oprimido junto com o Arquétipo da Grande Mãe no Ciclo Patriarcal, que ressurge, mostrando, na Paixão, o que foi dele exigido durante o dinamismo patriarcal e o que necessita ser feito para que isso não mais aconteça. Uma das características essenciais do Mito Cristão é a não contestação do passado, o que o situa inteiramente fora do campo simbólico patriarcal parricida-filicida. "Não julgueis que vim abolir a lei dos profetas. Não vim para as abolir e sim levá-las à perfeição. Pois, em verdade vos digo, passará o céu e a terra antes que desapareça uma letra ou um traço da lei" (Mt 5:17-18).

Foi um novo Isaac que subiu, desta vez adulto e de própria vontade, ao altar sacrificial, para referendar na sua plenitude individual adulta o voto de obediência de Abraão, ao mesmo tempo em que transcende este voto. A Paixão e o Mistério da Trindade constituem-se na transformação do padrão patriarcal para o estabelecimento de uma relação dialética entre o Arquétipo do Pai e do Filho, essência do padrão de alteridade. Aí está representado entre tantas outras coisas, o símbolo estruturante da democracia social na qual a lei passa a ser transformada pelo próprio confronto dialético entre o velho e o novo. O sacrifício do homem adulto de corpo inteiro na cruz expressa o Símbolo de transformação do Antropos, em sua total integridade, inerente ao ritual de passagem estrutural.

Com o filho foi crucificada a Consciência Coletiva do Self Cultural. Nas grandes transformações arquetípicas, a Consciência mergulha sempre no tema mítico da morte-ressurreição, cujos símbolos têm a função de proclamar o surgimento da nova fase arquetípica e, ao mesmo tempo, assegurar a sua continuidade com a antiga. A Consciência Coletiva foi sendo transformada pelo Mito Cristão e ritualisticamente guiada por seus símbolos estruturantes, por intermédio da vivência da Paixão na Missa durante séculos. Foi uma longa fase de luto, dentro da qual se fragmentou o Império Romano e se formou o Estado Moderno, tendo como modelo as nações europeias. Muito ainda se terá que escrever sobre isso quando situarmos a Idade Média dentro desse luto, que engloba, ao mesmo tempo, símbolos da renúncia à contestação do pai e da morte do filho reprimido no ciclo patriarcal, da morte do próprio padrão patriarcal e do próprio Antropos, símbolo do ser humano em geral, que sobe à cruz para assumir na glória da ressurreição a transformação da humanidade e atingir o resgate do dinamismo matriarcal e o padrão de alteridade, no qual a Consciência humana se torna coautora do seu próprio processo de desenvolvimento e passa a atuar eticamente, ou seja, responsavelmente, dentro do processo de realização do potencial do Self Individual e Cultural. Com isso, a cultura e o indivíduo adquirem a noção simbólica da existência do seu processo de desenvolvimento e da sua autenticidade e salvação ou de sua alienação e perdição. O vigor do desencadeamento deste processo tem como símbolo central o herói messiânico de alteridade, de corpo inteiro na cruz, dinamicamente inspirando o Self Cultural na sua transição do dinamismo patriarcal para o de alteridade.

Toda esta profunda vivência da morte na Idade Média já vinha, aos poucos, sendo acompanhada paulatinamente por símbolos da ressurreição, fosse na vivência da experiência mística de totalidade de cada um, fosse na transformação da sociedade caminhando na direção da constituição do estado. Estes símbolos estruturantes são tão profundos e intensos, e abrangem tantos séculos de História, que devemos pensá-los a longo prazo. Costumes como, por exemplo, o cavaleirismo e esportes como o futebol, que surgem na Idade Média, aparentemente aleatórios são, pelo contrário, altamente significativos de um Self Cultural se dirigindo para a alteridade e aflorando, aqui e ali, na Consciência Coletiva, por intermédio de fenômenos culturais aparentemente pequenos, mas que formam um grande todo.

A lenda dos Cavaleiros da Távola Redonda, que emerge por intermédio de obras literárias românticas nos séculos XIII e VIV, nos fala dos ideais heroicos de cavalheiros dedicados ao culto da busca do Cálice do Graal que, segundo a lenda, teria colhido o sangue de Cristo na Cruz. São símbolos do Mito Cristão, vivenciados durante a passagem do Feudalismo para os regimes monárquicos na França e na Inglaterra, e que abordam a formação do poder no qual a autoridade seja subordinada ao Cristo Crucificado, ou seja, ao padrão democrático de alteridade. Os Cavaleiros da Távola Redonda inicialmente em número de doze sentam-se à volta da mesa junto com o Rei Arthur. Esboça-se no Self Cultural a imensa problemática de governar como expressão da interação de todos, e que se tornará o tema central das aflições do estado moderno. A tensão entre o símbolo do Messias, como porta-voz de todos os que sofrem, e a autocracia do poder exercido patriarcalmente é, conscientemente ou não, o símbolo inspirador subjacente, não só à formação das nações europeias, como também à sua transformação sociopolítica moderna.

