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Psicologia Clínica

versão impressa ISSN 0103-5665versão On-line ISSN 1980-5438

Psicol. clin. vol.21 no.2 Rio de Janeiro  2009

 

EDITORIAL

 

 

Neste número a revista Psicologia Clínica dá continuidade à reunião de artigos que versam, direta ou indiretamente, sobre a clínica psicológica em suas diversas faces, confirmando a idéia de que se trata de um campo bastante fértil de pesquisa e de reflexões que pretendam aprofundar e aperfeiçoar possibilidades de intervenção variadas.

No artigo que abre nossa seção temática, "A noção de das Ding em Jacques Lacan", Ariana Lucero (UFMG) explicita como se deu a apropriação lacaniana da noção de das Ding a partir do "Projeto para uma psicologia científica" de Freud, buscando mostrar em que medida a noção de das Ding pode esclarecer aspectos importantes da obra de Lacan, como por exemplo: a relação do infante com o Outro, bem como o estatuto deste último e a questão da tradução do termo Vorstellungsrepräsentanz por representante-da-representação.

A seguir, Mériti de Souza (UFSC) e Sidnei J. Munhoz (UEM/UFRJ), no artigo "Subjetividade sujeitada e prática psicológica: perspectivas do sujeito da ação", problematizam as leituras sobre o denominado sujeito da ação como associado à coesão grupal e as implicações dessas leituras na prática psicológica e na constituição subjetiva. Para tanto, utilizam uma abordagem interdisciplinar e aportes de disciplinas como a história e a psicanálise. A ênfase crítica recai na lógica clássica, na identidade e na subjetividade sujeitada que se apresentam como atemporais e universais na ação sobre a realidade. Assim, os autores acreditam contribuir para o estabelecimento de referenciais teóricos e estratégias de intervenção críticos.

De modo consoante o artigo "Algumas considerações sobre o uso da empatia em casos e situações limite", de Perla Klautau de Araujo Pimentel e Nelson Coelho Junior (USP), visa contribuir para a construção, por meio do conceito axial de empatia, de uma abordagem teórica e prática que oriente o manejo clínico de casos e situações limite, refratários ao método psicanalítico clássico. O exame da noção de empatia é feito a partir de três perspectivas: como modalidade de escuta, como forma de comunicação e como fator terapêutico, com a proposta de dar sustentação à adoção da empatia como ferramenta clínica capaz de ampliar o horizonte de intervenção, incluindo possibilidades de ação que o método interpretativo não comporta.

Trazendo à tona uma questão que atinge a todos os que exercem a prática clínica, Camile Gross e Maycoln L. M. Teodoro (UNISINOS), no artigo "A cobrança de honorários na prática clínica", investigam a percepção do processo da cobrança de honorários por psicoterapeutas de diferentes abordagens teóricas. Para tanto, entrevistaram 12 psicólogas e um psicólogo que atuam em psicologia clínica, empregando a análise de conteúdo como método de pesquisa. A partir da concepção dos entrevistados sobre o tema da pesquisa, estabeleceram-se as categorias denominadas "Contrato"; "Diferença entre a clínica privada-escola"; "Honorários como parte do tratamento" e "Aprendizagem". Nos resultados desta pesquisa não houve diferenças em função das distintas abordagens teóricas por parte dos entrevistados. Os resultados apontam para as deficiências na formação acadêmica e profissional dos psicoterapeutas frente ao tema honorário em suas práticas clínicas e consequente despreparo referente a essa temática no início de sua vida profissional.

Já Simone Perelson (UFRJ) analisa outra questão importante no artigo "O passe: da articulação entre a autonomia e a dependência", ao analisar o procedimento do "passe", inventado por Lacan em 1967, ao abordar algumas dificuldades colocadas pelo fato de o "passe", em primeiro lugar, conter e articular três sentidos distintos: de experiência singular de passagem da posição de analisando a analista, de mecanismo institucional de nomeação e de laço social e, em segundo lugar, de ser proposto ao mesmo tempo que Lacan formula o célebre princípio "o analista só se autoriza de si mesmo". A autora sustenta que é justamente esta articulação de sentidos e simultaneidade de propostas que confere ao passe a sua originalidade e o seu interesse.

Por sua vez, no artigo "Jogo Patológico e motivação para mudança de comportamento", Cristiane Cauduro de Souza, Jaqueline Garcia da Silva, Margareth da Silva Oliveira, Simone Armentano Bittencourt e Suzana Dias Freire (PUC-RS) realizam uma revisão sobre a patologia que envolve o hábito de jogar e as possibilidades terapêuticas envolvidas. Considerando que a motivação para mudança é um importante aspecto a ser considerado na elaboração de estratégias e intervenções nesta patologia, os autores relacionam o jogo patológico com o tema da motivação para mudança. A partir da literatura científica pesquisada concluíram que a maioria dos estudos sugere mais pesquisas com ensaios controlados para tratamento desta patologia e ressaltam que a motivação do paciente parece ser fundamental como fator preditivo em qualquer modalidade terapêutica.

