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Psico

versão On-line ISSN 1980-8623

Psico (Porto Alegre) vol.48 no.1 Porto Alegre  2017

http://dx.doi.org/10.15448/1980-8623.2017.1.24057 

ARTIGO ORIGINAL

 

A percepção de pessoas sem filhos sobre a função paterna de abertura ao mundo

 

The perception of people without children about the paternal function of openness to the world

 

La percepción de personas sin hijos sobre la función paterna de abertura al mundo

 

 

Larissa Paraventi; Isabella Goulart Bittencourt; Mariajosé Louise Caro Schulz; Carolina Duarte de Souza; Rovana Kinas Bueno; Mauro Luís Vieira

Universidade Federal de Santa Catarina, SC, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A recente Teoria da Relação de Ativação afirma que a função paterna de abrir a criança ao mundo se relaciona com o desenvolvimento de sua autonomia. Investigou-se a percepção de 218 pessoas sem filhos, a maioria (63,8%) mulheres com média de idade de 21 anos, sobre a função paterna de abertura ao mundo para meninos e meninas por meio do Questionário de Abertura ao Mundo Adaptado para Pessoas Sem Filhos. Os dados, analisados por meio de testes estatísticos paramétricos, apontaram que na percepção dessa amostra o pai ativa mais meninos que meninas. Entretanto, quanto mais se percebeu que o pai ativa o menino, mais se considerou, com menor intensidade que o pai ativa a menina. Os participantes homens consideraram que o pai pune significativamente com mais frequência os meninos em comparação à percepção das participantes mulheres. Portanto, conclui-se que na percepção dos participantes o pai ativa meninos e meninas diferentemente.

Palavras-chave: paternidade; relações pai-criança; desenvolvimento infantil.


ABSTRACT

The recent Theory of Activation Relation states that the paternal function of opening the child to the world is related to the development of its autonomy. We investigated the perception of 218 people without children, the majority (63.8%) women with a mean age of 21 years, about the paternal function of opening to the world for boys and girls by means of the Adapted for People with No Children of the Openness to the World Questionnaire. The data, analyzed by means of parametric statistical tests, pointed out that in the perception of this sample the father activates more boys than girls. However, the more one perceives that the father activates the boy, the more it is considered that the father activates the girl with less intensity. The male participants considered that the father significantly more frequently punished the boys compared to the perception of female participants. Therefore, it is concluded that in the perception of the participants the father activates boys and girls differently.

Keywords: paternity; father-child relations; child development.


RESUMEN

La reciente Teoría de Relación de la Activación afirma que la función paterna de abertura al mundo está relacionada al desarrollo de la autonomía del niño. Se tuvo el objetivo de investigar la percepción de 218 personas sin hijos, la mayoría (63,8%) mujeres con media de edad de 21 años, sobre la función paterna de abertura al mundo para el niño y para la niña. Las personas respondieron al Cuestionario de Abertura al Mundo Adaptado para personas sin hijos. Los datos, analizados a través de pruebas estadísticas paramétricas, mostraron que los participantes percibieron que los niños son más activados por el padre que a las niñas. Sin embargo, cuanto más percibieron que el niño se activa por el padre, más se dieron cuenta de que la chica es activada por el padre, pero con menor intensidad. Los participantes hombres consideraron que el padre pune significativamente con mayor frecuencia a los niños en comparación con la percepción de las participantes mujeres. Se concluye que la percepción de los participantes el padre activa niños y niñas diferentemente.

Palabras clave: paternidad; relaciones padre-niño; desarrollo infantil.


 

 

As transformações sociais, culturais e familiares ocorridas desde o século passado, principalmente em decorrência da maior inserção da mulher no mercado de trabalho e das novas configurações familiares, colocaram em evidência a figura paterna e seu papel no desenvolvimento infantil. Essas mudanças alteraram a dinâmica familiar e provocaram transformações nos papéis e funções desempenhados pela mãe e pelo pai, o qual está mais participativo na criação dos filhos (Sutter & Bucher-Maluschke, 2008). Com isso, a visão tradicional paterna, como apenas provedor financeiro da família, tem sido alterada e ampliada pela percepção de um pai mais envolvido com os filhos (Lamb, 1997).

A teoria das representações sociais pode auxiliar no entendimento dessas mudanças na percepção do papel do pai. De acordo com essa teoria, as percepções/impressões de cada indivíduo sobre o mundo são ancoradas nas representações sociais presentes em seu meio e modificadas por sua história e experiências singulares (Santos, 1994). As representações sociais, mutáveis ao longo do tempo, "são uma forma de conhecimento socialmente elaborado e compartilhado, com um objetivo prático, e que contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social" (Jodelet, 2002, p. 22). Nesse sentido, pode-se refletir que o modo como se compreende o papel e a função do pai é perpassado por percepções expectativas, crenças e valores.

