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Junguiana

versão impressa ISSN 0103-0825

Junguiana vol.37 no.1 São Paulo jan./jun. 2019

 

A perspectiva simbólica do espectro obsessivo-compulsivo. O "projeto" de Freud revisitado pelo arquétipo de Jung1

 

The symbolic perspective of the obsessive-compulsive spectrum Freud . "Project" revisited by Jung's archetype

 

La perspectiva simbólica del espectro obsesivo-compulsivo. El "proyecto" de Freud revisitado por el arquetipo de Jung

 

 

Carlos Amadeu B. Byington

Médico Psiquiatra e Analista Junguiano. Membro fundador da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica. Membro da Associação Internacional de Psicologia Analítica. Criador da Psicologia Simbólica Junguiana. Educador e Historiador. E-mail: < c.byington@uol.com.br >, site: < www.carlosbyington.com.br >

 

 


RESUMO

O autor aborda o espectro obsessivo-compulsivo através da dimensão simbólica e arquetípica enraizada em três vertentes: neurológica, psicofarmacológica, e psicodinâmica. Associa os dinamismos arquétipos matriarcal, patriarcal, de alteridade e de totalidade com estruturas e funções do sistema nervoso. A seguir, o autor retoma a hipótese de Katz (1991), segundo a qual o TOC apresenta um distúrbio do processo de repressão (Freud) possivelmente por uma disfunção neuroquímica, envolvendo neurotransmissores, principalmente a serotonina. A interpretação arquetípica desta disfunção é a debilitação da função de delimitação, de organização e de contenção do Arquétipo Patriarcal, que compromete a eficácia de todo o quadro defensivo e configura sua exuberância sintomática projetiva e ritualizadora num esforço para suprir a deficiência. O autor tece considerações sobre a ineficiência da psicoterapia dinâmica exclusivamente verbal no TOC e a relativa eficiência da Terapia Comportamental Cognitiva e argumenta que a associação destas duas teorias através do conceito de técnicas expressivas poderá contribuir com maior eficiência no tratamento não só do TOC, como das fobias e da síndrome do pânico, desde que seja exercido dentro de um enfoque simbólico e arquétipo que inclua a relação terapêutica no nível transferencial criativo e defensivo.

Palavras-chave: TOC, arquétipo e sistema nervoso, símbolo, arquétipo matriarcal, arquétipo patriarcal, terapia comportamental cognitiva, elaboração simbólica, técnicas expressivas, projeção, introjeção.


ABSTRACT

The author approaches the obsessive-compulsive spectrum through the symbolic archetypal dimension rooted in three perspectives: neurological, psycho-pharmacological and psychodynamic. He associates matriarchal, patriarchal, alterity and totality archetypes with structures and functions of the nervous system. The author considers the hypothesis developed by Katz (1991) according to which OCD presents a disturbance of repression due to a neurotransmitter disfunction, mainly of serotonin. From an archetypal perspective, this neuro-chemical disfunction develops a deficiency of the delimiting, organizing and contention functions of the Patriarchal Archetype. The intensification of repression, projection and ritualization in OCD is a neurological and psychological reaction to deal with this deficiency. The author mentions his experience according to which exclusively verbal psychodynamic psychotherapy is largely inefficient in OCD, phobias and panic syndrome. He argues that the relative efficiency of Cognitive Behavior Therapy can be improved if exposure and avoidance techniques are employed as expressive techniques considering the transference relationship and the defenses present within an overall symbolic and archetypal theory of personality development.

Keywords: OCD, archetype and nervous system, symbol, matriarchal archetype, patriarchal archetype, cognitive behavioral therapy, symbolic elaboration, expressive techniques, projection, introjection.


RESUMEN

El autor aborda el espectro obsesivo-compulsivo a través de la dimensión simbólica y arquetípica enraizada en tres vertientes: neurológica, psicofarmacológica, y psicodinámica. Asocia los dinamismos arquetipos matriarcal, patriarcal, de alteridad y de totalidad con estructuras y funciones del sistema nervioso. A continuación el autor retoma la hipótesis de Katz (1991), según la cual el TOC presenta un disturbio del proceso de represión (Freud) posiblemente por una disfunción neuroquímica, involucrando neurotransmisores, principalmente la serotonina. La interpretación arquetípica de esta disfunción es la debilitación de la función de delimitación, de organización y de contención del Arquetipo Patriarcal, que compromete la eficacia de todo el cuadro defensivo y configura su exuberancia sintomática proyectiva y ritualizadora en un esfuerzo por suplir la discapacidad. El autor hace consideraciones sobre la ineficiencia de la psicoterapia dinámica exclusivamente verbal en el TOC y la relativa eficiencia de la Terapia Comportamental Cognitiva y argumenta que la asociación de estas dos teorías a través del concepto de técnicas expresivas podrá contribuir con mayor eficiencia en el tratamiento no sólo del TOC, fobias y del síndrome del pánico, siempre que sea ejercido dentro de un enfoque simbólico y arquetipo que incluya la relación terapéutica en el nivel transferencial creativo y defensivo.

Palabras clave: TOC, arquetipo y sistema nervioso, símbolo, arquetipo matriarcal, arquetipo patriarcal, terapia conductual cognitiva, elaboración simbólica, técnicas expresivas, proyección, introyección.


 

 

Há 100 anos, Kraepelin já reconhecera a neurose obsessivo-compulsiva em sua nosografia, mas foi Freud quem destacou sua importância, ao situá-la, em primeiro plano, junto com a histeria, no seu estudo das psiconeuroses de defesa. Kraepelin e Freud a denominaram Zwangsneurose. O substantivo Der Zwang, em alemão, tem as conotações de contenção e de coerção no uso cotidiano. O termo Zwangslos (sem Zwang) quer dizer à vontade, sem cerimônia. Zwangsneurose refere-se, assim, ao distúrbio da função normal de expressar e de conter. Esta conotação é importante para situarmos o espectro obsessivo-compulsivo (EOC) lado a lado com o funcionamento normal da personalidade na perspectiva simbólica.

 

1. As Três Vertentes da Psiquiatria Moderna

A psiquiatria moderna opera com variáveis de três vertentes que o psiquiatra necessita saber articular de forma inteligente. A primeira é a vertente psicodinâmica com as teorias de formação e operação normal e anormal do ego e da personalidade, empregadas em todas as linhas da psicoterapia, inclusive na Escola Comportamental Cognitiva. A segunda é a vertente neurológica dos núcleos e circuitos nervosos, relacionados entre si e com o córtex cerebral e seu funcionamento bioquímico. A terceira é a vertente psicofarmacológica que opera com medicamentos que agem na neuroquímica e afetam os componentes psicodinâmicos. A dificuldade de se exercer eficientemente a psiquiatria hoje é que é pouco frequente o profissional ter conhecimento destas três vertentes e, mais raro ainda, ter a consciência da necessidade de adquirir esse conhecimento. A psicodinâmica desta limitação é que a forma mais fácil do terapeuta não a ver em si próprio é projetá-la na psiquiatria, distorcendo-a e privilegiando a eficácia de uma vertente, ou no máximo duas, em detrimento da restante. Com isso, sofre a verdade científica e sofrem os pacientes que as necessitam para o seu tratamento, especialmente no caso do espectro obsessivo-compulsivo (EOC).

Foi durante este simpósio que me dei conta desta limitação em mim mesmo. Como a minha especialização é dominantemente na vertente psicodinâmica, pedi o apoio dos colegas participantes mais versados nas outras duas vertentes, que me indicaram valiosa bibliografia atualizada, que consultei para redigir este artigo. Como sempre, estudar não foi o problema. O mais difícil foi constatar a minha limitação no progresso recente nas outras vertentes, sobretudo no que concerne à relação dos núcleos da base com o EOC dentro da vertente neurológica.

Para considerar a psicodinâmica do EOC junto com a vertente neurológica e psicofarmacológica, proponho um conceito de símbolo que as abrange. Emprego este conceito de símbolo para nomear as características de algo, seja coisa ou vivência, que relacionam subjetiva e objetivamente esta coisa ou vivência com o todo das ideias e emoções, da cultura, do corpo e da natureza (BYINGTON, 1988). Por exemplo, a compulsão de eliminar a sujeira com um ritual minucioso de lavar-se por longo tempo, percebida simbolicamente, inclui todas as características do ato ritual, tanto as objetivas, quanto os significados subjetivos, conscientes e inconscientes. Nesta perspectiva, o símbolo inclui a psicodinâmica, a psicofarmacologia e a neurologia, lado a lado e inter-relacionadas. O fato de que um paciente com transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) apresenta um ritual obsessivo-compulsivo de lavar-se que melhora com psicoterapia, outro que apresenta TOC junto com síndrome de La Tourette que melhoram com penicilina e um terceiro caso que só melhora com clomipramina não excluem a perspectiva simbólica, mas se incluem nela com características objetivas diferentes que precisam ser pesquisadas em cada caso. Junto a estas estarão as características subjetivas, como a ansiedade e a repugnância de se sentir sujo e contaminado, por exemplo. As características subjetivas podem ter componentes conscientes e inconscientes. Freud (1909) percebeu que lavar o corpo no TOC tinha o significado de purificação de certas emoções projetadas no corpo, que permaneciam inconscientes, como, por exemplo, a agressividade ou a atração sexual. Chamou especialmente sua atenção nesta síndrome a constância da defesa de deslocamento no nível objetivo e subjetivo. Uma pessoa com TOC pode controlar compulsivamente o medo de ser assaltado deslocando rituais de fechar portas, para janelas, chaves, fechaduras, vigilância no prédio e saídas à rua. Da mesma forma, pode obsessivamente deslocar sua ansiedade de uma modalidade de assalto para outra com grande versatilidade. Ora pode ser um ladrão, ora um terapeuta, ora um empregado, que carregará sua fantasia do assaltante projetada. O mesmo ocorre com as obsessões-compulsões de limpeza e de simetria. A versatilidade da defesa de deslocamento no TOC se contrapõe à ideia obsessiva de emagrecimento na anorexia nervosa, por exemplo. Aqui, a compulsão é de emagrecer o corpo através da dieta, dos eméticos ou dos laxativos. Não há deslocamento.

