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Psicologia Clínica

Print version ISSN 0103-5665On-line version ISSN 1980-5438

Psicol. clin. vol.22 no.1 Rio de Janeiro June 2010

 

EDITORIAL

 

 

Neste número a revista Psicologia Clínica reúne artigos que versam, direta ou indiretamente, sobre a teoria e a clínica psicológicas na infância e na adolescência, entendendo ser este um campo bastante fértil de pesquisa e de reflexões que pretendam aprofundar e aperfeiçoar possibilidades de intervenção variadas.

No artigo que abre nossa seção temática, intitulado "Malformação no bebê e maternidade: aspectos teóricos e clínicos", os autores Aline Grill Gomes e Cesar Augusto Piccinini (UFRGS) apresentam uma revisão de estudos teóricos e clínicos sobre a maternidade no contexto da malformação do bebê. Discutindo o impacto do diagnóstico no psiquismo materno e na relação mãe-bebê, refletem sobre as intervenções psicológicas utilizadas nestas situações. Inquestionavelmente, o diagnóstico de malformação no bebê se revela como sendo uma experiência psíquica bastante complexa e difícil para a mãe, implicando em prejuízos psíquicos para ela e, consequentemente, para a relação mãe-bebê. Ademais, os autores percebem que a representação mental que a mãe constrói acerca do bebê pode assumir um papel limitador ou potencializador do desenvolvimento psíquico deste e entendem que a psicoterapia breve pais-bebê tem se mostrado uma técnica eficiente a favor de um crescimento psíquico mais saudável tanto da mãe como do bebê.

O artigo seguinte, "O método Bick de observação da relação mãe-bebê: aspectos clínicos", de Lisiane Machado de Oliveira-Menegotto, Rita de Cássia Sobreira Lopes (UFRGS) e Nara Amália Caron, também trata da relação mãe-bebê. Aqui, o objeto de investigação é o método Bick de observação como ferramenta clínica, a partir do relato de uma experiência de aplicação à investigação psicanalítica da relação mãe-bebê com síndrome de Down. As autoras discutem o potencial terapêutico do método, baseado na função continente do observador. O caso apresentado evidencia a postura empática da observadora que, por meio de uma atitude silenciosa e sutil, oferece um holding para a condição de desamparo vivida pela mãe.

A seguir, o artigo "A relação transferencial com crianças autistas: uma contribuição a partir do referencial de Winnicott", de Lívia Milhomem Januário e Maria Izabel Tafuri (UnB), reflete sobre a relação transferencial na clínica psicanalítica com crianças autistas. As autoras verificam que, a partir do trabalho de Melanie Klein, o manejo da transferência com crianças autistas é realizado por meio de interpretações verbais e o lugar do analista é o de intérprete. Segundo as autoras, a partir do pensamento de Winnicott, o analista teria ganhado outro lugar na situação transferencial com a criança autista, para além da função de intérprete. São enfatizadas a questão do holding e da interpretação, o modelo da "mãe suficientemente boa" como um norteador da transferência e a importância dos vínculos sensoriais não-verbais na relação transferencial.

Também investigando a problemática do manejo clínico, o artigo "Abuso sexual: do que se trata? Contribuições da psicanálise à escuta do sujeito", de Pedro Moacyr Chagas Brandão Junior (UERJ) e Patrício Lemos Ramos, problematiza a questão da relação da psicanálise com a ciência e com as abordagens dos casos de abuso sexual no Brasil. A partir de uma revisão crítica da bibliografia sobre o tema, os autores questionam a proposta contemporânea de normalização e patologização dos casos, propondo que o manejo clínico em psicanálise não seja definido previamente à escuta do sujeito e leve em conta sua responsabilidade pelo que lhe ocorreu.

Abordando outra problemática e versando sobre os relacionamentos pais-filhos no contexto das transições familiares referentes à separação e/ou divórcio parental, o artigo "Adolescência e divórcio parental: continuidades e rupturas dos relacionamentos", de Soraya Maria Pandolfi Koch Hack e Vera Regina Röhnelt Ramires (UNISINOS), apresenta uma revisão geral dos estudos do divórcio, seguida de pesquisas que especificamente associam adolescência e transições familiares. Segundo as autoras, a maioria dos estudos destaca a importância da qualidade da parentalidade e da manutenção dos relacionamentos entre pais e filhos após a separação. As repercussões que as continuidades e rupturas têm sobre os relacionamentos entre pais e filhos também são discutidas.