Constatam-se especificidades nos papéis e funções atribuídos a pais e mães (Bueno, Bossardi, & Vieira, 2015), os quais estão relacionados a uma série de atividades e relações esperadas de uma pessoa que ocupa uma determinada posição social, identificada e estimulada culturalmente, e que surgem a partir da interação social como resultantes do processo de socialização (Bronfenbrenner, 2002; Goetz & Vieira, 2009). Nesse sentido, os diferentes discursos, redes de significados construídos culturalmente, e seus respectivos movimentos históricos que conformam modos de ser pai, parecem ser aspectos importantes para se compreender como se configuram as paternidades no presente (Hennigen, 2008; Moreira & Toneli, 2013). Portanto, considerando-se que os sujeitos se reconhecem e são reconhecidos a partir dos discursos, ao colocar os papéis e funções paternas como construções discursivas, possibilita-se a prática de se falar e pensar nelas, a partir de diferentes interlocutores, lugares e pontos de vista, bem como se permite um posicionamento diante desses discursos que produzem condições socioculturais de desenvolvimento para a criança.

Dentre esses discursos acerca da paternidade encontra-se a Teoria da Relação de Ativação (Dumont & Paquette, 2012) sobre o relacionamento do pai com a criança. Essa teoria descreve a função paterna de abertura ao mundo, que se refere ao incentivo do pai para a criança explorar o ambiente a sua volta, estabelecendo limites adequados para garantir sua segurança durante a exploração. Segundo essa teoria, essa vinculação afetiva pai-criança pode ser descrita por meio das dimensões de estimulação ao risco, estimulação à perseverança e disciplina, que favoreceriam a criança para abertura ao mundo e desenvolvimento da autonomia.

Portanto, um dos papéis e funções paternas seria de auxiliar as crianças a desenvolver habilidades e autoconfiança nas situações de competição, devido à tendência do pai em estimular, provocar e desestabilizar a criança, principalmente por meio de brincadeiras de luta entre pai e criança. Isso pode permitir que ela reaja às muitas contingências de um ambiente em mudança por estabelecer uma relação de confiança durante a exploração (Gomes, Crepaldi, & Bigras, 2013; Levtov, 2015; Paquette, 2004a; Paquette et al., 2003).

Estudos apontam que quando o pai exerce essa função de abertura ao mundo, em geral, apresenta um melhor ajustamento psicossocial, menos sintomas de hiperatividade e de problemas externalizantes, maior desenvolvimento de autonomia, controle de risco, assertividade e controle da agressividade (Levtov Van Der Gaag, Greene, Kaufman, & Barker, 2015; Paquette, 2004a; Paquette, 2012). Porém, o incentivo à novidade deve responder aos limites de proteção à criança, destacando-se a importância da dimensão da disciplina nessa teoria (Paquette, Carbonneau, Dubeau, Bigras, & Tremblay, 2003; Paquette, Eugene, Dubeau, & Gagnon, 2009).

Assim, Paquette (2004b) afirma que, geralmente, cabe ao pai auxiliar os filhos no controle da agressividade, ensinando-os a expressá-la de uma forma saudável e por meio de limites. Isso porque há uma atribuição social de gênero de incentivo à agressividade aos homens. Também, para Paquette e Dumont (2013a), os pais tendem a propiciar maior abertura ao mundo aos meninos que às meninas. Há outros estudos que apontam um maior envolvimento paterno com os filhos em relação às filhas, principalmente nas situações de brincadeiras (Levtov et al., 2015; Palkovitz, Trask, & Adamsons, 2014). Segundo Ignico e Mead (1990) os meninos sofrem um processo de socialização de gênero mais acentuado que as meninas, com incentivo de comportamentos esperados para homens e punição de atitudes e brincadeiras atribuídas ao gênero feminino.

Uma questão importante a ser considerada ao analisar os resultados desses estudos é a dificuldade em identificar o quanto dessas diferenças, tanto na parentalidade de homens e mulheres quanto na criação de meninos e meninas, podem ser atribuídas aos papéis sociais de gênero. Culturalmente espera-se que mulheres e meninas desenvolvam atividades mais relacionadas ao cuidado e assumam um papel mais passivo em suas relações, por outro lado, aos homens e meninos são atribuídas atividades mais competitivas e papel mais ativo nos grupos (Levtov et al., 2015; Palkovitz et al., 2014). Portanto, assim como os modelos de paternidade e maternidade são influenciados pelas expectativas e concepções sobre os papéis sociais de gênero de homens e mulheres (Botton, Cúnico, Barcinski, & Strey, 2015), também valores e crenças relacionados a comportamentos que os pais desejam e incentivam para os filhos, podem ter relação com o gênero da criança (Diniz & Salomão, 2010). Dessa maneira, a perpetuação de estereótipos de gênero e de modelos rígidos de ser homem e mulher, pai e mãe, tem impacto na educação e na formação das crianças.

Por ser um assunto que perpassa a vida cotidiana de diversas pessoas, nos mais variados contextos, essa rede de concepções acerca da figura do pai como fundamental para o desenvolvimento infantil não se limita à família ou ao círculo parental próximo da mesma, ela se expande para a sociedade como um todo. Isso destaca a importância de se ter como informantes-chave no estudo da paternidade pessoas indiretamente relacionadas ao tema (Aspesi, Dessen, & Chagas, 2005). Uma revisão de literatura sobre paternidade no contexto brasileiro (Vieira et al., 2014) revelou que a principal fonte de informação dos estudos relacionados à figura paterna foram os membros diretos da família como somente o pai (46%), seguida por pai e mãe (26%), filho (10%), somente a mãe (5%) e pai, mãe e filho (5%). Também respondentes fora da dinâmica familiar apareceram nos artigos (8%), como homens sem filhos, profissionais da saúde, avós, entre outros.