A perspectiva simbólica do EOC é necessária para percebê-lo dentro do controle das atividades humanas, cujo grande exemplo é o trabalho diário. O mito de Sísifo, que conta sua história no Hades, empurrando, dia após dia, uma pedra que atinge o cume de uma montanha e rola para baixo outra vez é aqui significativo, sobretudo se lembrarmos que Sísifo não se conformou com sua finitude e enganou a morte quando ela veio buscá-lo pela primeira vez. Por um lado, o mito é o exemplo da improdutividade do TOC. São pessoas que consomem uma energia e um tempo enormes na repetição de seus rituais. Mas, por outro lado, como acentua Albert Camus no seu livro sobre o mito, trata-se da representação da essência da condição humana. Controlar a natureza simbolicamente empurrando pedras montanha acima, que rolarão depois e serão outra vez empurradas por nós e algum dia por outros é uma forma de descrevermos o caminho da humanidade. Bebemos, comemos e dormimos sem nunca acabarmos com a sede, a fome e o sono. Erradicamos algumas poucas doenças e logo descobrimos outras mais. Nisso tudo somos Sísifos. Seu mito é uma forma de situarmos nosso trabalho com a devida humildade e reverência diante da imensidão das forças cósmicas dentro das quais operamos. Afinal, empurramos pedras montanha acima, sem nunca chegar a construir as montanhas que subimos e descemos. Nesse particular, o mito de Sísifo nos exemplifica a relatividade e finitude do Eu diante da grandeza do Self que o abrange.

 

2. A Polaridade Histeria/Neurose Obsessivo-Compulsiva

A argúcia clínica de Freud repartiu a importância da nosografia das neuroses principalmente entre a histeria e a neurose obsessivo-compulsiva. Deu importância secundária à neurose de ansiedade (síndrome de pânico), às fobias e à neurose pós-traumática. Situou as perversões em outra categoria. A teoria da repressão e a teoria dos instintos de morte e de vida de Freud me dificultam relacionar o EOC com o desenvolvimento normal, porque, a meu ver, são dualistas ("maniqueístas") e misturam muitos componentes anormais com os normais. Além disso, a teoria não se mostra apropriada para correlacionar o sistema nervoso com a psicodinâmica porque ela é centralizada no controle do incesto e da agressividade dirigida aos pais no início da vida, o que a torna limitada para expressar a criatividade e as funções psíquicas durante todo o processo existencial. A terceira dificuldade é o favorecimento do Arquétipo Patriarcal, identificado com o princípio da realidade, em detrimento do Arquétipo Matriarcal que é preconceituosamente equacionado com o desejo, o inconsciente, o princípio do prazer, a imaturidade, o incesto, o parricídio e as pulsões instintivas indiferenciadas e incapazes de ética e de civilização.

O conceito de Arquétipo de Jung (1975) parece-me mais útil para situar o TOC no EOC e este, no desenvolvimento normal. Sendo o arquétipo um padrão de funcionamento psicológico, cuja principal característica é a criatividade que engloba o desenvolvimento normal e patológico, ele é o conceito ideal para ser ampliado junto com o conceito de símbolo para englobar também as três vertentes: a psicodinâmica, a neurológica e a psicofarmacológica na normalidade e na patologia. Como parte do genoma humano, os arquétipos correspondem aos padrões de conduta dos animais na etologia e podem ser compreendidos também como os padrões neurológicos típicos de funcionamento do sistema nervoso e neuroquímico das neurosinapses, onde operam os psicofármacos, também arquetipicamente, isto é, de forma característica e única em nossa espécie. Ampliado desta maneira, o conceito de arquétipo é ideal para retomarmos o projeto de Freud (1895 p. 395), que este ano aniversaria um século e associarmos as manifestações psicodinâmicas às neurológicas, como ele começou a fazer. Para isso, é necessário, primeiro, compreendermos a relação dos arquétipos com a histeria, o EOC e o sistema nervoso.

 

3. A Polaridade Matriarcal/Patriarcal

Retomando a divisão de culturas com dinâmica matriarcal e patriarcal realizada por Bachofen (1948) no século passado e embasada nos arquétipos por Erich Neumann (1954), podemos reconhecer o espectro histérico (EH) e o EOC como as duas grandes síndromes patológicas dos arquétipos matriarcal e patriarcal. Apesar de as encontrarmos com muito maior frequência na dimensão neurótica, elas também podem se apresentar na dimensão psicótica. O famoso caso de Anna O. (BREUER, 1969), tratado por Joseph Breuer (1893) e dez anos depois analisado por ele e Freud, se tratava claramente de um caso de histeria psicótica, assim também diagnosticado por Breuer.

O Arquétipo Matriarcal é caracterizado pelo prazer, pela sensualidade, pela ludicidade, pela intimidade e pela espontaneidade. Sua expressividade consciente-inconsciente se exerce de preferência na relação simbiótica e bastante indiscriminada entre o Eu e o Outro. Essa pouca diferenciação entre o Eu e o Outro, no nível do corpo, favorece a expressão corporal normal das emoções, através do sistema endócrino e do sistema nervoso vegetativo (simpático e parassimpático): sudorese, palpitação, peristaltismo e secreções salivares, hepáticas, gástricas, pancreáticas e intestinais, aumento ou diminuição da circulação sanguínea em setores específicos do organismo através da vasodilatação e vasoconstrição (enrubescimento e palidez emocionais), com variação correspondente da pressão arterial, e tantas outras manifestações. A denominação de psicossomática e de conversão é imprópria porque ambígua, sobretudo quando não diferencia o fenômeno normal do patológico. No nível das ideias, este arquétipo, devido à simbiose do Eu com o Outro, opera grandemente com a magia e, a intuição e no nível da natureza, com o animismo.

O Arquétipo Patriarcal é caracterizado por funcionar com acentuada separação entre o Eu e o Outro e entre o consciente e o inconsciente (posição polarizada), que permite abstrair, organizar e controlar o processo psíquico. Desta organização nasce a ênfase no dever e na hierarquização dos valores, na moral, na tradição e na tarefa. É também esta organização que impõe ao Eu os códigos de submissão aos princípios abstratos e o apego ao poder de comandá-los. Freud (1913) identificou a moral com o superego, introjetado pela proibição do incesto. A conceituação do Arquétipo Patriarcal, tendo como base a organização abstrata que regula o incesto junto com o Arquétipo Matriarcal, é bem mais ampla que a teoria do superego. Enquanto o Arquétipo Matriarcal se exerce muito melhor através do sistema nervoso vegetativo e do sistema endócrino, devido à forma sensual de simbiose consciente-inconsciente entre o Eu e o Outro pela qual funciona (posição insular ou simbiótica), o Arquétipo Patriarcal se exerce preferencialmente através do sistema nervoso motivacional, posto que sua função de organização exige uma separação muito maior entre o Eu e o Outro e entre o consciente e inconsciente e, por isso, elege a dominância cortical da ação como a modalidade apropriada para o seu desempenho. No nível das ideias, o dinamismo patriarcal é o grande formador de sistemas. No nível da sociedade e da natureza é principalmente planificador, controlador e hierarquizador.

Antes de entrarmos em detalhes sobre a associação do EH, dominantemente como uma disfunção do Arquétipo Matriarcal, e do EOC como uma disfunção dominantemente do Arquétipo Patriarcal, é necessário compreendermos que, diferentemente do Id, os arquétipos não são pulsões instintivas, e sim formas de regular sua expressão. Da mesma forma que o sistema nervoso nem gera nem exerce totalmente o sexo, o medo, a agressividade, a fome, o humor (bem-estar-mal-estar), a respiração e o sono, mas apenas os influencia e controla, assim também os arquétipos não geram funções, mas apenas coordenam sua expressão.

 

4. A Função Simbólica e o Sistema Nervoso

A inteligência humana consciente está baseada em grande parte na constituição do córtex cerebral que associa a experiência existencial de forma criativa para aplicá-la à conduta. É esta associação criativa da vivência com o todo existencial exercida no córtex cerebral que denomino função simbólica. No entanto, esta função não age diretamente a partir da percepção das coisas. Se assim fosse, o córtex não precisaria do sistema neuroendócrino e do corpo. A função simbólica age a partir das vivências. O corpo e suas funções experienciam a vida, e a função simbólica do córtex coordena as vivências para a conduta inteligente. É assim que o cérebro contribui para formar e transformar a identidade do Eu e do Outro e da consciência. Assim, a consciência e a identidade do Eu e do Outro estão em grande parte no córtex, mas eles não são o córtex cerebral. A consciência, o Eu e o Outro são formados e transformados pela função simbólica que elabora significativamente as vivências no córtex. Para isso, o córtex possui inúmeros circuitos ligados entre si e com as estruturas subcorticais. As funções estruturantes vitais experienciam as coisas e as transformam em vivências. A função simbólica cortical elabora as vivências e forma a identidade do Eu, do Outro e da consciência que articulam a conduta inteligente humana. Quanto menos complexos são os organismos na escala zoológica, menos ou nenhum córtex têm, menos sua conduta é inteligente e mais suas respostas são determinadas por reações estereotipadas. São padrões arquetípicos com simbolização muito limitada na sua forma, praticamente literal, que expressam os padrões de conduta dos animais. Muitos padrões da conduta humana também são assim. Vemos uma cena de agressividade e sentimos raiva. Vemos uma cena erótica e sentimos excitação sexual. Enquanto os animais, com menos córtex e função simbólica, reagem com a ação, nós podemos elaborar a vivência e adotar uma conduta apropriada e inteligente. Quando não elaboramos as vivências, podemos ter uma reação direta como os animais. Por outro lado, os animais superiores que têm córtex mostram muitas vezes uma conduta inteligente que expressa o funcionamento simbólico. O golfinho, por exemplo, que tem uma complexidade cortical muito acentuada, é sabidamente capaz de conduta simbólica inteligente.