Finalmente, no artigo que encerra a sessão temática, "A terapia multifamiliar no tratamento da dependência química", os autores, Suzana M. Sastre Seadi e Margareth da Silva Oliveira, da PUC-RS, investigam e avaliam fatores associados à adesão ao tratamento multifamiliar no tratamento de dependentes químicos hospitalizados. Este artigo apresenta os resultados de um estudo transversal retrospectivo, com uma amostra de 672 famílias durante o período de seis anos (de março 1997 a julho de 2003). Foi realizado um estudo dos fatores sociodemográficos como idade, sexo, tempo de uso da substância e quanto ao tipo de droga mais prevalente e investigada a associação entre o grau de parentesco do familiar participante do programa e a adesão ao tratamento. Verificou-se haver associação entre a participação da família e adesão ao tratamento, com os resultados sugerindo que a inclusão de um número maior de familiares poderá repercutir favoravelmente em termos de uma maior adesão ao tratamento.

Nossa seção livre tem início com um artigo de Joel Birman (UFRJ), "Pacto perverso e biopolítica", no qual ele delineia a construção teórica do campo da perversão, nos registros teórico e clínico, desde o começo do século XIX nas suas relações com a família nuclear e o discurso da biopolítica. Ainda em torno à articulação entre psicanálise e política, Fuad Kyrillos Neto e Jacqueline de Oliveira Moreira (PUC-MG) contemplam as interfaces entre psicanálise e política a partir das considerações freudianas em "Totem e tabu" e da concepção arendtiana de política. Seu artigo, "Política e psicanálise: conexões", discute as relações entre psicanálise e sociedade, investigando as condições subjetivas no desenvolvimento dos processos coletivos que tendem a uma transformação radical da realidade social. Utilizam o conceito de política propriamente dita em Zizek, que considera o antagonismo como real, inscrito permanentemente e permitindo a reintrodução da reflexão sobre a liberdade mediada pelo ato que perturba a fantasia ideológica. Os autores buscam os eixos suscetíveis de fundamentar uma aproximação entre política e psicanálise, utilizando as coordenadas do tempo e da relação do saber, que autorizam alguma compreensão da especificidade do ato analítico e permitem refletir sobre os modos com que essas coordenadas são postas em prática em uma ação política libertadora.

A seguir, o artigo "Transmissão cultural entre pais e filhos: uma das chaves do processo de imigração", de Ivy Daure e Odile Reveyrand-Coulon (Univ. Bordeaux II), apresenta os resultados parciais da pesquisa sobre a transmissão cultural na construção das identidades do imigrante e de seus descendentes. Nove famílias de origem brasileira, portuguesa e italiana participaram deste trabalho em encontros individuais e familiares, nos quais, através de entrevistas estruturadas e semiestruturadas, buscou-se verificar de que maneira a cultura de origem dos pais integra o cotidiano dos filhos em país estrangeiro, analisando-se o impacto desta transmissão cultural na construção identitária. Os resultados evidenciam que os filhos de imigrantes vivem a situação de dupla cultura como valor a preservar e se inscrevem mais facilmente na vida do país de imigração quando a cultura de origem está presente no cotidiano de sua educação em paralelo com a do país de acolhimento.

Por sua vez, Esther Maria de Magalhães Arantes (PUC-Rio), no artigo "Proteção integral à criança e ao adolescente: proteção versus autonomia?", pretende pensar alguns desafios relativos à complexidade expressa nos estudos na área da infância e adolescência, tanto pela novidade histórica dos direitos de que são titulares - tendo como marco, no plano internacional, a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (1989) e, no plano nacional, a Constituição Federal (1988) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) -, como pela persistência de dificuldades culturais em aceitar orientações sexuais, religiosas e estilos de vida que se afastam de uma pretensa normalidade médica, psicológica e social.

Também envolvendo uma reflexão sobre os jovens, mas com viés diverso, o artigo "Pesquisa-intervenção: nas malhas do desconhecido", de Sonia Borges e Lucia Rabello de Castro (UFRJ), objetiva focalizar um dos aspectos do desenvolvimento de um trabalho realizado em uma escola da Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro, com três turmas de jovens entre 14 e 16 anos de idade, tomando como contorno analítico a importância da não neutralidade do pesquisador e sua consequente influência na percepção das demandas grupais e qualificação das possibilidades da expressão criativa com vistas ao reconhecimento do outro e facilitação do processo de elaboração da relação com o mundo externo. Nesse sentido, foi eleita como viés a explanação de um dos cincos momentos do trabalho em questão, qual seja, o que trata especificamente do "fazer coletivo", experienciado através de um "fazer criativo". As idéias de D. W. Winnicott encontram aqui significação especial, principalmente no que tange aos seus conceitos de objetos transicional e de fenômeno transicional.

Nesta edição, além de duas resenhas de livros, encerramos como de hábito: com informações sobre dissertações e teses defendidas na PUC-Rio ao longo do semestre passado, além de notas sobre os autores.

 

Monah Winograd e Bernardo Jablonski

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