Dentre as pessoas indiretamente ligadas ao tema, podem-se mencionar as pessoas que ainda não possuem filhos (Perosa, 2007). Isso porque as alterações ocorridas no exercício da paternidade nas últimas décadas influenciaram a identidade masculina e, consequentemente, reformularam as percepções frente à paternidade (Jablonski, 2010), as quais influenciarão nas suas expectativas sobre a função paterna e no modo como essas pessoas serão pais e mães. Ademais, por volta de 80% dos homens serão pais ao longo de suas vidas (biológico, adotivo, padrasto, de família acolhedora ou guardião legal - em relacionamentos hetero ou homoafetivos) e a participação dos homens no desenvolvimento infantil, principalmente como figura parental, influencia nas suas próprias vidas, dos cônjuges, dos filhos e das mulheres e homens em geral, de modo que essa participação produz impactos em longo prazo no mundo a sua volta (Levtov, 2015). Desta forma, resultados de pesquisas sugerem a relevância do maior envolvimento do pai para o desenvolvimento infantil e também para o desenvolvimento da família como um todo (Bossardi & Vieira, 2010).

São raros os estudos que abarcam a Teoria da Relação de Ativação e as especificidades da função de abertura ao mundo paterna de acordo com a percepção de pessoas que não possuem filhos, indicando a necessidade de ampliar pesquisas na área (Goetz & Vieira, 2009). Dessa maneira, essa teoria tem sido investigada por meio de diferentes métodos, como observação (Paquette & Bigras, 2010; Gaumon, 2013; Stevenson & Crnic, 2013), entrevista (Brussoni & Olsen, 2011), e por meio de questionários, direcionados para os próprios pais falarem o que fazem com seus filhos (Paquette et al., 2009) ou para adolescentes relatarem o que seus pais faziam com eles (Schulz, 2015).

Considerando o exposto, o objetivo geral do presente estudo foi investigar a percepção de pessoas sem filhos sobre a função paterna de abertura ao mundo para o menino e para a menina. Como objetivos específicos, elencou-se: a) caracterizar a função paterna de abertura na percepção de pessoas sem filhos; b) comparar a função paterna de abertura ao mundo para o menino e para a menina; e c) comparar a função paterna de abertura ao mundo na percepção dos homens e das mulheres. Correspondendo aos objetivos propostos, o presente estudo possui as seguintes hipóteses: H1) os participantes perceberão que o pai realiza muita abertura ao mundo do pai tanto para meninos, como para meninas; H2) os participantes perceberão níveis maiores de abertura ao mundo do pai para os meninos que para as meninas; e H3) não haverá diferença na percepção da função paterna de abertura ao mundo entre os participantes homens e mulheres.

 

Método

Caracterização da pesquisa

A presente pesquisa possui uma abordagem quantitativa e teve delineamento transversal, com natureza descritiva e explicativa. Assim, descreveu-se a forma como a função paterna de abertura ao mundo foi percebida por pessoas sem filhos e buscou-se identificar relações entre as dimensões, considerando-se o sexo da criança.

Participantes

A amostra inicial do estudo foi de 243 pessoas sem filhos. Porém, como 25 pessoas não preencheram corretamente os instrumentos de coleta de dados, a amostra final foi composta de 218 participantes. O critério de inclusão estabelecido foi a pessoa não ter filhos. A maioria dos participantes eram pessoas do sexo feminino (N=139; 63,8%), com estado civil solteiro (N=206; 94,5%) e com idade média de 21 anos (M=21,33; DP=4,27), variando entre 17 e 55 anos.

A amostragem foi por acessibilidade - tipo de amostra não probabilística. A forma de acesso a esses participantes foi por meio de uma universidade pública federal do sul do país de uma cidade com aproximadamente 400 mil habitantes. Logo, todos os participantes sem filhos desta pesquisa eram estudantes universitários.

Considerações éticas

Essa pesquisa foi desenvolvida com base em parâmetros éticos, atendendo à resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS). Este estudo faz parte de um projeto maior, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), intitulado "Envolvimento paterno no contexto familiar contemporâneo" e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEPSH) da Universidade em que a pesquisa foi realizada sob o nº 447.932, em novembro de 2013. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi lido em voz alta aos participantes, e ressaltou-se o sigilo, a voluntariedade, a possibilidade de desistência a qualquer momento e de encaminhamento para atendimento psicológico caso necessário.

Instrumentos

Os dados foram coletados por meio de um Questionário Sociodemográfico (QS) e de uma versão adaptada do Questionário de Abertura ao Mundo (Questionnaire d'Ouverture au Monde - QOM), o QOM-SF (Questionário de Abertura ao Mundo para Pessoas Sem Filhos). O QS possui questões sobre os dados da família, como escolaridade, idade dos participantes, renda familiar, entre outras.