Denomino o trabalho exercido sobre as vivências pela função simbólica de elaboração simbólica. É deste trabalho que formam e se transformam a identidade da consciência, do Eu e do Outro. Este trabalho torna as vivências símbolos estruturantes da consciência, do Eu e de toda a personalidade. O trabalho de elaboração simbólica transforma também as funções vitais em funções estruturantes. A afetividade, a agressividade, o medo, a inveja, o ciúme, a mentira, a sexualidade, a fidelidade, o fascínio, a ética, a transgressão e a vergonha, por exemplo, são algumas das funções estruturantes da psique. A elaboração simbólica é assim, o principal trabalho exercido pela articulação criativa do córtex cerebral com o resto do sistema nervoso, através dos símbolos e funções estruturantes. O conceito de arquétipo é importante, porque como sua principal característica é a de um padrão herdado e criativo para elaborar vivências, ele tem abertura suficiente para receber, no futuro, as inúmeras descobertas que se anunciam na vertente neurológica e na vertente farmacológica, e associá-las à vertente psicodinâmica, principalmente porque o conceito de arquétipo abriga as variações patológicas dentro do padrão normal.

 

5. As Funções Estruturantes Criativas e Defensivas

O principal distúrbio do processo de elaboração simbólica é a defesa, descoberta e nomeada por Freud inicialmente com a denominação geral de repressão. O fato de Freud e Melanie Klein terem descrito o desenvolvimento normal a partir da neurose, patologizou muito a psicanálise, confundindo o normal com o patológico. Ao nomear as posições normais do Eu de esquizoparanoide e depressiva, Melanie Klein confundiu ainda mais o normal e o patológico, o que afastou muito a psicologia dinâmica da psiquiatria clínica. Quando situamos, porém, as defesas como funções estruturantes defensivas disputando a elaboração dos símbolos estruturantes com funções estruturantes criativas, ambas coordenadas pelos Arquétipos Matriarcal e Patriarcal, o referencial teórico fica mais claro para a nossa finalidade.

Esta separação das funções estruturantes em criativas e defensivas é muito importante para separarmos o normal do patológico. Sua grande diferença psicodinâmica está no fato de as estruturas defensivas impedirem a livre elaboração consciente dos símbolos, levando-os à compulsão de repetição inconsciente dos quadros clínicos. Deve-se ressalvar que as estruturas defensivas circunstanciais raramente levam à patologia. Em momentos de ansiedade existencial, podemos ter projeções catastróficas imaginárias e adotar rituais evitadores sem formarmos um quadro obsessivo-compulsivo clínico. É a cronificação das estruturas defensivas que as tornam a base da psicopatologia habitual.

A psicodinâmica ajuda muito a psiquiatria com a separação das estruturas em criativas ou normais e defensivas, porque permite que ela raciocine sobre os distúrbios clínicos como variações do desenvolvimento normal. Isto é fundamental para identificarmos os conteúdos reprimidos e as ideias obsessivas dentro de personalidades com um padrão patriarcal muito ativado e que, por isso, desempenham um alto grau de organização e eficiência.

Uma mulher de meia-idade, viúva (caso A), desempenhava a posição de executiva e cuidava de toda a família, inclusive filhos e netos. Era imensamente organizada e eficiente. Sofria, no entanto, de uma neurose que a impedia de ser feliz. Apesar de sua inegável eficiência, pela qual era por todos admirada, tinha uma autoestima muito baixa, não se permitia nenhuma regalia, não defendia suas causas além de certo ponto e se sentia atraída pela morte para se liberar. Tinha um sonho de repetição com um desastre, no qual morriam pessoas, e ela era incriminada. Havia feito tratamento medicamentoso antidepressivo sem resultado. Depois de longa e minuciosa elaboração do seu processo existencial, um dia revelou o que mostrou ser a chave do seu sistema defensivo: achava que se insistisse com alguém para fazer algo, sobretudo se fosse uma pessoa querida, a pessoa poderia morrer e ela seria culpada. Devido a essa vivência, pensava que seu poder de fazer mal aos outros era tal que não merecia nada para si e só seria aliviada pela morte. Associou a formação dessa ideia com a morte de seu pai. Tinha sete anos. Sua tia entrou em casa anunciando uma tragédia. No quarto ao lado, a paciente ouviu que alguém morrera de acidente. Numa fração de segundo, desejou que fosse seu pai, por quem sentia restrições, em vez de seu tio, que adorava. Entramos com técnicas expressivas de imaginação, desenho e dramatização para vivenciar a função ideativa tornada defensiva e revertê-la ao normal.

O que chama atenção neste quadro neurótico é que ele se camuflava defensivamente empregando inúmeras estruturas criativas operando patriarcalmente como coadjuvante. Toda a sua enorme eficiência existencial operava defensivamente como um ritual obsessivo-compulsivo para neutralizar e esconder a ideia de ser capaz de produzir a morte. Nos casos de TOC, o ritual obsessivo de controle é evidente, mas esses casos são 2,5% da população, como confirmou del Porto (1995) em sua pesquisa. É de se supor que a psicodinâmica obsessivo-compulsiva numa população seja muito mais extensa. Este caso ilustra que defesas sistematizadas camufladas podem aparecer nas neuroses de dominância patriarcal com a mesma função do ritual. Sabemos por experiência no tratamento destas neuroses que, quanto mais eficiente é a defesa, mais ela é camuflada e menos se mostra como um ritual, apesar de ter a mesma função que este. No caso que acabamos de mencionar, pareceu-me que todas as funções estruturantes criativas, que a empresária exercia, tais como, liderança, organização e ação foram envolvidas defensivamente para cercear e ocultar a ideia de ser capaz de causar a morte pelo pensamento. Neste ponto já podemos introduzir algo que desenvolveremos adiante e que é central na perspectiva simbólica do TOC: seu quadro sintomático é muito mais exuberante que os quadros habituais rigidamente organizados de dominância patriarcal devido primariamente à debilidade da função arquetípica e não à sua intensidade como pode parecer à primeira vista.

Algo muito importante que del Porto também assinalou em sua tese é que o TOC nem sempre se desenvolve numa personalidade rigidamente organizada, como encontramos nas pessoas com tipologia patriarcal dominante. A meu ver, só as aparências permitem empregar este dado estatístico para negar os componentes psicodinâmicos do TOC. Uma explicação psicodinâmica para este fato pode ser encontrada na tipologia Junguiana (JUNG, 1967). Ela nos ensina que as defesas nem sempre se organizam pelas funções tipológicas mais diferenciadas. Pelo contrário, é comum as defesas se organizarem para expressar os símbolos na Sombra a partir das funções tipológicas menos diferenciadas. Um intelectual, tipo pensamento, que tem esta função como função mais diferenciada, pode apresentar uma neurose sexual com ejaculação precoce, expressando sua dificuldade com o sentimento, sua quarta função, isto é, sua função tipológica menos diferenciada. Isto não impede que encontremos tipos pensamento cuja racionalização seja a principal defesa dentro da dissociação neurótica. Falam e explicam tudo para esconder sua dificuldade de sentir. Às vezes, o sintoma surge dentro da própria função superior como, por exemplo, no caso de um brilhante professor, também tipo pensamento, que começou a ter um vazio mental no meio de uma frase. A psicoterapia mostrou que sua agressividade reprimida estava se manifestando por este roubo neurótico do pensamento.

De forma análoga, um quadro de TOC pode se manifestar dentro de uma personalidade muito organizada, de dominância patriarcal ou de outra personalidade, sensual e prazerosa de dominância matriarcal. O EH também pode manifestar a disfunção arquetípica matriarcal que lhe é familiar, dentro de uma personalidade com dominância matriarcal ou patriarcal. Um dos casos de neurose histérica mais difíceis que tratei apresentava frigidez sexual e anestesia psicogênica de várias regiões do corpo. A paciente era do tipo pensamento extrovertido exuberante dentro de uma tipologia arquetípica de intensa dominância patriarcal.

 

6. As Funções Estruturantes da Introjeção e da Projeção

Antes de diferenciar ainda mais a neurose obsessiva da histeria, através dos dinamismos matriarcal e patriarcal, quero acrescentar as funções estruturantes da introjeção e da projeção ao Processo de Elaboração Simbólica para compreendermos melhor as diferenças entre a identidade do Eu e do Outro na normalidade (funções criativas) e na patologia (funções defensivas).

A função estruturante da introjeção elabora os símbolos centrada na identidade do Eu e a função estruturante da projeção elabora os símbolos centrada na identidade do Outro. No caso A, a principal problemática da ideia obsessiva de fazer o mal recaía sobre a projeção defensiva sobre o Outro, que devia ser protegido pelo sistema defensivo do trabalho e da proteção aos membros da família. Esta atividade, apesar de muito criativa, estava no final claramente a serviço da projeção defensiva de proteger os outros. A introjeção defensiva que a deprimia, provinha da função afetiva defensiva através da qual a paciente negava seu valor. Apesar de trabalhar absurdamente, sentia que não fazia mais que sua obrigação. O distúrbio da função introjetiva também estava presente, no se sentir má e onipotentemente capaz de matar os outros, levando-a à conclusão de que a morte era única forma de libertar-se. Esta introjeção defensiva, como era de se esperar, produzia um quadro depressivo, mas que funcionava de forma secundária à projeção defensiva. A defesa que regia o quadro psicodinâmico era a projeção defensiva contida na ideia de fazer o mal aos outros e que produzia enorme ansiedade.

Um homem de meia-idade (caso B) procurou terapia em função de problemas conjugais. Trabalhava muito e de forma eficiente, mas não se valorizava. Sua mulher nada fazia, posava de nobre e ainda o ridicularizava. Não tinham mais vida sexual. Ele se sentia neurótico e masoquista, um "verdadeiro Sísifo", dizia, porque, quanto mais ela o ridicularizava, mais ele trabalhava para satisfazê-la. Há meses ele conhecera outra mulher que o admirava e por quem se apaixonara, mas sentia muita culpa que o impedia de se separar. Tinha duas irmãs mais velhas, mas era o único filho homem. Quando bebê, pouco dormia e se tornou uma curiosidade médica pelo tempo que ficava acordado, olhando, sem chorar. Nasceu com os pés torcidos e durante a adolescência fizera exercícios obstinados até corrigir o defeito. Seu pai era mulherengo e jogador e pouco ficava em casa. Sua mãe era trabalhadora e "perfeita". A tipologia do paciente era pensamento sensação extrovertida com acentuada dominância patriarcal. Numa sessão, trouxe-me um sonho no qual saía de um cabeleireiro unissex de peruca e com um pé usando sapato de salto alto. Examinamos sua identidade sexual e, depois de muita resistência, confessou-me que se sentia homossexual e, mais ainda, mulher. Essa ideia absurda era a vivência central, em torno da qual se organizara a neurose, usando todo o seu trabalho como um grande ritual para escondê-la.