Finalmente, o artigo que fecha nossa seção temática, "As falhas na emergência da autoconsciência na criança autista", de Olívia Balster Fiore-Correia, Carolina Lampreia e Flávia Sollero-de-Campos (PUC-Rio), analisa os processos envolvidos nestas falhas através de uma discussão das abordagens naturalista e construtivista no campo da filosofia, da neurociência, da psicologia do desenvolvimento e do transtorno autístico. As autoras concluem que a abordagem construtivista permite uma melhor compreensão destas falhas, por considerar que elas advêm de prejuízos inicialmente inatos na capacidade de identificação afetiva destas crianças que prejudicam a interação social e o desenvolvimento da linguagem e, por conseguinte, sua capacidade autorreflexiva.

Nossa seção livre tem início com o artigo "Mudança em psicoterapia de grupo: reflexões a partir da terapia narrativa", de Rafael Santos Carrijo e Emerson Fernando Rasera (UF Uberlândia), que visa compreender o processo de mudança de uma pessoa em psicoterapia de grupo a partir de uma perspectiva narrativa. A observação participante e a análise dos registros das doze sessões de um grupo de curto prazo permitiram aos autores investigar episódios e intervenções terapêuticas que contribuíram para a construção de uma narrativa em que a pessoa se descrevia com uma maior autonomia em sua vida, superando a narrativa anterior saturada pelo problema. Entendendo que os recursos propostos pela perspectiva narrativa, tais como a identificação de acontecimentos extraordinários, a externalização do problema e o fortalecimento das narrativas de enfrentamento, ajudam a construir novos sentidos por meio da criação de um espaço dialógico no contexto grupal, o artigo aponta ainda para alguns desafios a serem enfrentados.

O segundo artigo, "A feminização na psicose: empuxo-à-mulher e erotomania", de Vanessa Campbell da Gama e Angélica Bastos (UFRJ), tem por objetivo conceituar o empuxo-à-mulher e delinear o destino que o delírio é capaz de lhe conferir. A tendência à feminização nas psicoses constitui uma questão para a direção do tratamento psicanalítico. Denominada por Jacques Lacan de empuxo-à-mulher, ela se distingue da posição do neurótico no lado mulher da divisão dos sexos. A partir desta ideias, as autoras circunscrevem a problemática da sexuação entre os humanos com base na teoria freudiana e no ensino de Lacan sobre a inscrição do sujeito na partilha sexual. Os casos Aimée e Schreber são abordados com o intuito de delimitar a pressão da estrutura no empuxo-à-mulher, a emergência do fenômeno e sua articulação com a erotomania.

Por último em "Jacques Lacan e a clínica do consumo", a autora Márcia Rosa (UFMG) destaca em estudo teórico contribuições de Jacques Lacan sobre a questão do consumo a partir de três pontos: a articulação do consumo à ética, ao campo pulsional (especialmente ao objeto oral e às fantasias de devoração) e ao discurso capitalista.

A revista conta ainda com uma seção especial contendo trabalhos apresentados no Seminário Humor, Indivíduo e Sociedade, organizado numa parceria entre a GloboUniversidade e a PUC-Rio e realizado em agosto de 2009 na PUC-Rio. Além de algumas considerações emitidas pelos participantes ao longo do evento (e publicadas no encerramento desta seção), duas das palestras feitas são publicadas na íntegra. Na primeira delas Joel Birman (UFRJ/UERJ), em "O rei está nu. Contrapoder e realização de desejo, na piada e no humor", se propõe a demonstrar como a piada e o humor têm como alvo privilegiado o campo do poder, sendo, assim, práticas discursivas eminentemente sociais. Além disso, como formas que seriam de realização de desejo, segundo Freud, seriam, também, formas de desconstrução do poder.

Em seguida, o psicanalista Daniel Kupermann (USP), no trabalho intitulado "Humor, desidealização e sublimação na psicanálise", discorre sobre a metapsicologia do humor que se oferece, na obra freudiana, como o paradigma a partir do qual se podem compreender as operações em jogo no processo da sublimação. Ao longo do texto são enfatizados o trabalho de desidealização promovido pelo humor, a modalidade identificatória envolvida na sua produção, a referência do humor negro à condição de orfandade que caracteriza o sujeito moderno, bem como a política que acompanha a anunciação do dito humorístico e, mesmo, do Witz (espirituosidade) de modo geral. Finalmente, é demonstrada a filiação do humor ao realismo grotesco, amplamente analisado por Mikhail Bakhtin, indicando como, na enunciação humorística, é preciso considerar a participação da alegria, sua força motriz.

Além de uma resenha de livro, como de praxe encerramos a revista com informações sobre teses e dissertações defendidas na PUC-Rio ao longo do semestre passado, normas para publicação, notas sobre os autores e a lista de consultores ad hoc relativa às suas contribuições em 2009.

 

Monah Winograd e Bernardo Jablonski

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