O QOM investiga a função paterna de abertura ao mundo proporcionada pelo pai ao seu filho(a) durante a infância. O QOM foi originalmente elaborado por Paquette, Gagnon e Ramda em colaboração com Gaudron, da Universidade de Toulouse-Le Mirail (Paquette et al., 2009) e validado com uma amostra de 266 pais (207 quebequenses e 59 franceses) de crianças com idade pré-escolar. Esse instrumento contém 27 itens que avaliam a abertura ao mundo a partir de uma escala de seis pontos, variando de nunca até muito frequentemente. O QOM possui três dimensões: 1) Estimulação à perseverança (13 itens): encorajar a criança a cumprir tarefas difíceis, superar seus limites e perseverar diante de adversidades, introduzi-la nos esportes, convidá-la a explorar o ambiente e tomar a iniciativa do primeiro contato com uma criança desconhecida; 2) Punição (seis itens): punir ou repreender a criança se ela desobedece, não se esforça ou quebra algo; e 3) Estimulação a correr riscos (oito itens): encorajar a criança a se envolver em atividades arriscadas e dar bastante autonomia para ela explorar o ambiente.

Como o QOM é voltado para pessoas que já possuem filhos e não possui adaptação nem validação para população brasileira. Nesta pesquisa, o referido instrumento foi traduzido para a língua portuguesa e adaptado ao contexto brasileiro e para pessoas sem filhos - QOM-SF, envolvendo um pré-teste com 31 sujeitos. As questões da versão adaptada não eram referentes nem aos pais dos estudantes, nem sobre eles como pais, mas diziam respeito ao que eles pensavam sobre o modo como os pais, de maneira geral, educavam seus filhos na infância. Assim, as questões eram referentes aos comportamentos do pai com um filho e do pai com uma filha. Esses comportamentos investigados eram os mesmos para as crianças de ambos os sexos. De modo randomizado, metade dos respondentes recebeu o questionário com perguntas sobre o que o pai faz com o menino, seguido das perguntas sobre o que o pai faz com a menina e a outra metade dos respondentes recebeu o questionário com perguntas sobre o que o pai faz com a menina, seguido das perguntas sobre o que o pai faz com o menino. O objetivo dessa alternância foi para evitar possíveis vieses que poderiam emergir ao participante "cansar" de responder, ou já saber que comportamentos estão sendo explorados por apenas mudar o sexo da criança.

Foram realizados procedimentos para a validação de conteúdo e construto do instrumento adaptado, além de verificação posterior da confiabilidade. Para validação do conteúdo realizou-se: tradução, retrotradução, avaliação semântica, análise de juízes das dimensões e análise do instrumento por profissionais da área, a fim de verificar a equivalência entre as versões em francês e português. Foram efetivadas todas as modificações necessárias que surgiram a partir da análise dos especialistas e dos estudos pilotos previamente à aplicação dos questionários.

Com relação à validação de construto, calculou-se uma análise fatorial confirmatória com método de extração da Fatoração de Eixo Principal (Rotação Varimax) para as duas versões do questionário, observando-se, após a retirada de dois itens, que os três fatores explicaram conjuntamente 46,27% da variância total para a percepção de abertura ao mundo do pai com o menino (KMO=0,82 e Bartlett p<0,01) e 47,59% com a menina (KMO=0,84 e Bartlett p<0,01). A consistência interna da escala geral e dos fatores nas duas versões (Alfa de Cronbach) variou de 0,71 a 0,87; valores considerados aceitáveis pela literatura. Portanto, para análise de dados foram retirados os dois itens, pertencente às dimensões um e três, que não se mostraram adequados.

Procedimento de coleta de dados

Após a aprovação do projeto pelo comitê de ética, realizou-se o processo de adaptação e validação de conteúdo e de constructo do instrumento. Após esse processo, como os participantes foram acessados por meio de uma universidade, os pesquisadores agendaram com os professores os dias, horários e turmas de aplicação do instrumento. Os estudantes sem filhos que aceitaram participar da pesquisa acompanharam a leitura em voz alta do TCLE realizada por um dos pesquisadores e o assinaram em duas vias, uma ficando em sua posse. Os alunos foram recrutados em 29 cursos de uma universidade federal e a aplicação do QOM foi realizada de forma coletiva nas salas de aula. O tempo médio de aplicação do instrumento foi de 30 minutos. Em cada aplicação, os pesquisadores distribuíram igualmente as duas versões do instrumento, com questões iniciais sobre filhos ou filhas. Após a aplicação, combinou-se sobre a devolução dos resultados e agradeceu-se a participação de todos.

Análise dos dados

Os dados obtidos foram tabulados e submetidos a análises quantitativas por meio de estatísticas descritivas (frequência, média e desvio-padrão) e provas inferenciais (correlação de Pearson e teste t de Student). Para essas análises, utilizou-se o programa estatístico denominado de Statistical Package for Social Sciences (SPSS) - versão 22.0.