As principais diferenças psicodinâmicas e clínicas entre o EH e o EOC podem ser melhor compreendidas através da dominância dos dinamismos matriarcal e patriarcal e suas amplificações neurológicas e psicofarmacológicas. Falamos sempre em dominância, porque estes arquétipos estão sempre juntos e atuantes. O que diferencia a sua psicodinâmica é a dominância de um ou do outro na expressão das estruturas criativas e defensivas. Nos indivíduos normais, encontramos uma verdadeira tipologia inata, que além das funções da consciência e das atitudes de extroversão e de introversão descritas por Jung (1967), apresentam também uma dominância matriarcal ou patriarcal inata na personalidade. O tipo de dominância matriarcal apresenta frequentemente dominância das funções mais atribuídas ao hemisfério cerebral direito e o tipo de dominância patriarcal apresenta também frequentemente dominância das funções mais atribuídas ao hemisfério cerebral esquerdo.

Uma mulher de meia-idade (caso C) procurou terapia porque sofria de tantos males que seu clínico não sabia mais o que fazer. Quando melhorava de sua disfunção ovariana, tinha insônia, logo depois sofria de faringite que desaparecia em pouco tempo. Volta e meia apresentava crises de fragilidade capilar. Tinha um leucograma que oscilava do normal ao patológico sem uma explicação clara. Era muito intuitiva com mediunidade comprovada. Muito afetiva e querida, era também sedutora, dramática e sabia cativar os homens, especialmente seus médicos, ora melhorando, ora piorando "irremediavelmente" a ponto de desesperá-los. Descrevia sua mãe como gélida e dizia que sempre havia sido a querida de seu pai. Sonhava de forma exuberante. Confessou-me um dia que tinha a ideia fixa desde pequena de ser órfã de mãe.

Uma mulher madura (caso D), divorciada e mãe de dois adolescentes, procurou terapia por medo de enlouquecer. Tinha uma ideia recorrente de que seus filhos podiam morrer de acidente ou doença. Ela mesma sofria de enxaqueca, colecistite crônica não calculosa, insônia intermitente, dismenorreia frequente e outros sintomas físicos que muito a atormentavam. Era dedicada e eficiente e bem-sucedida como comerciante. Tinha pesadelos com homens maus. Gostava de sexo, mas não suportava a ideia de depender de um homem.

Todos os quatro casos apresentam defesas introjetivas e projetivas as mais variadas, mas os dois primeiros diferem claramente do terceiro e quarto pela organização dos seus sintomas e de suas defesas dentro de sua personalidade. A dominância patriarcal dos dois primeiros pela organização abrangente e sistemática de suas defesas os situa no EOC. Já os dois últimos apresentam uma exuberância de sintomas vegetativos e endócrinos que se manifestam como sintomas emergentes num mar de sofrimento. Nestes, a mistura do Eu com o Outro no nível do corpo e do relacionamento interpessoal expressam ao mesmo tempo o Arquétipo Matriarcal e os quadros clássicos do EH.

A amplificação neurológica da constituição do hipotálamo nos ensina que ele é uma parte importante subcortical do cérebro que se caracteriza por conter um grande número de circuitos neuronais relacionados às funções vitais. Estes circuitos regulam a temperatura corporal, a frequência cardíaca, a pressão arterial, a osmolaridade sanguínea, a ingestão de alimento e água. O hipotálamo exerce sua influência sobre todo o organismo para preservar a homeostasia (Cannon) através de três sistemas: o sistema endócrino, o sistema nervoso autônomo simpático e parassimpático e o sistema motivacional.

Vemos aqui claramente a diferença das características dos espectros histérico e obsessivo-compulsivo no nível neurológico e arquetípico. Enquanto que o Arquétipo Matriarcal e o EH se expressam principalmente através do sistema endócrino e autônomo, o Arquétipo Patriarcal e a EOC se expressam basicamente pelo sistema motivacional. É isto que faz com que no EH encontremos um Eu introjetando defensivamente as funções de vulnerabilidade, impotência, dramatização e sedução. A relação íntima consciente-inconsciente do Eu com o Outro, acessível ao sentimento e à intuição, é muito menos acessível ao pensamento e à sensação. O EH expressa-se principalmente através da inconsciência e de impotência no lusco-fusco "do mundo da lua", através dos hormônios e das vísceras, fora da musculatura esquelética e da ação volitiva. Neste território neurológico o EH apresenta sua patologia sob a dominância do dinamismo matriarcal, daí não ter cabimento referir-se aos seus sintomas como conversão ou psicossomatização. Eles são sim a expressão defensiva, neurótica ou psicótica com predominância do dinamismo matriarcal. As paralisias histéricas que atuam sobre a musculatura esquelética formam uma exceção a esta regra geral. Há que se considerar, porém, que as paralisias histéricas eram muito mais frequentes no final do século XIX, quando a histeria recebeu grande atenção dos neurologistas. Da mesma forma que a síndrome histérica se expressou fortemente através da bruxaria na Inquisição e mais tarde através das convulsões, quando Charcot estudou-a em contato com epiléticos na Salpêtrière, posteriormente, se apresentou como paralisias na clínica de neurologistas, ela hoje surge como "depressão" para receber atenção e medicação nos consultórios de psiquiatria e até de clínica geral. Essas variantes são devidas à sugestionalidade histérica e ocorrem em função dos costumes culturais oriundos grandemente de atitudes patriarcais defensivas. Trata-se assim, de uma identificação defensiva emprestada do opressor e não, de uma característica própria. É importante reconhecermos a expressão corporal normal do dinamismo matriarcal, mesmo que ela seja exuberante. Quando não há defesas e a expressão corporal pode ser elaborada simbolicamente livremente, devemos ouvir e atender à linguagem do sofrimento do corpo, sem acharmos que ela expressa defesas necessariamente inconscientes. No caso destas existirem, isso só pode ser levado a cabo através da elaboração das defesas.

Já no dinamismo patriarcal temos a amplificação neurológica no hipotálamo do sistema motivacional que liga a consciência à musculatura esquelética através de circuitos neuronais que incluem os núcleos da base do cérebro. O Arquétipo Patriarcal, pelo fato de funcionar através da organização sistemática necessita da separação Eu-Outro, consciente-inconsciente muito bem delimitada, de tal maneira que encontra no sistema nervoso motivacional um tipo de funcionamento que lhe corresponde. Ao invés da inação da histeria diante do sofrimento, que necessita impressionar e seduzir para que alguém a socorra, temos aqui uma relação direta entre necessidade e ação. O Eu age sobre a obsessão volitivamente através dos rituais, mesmo com a presença de defesas inconscientes. Um ritual para evitar a sujeira pode ser muito ativo e ao mesmo tempo esconder defensivamente que essa sujeira se refere à sexualidade. O Arquétipo Patriarcal foi o dinamismo solar arquetípico que organizou e dominou a natureza, as demais espécies e finalmente todo o planeta. O computador foi sua consequência natural e o EOC é sua resultante patológica. O que caracteriza o EOC em contraposição ao EH é a ação, providenciada e exercida, que culmina no ritual defensivo do TOC.

A amplificação neurológica dos espectros histérico e obsessivo-compulsivo não termina no hipotálamo, mas se comunica com todo o sistema nervoso central (SNC) e a medula. Sua base cortical é significativa. São hoje sobejamente conhecidas as diferenças entre o hemisfério cerebral direito (HCD) e o esquerdo (HCE). Não é por acaso que o HCE tem o centro da palavra, pois ele se caracteriza dominantemente pelos aspectos racionais, lógicos e discursivos, enquanto que o HCD é caracterizado principalmente pela imagem, pela intuição, pela gestalt e pela música. Não é preciso mais dados para fazermos a associação do dinamismo matriarcal dominantemente com o HCD e o dinamismo patriarcal dominantemente com HCE.

Os Arquétipos Matriarcal e Patriarcal não funcionam isoladamente. Neurologicamente, são muitos os circuitos que reúnem os dois hemisférios cerebrais e os três sistemas do hipotálamo. A interação da neuro-hipófise e da adenohipófise é significativa, bem como dos circuitos corticais com os núcleos da base.

 

7. Os Arquétipos da Alteridade e da Totalidade

Existem dois outros arquétipos que se expressam através dessas associações. Eles são os Arquétipos da Alteridade e da Totalidade que formam com os Arquétipos Matriarcal e Patriarcal o Quatérnio Arquetípico Regente. Este Quatérnio coordena todo o processo de elaboração simbólica junto com os inúmeros outros arquétipos. O Arquétipo da Alteridade é responsável por coordenar a interação dialética de situações incluindo a extensa interação frequentemente conflitiva dos dinamismos matriarcal e patriarcal. Já o dinamismo de totalidade representa a totalidade da psicodinâmica a cada momento. A amplificação neurológica desses dois arquétipos é conjunta, pois a dialética de alteridade deve sempre formar um todo. Convido os especialistas a situarem estes dois arquétipos nos circuitos neuroendócrinos. Finalmente, temos o Arquétipo Central à volta do qual opera o Quatérnio Arquetípico Regente e todos os demais arquétipos e atividades psíquicas. Sem dúvida, a maior e mais ousada das formulações de Jung, o Arquétipo Central ou Arquétipo do Self postula uma centralização de toda a atividade psíquica. É este arquétipo que me permite considerar todo e qualquer símbolo representativo da totalidade do Self. Nas células, no corpo e no sistema neuroendócrino, o Arquétipo Central ainda não foi descoberto. Não temos ideia ainda onde e como situá-lo. No entanto, todos os cientistas com quem conversei, sejam eles botânicos, geólogos, médicos clínicos ou neurologistas, que refletem sobre o significado global do que conhecem e pesquisam, concordam que existe uma atividade genética centralizadora e coordenadora do desenvolvimento e do funcionamento global nos organismos vivos. Se percebemos as grandes forças da natureza como a gravidade, o espaço-tempo, a luz e o eletromagnetismo também como arquétipos, podemos conceber a presença do Arquétipo Central em todo o Cosmos.