O futebol que, ou foi trazido pelos Romanos ou se originou de um costume antigo de chutar a cabeça degolada do adversário derrotado, foi, espontaneamente, adotado como jogo entre aldeias da Inglaterra no século XIII, exemplificando, também significativamente, como foi se implantando criativamente a alteridade na Idade Média, por intermédio dos Símbolos Estruturantes no Self Cultural. Surgindo inicialmente como diversão entre aldeias vizinhas, que competiam com grande número de pessoas, chutando bolas feitas por seus sapateiros, o futebol foi, aos poucos, se estruturando para se transformar em esporte internacional. Seu padrão de resolver um conflito, dialética e esportivamente, é um modelo social do padrão de alteridade, que vem competir e substituir o padrão guerreiro patriarcal de competir, ferindo ou matando o adversário, inerente aos torneios esportivos medievais que eram, na realidade, preparatórios para a guerra. A difusão do futebol exemplifica também o poder criativo, espontâneo do Self Cultural, não necessariamente acompanhado de proselitismo. Seus símbolos de alteridade agiram de forma estruturante sobre a Consciência Coletiva de maneira tão eficiente desde o início, que nada menos que cinco reis ingleses, ainda que em vão, o proibiram, por lei, durante mais de três séculos, pelo fato de sentirem prejudicados os esportes patriarcais que treinavam seus exércitos (BYINGTON, 1982b).

A profunda vivência de morte, durante a Idade Média, caminhou para uma imensa vivência de ressurreição, acompanhada de uma gigantesca explosão de criatividade do Self Cultural em todas as suas dimensões. Apropriadamente denominada de Renascimento, seu conteúdo simbólico não é percebido se não nos perguntarmos, renascimento de que para quê? Renascimento da morte sacrificial da Consciência Coletiva no seu dinamismo predominantemente patriarcal para atingir e se tornar capaz de exercer livremente o dinamismo de alteridade. O Renascimento continua a implantação do padrão de alteridade vivenciado, introvertidamente, por intermédio do sentimento e da intuição na Idade Média e que agora se extroverte, espetacularmente, por intermédio do pensamento e da sensação. O Renascimento, simbolicamente, é o momento da encarnação histórica da glória da ressurreição. O Renascimento apresentou ao universo europeu o resultado da aquisição pelo Self Cultural da relação dialética do Arquétipo do Pai e do Arquétipo do Filho.

Todas as dimensões do Self Cultural foram afetadas pelo Renascimento. Os grandes gênios dos séculos XVII e XVIII que lançaram a base do pensamento científico sobre a qual se edificou a ciência moderna nos séculos XIX e XX, todos, sem exceção, são frutos da grande árvore renascentista como expressão cultural da implantação do padrão de alteridade.

Esta genealogia da ciência e do humanismo moderno, todavia, foi obscurecida por um terrível fenômeno que contaminou, historicamente, a ligação entre o Mito Cristão e a implantação da alteridade no Ocidente, a ponto de tornar esta ligação irreconhecível a partir do século XIX. Ao passar por esta tragédia, o Self Cultural do Ocidente sofreu uma dissociação tal, que a ligação da continuação da implantação do ciclo de alteridade com as grandes contribuições dos séculos XIX e XX se tornou inconsciente. A Cultural Ocidental passou a pensar neuroticamente, autorreferenciando-se, como se tivesse nascido no século XIX, e sua Consciência Coletiva perdeu o contato com seu enraizamento arquetípico no Mito Cristão, ou seja, passou a funcionar dissociadamente do seu Self Cultural. Somente um enfoque simbólico pode tornar perceptível esta dissociação, pois ela institucionalmente se apresentou como a cisão entre o Estado e a Igreja e entre a Ciência e a Religião, o que para muitos, que olham a vida, a Filosofia e a História por intermédio da ótica desta dissociação, é até um bem, porque institucionalmente um deveria funcionar sem o outro. Devido a este enfoque da História clássica, a tragédia, a dissociação cultural produzida, e suas consequências altamente maléficas, continuam a atuar disfarçadamente até hoje. O prisma simbólico, porém, nos revela toda a extensão desta dissociação e onde, como e porque a Consciência Coletiva se dissociou do Self Cultural, formando a grande Sombra Patológica do Ocidente. A autoidentificação do materialismo e do positivismo com o progresso, vista à luz do desenvolvimento simbólico, pode assim ser vista como uma parte dissociada do Self Cultural que, inconsciente e defensivamente, pretende representar o todo.