 

Resultados

Os resultados são apresentados da seguinte maneira: primeiramente, apresentam-se as médias de cada dimensão investigada, após apresentam-se as correlações realizadas entre as dimensões evidenciadas para os meninos, para as meninas e entre ambos. Por fim, apresentam-se as percepções da função paterna de abertura ao mundo com relação ao sexo dos participantes. Ressalta-se que todos os resultados referem-se à percepção de pessoas sem filhos sobre a função paterna de abertura ao mundo.

Caracterização da função paterna de abertura ao mundo

A fim de verificar a percepção que as pessoas sem filhos têm da função paterna de abertura ao mundo, primeiramente foram calculadas as médias para cada dimensão que compõe o questionário, utilizando os escores da amostra total dos participantes. Os estudantes avaliaram a abertura ao mundo como uma prática presente, porém não tão frequente, nos comportamentos do pai, tanto em relação aos filhos (M=3,93; DP=0,49), quanto em relação às filhas (M=3,40; DP=0,48).

Comparação da percepção dos participantes de ambos os sexos das dimensões da função paterna de abertura ao mundo aos meninos e meninas

Foram comparadas as médias das dimensões da função paterna de abertura ao mundo pelos participantes em relação ao sexo da criança. Conforme pode ser visualizado na Tabela 1, os resultados indicaram maior discrepância na percepção dos respondentes sobre a função paterna entre meninos e meninas na dimensão estímulo a correr riscos, a qual apresentou diferença estatisticamente significativa entre as médias. No que se refere às dimensões estímulo à perseverança e punição, apesar de a diferença entre as médias ser menor, também foram estatisticamente significativas. Os resultados são indicativos de que existem diferenças significativas na percepção dos participantes entre a forma como o pai exerce a função de abertura ao mundo às crianças do sexo masculino em relação às do sexo feminino. Essas diferenças estão presentes em todas as dimensões investigadas, ou seja, na percepção dos participantes de ambos os sexos o pai estimula com maior frequência o filho à perseverança e a correr riscos, bem como o pune mais que a filha.

Também foram realizados três conjuntos de análises de correlação entre as dimensões da abertura ao mundo: correlações entre as dimensões de abertura ao mundo para os meninos, entre as dimensões de abertura ao mundo para as meninas e uma análise de correlação para cada dimensão de abertura ao mundo entre meninos e meninas. Ao relacionar as dimensões de abertura ao mundo para os meninos, obteve-se correlação estatisticamente significativa e positiva entre as dimensões punição e estímulo a correr riscos (r=0,30; p<0,01), apontando que quanto mais o pai exercia comportamentos de estímulo a correr riscos, maior era a punição, mas não na mesma intensidade. Já em relação ao sexo feminino, a dimensão estímulo à perseverança estabeleceu correlação negativa com a dimensão punição (r=-0,17; p<0,01), apontando que quanto maior é o estímulo do pai à perseverança, menor e com menos intensidade é a sua média de punição. Outra correlação significativa referente ao sexo feminino ocorreu entre estímulo à perseverança e estímulo a correr riscos (r=0,23; p<0,01), sendo ela positiva, o que indica que quanto mais o pai estimula a filha a perseverar, maior será seu estímulo a correr riscos, todavia com menor intensidade.

A correlação do estímulo à perseverança feminina com estímulo à perseverança masculina foi positiva (r=0,72; p<0,01), demonstrando que quanto mais os participantes respondiam que ocorriam comportamentos de estímulo à perseverança para a menina, aumentava o estímulo à perseverança para o menino, ou seja, aqueles respondentes que percebiam o estímulo para a menina também percebiam o estímulo para o menino. As dimensões punição feminina e punição masculina correlacionaram-se positivamente (r=0,48; p<0,01), o que aponta que, na percepção das pessoas sem filhos, quanto mais o pai pune a menina, maior é a punição do menino e vice-versa. E ainda, a correlação positiva entre estímulo a correr riscos feminino e estímulo a correr riscos masculino (r=0,23; p<0,01) aponta que os participantes percebem que quando ocorre o estímulo a um dos sexos, também ocorre ao sexo oposto, porém com menor intensidade. A análise das correlações entre as dimensões tanto do sexo masculino quanto feminino apontaram que houve correlação significativa e positiva entre o escore geral masculino e o escore geral feminino (r=0,42; p<0,01), o que indica que quanto mais a pessoa percebe que o pai abre para o mundo o menino, mais ela considera que o pai abre para o mundo a menina, no entanto com menor intensidade.

Comparação de acordo com o sexo dos respondentes da função paterna de abertura ao mundo para meninos e meninas

Como foi proposto nos objetivos iniciais, também foram comparados os escores médios atribuídos por pessoas sem filhos do sexo masculino e feminino às dimensões da função paterna de abertura ao mundo para os meninos e para as meninas (Tabela 2). Constata-se que não houve diferenças na percepção de homens e mulheres quanto às dimensões: estímulo à perseverança para ambos os sexos da criança; estímulo a correr riscos para ambos os sexos da criança; e punição para a criança do sexo feminino. Apenas a dimensão punição para a criança do sexo masculino demonstrou diferença significativa, indicando que os homens, se comparados à opinião das mulheres, consideram que o pai pune com mais frequência o menino.