Assim formulados os arquétipos centralizados à volta do Arquétipo Central, temos o gráfico final do processo de elaboração simbólica.

Acompanhei em análise o caso de uma mulher de meia-idade (caso E) que começou a apresentar intolerância inusitada com as limitações de seus familiares e, concomitantemente, deixou de fumar. Isto surpreendeu a família e a si própria, pois fumava há 30 anos e nunca conseguira parar. Passou a exigir muito mais ordem na casa do que antes e começou a subir e descer as escadas com um pano nos pés para aumentar a limpeza. Um dia, pela manhã, notou que a lanterna traseira esquerda do seu carro estava batida e a luz apagada (um belo exemplo de sincronicidade como vemos a seguir). Saiu de casa dirigindo e, ao entrar numa avenida e olhar para a esquerda, notou uma pequena diminuição do campo visual esquerdo. A sincronicidade está na descoberta da lanterna traseira esquerda batida e, logo a seguir, a percepção da limitação do campo visual esquerdo. O exame oftalmológico detectou compressão do globo ocular, o exame otorrinolaringológico e neurológico, junto com a tomografia da base do crânio identificaram um tumor que foi retirado. Seu diagnóstico cirúrgico e histopatológico foi de mucocele, formado possivelmente a partir de um traumatismo craniano que sofrera. Já no pós-operatório desapareceu sua preocupação exagerada com ordem e limpeza. Voltou a fumar, às vezes, como diversão.

Este caso ilustra a interrelação da vertente psicodinâmica e neurológica do símbolo. É significativo o número de problemas neurológicos que o psiquiatra e o psicoterapeuta são os primeiros a testemunhar. Não acho coerente que alguém se forme em Psicologia sem conhecer Neurologia e Psicofarmacologia. A existência de diferentes profissionais formados em Psicologia e Medicina e o desconhecimento dos psicólogos da psicofarmacologia me parecem ser a expressão da dissociação cultural subjetivo-objetivo e mente-corpo, associada ao interesse corporativista médico. Geralmente os psicólogos conhecem bem mais a psicodinâmica que os médicos, mas não se acham preparados para operar com a vertente psicodinâmica junto com as outras duas. Não podemos esquecer o caso do grande músico americano George Gershwin que durante uma psicoterapia começou a apresentar cefalalgia que foi trabalhada psicodinamicamente. Quando se constatou a existência do tumor cerebral, o caso já era inoperável.

De outra feita, há aproximadamente dois anos, fui consultado pelo pai de uma mulher (caso F) sobre seu tratamento. Pelo relato, inferi tratar-se de um caso de TOC psicótico pelo exagero do ritual delirante, incluindo acentuado componente persecutório. O tratamento foi sempre muito dificultado porque a obsessão de sujeira, contaminação e envenenamento incluía também a alopatia e a abordagem comportamental. Foi uma sincronicidade que, na noite deste simpósio, encontrei um colega que me disse ser atualmente o terapeuta desta paciente. Informou-me que o quadro de TOC iniciara após a extirpação cirúrgica de um tumor da hipófise.

Os dois casos acima pouca atenção chamariam dos analistas por seus componentes neurológicos, antes da ligação de distúrbios neurológicos, sobretudo dos gânglios da base do cérebro e a síndrome de La Tourette, com o TOC, que vêm se acumulando nos últimos anos. Os demais trabalhos deste simpósio abordam em detalhe esta dimensão do EOC. Abrem-se possibilidades de percebermos de forma crescente o papel dos circuitos gânglios da base-tálamo-córtex em vários aspectos do comportamento. Uma característica importante nesses padrões de comportamento são os dois tipos de reações opostas, uma diminuída (hipofrênica) e outra aumentada (hiperfrênica). A primeira encontrada na doença de Parkinson e a segunda nos rituais do TOC (SAINT-CYR; TAYLOR; NICHOLSON, 1995).

A importância da dimensão simbólica está na associação da vertente neurológica com a psicodinâmica e a psicofarmacológica, pois o clínico e o pesquisador necessitam ter sua consciência operando no Arquétipo da Alteridade para poderem interagir essas variáveis. O dinamismo de alteridade nos leva ao desapego característico dos dinamismos matriarcal e patriarcal que nos fascinam com o redutivismo dos modelos unilaterais.

Experiências com bebês macacos com lesões temporolímbicas mostraram um comportamento psicossocial isolado e problemático. Outro grupo de bebês macacos isolados durante o primeiro ano de vida apresentou movimentos estereotipados e autodirigidos e distúrbios neurológicos imunoreativos no núcleo estriado comprovados pela autópsia (MARTIN et al., 1991). Estas experiências em macacos mostram a possibilidade da interação das vertentes neurológica e psicodinâmica na formação do cérebro. No entanto, acredito que não necessitamos exercer tanta crueldade com os animais para obtermos esses resultados. Na realidade, não precisamos da alteração anatômica para imaginar a interação funcional permanente destas duas vertentes. Quando a clomipramina age na pré-sinapse, por exemplo, e melhora um caso de TOC e a exposição comportamental complementa essa melhora, isso demonstra a mesma interação neurológica-psicodinâmica, comprovada quimicamente na histopatologia do cérebro destes macacos.

Como mencionei acima, todas as atividades humanas são vivências elaboradas simbolicamente no córtex cerebral de forma arquetípica. Estas vivências simbólicas estão imersas em sistemas simbólicos que formam mitos. O fascínio que a vertente neurológica exerce sobre a psique do terapeuta e do pesquisador simbolicamente está dentro do Mito da Encarnação. Ao se ver presente nos núcleos e circuitos cerebrais, a consciência tem uma vivência de transcendência de si mesma e de encontro de suas raízes arquetípicas na matéria. Este fascínio é uma projeção que elabora a natureza da psique e nos faz conscientizar seu enraizamento no corpo, na natureza, na cultura e nas ideias, imagens e emoções. Como em toda a projeção, porém, corre-se o risco de ela passar de estrutura criativa a defensiva, tornando-se fixa e dando origem ao redutivismo da vertente psicodinâmica à vertente neurológica. A defesa redutivista traz onipotência e pseudo-segurança ao Eu e estagna temporariamente o processo de elaboração simbólica.

 

8. A Vertente Psicofarmacológica

Num interessante artigo, que me foi enviado pelo Prof. Gilberto Brito após o Simpósio, Katz (1991) relaciona os distúrbios do sistema transmissor da Serotonina no TOC à teoria da repressão de Freud. Argumenta ele que, mesmo sendo primariamente descritivo, o DSM-III-R claramente atribui ao TOC ideias obsessivas primárias e rituais compulsivos de controle secundários. Katz atribui esta dinâmica do TOC à falência da função de controle na sinapse devido à diminuição da serotonina. Nesse caso, a eficácia da clomipramina no TOC é devida provavelmente à neutralização do bloqueador da recaptação da serotonina na pré-sinapse. O consequente aumento da serotonina traria um aumento da capacidade de contenção da ideia obsessiva e uma proporcional diminuição da compulsão ritual para conter a obsessão.

Confirme-se ou não esta brilhante hipótese, ela tem o grande mérito de exercer um modelo de raciocínio psicopatológico que explica e trata o TOC através da integração das três vertentes: a neurológica, a psicofarmacológica e a psicodinâmica. Em termos arquetípicos, diríamos que no TOC há um enfraquecimento farmacológico da função do Arquétipo Patriarcal no nível da neurosinapse, que permitiria uma exacerbação incontida da ideia obsessiva e uma ativação correspondente do Arquétipo Patriarcal para contê-la. A limitação da contenção faria o Arquétipo Patriarcal ativar os rituais de contenção. É importante notar que estes rituais são defensivos, baseados na repressão e no deslocamento. O paciente de TOC não atribui significados à sujeira nem à sua agressividade. É de se supor que estes significados estejam inconscientes, mas pouco adianta conscientizá-los devido ao enfraquecimento bioquímico do Arquétipo Patriarcal nestas sinapses. Este pode ser um dos componentes da explicação da ineficácia da psicoterapia exclusivamente verbal no TOC.

A vertente psicofarmacológica integrada à psicodinâmica é necessária no TOC e em toda a psiquiatria não somente pelo entendimento da psicopatologia, como na hipótese acima, mas também pelo cuidado geral do paciente e do vínculo terapêutico. Se compreendermos que sempre estamos medicando funções arquetípicas é necessário entendermos como elas estão posicionadas criativa e defensivamente. É necessário também percebermos que o vínculo terapêutico transferencial precisa sempre ser conscientizado e, às vezes, elaborado, pois pode estar operando defensiva ou criativamente.

Um psiquiatra estava medicando uma depressão neurótica com imipramina. Acreditava haver um componente endógeno, porque a paciente tinha outros irmãos depressivos e sua mãe havia se suicidado tomando uma dose semanal de antidepressivos muitos anos antes. Como a paciente ia viajar e ele não tinha hora para vê-la, deixou no consultório três receitas de imipramina com três caixas cada uma. Ao pegar as receitas, a paciente deu-se conta que o antidepressivo e os comprimidos nas nove caixas eram a mesma dose com a qual sua mãe havia se suicidado. Interrompeu a medicação e tornou-se fóbica com os antidepressivos.