 

8. A Inquisição e a Dissociação do Self Cultural do Ocidente

Duramente perseguido em todo o Império Romano durante quase três séculos, o Cristianismo foi finalmente tolerado pelo Édito de Milão, em 313, e a seguir, após a própria conversão do Constantino, transformado na religião oficial do Império. Ainda que a legislação rigorosa do Santo Ofício contra a heresia tenha sido iniciada no século XII, com Inocêncio III, e atingido a pena de morte legalmente, sob o Rei Frederico II, com o apoio dos Papas Honório III e depois Gregório IX, podemos dizer que seu início data da oficialização do Cristianismo no próprio século IV. A institucionalização do Cristianismo nos lembra muito os inúmeros movimentos de esquerda de nossos dias, que pregam a Alteridade, enquanto oposição, mas regridem ao dinamismo patriarcal repressivo quando assumem o governo. Será isto inevitável?

Durante os três primeiros séculos de nossa era não existe registro de perseguição oficial pela Igreja e seus Pais, principalmente Orígenes (185-254) e Lactantius a rejeitam expressamente. Constantino pelo Édito de Milão, em 313, inaugurou a era de tolerância oficial ao Cristianismo, mas do reinado de Valentiano I (321-375) e Teodosius I (346-395) em diante, leis contra heréticos começaram a aparecer e aumentaram com surpreendente rapidez a regularidade. Os heréticos estavam sujeitos ao exílio ou ao confisco de bens, desqualificação de herança e até mesmo, no caso de alguns grupos de maniqueístas e donatistas, estavam sujeitos à pena de morte; todavia, estas penalidades se aplicavam somente à manifestação expressa de heresia e não incluíam ainda, como na Idade Média, crimes de consciência. Dentro da Igreja, propriamente, somente Santo Optatos (De Schismate Donatistarum lib. 3, Cap. 3) aprovou a repressão violenta da heresia Donatista; Santo Agostinho (354-430) admitia somente temperata severitas, tais como repreensão, multas ou exílio. No final do século IV, a condenação do herético espanhol Prisciliano, que foi executado em 375 por ordem do Imperador Maximus, despertou grande controvérsia. São Martinho de Tours, Santo Ambrósio (340-397) e São Leo atacaram vigorosamente os bispos espanhóis que haviam conseguido a condenação de Prisciliano. São João Crisóstomo considerava que um herege deveria ser privado da liberdade de palavras e suas assembleias dissolvidas, mas declarou que matar um herege seria introduzir na terra um crime sem possibilidade de expiação.

Do século VI ao IX, com a exceção da perseguição às seitas maniqueísta em determinadas regiões, houve pouca perseguição religiosa... mas da segunda parte do século X ao século XII, numerosos hereges foram queimados e estrangulados na França, Itália, no Imério e na Inglaterra... Nesse período é difícil discriminar a responsabilidade direta da Igreja nestas condenações... De 1220 a 1239, o Imperador Frederico II, apoiado pelos Papas Honório III e especialmente Gregório IX, estabeleceu contra a heresia uma clara legislação, envolvendo confisco de bens, exílio e pena de morte... A Inquisição na Espanha incluiu também a censura... A censura de livros foi estabelecida por Fernando e Izabel em 1502... Carlos V dividiu a responsabilidade da censura entre o Conselho Real, que dava ou recusava o imprimatur a livros, e a Inquisição, que retinha o direito de vetar qualquer livro que achasse pernicioso; depois de 1527 ela tinha que dar também a licença para a impressão. Em 1547 a Inquisição produziu na Universidade de Louvain um Index de livros proibidos. Em 1558 a pena de morte foi decretada para qualquer um que mantivesse em seu poder livros proibidos... A censura de livros foi abolida em 1812 (ENCYCLOPEDIA BRITANNICA, 1961b).

A História Simbólica do Cristianismo é, simultaneamente, a História da implantação do padrão de alteridade no Ocidente, por intermédio dos símbolos estruturantes do Mito Cristão, e a separação do Mito Cristão das Instituições Cristãs pelo fenômeno da patriarcalização. Esta separação foi tão intensa que deu origem à dissociação do Self Cultural expressa somente em parte pela dissociação Ciência e Religião. A grande dissociação porém ocorreu entre as Instituições Cristãs e o Mito Cristão, que, com isso, afastou muito de seus símbolos estruturantes destas instituições. Esta dissociação confundiu a Cultura Ocidental intensamente e deixou toda a criatividade de sua Ciência sem nenhum vínculo moral com suas raízes históricas no Self Cultural.