 

Discussão

Constata-se que o objetivo geral proposto por este estudo foi atingido, pois foi possível investigar como homens e mulheres sem filhos percebem a função paterna de abertura ao mundo para meninas e meninos. Refutando parcialmente a H1 desse estudo, os resultados apontaram que os participantes consideram que o pai realiza a abertura ao mundo com os filhos e filhas de modo mediano e não elevado como esperado. Os resultados encontrados evidenciam que os participantes, de forma geral, perceberam os comportamentos do pai relacionados à dimensão estímulo a correr riscos, como práticas mais constantes na relação pai-filho (devido aos escores elevados), destacando-se de ações relacionadas às dimensões punição e estímulo à perseverança, as quais estão presentes, mas são percebidas com menor frequência.

A H2, por outro lado, foi confirmada, visto que os universitários perceberam que os pais realizam mais abertura ao mundo com as crianças do sexo masculino do que com as crianças do sexo feminino. Esse resultado vai ao encontro da literatura, a qual aponta para uma preferência do pai em propiciar um maior incentivo para explorar o mundo aos meninos do que às meninas, principalmente por meio de brincadeiras (Gomes et al., 2013; Lamb, 1997; Pleck, 1997). A escolha da brincadeira distinta para os sexos é construída social e culturalmente, como o comportamento de brincar está mais atrelado ao pai, este em sua escolha de brinquedos e brincadeiras pode considerar o gênero da criança como um fator importante (Idle, Wood, & Desmarais, 1993). Conforme entendem Botton et al. (2015), as brincadeiras são vivências cotidianas e naturalizadas, que se somam a outros discursos educadores e que, muitas vezes, promovem (des)igualdade de gênero.

A função paterna de abertura ao mundo é investigada, conforme mencionado na introdução, pela Teoria da Relação de Ativação. Assim, estudos canadenses sobre o assunto, realizados com crianças de 12 a 18 meses (Moffete, 2013; Paquette & Bigras, 2010; Paquette & Dumont, 2013a, 2013b), constatam que os pais estimulam (ao risco e à perseverança) e punem significativamente mais os meninos que as meninas (p<0,05). Essa diferença significativa também é encontrada em estudos canadenses com crianças pré-escolares (Gaumon, 2013). Esses estudos investigam essa função paterna de abertura ao mundo por meio de um procedimento observacional, que fornece categorias quanto ao tipo de "ativação" da criança, a qual estaria relacionada à abertura ao mundo. Na pesquisa nacional de Schulz (2015) sobre a percepção dos adolescentes sobre a função paterna de abertura ao mundo, os participantes do sexo masculino consideraram-se mais estimulados pelos seus pais a correr risco do que as meninas.

De acordo com esta teoria e este método, crianças com alta estimulação e punição são consideradas "ativadas", pois exploram bem e de forma cautelosa o ambiente e são obedientes aos pais. Já as crianças que recebem pouca estimulação e muita punição são "subativadas", porque exploram pouco o ambiente e são obedientes aos pais. Por fim, as crianças que recebem muita estimulação de seus pais e pouca punição são "superativadas", pois são crianças que exploram o ambiente de modo imprudente e são desobedientes aos seus pais (Paquette & Bigras, 2010).

Nesse sentido, as crianças do sexo masculino dos estudos canadenses aqui mencionados seriam consideradas mais ativadas que as crianças do sexo feminino. Embora no presente estudo o instrumento ofereça apenas escores relacionados às dimensões da função paterna de abertura ao mundo, e não um "tipo de ativação", pode-se inferir que os escores encontrados indicam que os meninos seriam mais "ativados" que as meninas, por receberem mais abertura ao mundo que elas. Porém, não são em todos os estudos que essa diferença mostrou-se significativa. Paquette e Dumont (2013b) constataram, no Canadá, que os meninos são mais estimulados à perseverança, a correr riscos e a serem punidos se comparados às meninas. Nessa pesquisa, as dimensões não apresentaram diferença significativa quanto ao sexo da criança.

Portanto, o fato de os resultados deste presente estudo, que foi realizado com pessoas sem filhos do contexto brasileiro, ter corroborado os estudos canadenses (contexto em que se desenvolveu a sistematização de estudos sobre essa função paterna de abertura ao mundo), revela a consistência da Teoria da Relação de Ativação, a qual preconiza a diferença entre o homem e a mulher, enfocando a complementaridade dos papéis e das funções parentais. É possível que o pai realize mais abertura ao mundo com os meninos porque eles brincam mais de brincadeiras turbulentas (como "jogos de luta") com os meninos que com as meninas (Paquette & Dumont, 2013a; Paquette, 2004a).

Entretanto, é necessário atentar-se para questões de socialização de papéis de gênero. Nesse sentido, fatores culturais poderiam reforçar a diferença entre meninos e meninas, em que o menino seria o mais incentivado a "explorar o mundo" enquanto a menina seria mais "protegida" (e menos incentivada a essa exploração). Esses fatores culturais perpassam também pelo "modelo de paternidade" que o pai teve de seu próprio pai (Gabriel & Dias, 2011), o qual possivelmente ainda recebe grande influência do modelo tradicional de paternidade, em que as diferenças entre homens e mulheres eram mais evidenciadas.