A conscientização da transferência criativa e defensiva (BYINGTON, 1985) é necessária na vivência simbólica do fármaco para a transferência do paciente e do terapeuta (contratransferência). O psiquiatra deve avaliar os benefícios obtidos à luz de muitos fatores negativos e prejudiciais à saúde do paciente, muitas vezes escondidos dentro das reações de alívio a curto prazo. Ele tem que considerar a pressão da mídia financiada pela poderosíssima indústria farmacêutica, nem sempre de boa-fé. É necessário também conscientizar que o efeito da maioria dos psicofármacos atuais, embora benéficos, é ainda sintomático e sua suspensão no TOC gera recaída. Por outro lado, sua especificidade relativa é acompanhada geralmente de sintomas colaterais e da possibilidade de propiciar o hábito medicamentoso. Em suma, queiramos ou não, a proporção remédio/veneno dos psicofármacos, longe de ser insignificante, faz com que receitá-los seja ainda um mal menor sempre contaminado de iatrogenia, daí a necessidade do cuidado extremamente zeloso na sua administração.

 

9. A Vertente Psicodinâmica

O principal viés desta vertente foi ter ela ficado aprisionada na dissociação sujeito-objeto do final do século XVIII. Esta problemática histórica contaminou a relação da psiquiatria com a medicina através da relação mente corpo e se metastisou, dentro da própria psiquiatria, com a dissociação das escolas de psicoterapia. De um lado, ficaram as escolas de psicoterapia exclusivamente verbais influenciadas dominantemente pela psicanálise e centradas nos fenômenos inconscientes, e do outro, a Escola Comportamental, centrada na conduta e nos fenômenos conscientes.

A criatividade psiquiátrica e cultural do século vinte vem contribuindo ostensivamente para intermediar esta dissociação através de inúmeras escolas como o psicodrama, a psicossíntese, a ludoterapia, a Escola Reichiana, a Gestalt, a psicodança, a psicoplastia, a musicoterapia, a terapia cognitiva e as escolas de origem oriental como a Ioga, o Tai Chi, a meditação, as lutas marciais e tantas outras. Através delas, reaproximaram-se as funções psíquicas verbais e não verbais, conscientes e inconscientes, patológicas e criativas na teoria e na técnica psicoterápica. A Psicologia Analítica de Jung desenvolveu-se nas duas direções. Por um lado, ficou com a psicanálise, centrada nos fenômenos inconscientes e na interpretação verbal. Por outro, desenvolveu a imaginação ativa, a ludoterapia (a caixa de areia e as marionetes), a psicoplastia (desenho, pintura e escultura). Seu conceito de arquétipo foi importante para abrangermos os inúmeros padrões de funcionamento psíquico. Através dele, estamos abordando não só as diferenças entre as escolas de psicoterapia como também as três vertentes simbólicas da dimensão psíquica normal e patológica.

Os Arquétipos Matriarcal e Patriarcal, através dos espectros histérico e obsessivo-compulsivo também contribuíram para intermediar esta dissociação. A histeria muito contribuiu para diferenciar a vertente psicodinâmica da vertente neurológica e o TOC vem nos últimos anos "expondo" as consequências nefastas da dissociação consciente/inconsciente e interpretação verbal/comportamento, absurdamente ainda existentes nas escolas de psicoterapia.

Ao serem estudados e tratados, o TOC e os distúrbios de ansiedade, como as fobias e a síndrome do pânico, vieram mostrar duas grandes limitações do edifício teórico psicoterápico. Primeiro, que a abordagem exclusivamente verbal e ideativa psicanalítica e arquetípica pouquíssimo efeito terapêutico tem sobre o TOC e os distúrbios de ansiedade. Segundo, que a terapia comportamental e seu ramo cognitivo (TCC) tem um efeito significativo no tratamento. No entanto, ao fazê-lo, a TCC prescinde de uma teoria de desenvolvimento normal e patológico da personalidade como referência teórico-psicodinâmica para compreender a perspectiva simbólica do EOC no nível da transferência, das defesas, da resistência e da elaboração simbólica (working through). A conclusão da interação criativa destes dois dados é que a separação das escolas psicanalítica e arquetípica da escola comportamental cognitiva é injustificável do ponto de vista teórico e terapêutico e necessita ser revista.

A identificação pessoalista das diferentes perspectivas de conceituar e elaborar símbolos com os seus descobridores foi uma das grandes limitações das teorias psicoterápicas. Tratou-se a descoberta científica como a prioridade ou a seita dos seus descobridores, dos quais muitos seguidores se tornaram membros e fiéis papagaios, sem a inteligência criativa de seus mestres. Formaram-se freudianos, kleinianos, junguianos e lacanianos. Este controle defensivo do saber psiquiátrico, que envolve uma praxis obrigatória, pode ser situado simbolicamente no EOC como uma característica defensiva do Arquétipo Patriarcal. Dinamicamente obsessiva na ideia e compulsiva na praxis, ainda que não o seja clinicamente. Chegou-se a ritualizar a terapia de base psicanalítica a tal ponto que não se devia cumprimentar um paciente fora da sessão, o número de sessões deviam ser de no mínimo quatro a cinco por semana, não se podia perguntar nada ao paciente (se ele ficasse mudo de ansiedade a sessão inteira, que ficasse!), o paciente devia ficar no divã e o analista, quase atrás dele, fora do seu campo visual. O ritual patriarcal controlador-atuador foi se aperfeiçoando. Alguns analistas retiraram quadros das paredes do consultório para não interferir com as projeções dos seus pacientes e outros começaram a tratar os pacientes de senhor e senhora para evitar intimidades que favorecessem a manipulação das defesas. Outros analistas passaram a reduzir a interpretação dos símbolos totalmente à transferência. O ritual terapêutico atingiu um grau de estereotipia interpretativa da ideação e da conduta muito grande. Sair do divã para executar qualquer movimento ou técnica expressiva tornou-se sinônimo de acting out.

Devido em boa parte a essa rigidez metodológica, surgiram e cresceram muitas escolas expressando o corpo, a imaginação e toda a sorte de técnicas expressivas (BYINGTON, 1993).

Em que pese a capacidade potencial de transformação da personalidade, inerente à psicodinâmica dos processos inconscientes, sobretudo à teoria das defesas e a sua possível elaboração terapêutica, o sonho mágico do insight que desfaz defesas e elimina sintomas se mostrou muito relativo com o passar do tempo. Casos de TOC tratados pela psicoterapia analítica exclusivamente verbal mostraram que o sucesso terapêutico de Freud, relatado no caso do Homem dos Ratos, foi uma extraordinária exceção contrariamente ao que Freud e seus seguidores acreditaram durante décadas e alguns até hoje acreditam. Devemos levar em conta, que a avaliação estatística computadorizada dos tratamentos dos distúrbios da doença mental trouxe uma riqueza de dados comparativos da eficácia dos resultados, impossível há trinta ou quarenta anos atrás. No entanto, hoje eles existem e só não se desapegaram dos ideais do passado não confirmados aqueles que estão a eles defensivamente apegados.

Os sintomas dos distúrbios de ansiedade, como fobias e pânico, do TOC e de depressões significativas evidenciaram estatisticamente serem, em grande parte, resistentes, praticamente refratários às terapias exclusivamente verbais. Em contraposição, as técnicas comportamentais-cognitivas, lidando no nível consciente da polaridade exposição/prevenção da resposta, conseguiram um resultado estatisticamente muito significativo para melhorar os sintomas desses quadros clínicos. A experiência clínica chegou a um ponto que podemos dizer que os distúrbios da ansiedade, como fobias e pânico, o TOC e as depressões significativas não têm indicação de psicoterapia analítica exclusivamente verbal.

O TOC, devido à intensa reunião do subjetivo com o objetivo, através da ideação e da conduta, veio sugerir fortemente que as terapias exclusivamente verbais não têm efeito sobre o seu tratamento pelo fato de não lidarem efetivamente com a vivência e a conduta. Esta hipótese foi enfatizada, pelo sucesso que a Terapia Comportamental Cognitiva, centralizada na exposição concreta e na prevenção também concreta da resposta ritualizada, vem apresentando no tratamento do TOC. Este insucesso terapêutico das psicoterapias exclusivamente verbais, no entanto, não significa que os conceitos de defesa inconsciente, resistência e transferência não tenham fundamento e devam ser abandonados, como muitos gostariam. Pelo contrário. Este insucesso nos incentiva a reunir cada vez mais as teorias psicodinâmicas interpretativas exclusivamente verbais com as demais, o que aliás, já vem intensamente acontecendo. É preciso conscientizarmos, antes de tudo, que os limites da psicoterapia dinâmica exclusivamente verbal já haviam se apresentado de forma exuberante desde o seu início.

 

10. O Mito de Édipo e a Onipotência Verbal

Já no próprio mito de Édipo, que tanto inspirou Freud, a limitação do verbal desponta de forma trágica. Édipo decifra intelectualmente o enigma da Esfinge e ela se atira no fundo dos abismos. Teoricamente as aparências indicam que a Esfinge foi vencida para todo o sempre. No entanto, a vida mostrará a Édipo de forma terrível que, a verdade psicológica só se realiza na vivência. O enigma da Esfinge é o processo de desenvolvimento humano: "Qual o ser que caminha de manhã com quatro pernas, ao meio dia com duas e à tardinha com três?". Ao decifrar o enigma cognitivamente, como referente a vida humana, Édipo se deixa ofuscar pela luz brilhante da razão. O aprendizado da vida é ontológico, requer todo o Ser, precisa ser vivenciado simbolicamente com os significados que ligam cada momento ao todo (BYINGTON, 1985). Precisamos compreender o processo existencial se transformando sempre e de novo a partir do indiferenciado para se entender que a consciência funciona e se renova de dia através da fantasia e de noite através dos sonhos que fluem de suas raízes no fundo dos abismos arquetípicos. Quando percebemos isso, nos damos conta que a Esfinge pode desaparecer muitas vezes, mas não morre nunca, pois é uma imagem simbólica da indiferenciação psíquica, da noite, de dentro da qual nasce o sol a cada nova manhã.

