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Psicologia Clínica

versão impressa ISSN 0103-5665versão On-line ISSN 1980-5438

Psicol. clin. vol.20 no.2 Rio de Janeiro  2008

 

RESENHA

 

A sociedade do desprezo: por uma nova teoria crítica

 

Disrespect: the normative foundations of critical theory

 

 

Prado de Oliveira

Professor do Departamento de Psicologia da Faculdade Victor Segalen, Universidade Européia da Bretanha Ocidental; Diretor de Pesquisas da Escola Doutoral Pesquisas em Psicopatologia e Psicanálise, Universidade de Paris 7 – Denis Diderot; Membro psicanalista de Espaço Analítico

 

 

RESENHA DE:

Honneth, A. (2006). La société du mépris: vers une nouvelle théorie critique. Paris: Editions La Découverte, 356 páginas.

"Coube ao sociólogo alemão Axel Honneth ter suscitado os debates sobre a noção de 'reconhecimento'". Em La lutte pour la reconnaissance [A luta pelo reconhecimento]1, assim como em La société du mépris [A sociedade do desprezo], aquele que se apresenta freqüentemente como o sucessor do filósofo e sociólogo alemão Jürgen Habermas mostrava que as "patologias sociais" não poderiam reduzir-se ao problema das desigualdades; mas que elas se devem às condições fundamentais que permitem, ou não, "uma vida boa e bem-sucedida", escreve o jornal Le Monde em sua edição de 23 de outubro de 2007, antes de consagrar uma página inteira de entrevista a esse filósofo no último 25 de abril. A obra de Axel Honneth dificilmente penetrou na França. Nosso colega Olivier Douville assinalou-me sua importância, no final de 2006/início de 2007, a respeito do conceito de "reificação".

La société du mépris reúne textos que se estendem de 1994 a 2004, textos jovens, entretanto, acerca dos problemas de que tratam. O primeiro dentre eles, também o mais antigo, traz como título "Les pathologies du social. Tradition et actualité de la philosophie sociale" [As patologias do social. Tradição e atualidade da filosofia social]. Um dos últimos traz como título "Théorie de la relation d'objet et identité postmoderne. À propos d'un prétendu vieillissement de la psychanalyse" [Teoria da relação de objeto e identidade pós-moderna. A propósito de um pretenso envelhecimento da psicanálise]. Quer dizer, tem todo seu interesse para os psicanalistas. É uma pena que os psicanalistas não tenham aí se interessado bastante, mais cedo.

"Les pathologies du social" é uma:

tentativa de fazer reviver essa tradição da crítica das patologias sociais tal como foi defendida, a partir de Rousseau, por teóricos da sociedade tão diferentes quanto Hegel, Marx e Weber, e até por membros da Escola de Frankfurt. Contra a tendência a reduzir todas as questões normativas concernindo desde a ordem social ao problema da justiça, esses autores insistiram sobre o fato de que uma sociedade pode também fracassar em um sentido mais global, a saber, em sua capacidade de assegurar a seus membros as condições de uma vida bem-sucedida. Eu descrevo como patologias sociais as deficiências sociais no seio de uma sociedade, as quais não decorrem de uma violação dos princípios de justiça comumente aceitos, mas de danos às condições sociais de auto-realização individual (Honneth, 2006: 35).

Uma outra passagem, agora sobre "Injustices et pathologies" [Injustiças e patologias], explicita bem os propósitos do autor.

Eis já um problema que merece discussão. De onde vem a idéia de que uma sociedade teria que assegurar condições sociais de auto-realização individual e seu fracasso ao fazê-lo constituiria "patologias sociais"? A meu ver, essa idéia está presente em nossa história desde Platão, que tentou colocar em prática sua Utopia na Sicília, e se encontra presente em Marx, mas de maneira esparsa, mas, aqui, é a permanência do conflito que constitui a teoria dominante, em um prolongamento social de Heráclito. Enquanto projeto recente, a auto-realização individual parece-me, antes, surgida de um certo romantismo alemão.

No outro extremo, seguramente não existe nenhum envelhecimento da psicanálise, não mais que envelhecimento da curiosidade ou das capacidades de pensamento. Eu aconselho meus estudantes a estudar bem os filósofos gregos, por exemplo. Contudo, uma certa usura do movimento psicanalítico é inegável, alguns estilos de autores psicanalíticos tornam-se pesados e a presença de psicanalistas em instituições de tratamento em saúde mental ou mesmo seu estilo de exercício em seus consultórios têm sido questionados. O debate de idéias é um caminho são e os psicanalistas perdem-se ao denunciar seus adversários.

Axel Honneth vem vivificar esse debate de maneira incontestável. Seria lamentável que os psicanalistas não levassem em consideração sua contribuição. Certamente, sua tradução em francês torna laboriosa sua leitura, mas essa não seria a primeira vez em que nos defrontamos com essa dificuldade, nem sem dúvida a última, ainda mais porque o tema com o qual lidamos é delicado e complexo, enfim, sobredeterminado, segundo um dos raros termos cuja origem podemos atribuir exclusivamente, ou quase, a Freud. Desde Marx, sabemos que a própria crítica da crítica obedece à sobredeterminação. Honneth discute com muita precisão os termos das sobredeterminações que marcaram o pensamento de cada um dos autores que examina, para estabelecer as premissas de uma nova teoria crítica, cuja necessidade faz-se premente em tempos de guerra e de crise.

 

NOTAS

1 Honneth, A. (2000). La lutte pour la reconnaissance. Paris: Le Cerf.         [ Links ]

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