Os resultados do presente estudo também revelam que na percepção dos participantes sem filhos, quanto mais o pai exercia comportamentos de estímulo ao risco para os meninos, mais também os punia. Uma hipótese para este resultado é que, por ser mais estimulado ao risco, mais o menino se coloca em situações de perigo em que o pai precisa intervir e, por essa razão, maiores foram os escores relacionados à punição, os quais são importantes para garantir os limites e, portanto, a segurança da criança.

Também se constatou que quanto mais o pai estimulava as meninas à perseverança, menos as punia e que quanto mais estimulava as meninas a perseverar, mais também as estimulava ao risco. É possível que esse resultado seja decorrente do fato de a menina ser mais cautelosa em sua exploração quando comparada com o menino, mesmo quando é mais estimulada a perseverar e a correr riscos. Ou seja, culturalmente, as meninas são mais incentivadas a serem mais "comportadas" (cuidadosas) e obedientes. Por isso, o fato de serem estimuladas pelos pais (homens) pode indicar um maior envolvimento paterno, os quais podem ensiná-las a serem cautelosas. Assim, é possível que quanto mais estimulada, menos punição receba. Outra hipótese para essa correlação negativa é o fato de que se espera que as meninas submetam-se mais às ordens e à autoridade dos progenitores se comparadas aos meninos, que são considerados mais impositivos e livres. Isso reflete no modo como os cuidadores conversam e lidam com a criança, sendo, provavelmente, mais firmes com os meninos e mais brandos com as meninas (Nascimento & Trindade, 2010; Schulz, 2015).

Com relação às correlações entre as dimensões de abertura ao mundo para o menino e para a menina, constata-se que quanto mais os participantes perceberam que o pai realiza estimulação à perseverança, estimulação ao risco e punição com o menino, mais também realiza com a menina. Assim, embora os resultados revelem que os pais tendem a favorecer uma maior abertura ao mundo com os meninos do que com as meninas, também se verifica que os pais estimulam os meninos e as meninas tanto à perseverança quanto ao risco e os punem. Nesse sentido, estudos constatam que os pais estão cada vez mais envolvidos não só com os meninos, mas também com as meninas, inclusive nos jogos de "luta". Esse maior envolvimento pode ser explicado tanto pela maior participação do pai na vida dos filhos quanto pelo maior interesse das meninas em brincadeiras antigamente associadas somente ao contexto masculino, como as brincadeiras turbulentas, os "jogos de luta" (Paquette, 2004a). Ademais, a maior igualdade entre homens e mulheres na sociedade ocidental também pode favorecer um envolvimento mais igualitário entre os filhos de ambos os sexos.

A H3 foi parcialmente aceita, visto que ao comparar os escores médios atribuídos por pessoas sem filhos do sexo masculino e feminino às dimensões da função paterna de abertura ao mundo para os meninos e para as meninas, apenas a dimensão punição para a criança do sexo masculino demonstrou diferença significativa. Ou seja, os participantes homens consideraram que o pai pune mais o menino do que a menina em comparação às participantes mulheres. Esse resultado vai ao encontro da pesquisa de Levtov et al. (2015) sobre violência contra a criança, em que constataram que as mulheres perpetuavam mais violência contra suas filhas enquanto os homens perpetuavam mais violência contra seus filhos. No referido estudo, 49% das meninas relatou experienciar violência de suas mães e 37% de seus pais, enquanto que entre os meninos, 36% relatou experienciar violência de suas mães e 51% de seus pais.

 

Considerações Finais

Conclui-se a partir do presente estudo que os participantes consideram que o pai exerce a função de abertura ao mundo à medida que encoraja a criança a enfrentar riscos, explorar o ambiente e persistir diante de adversidades, ao mesmo tempo em que se utiliza da disciplina e do controle para estabelecer limites apropriados para garantir a segurança da criança. Outro aspecto importante a considerar é que os resultados demonstraram diferença na percepção dos participantes com relação aos comportamentos do pai vinculados ao sexo da criança, revelando que, na percepção das pessoas sem filhos, o pai exerce comportamentos de abertura ao mundo mais frequentemente com os meninos do que com as meninas.

Assim, a tradução, adaptação e validação de conteúdo e construto do instrumento QOM-SF foram úteis para investigar a função paterna de abertura ao mundo para pessoas sem filhos. Logo, a presente pesquisa mostrou-se adequada para atingir aos objetivos propostos, apresentando resultados referentes a essa função paterna no contexto brasileiro, os quais irão contribuir para o avanço no conhecimento sobre o assunto, tanto no âmbito nacional quanto internacional.