A obra e a vida trágica de Nietzsche são um exemplo ilustrativo desta dissociação e confusão cultural. Filho de um pastor protestante e neto de dois, Nietzsche dedicou boa parte de sua obra a atacar Cristo e a ressuscitar Dionisos. Seu Cristo é:

um Deus das massas, é um democrata abaixo dos deuses, mas não se transformou num orgulhoso deus pagão: ele permaneceu judeu, ele permaneceu um Deus clandestino, um Deus dos lugares escuros e doentios da Terra... Seu reino é sempre um reino do mundo subterrâneo, um hospital, um submundo, um reino do gueto... E ele próprio, tão pálido, tão fraco, tão decadente... (NIETZSCHE, 1964, p. 17, 20).

Nietzche vê e combate sem se dar conta, não o Cristianismo e o Judaísmo no que tem de essencial, e sim o resultado da patriarcalização de Cristo e do Judaísmo pela Inquisição. Ele vê o Cristianismo patriarcalizado no qual foi puritanamente educado e reprimido e contra ele se levanta como um animal ferido. Mesmo se voltando contra todos os valores culturais de sua época, em momento algum Nietzsche percebe a pujança revolucionária do Mito Cristão subjacente e sua patriarcalização. Nem mesmo quando importa Dionisos da Grécia, como solução para todos os males de sua cultura, não percebe que está lidando também com um Deus que, originalmente matriarcal, num momento central de sua mitologia é recriado no próprio corpo do pai Zeus e nessa segunda existência expressa muitos símbolos estruturantes do padrão de alteridade. Não percebeu Nietzsche que o bode que representava sacrificialmente Dionisos na Tragédia aparecia como Diabo na missa negra europeia, expressando características reprimidas de Cristo. Jamais se lembrou dos aspectos dionisíacos de Cristo, que sem se tornar um Deus da fertilidade matriarcal, nem por isso deixou de expressar a fertilidade matriarcal como, por exemplo, no episódio da multiplicação dos pães e dos peixes (Mr 6:35-44 e 8:1-9). Poderia Cristo ser mais dionisíaco do que quando transformou a água em vinho nas bodas de Canaan? (João 2:1-11) ou quando na missa seu corpo é o pão e seu espírito o vinho?

A confusão trágica da obra de Nietzsche é que o Cristo morto, decadente e reprimido que ele combate, tem muitas características do Cristianismo patriarcalizado pela Inquisição, enquanto que Dionisos, que ele invoca, tem muitas características do Cristo vivo, mas dissociado na dicotomia Cristo-Diabo. Estará, a psicose trágica de Nietzsche, em parte pelo menos, relacionada com a tensão da busca desesperada de um Deus, que ele só conseguiu cultuar em Dionisos, Deus de uma cultura distante, às expensas de negar partes importantíssimas de si mesmo e assim dissociar-se do seu próprio Self Cultural? Nesse sentido, é muito significativo que dois meses antes de ser internado para sempre, Nietzsche encerrou o Ecce Homo, sua autobiografia e último livro com as palavras "Dionisos ante o crucifixo". Em Ecce Homo ele repudiou ser um dia considerado um mártir. Contudo, é difícil deixarmos de considerar Nietzsche um dos grandes mártires cristãos, quando associamos sua psicose com a imensa carga energética do símbolo de Dionisos que reintegrando a dicotomia Cristo-Diabo traria a salvação ou a ura da dissociação do Self Cultural do Ocidente. O drama de Nietzsche é extremamente representativo da dissociação da Cultura Ocidental e de seus descaminhos na busca de sua reintegração. Na sua busca de Deus e na sua denúncia de falsos valores, identificou o Mito Cristão com o Cristianismo institucional do Santo Ofício. Sua obra, nesse sentido, é um exemplo de dissociação ao ser, em boa parte, dedicada a atacar o símbolo Cristo sem, em momento algum, denunciar e confrontar a Inquisição. O que é enlouquecedor na obra de Nietzsche é que, apesar de buscar resgatar o elemento matriarcal na cultura em nível de alteridade, seu ataque ao Mito Cristão confundido com as Instituições Cristãs, termina por impedir o resgate Cristo-Dionisos, ampliando assim, sem o querer, a obra repressora e dissociadora da Inquisição.