A história do nascimento e da família mitológica da Esfinge não poderia ser mais incestuosa e monstruosa para representar a psique arcaica e indiferenciada sobre a qual opera a consciência. Orthos, seu pai, tinha duas cabeças no meio de sete serpentes. Casou-se com a própria mãe, o dragão Echidna que pariu a Esfinge, monstro alado, meio mulher e meio leoa. Pariu também o Leão de Neméia. Echidna casou-se também com o dragão Typhaon com quem concebeu a Hidra de Lerna, com muitas cabeças. Cortada uma, nasciam duas. Outra filha de Echidna e irmão da Esfinge é Quimera, que cuspia fogo e era uma mistura de leão, cabra e serpente (KERENYI, 1951). É a vivência do psíquico simbólico indiferenciado que permite a elaboração simbólica através da qual se forma e se transforma a identidade do Eu e do Outro na consciência. Foi este o caminho trágico de Édipo para descobrir e elaborar a indiferenciação e o incesto. O ensinamento fundamental de sua jornada foi a ultrapassagem do racionalismo narcísico onipotente que quer tudo resolver pela ideia, evitando a vivência para chegar ao saber.

O sonho de que o insight oriundo exclusivamente da interpretação verbal curaria as neuroses tem que ser reconhecido hoje como uma ilusão mágica e onipotente.

Num artigo publicado no ano passado, Greist (DAR; GREIST, 1992) cita trabalhos que comprovam a eficácia da terapia comportamental (TC). Neste artigo, relembra que Freud (1918 p. 208-209) já reconhecera a necessidade comportamental da exposição como parte do tratamento das fobias na seguinte passagem:

É praticamente impossível controlar uma fobia se deixamos o paciente esperando para que a análise a resolva... Somente o conseguimos, se induzimos os pacientes através da análise... a ir para a rua e a lutar com a ansiedade durante sua tentativa. Começa-se, portanto, a moderar a fobia e apenas quando isso foi conseguido por exigência do médico, é que afloram à mente do paciente as associações e lembranças que permitem resolver a fobia.

Cita também o pioneirismo psicodinâmico de Pierre Janet (1925) incentivando a ação no tratamento comportamental do TOC: "O guia, o terapêuta especificará ao paciente a ação tão precisamente quanto possível... Repetindo a ordem para realizar a ação, isto é, exposição, ele ajudará o paciente muito com palavras encorajadoras diante de qualquer progresso".

Cita também o caso de acrofobia de Goethe (1949), curado por ele próprio, ao subir repetidas vezes na torre de uma catedral e aguentar tenazmente a ansiedade até conseguir dominar a fobia.

Para demonstrar o quanto os pioneiros das teorias psicodinâmicas verbais interpretativas não puderam deixar de experienciar o poder terapêutico da vivência comportamental através da exposição, cito uma passagem das memórias de Jung (1984).

Quando eu tinha doze anos, aconteceu algo que seria o marco da minha vida. No princípio do verão de 1887, depois das aulas, por volta do meio-dia, estava na praça da catedral, depois das aulas esperando um colega que habitualmente voltava comigo. De repente, um menino me deu um soco, atirando-me ao chão: bati com a cabeça na sarjeta e a comoção me atordoou. Durante meia hora fiquei estonteado. No momento da pancada, uma ideia me ocorrera com a rapidez de um raio: "Agora você não precisa mais ir à escola!" Estava semi-consciente e fiquei estendido alguns instantes mais do que necessário principalmente por espírito de vingança contra meu pérfido agressor...

A partir desse momento, sentia uma síncope, cada vez que se tratava da necessidade de voltar ao colégio, ou quando meus pais me mandavam fazer o trabalho escolar. Durante mais de seis meses faltei às aulas e isto para mim foi um achado... Era maravilhoso...

Certo dia, um amigo de meu pai veio visitá-lo. Ambos estavam sentados conversando no jardim e, eu atrás, escondido num arbusto tentava escutar o que diziam: "E seu filho, como vai?" Meu pai respondeu "Ah, é uma história penosa! Os médicos ignoram o que ele tem. Falaram em epilepsia. Seria terrível se fosse incurável! Perdi o pouco que tinha e o que será dele se for incapaz de ganhar a vida?"

Foi como se um raio me ferisse... Retirei-me cautelosamente, entrei no escritório do meu pai e tomando uma gramática latina procurei me aplicar num esforço de concentração. Ao fim de dez minutos desmaiei, quase caindo da cadeira, mas pouco depois me senti melhor e continuei a estudar. "Com todos os diabos, não vou mais desmaiar disse comigo mesmo", e prossegui, tentando ler. Depois de um quarto de hora, mais ou menos sofri uma segunda crise. Ela passou como a primeira "E agora você vai trabalhar de verdade". Esforcei-me e ao fim de meia hora adveio a terceira crise. Não desisti e trabalhei mais uma hora até sentir que os acessos tinham sido superados... Algumas semanas depois, retornei ao colégio e as crises não reapareceram. O sortilégio fora conjurado! Foi assim que fiquei sabendo o que é uma neurose.

É curioso que Jung tenha denominado esta vivência "o marco do meu destino". Clinicamente, parece-me que ele se tratou e curou de uma vertigem histérica com intensa gratificação secundária (férias permanentes) por uma terapia comportamental de exposição. É interessante que Jung, exatamente como na terapia comportamental, não tenha entrado no significado simbólico da síncope, que, como ele mesmo observara, incluía a vingança contra seu agressor, e, possivelmente também, uma agressão a seu pai.

A simplicidade de conceituação e de aplicação da TCC no TOC é fascinante. Todo o método se baseia na exposição do temido e na prevenção da resposta ritualista. Sua atração se torna ainda maior quando aprendemos que os deveres de casa ocupam lugar de destaque na terapia, e que a dependência na relação terapêutica deve ser reduzida ao mínimo, a ponto de já se ter começado a substituir o terapeuta pelo computador (DAR; GREIST, 1992). É evidente que do ponto de vista da extensão e dos custos dos programas sociais de saúde, estas características são todas imensamente convenientes, sobretudo se comparadas às psicoterapias de base analítica exclusivamente verbal. A complexidade teórica destas, a duração e o alto custo da formação de um analista, o tempo e o número de sessões de uma análise, a dependência transferencial que se estabelece e o alto custo do tratamento tornam a comparação extraordinariamente significativa, sobretudo dentro da perspectiva dos grandes números da medicina social.

Apesar de ser no momento, o método mais eficaz de tratamento para o TOC, a terapia comportamental cognitiva está ainda longe de ser o ideal. Como afirma Greist (DAR; GREIST, 1992), estatísticas do grupo de Foa (2005) que colecionou 273 casos tratados em diferentes países mostram que 51% tiveram 70% de redução dos sintomas. Outra estatística do mesmo grupo envolvendo 375 pacientes mostrou acentuada melhora em 87% no início do tratamento, que se manteve em 75% durante seis meses a seis anos. Aproximadamente 15% dos pacientes não se engajam (noncompliance) na proposta de exposição e prevenção de resposta. Outros 10% abandonam o tratamento devido à ansiedade. Há outros ainda que se engajam, mas que criam rituais de evitação escondidos (covert avoidance behaviour). Greist menciona duas grandes pesquisas em andamento que nos fornecerão certamente resultados estatísticos ainda mais esclarecedores, incluindo follow up mais longo e melhor comparação com o tratamento pela clomipramina. Uma destas pesquisas está sendo estudada pelo grupo de Foa (Edna B. Foa, Ph.D.), na Universidade da Pensilvânia e o outro pelo grupo de Liebowitz (Michael R. Liebbowitz, M.D.), na Universidade de Columbia. Seus resultados estão sendo aguardados com grande interesse.

A simplicidade da aplicação da Terapia Comportamental traz uma literalização da vida psíquica que tende a encolher os símbolos psíquicos ao máximo e reduzi-los a sinais. A evitação obsessivo-compulsiva (avoidance) é considerada ruim e é contrariada pela exposição praticada de maneira estereotipada e considerada boa. A prevenção da resposta (response prevention) destina-se a manter a exposição, antagonizando os rituais obsessivo-compulsivos. A técnica é tão simples que, segundo Greist, pode prescindir de terapeuta. Esta grande vantagem prática da TC é a sua maior desvantagem do ponto de vista simbólico, pois literaliza ou coisifica de tal forma os sintomas, o tratamento e as pessoas que pode ser usada para limitar muito a percepção simbólica que as insere no todo humano. Daí poder se diminuir muito a interação humana transferencial terapêutica, a ponto de se pensar no tratamento computadorizado. Essas vantagens correm o risco de transformar o psicoterapeuta num técnico destituído de raciocínio simbólico, incapaz de perceber a transferência do paciente e do terapeuta (contratransferência), que sempre existem, e incapaz também de correlacionar os sintomas psíquicos significativamente com a formação e o funcionamento geral da personalidade. É fácil de imaginar que um terapeuta, sem o mínimo grau de autoconhecimento e a tal ponto ignorante do símbolo e da transferência, se torne presa fácil da sua agressividade sombria mal elaborada e passe a empregar a exposição sadicamente para vencer a resistência de pacientes com TOC. Contudo, nem todos os terapeutas comportamentais pensam assim. A Dra. Ligia Ito, que representa a linha comportamental neste simpósio, enfatizou em sua apresentação claramente a importância do carisma do terapeuta para conseguir o engajamento do paciente, para estimulá-lo na exposição, na prevenção da resposta e na continuidade do tratamento.

 

11. A Terapia Comportamental e a Perspectiva Simbólica

O que mais impede a transformação da TC numa simples técnica, porém, me pareceu ser a avaliação inicial (assessment) e a necessidade da transformação cognitiva para se manter os resultados, melhor estudada na síndrome de pânico (Beck et al., 1992), procedimentos que transformam a Terapia Comportamental (TC) na Terapia Comportamental Cognitiva (TCC). A passagem da TC para a TCC, cujos resultados terapêuticos no TOC, vantagens e desvantagens, ainda estão para serem analisados, representa um passo importante da TC em direção ao processo de elaboração das demais correntes psicodinâmicas. Clark (1986) enfatizou a necessidade de interpretação das reações corporais para se prevenir as crises de pânico a longo prazo. Por exemplo, se uma pessoa julga uma mera palpitação como indício de uma crise cardíaca mortal, ela contribui cognitivamente para induzir a crise de pânico. Se elaborarmos a função cognitiva um passo à frente, examinando porque a pessoa faz isso, entraremos no território simbólico das defesas inconscientes, da resistência e da transferência. Um outro fator importante que abre a TC para a realidade simbólica e para as teorias de base analítica do inconsciente é a teoria das respostas sinalizadas (cue-producing responses) enfatizada por Dollar e Miller na TC, segundo a qual, a resposta não é determinada por uma situação, mas pela forma como o indivíduo a interpreta. Em nossa perspectiva simbólica, isto quer dizer que as respostas não se referem simplesmente às coisas, mas, basicamente, aos seus significados simbólicos. Esta porta nos conduz à dimensão simbólica que reune a TCC às Teorias Psicodinâmicas do Inconsciente.