Considerando as limitações e os achados do presente estudo, verifica-se a importância de serem desenvolvidas novas pesquisas com foco na paternidade que sejam capazes de explorar o tema a partir de diferentes contextos e atores. Assim, esses diferentes contextos referem-se desde o âmbito familiar (como distintas configurações familiares) até diferentes culturas. Já a ênfase em diferentes atores tem o objetivo de se obter uma maior compreensão tanto da percepção de pessoas não envolvidas na relação familiar em questão, como por exemplo os avós, quanto de pessoas diretamente envolvidas na dinâmica familiar, como o próprio pai, a mãe e/ou os filhos e filhas.

Além disso, a forma como as pessoas sem filhos percebem a função paterna de abertura ao mundo perpassa suas vivências, crenças e expectativas. Logo, embora os participantes tenham respondido sobre as atividades que eles percebem que o pai realiza com a criança, essa resposta recebe o viés desses diferentes fatores, os quais podem ser explorados em estudos futuros. Assim, como sugestão de estudo futuro, ressalta-se a investigação da percepção da função ideal do pai e da função real do pai, pois a partir desses dados seria possível verificar se os comportamentos exercidos pelo pai no dia-a-dia, na percepção das pessoas sem filhos, atualmente são considerados satisfatórios, ou se existe uma imagem de pai ideal com frequência de comportamentos ainda não desempenhada.

Também seria importante investigar como o pai exerce essa abertura ao mundo com o menino e com a menina, tendo em vista que no presente estudo explorou-se apenas a frequência com que o pai realiza determinados comportamentos. Ou seja, o pai pode, por exemplo, estimular o filho aos esportes de forma diferente que a filha, e o modo como o faz é algo a ser explorado em estudos futuros.

Além disso, investigar a paternidade a partir do olhar de pessoas externas ao núcleo familiar mostrou-se uma estratégia relevante para identificar como a função paterna de abertura ao mundo tem sido percebida no contexto macrossocial. Portanto, essa pesquisa pode tornar-se objeto de contribuição para a literatura na área trazendo à tona a percepção da paternidade a partir de um novo interlocutor, em meio aos já citados na literatura como a mãe, o pai e os próprios filhos e filhas. Essa multiplicidade de fontes de informação possibilita que o fenômeno da paternidade seja apreendido de forma contextualizada e sob diferentes ângulos, buscando uma compreensão geral, porém não reducionista.

Embora o presente estudo parta do pressuposto da diferença e complementaridade de papéis parentais (Paquette, 2004a), é importante contextualizar que se constatam transformações nas formas de ser pais e mães, dentre as quais está uma maior divisão nas tarefas relacionadas à família, uma maior igualdade na realização das atividades e no tempo que pais e mães passam com seus filhos (Fagan et al., 2014), bem como uma maior similaridade na forma de pais e mães brincarem com as crianças (Levtov et al., 2015). Nesse sentido, também seria importante investigar a função de abertura ao mundo realizada pela mãe e, até mesmo, comparar a função de abertura ao mundo realizada por ambos os pais.

Por fim, ressalta-se que a relação pai-filho(a) imersa no contexto familiar contemporâneo tem sido alvo de diversas investigações, o que permite proporcionar maior visibilidade à figura paterna e as suas funções, além de destacar sua importância para o desenvolvimento infantil. Os resultados dessas pesquisas a partir de diferentes perspectivas (do pai, da mãe, dos filhos, de pessoas sem filhos, entre outros) são fundamentais para o incremento de políticas públicas e o incentivo de intervenções comunitárias voltadas à promoção do envolvimento paterno com os filhos e filhas, no sentido de suscitar comportamentos que aumentem a qualidade da interação, acessibilidade e responsabilidade do pai para com o filho(a).

A pesquisa de Costa e Antoniazzi (1999) aponta ainda que, por mais que os pais tenham ideais de igualdade de gênero ao falarem sobre sua parentalidade em entrevistas, eles revelam que em suas práticas acabam por tratar e ter preocupações diferentes com seus filhos e filhas. De modo similar, pode-se pensar que a amostra dessa pesquisa, composta por universitários considere que os pais deveriam relacionar-se de modo igual com meninos e meninas, mas ao responder as mesmas questões pensando no gênero da criança, essas diferenças culturais aparecem. Isso aponta para a importância de refletir sobre essas questões com pessoas que ainda não se encontram na transição para parentalidade e que podem (re)significar seus conceitos sobre paternidade e sobre a criação de meninos e meninas.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Mauro Luís Vieira
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFH)
Campus Reitor João David Ferreira Lima, s/n - Trindade
88040-900 Florianópolis, SC, Brasil

Recebido em: 06.05.2016
Aceito em: 20.12.2016

 

 

Autores: Larissa Paraventi – Mestranda, Universidade Federal de Santa Catarina.
Isabella Goulart Bittencourt – Psicóloga, Universidade Federal de Santa Catarina.
Mariajosé Louise Caro Schulz – Mestre, Universidade Federal de Santa Catarina.
Carolina Duarte de Souza – Doutoranda, Universidade Federal de Santa Catarina.
Rovana Kinas Bueno – Doutoranda, Universidade Federal de Santa Catarina.
Mauro Luís Vieira – Doutor, Universidade Federal de Santa Catarina – Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFH), Departamento de Psicologia, Núcleo de Estudos e Pesquisas em Desenvolvimento Infantil (NEPEDI).

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