A obra de Nietzsche nos mostra, exuberantemente, que não se deve associar somente a Inquisição com o estado de dissociação da Cultura Ocidental. A partir do século XVIII, setores cada vez mais importantes do Humanismo Ocidental, situados uns em função do materialismo científico, outros em função da arte pela arte, outros do agnosticismo, outros, ainda, do esoterismo, todos, lado a lado, passaram a ratificar a dissociação cultural que se originou com a Inquisição. Esta dissociação no nível mítico-religioso se expressou na dicotomia Cristo-Diabo, mas, paulatinamente, os conteúdos deste símbolo estruturante se estenderam às demais dimensões culturais. Institucionalmente, afastou-se a Ciência da Religião e, paralelamente, dissociou-se a possibilidade de conscientização do componente subjetivo que acompanha todo componente objetivo. O resultado disto foi que a ciência se tornou parcialmente amoral, positivista e "agnóstica" e assim dissociada do Antropos ou Homem Global. Dissociou-se o indivíduo da comunidade, na perspectiva simbólica do seu desenvolvimento comum. Dissociou-se o sexo da integridade humana e, por conseguinte, do amor. Dissociou-se a mente do corpo, o trabalho da criatividade e a dialética das classes sociais. Dissociou-se subjetivo do objetivo, a intuição da sensação, o pensamento do sentimento e a introversão da extroversão, e o consciente do inconsciente por intermédio da sinalização redutiva maciça dos símbolos.

É importante, nesse sentido, que não se confunda a codificação dogmática da discriminação patriarcal com a compulsão-repetitiva das defesas que mantém esta fixação do padrão de alteridade. As codificações patriarcais das Tábuas da Lei, por exemplo, são dogmáticas, mas são livremente estruturantes do Self Cultural. Não existem nem dissociações nem defesas a sua volta que dotam os símbolos estruturantes de características dissociadas e compulsivas. O matriarcal, o feminino e a mulher são, por exemplo, discriminados de forma machista e elitista, porém, uniforme e coerentemente. Isto é inteiramente diferente do padrão de alteridade dissociado que prega o resgate do feminino, do amor e da plenitude humana, enaltecendo a Virgem Maria e, ao mesmo tempo, deixa a mulher, no culto religioso, numa posição profundamente inferiorizada, que reprime a sexualidade e a atribui ao Diabo, e que rotula, aprioristicamente, de pecaminosas inúmeras condições psicológicas necessárias ao desenvolvimento do Antropos.

A transição do dinamismo patriarcal para o de alteridade envolve o resgate do reprimido e do injustiçado pela elitização repressiva patriarcal. A Idade Média, ao vivenciar o luto e se identificar com o cordeiro sacrificial que vem salvar os oprimidos, abre as portas do Self Cultural para tudo o que estava reprimido e injustiçado dentro do dinamismo patriarcal. É nesse movimento simbólico de abertura que se enraíza, séculos depois, o movimento humanista ideológico liberal dos séculos XVIII e XIX que eclode socialmente com o arrefecimento institucional da Inquisição. É inegável que a industrialização, com o fortalecimento da burguesia e o surgimento do capitalismo alterou o relacionamento das classes sociais, criando condições para o movimento socialista. É importantíssimo, porém, que vejamos a formação e o desenvolvimento do movimento socialista como a continuação milenar da implantação do padrão de alteridade em luta permanente com o padrão patriarcal na cultura, caso contrário, perderemos a perspectiva histórica e não perceberemos, nitidamente, o que está ocorrendo quando os movimentos sociais são desvinculados da alteridade e, mais uma vez, patriarcalizados. Nesses casos, pelo fato de os movimentos sociais serem algo novo, acreditamos que sua patriarcalização seja também algo novo. Quando percebemos a História simbolicamente, porém, nos damos conta de que esta patriarcalização exagerada e inadequada está realmente continuando a ação dissociadora da Inquisição.

A abertura para os polos reprimidos e injustiçados pela etilização patriarcal na transição para a alteridade é apenas uma parte para a implantação da alteridade e que, simbolicamente, corresponde no Mito à morte e ressurreição de Cristo. Existe uma outra igualmente importante e inseparável da primeira que é a conquista do estado de consciência, no qual o Eu se torna capaz de se abrir e se relacionar em igualdade de condições com o Outro. Trata-se de uma transformação cultural da noção de amor e da aquisição da capacidade do relacionamento dialético criativo mesmo na adversidade. Esta parte corresponde, no Mito Cristão, à glória de Cristo na sua interação com Deus no Mistério da Trindade e é exatamente o estado de consciência necessário para a prática da democracia, da conjugalidade, do método científico e do socialismo.

Enquanto o resgate dos reprimidos e oprimidos corresponde aos movimentos de liberação, por exemplo, da mulher, do proletariado, das minorias étnicas, das colônias e do homossexualismo, a conquista da relação dialética corresponde à capacidade de relacionamento democrático e científico após a liberação, o que é igual ou mais difícil. Quando não ocorre esta segunda fase, a Consciência não atinge a alteridade plenamente e facilmente volta ao dinamismo patriarcal. É o caso do machismo que se transforma em feminismo ou da revolução socialista que se transforma em "ditadura do proletariado". Neste caso, o dinamismo de alteridade em andamento é desviado para o dinamismo filicida-parricida, no qual continua a predominar o dinamismo patriarcal, prejudicando, reacionariamente, a continuação de implantação da alteridade.