Minha posição é que se cultivarmos a TC, sem sequer empregarmos seu complemento cognitivo no tratamento do TOC, fascinados exclusivamente por sua simplicidade e por seus resultados práticos, corremos o risco de contribuir para desumanizar e tecnologizar a relação terapêutica, empobrecendo a Psiquiatria drasticamente dentro do papel da compreensão da vida psíquica, que ela pode e deve desempenhar no humanismo. No meu entender, isto pode ser prevenido, tendo-se uma compreensão do funcionamento da TCC, dentro de uma perspectiva simbólica que a perceba psicodinamicamente e a reuna às demais escolas de psicoterapia, principalmente às escolas psicodinâmicas do inconsciente, como a Psicanálise e a Psicologia Analítica. Além de enfocar o TOC dentro do EOC, psicodinamicamente, e mantê-lo dentro do todo psíquico, uma tal abordagem poderá também contribuir para se compreender melhor e tratar tanto os casos que não se engajam na TCC (15%) como os casos que se negam à exposição ou que abandonam o tratamento em função da ansiedade (10%), segundo a estatística de Greist (DAR; GREIST, 1992).

A reunião entre a TCC, as teorias psicodinâmicas do inconsciente e as demais escolas de psicoterapia têm na relação entre palavra/ ação e consciente/inconsciente, as principais polaridades a serem integradas. É só passarmos pelas várias escolas atuais, como já mencionei, para vermos que essa integração já está em pleno andamento. Pessoalmente, prático essa integração através das técnicas expressivas (BYINGTON, 1993) dentro do setting simbólico da transferência e das defesas (relação consciente/inconsciente). Essa integração requer uma abertura e uma revisão permanente da teoria e da técnica. Este questionamento de hábitos teóricos e práticos desperta em muitas pessoas grande resistência.

 

12. O Problema da Transferência na Psicoterapia do TOC

Mesmo que não adotemos integralmente a psicoterapia comportamental computadorizada (exposição/prevenção do ritual) mencionada por Greist, ela nos faz repensar a transferência na psicoterapia em geral. Sabemos que Freud (1914) a considerava uma defesa e a empregava como neurose de transferência para elaborar a neurose do paciente projetada sobre o analista.

Queiramos ou não, a transferência existe sempre, porque ela é um fenômeno arquetípico que caracteriza todo o relacionamento humano (Jung, 1946). A transferência é uma das funções estruturantes da maior importância na vida normal e na relação normal do paciente com o terapeuta e vice-versa (contratransferência normal). Seu grande problema na psicoterapia é quando ela se apresenta de maneira defensiva quer para o paciente, quer para o terapeuta, como descobriu Freud. Em muitos desses casos, se a transferência defensiva não é elaborada, a terapia não progride.

O problema é que muitos terapeutas incentivam a transferência normal com posturas e interpretações autorreferentes e, assim fazendo, induzem também inconscientemente que as defesas penetrem na relação transferencial constelando a transferência defensiva. Quanto mais esta surge, eles a elaboram, seguindo sua tendência de incentivar a transferência de um modo geral. Estabelece-se assim um círculo vicioso transferencial que tem duas consequências patologizantes. Uma é aumentar desnecessariamente a dependência do paciente, o número de sessões e a duração do tratamento. Outra, é reforçar a projeção normal do paciente, que idealiza e coloca sua capacidade de elaboração simbólica (Função transcendente) exclusivamente no analista. Isto impede que o paciente exerça a psicoterapia entre as sessões (os deveres de casa da TC) e aprenda a elaboração simbólica para exercê-la depois de encerrada a análise, no seu processo de individuação durante o resto de sua vida.

Um dos grandes ensinamentos da TC no TOC para as escolas de psicoterapia é a relatividade operacional da transferência. Tenho empregado esse ensinamento, mantendo sempre em mente a transferência na relação terapêutica, mas elaborando-a conscientemente com o paciente o mínimo necessário.

 

13. Uma Interpretação Simbólica da Eficácia da TC no TOC

A partir do que já foi dito, quero elaborar simbolicamente a função da exposição e da prevenção do ritual na TC do TOC, com a intenção de abrir um acesso mais eficaz das demais escolas de psicoterapia ao TOC através das técnicas expressivas, incluindo nelas a exposição. Vice-versa, espero que isto permitirá um acesso maior do terapeuta comportamental à transferência, à defesa, à resistência e à maior compreensão dos efeitos de suas técnicas, bem como do porquê da melhora e da refratariedade dos seus pacientes.

Minha hipótese central é aquela estabelecida por Freud para as neuroses com as fixações e os seus sistemas de defesa, inclusive a transferência e a resistência através das quais ele tratou com sucesso o TOC do "Homem dos Ratos". Nesta hipótese, exercida dentro da perspectiva simbólica arquetípica, a fixação é um distúrbio do processo de elaboração simbólica, representado nos Gráficos de 1 a 3.

 

 

 

 

 

 

Como enfatizou Katz (1991), o TOC apresenta um distúrbio de limites e de contenção do reprimido, possivelmente por uma disfunção neuroquímica, envolvendo neurotransmissores, principalmente a Serotonina. A consequência desta disfunção é a debilitação da função de delimitação e de contenção do Arquétipo Patriarcal, que compromete a eficácia de todo o quadro defensivo e configura sua exuberância sintomática.

A ideia obsessiva no TOC aproxima-se muito do Ego, mas é contida frequentemente pela projeção defensiva, que junto com o ritual e o deslocamento manejam o quadro defensivo. Identifica-se clinicamente esta projeção defensiva pelo fato de os rituais serem generalizados contra a sujeira, o sexo ou outras ideias obsessivas, cujo conteúdo simbólico amplo permanece inconsciente e inacessível à elaboração. Os rituais controladores compulsivos seriam, nesse caso, não a expressão de um Superego terrivelmente forte e poderoso, mas pelo contrário, fraco e pouco potente. Seria como se a polícia se desse conta da sua impotência e, por isso, colocasse armamento pesado nas ruas. A tese do Superego sádico e do Eu masoquista no TOC é superficial e incompleta, pois é devido a essa fraqueza do poder de contenção do dinamismo patriarcal, que o TOC apresenta a exuberância defensiva ritualística compulsivamente exercida para conter ideias obsessivas vivenciadas como proibidas, transgressoras e terríveis.

A defesa do deslocamento, presente nos rituais compulsivos de contenção, corrobora, como vimos, a tese da fragilidade da expressão do dinamismo patriarcal delimitador, pelo fato de serem diretivas e programadas. A exposição e a prevenção também se situam dentro do dinamismo patriarcal e, por isso vão alterá-lo de duas maneiras: a exposição dará permissão para a vivência do proibido. Em vez de afastar o Eu, a exposição passa a incentivar e até a obrigar o Eu a vivenciar o proibido para melhor controlá-lo. A prevenção veta o sistema defensivo-compulsivo claudicante do ritual e desloca esse sistema para ajudar a controlar o reprimido. O movimento estratégico psicodinâmico mais importante ocasionado pela exposição me parece ser a passagem da estrutura defensiva de contenção pelo ritual para a estrutura criativa. Para que isto aconteça, porém, e a exposição não se torne também defensiva, depende de quanto o paciente compreende e se engaja na realização como um desafio saudável para substituir o ritual patológico. O respaldo da autoridade médica e de todo o sistema de saúde por trás deste método, investe a exposição e a prevenção com características patriarcais inovadoras, revolucionárias, é bem verdade, mas que devem ser adotadas para substituir o sistema ritual contrário à exposição. O deslocamento do ritual para a prevenção deste é facilitado pela própria ineficiência do ritual e pelo sofrimento que isso acarreta (que deveriam ser elaborados com o paciente) e pela diretividade transferencial do terapeuta. A vivência do terapeuta e, até mesmo, sua substituição pelo computador não eliminam a transferência para a autoridade médica institucional, que continuará a agir através das "Regras do Tratamento". A exposição dirigida patriarcalmente "autoriza" a vivência da ideia obsessiva e isso também altera o sistema defensivo, pois diminui a proibição e a resistência ética de vivenciá-la. O fato de a família ser orientada patriarcalmente para não participar e, até mesmo, ajudar na prevenção do ritual ajuda a diminuir o veto ao proibido e reforça a exposição.

Nada impede que a elaboração cognitiva nas fobias, na síndrome do pânico, na depressão e no EOC, ao incluir as disfunções do pensamento, acrescente a elas o enfoque simbólico e a elaboração de suas motivações conscientes e inconscientes, dentro do reconhecimento da transferência criativa e defensiva do paciente e do analista. Quando isto acontecer, a TCC encontrará a noção de defesa, de resistência e de transferência e de estruturas criativas e defensivas, dentro do desenvolvimento simbólico da personalidade. Como as demais escolas já caminham em direção à TC através das técnicas expressivas, o encontro das atuais escolas de psicoterapia dentro da dimensão simbólica entreabre um futuro promissor de desenvolvimento teórico e técnico.

 

Referências

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Recebido em: 25/03/2019
Revisão: 20/05/2019

 

 

1 Trabalho apresentado no Simpósio sobre o Espectro Obsessivo-Compulsivo do Depto. de Psiquiatria, USP, em 08 de abril, 1995. Revisado em 18/11/2011. Publicado originalmente na Revista Junguiana13, 1995, p. 90-119.

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