Outro desvio comum da alteridade, que prejudica sua implantação, é a vivência que frequentemente ocorre após a liberação do reprimido-oprimido de que, daí por diante, imperará a liberdade sem limites. Isto vem ocorrendo em ondas inovadoras em várias dimensões da Cultura como, por exemplo, na pedagogia e no casamento. Na década de 1950, por exemplo, a sociedade americana do pós-guerra atravessou uma onda de liberalização que propiciou a pedagogia sem limites. O resultado não foi a felicidade que se esperava e sim a ocorrência frequente da desorientação do adolescente com a exacerbação não rara dos estados delinquenciais. O mesmo se tem observado com a sexualidade, tanto do adolescente quanto do casamento. A liberação total do que era antes reprimido não traz, geralmente, o bem-estar esperado, mas, pelo contrário, frequentemente traz a promiscuidade, a confusão, a perda de identidade e o caos que acaba ou na dissolução ou no restabelecimento e até fortalecimento reacionário das ortodoxas patriarcais que se desejava inicialmente ultrapassar.

Isto nos mostra que a alteridade não é uma liberação sem limites e sim um padrão de organização da Consciência muito difícil de atingir e preservar. A alteridade é um padrão post-patriarcal. Como sabemos que as estruturas não desaparecem evolutivamente, mas funcionam lado a lado, continuando a estruturação da Consciência, isto quer dizer que a alteridade só pode funcionar, plenamente, a partir da estruturação patriarcal, o que significa não a preservação da repressão e do elitismo, mas a busca da manutenção da discriminação clara do Eu e do Outro, ou seja, da sua identidade e consequente senso de responsabilidade igualmente face ao Eu quanto face ao Outro. Esta responsabilidade e discriminação da identidade do Eu e do Outro, obtidas com a estruturação patriarcal, é que são necessárias para se implantar o relacionamento livre e igualitário da Consciência de Alteridade.

O desenvolvimento da Inquisição paralelamente à implantação do padrão de alteridade, por intermédio do Mito Cristão, não é, então, nem uma simples coincidência nem somente um malefício, mas basicamente uma ocorrência histórica estrutural, inerente à implantação de alteridade numa cultura de tradição fortemente patriarcal. É que a alteridade traz uma tal abertura para a reformulação de polaridades e, se não houver uma intensificação do dinamismo patriarcal para manter certas discriminações básicas do Eu e do Outro, a preservar sua identidade, ocorrem a confusão, a perda de identidade e o caos que impedirão a implantação da alteridade, e suas novas discriminações, o que acabarão por fortalecer, reacionariamente, as discriminações patriarcais tradicionais. A própria pujança de transformação religiosa que dominou o Império Romano, a partir do século IV, foi de tal ordem que, sem uma codificação patriarcal de limites, essa própria criatividade religiosa arriscaria pulverizar o Cristianismo em uma miríade de seitas que prejudicaria, também, enormemente a sua institucionalização.

Não podemos julgar a História ou a Igreja e dizermos que esta patriarcalização foi maior do que deveria ter sido. O que podemos, e devemos, é identificar os símbolos operando nos vários dinamismos estruturantes e deixar que eles próprios mostrem sua função estruturante e suas consequências históricas. No caso da Inquisição, vemos simbolicamente que sua função inicial foi intensificar o dinamismo estruturante patriarcal para permitir a implantação e a operosidade do padrão de alteridade. É inegável, pois, que a intensidade dessa padronização patriarcal esteja diretamente ligada a pujança da implantação da alteridade. De fato, até hoje, decorridos quase 20 séculos de sua revelação, constatamos que as propostas de alteridade do Mito Cristão são tão pujantes e revolucionárias que, apesar de toda transformação ocorrida, seus símbolos ainda são capazes de indiscriminar a Consciência Coletiva com uma intensidade difícil de avaliar. Basta entrarmos nos temas da propriedade privada, da fidelidade conjugal, da igualdade racial, de como se educar os filhos, da homossexualidade e da relação com o erro, a doença e a morte, para que a Consciência Coletiva se confunda rapidamente e passe a operar com dinamismos defensivos.

Há que se reconhecer mais ainda que a implantação da alteridade se faz conflitantemente com o dinamismo patriarcal e que por isso a intensificação patriarcal, necessária para propiciar a alteridade, pode a qualquer momento passar a reprimi-la. É difícil dizermos a partir de que momento a organização da criatividade, em vez de propiciá-la, passa a reprimi-la. A partir de que momento estamos organizando para realmente mudar ou manter reacionariamente a tradição? Esta questão é complexa e deve ter sido o grande drama religioso das pessoas realmente cristãs que participaram da Inquisição. Sobretudo, porque forças reacionárias patriarcais inegavelmente contaminaram a implantação da alteridade, a tal ponto que o Self Cultural se dissociou intensamente a partir, principalmente, do século XVIII. Foi a função inicialmente protetora e organizadora da Inquisição, que atingiu uma grande intensidade patriarcal e se tornou culturalmente repressiva, perseguidora e a tal ponto intolerável, que tornou inevitável a dissociação.

 

9. A Ciência, o Mito Cristão e a Inquisição

Hoje, praticamente três séculos após a grande dissociação da Cultura Ocidental, é muito difícil percebermos que o Renascimento e o desabrochar da Ciência Ocidental são uma consequência dieta da implantação da alteridade guiada pelos símbolos estruturantes do Mito Cristão. Todavia, para uma perspectiva simbólica da transformação histórica da Consciência Coletiva, este fato é inegável, como era também, até certo ponto, para os grandes sábios que lançaram os fundamentos da Ciência Moderna. Leonardo da Vinci, Copérnico, Galileu, Kleper, Descartes, Leibnitz e Newton foram homens para quem a religiosidade e a Ciência, seus sonhos, suas emoções e o que estudavam se interpenetravam normal e coerentemente. Seus símbolos estruturantes se enraizavam no sujeito e no objeto de igual maneira.

A mensagem de salvação do messianismo de alteridade, ao estabelecer a equivalência dialética do Eu e do Outro, propiciou exatamente o estado de consciência necessário para a metodologia científica. No padrão matriarcal existe a predominância do princípio da fertilidade, da sensualidade e do desejo e na patriarcal o saber é, de um modo geral, dogmático e precodificado. Isto, se não impede a Ciência, também não a propicia. Já na alteridade, a relação igualitária e criativa do Eu com o Outro propicia admiravelmente o conhecimento científico. Naturalmente que isto, por si só, não explica a imensa criatividade renascentista. O que ajuda a explicá-la é a extroversão intensa da criatividade, após séculos de introversão preparatória, que buscara resgatar não somente o reprimido, mas também transformar a própria relação dinâmica Vida e Morte, Consciente e Inconsciente.

O que é importante perceber também nesta análise simbólica é que a alteridade não só não é incompatível como até mesmo impõe a vivência do todo, na medida em que o encontro dialético igualitário das polaridades evidencia sempre um processo maior que as abarca. O que se tornou incompatível com a Ciência não foi a alteridade cristã, e sim o dinamismo patriarcal da Inquisição, devido à sua natureza essencialmente autoritária, dogmática, tradicionalista, elitista, precodificada e repressora, cuja prática cada vez maior pela Inquisição terminou por gerar a dissociação entre a Ciência, já agora acompanhada do Humanismo Liberal Europeu, e as Instituições Cristãs. Esta dissociação criou estados de consciência com noções dissociadas e aplicadas ao todo, gerando concepções absurdas. A dissociação das polaridades sujeito-objeto, mundo interno-mundo externo, psique corpo-psique matéria, está inerente a essa grande dissociação cultural. A filosofia da Ciência desenvolveu o critério de verdade equiparado à de exclusiva objetividade. A subjetividade passou a ser equacionada com o irracional e não científico. As funções do sentimento e da intuição e a atitude de introversão foram subestimadas em favorecimento do pensamento, da sensação e da extroversão. O mais grave de tudo é que a Inquisição arrefeceu institucionalmente, mas sua obra continua extraordinariamente atuante no Self Cultural sob as mais variadas formas de patrulhamento moral, artístico, afetivo e ideológico não identificadas corretamente e que solapam, de forma sub-reptícia, a implantação da alteridade. Por que será que não conseguimos perceber verdadeiramente que a corrida armamentista é essencialmente repressiva e inviável a longo prazo? Somente uma força repressora agindo inconscientemente e de forma dissociada pode explicar como pessoas da maior cultura e discernimento, ao assumir o poder, se enleiam inevitavelmente na escalada armamentista. Em suma, a Consciência Coletiva da Cultura Ocidental continua funcionando sobre uma grande dissociação, ou seja, neuroticamente fixada na sua transição para a alteridade.

O século XIX tentou inúmeras buscas de sistemas que cobrissem o saber e recuperassem a unidade perdida. Aprendemos, porém, com Freud, que quando existe uma dissociação, a busca de compreensão do todo, unicamente consciente, por maior dedicação e boa vontade que tenha, terminará sempre em mais uma racionalização, a não ser que perceba e elabore a dissociação inconsciente e as defesas a sua volta. Nesse caso, a menos que identifiquemos a dissociação do Self Cultural do Ocidente e trabalhemos as defesas a sua volta para resgatar a dialética criativa do subjetivo e do objetivo, do Eu e do Outro em todas as dimensões culturais, dificilmente sairemos deste impasse. A perspectiva simbólica nos evidencia, sobejamente, que a problemática básica da Consciência Coletiva da Cultura Ocidental não é somente um confronto entre sistemas econômicos e políticos que certamente também existe.

O problema do Self Cultural do Ocidente não pode ser percebido em função de uma teoria de repressão sexual ou uma teoria econômica de exploração de classes, ainda que ambas ajudem a compreender uma parte do que está acontecendo com o todo. Precisamos, porém, compreender que se trata de uma fixação e uma dissociação a nível estrutural que atinge não somente o sexual e o econômico, mas todas as dimensões da Cultura e o próprio funcionamento da Consciência Coletiva. Urge que a Antropologia forneça os instrumentos do conhecimento simbólico às demais dimensões da Cultura para que estas identifiquem e elaborem a Sombra Patológica do Self Cultural em cada setor especializado do conhecimento. Nesse sentido, os engajamentos de liberação psicológicos, religiosos e políticos, ao reduzir o problema cultural ao sexual ou ao econômico, continuam propiciando e deixando atuar, sob a sua própria bandeira de libertação, elementos patriarcais e de alteridade dissociados e não reconhecidos, que frequentemente contribuem inconscientemente para a intensificação das forças reacionárias repressivas. Incapazes de uma autocrítica realmente antropológica, estas forças revolucionárias passam a culpar exclusivamente qualquer sistema patriarcal vigente, projetando nele seu próprio conteúdo sombrio patriarcal repressor do qual permanecem inconscientes. Antes de tudo, há que se conscientizar e elaborar esta grande fixação cultural na implantação da alteridade com esta dissociação sujeito-objeto e este rico sistema defensivo de repressão, negação, deslocamento, projeção e racionalização à volta que requer conscientização e confronto para os quais a perspectiva simbólica é imprescindível.

A fixação da Cultura Ocidental no dinamismo de alteridade deu ensejo à formação de Símbolos Estruturantes na Sombra Patológica característicos desse dinamismo. Disso resulta uma vivência de busca de encontro afetivo, criativo, sociopolítico, conjugal e, ao mesmo tempo, uma sensação profunda da sua impossibilidade. Isto fez com que a proposta Cristã fosse transformada de um processo ontológico e cultural em algo idealizado e transferido "para o outro mundo". Esta fixação é o pano de fundo de um pessimismo e de uma desconfiança permanente na relação homem-mulher, subjetivo-objetivo, povo-governo e ser humano-planeta, levando a uma suspeita insidiosa e terrível de que talvez nossa espécie se torne a médio prazo inviável, o que em termos simbólicos no dinamismo de alteridade significa que a conjunção de opostos não teria chegado a bom termo e teria ocorrido de forma sombria e destrutiva, acarretando a inviabilidade do Todo.

A grande contribuição que as Culturas Índias e Negras do Terceiro Mundo poderão trazer ao terceiro milênio de nossa Era é devida, entre inúmeras outras coisas, ao fato de elas não sofrerem dessa fixação e dissociação e possuírem um dinamismo matriarcal intensamente elaborado e desenvolvido. Nesse sentido, o fato destas culturas não terem linguagem escrita deve ser suficientemente valorizado, pois está diretamente relacionado com a riqueza e a exuberância do dinamismo matriarcal que atingiram e que continuarão a cultivar, quando devidamente compreendidas, apoiadas e estimuladas, para investir toda essa riqueza simbólica no Self Cultural da Sociedade pluricultural. A percepção dos símbolos estruturantes de alteridade, tais como busca de verdade, de conhecimento, de igualdade, de fraternidade, democracia, ecologia e comunhão internacional, inerentes a pujança do Self Cultural Ocidental, interagindo criativamente com os Símbolos Estruturantes das Culturas Índias e Negras, que não possuem sua fixação e dissociação e apresentam um dinamismo matriarcal altamente elaborado e desenvolvido, poderá nos proporcionar uma perspectiva histórica mais criativa do que a atual.

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Recebido em: 25/03/2019
Revisão: 24/05/2019

 

 

1 Este artigo é o resumo de um livro em preparo, com o mesmo nome, que desenvolve o tema básico do trabalho "Uma Teoria Mitológica da História", apresentado no Simpósio Internacional de Indagação sobre o Inconsciente, Painel Inconsciente e História, UERJ, 1981, que, por sua vez, já foi a continuação do trabalho "O Padrão Pós-Patriarcal na Psicoterapia. Uma Aplicação de uma Teoria Mitológica da História", apresentado no VIII Congresso Internacional de Psicologia Analítica em São Francisco, 1980. Reescrito especialmente para o primeiro número da Revista Junguiana (Revista Junguiana 1, 1983, p. 8-63) e revisado em 2000.

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