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Psicologia Clínica

Print version ISSN 0103-5665On-line version ISSN 1980-5438

Psicol. clin. vol.22 no.1 Rio de Janeiro June 2010

 

SEÇÃO ESPECIAL: SEMINÁRIO DE HUMOR

 

Transcrição do Seminário Humor I

 

Transcription of the Humor Seminar I

 

 

Bernardo Jablonski

 

 

No Seminário Humor, Indivíduo e Sociedade, realizado na PUC-Rio em agosto de 2009 e promovido pela Globo Universidade em parceria com o Departamento de Psicologia da PUC-Rio, participaram nomes representativos do humor carioca, tanto entre os seus "militantes" quanto entre os que teorizam a respeito. As duas mesas do evento foram compostas pelos humoristas Mauricio Sherman (diretor), Claudio Manoel (ator e autor/Casseta), Pedro Cardoso (ator), Michel Melamed (autor/ator), Mario Marcio Bandarra (diretor), Bruno Mazzeo (autor/ator), Ney Latorraca (ator) e Claudio Paiva (autor/chargista). Representando os teóricos, Bernardo Jablonski (moderador) e os psicanalistas Daniel Kupermann e Joel Birman.

Abaixo, transcrevemos, a título de ilustração, alguns dos depoimentos que julgamos mais significativos com relação ao que foi proferido durante o seminário por parte de alguns de seus participantes.

 

BERNARDO JABLONSKI:

Para abrir o presente evento, escolhemos uma frase de Charles Chaplin: "o humor nos permite ver o irracional através do racional. Reforça nosso instinto de conservação e preserva nossa saúde mental. Graças ao humor, as dificuldades da vida se tornam mais leves. E mais, o humor desenvolve nosso senso de medida e nos revela o absurdo que nos rodeia, tantas vezes travestido de pretensa gravidade".

 

MAURÍCIO SHERMAN:

O pensamento é este. Porque o que se fala muito é que o humor é simples, o humor deve ser engraçado e é isso o que o Chico Anísio diz, o que o Max Nunes diz, e é o que o Woody Allen também diz. E eu até trouxe aqui um textinho muito rápido do Woody, que diz o seguinte: "o humor é uma coisa imensamente complicada, e é muito difícil formular qualquer verdade generalizada. Acho que o que faz a comédia, assim como o jogo de xadrez ou de basquete, são milhões de conhecimentos e desconhecimentos psicológicos. Se alguma coisa te faz rir ela é engraçada e isso é mais profundo do que se pensa".

Quer dizer, isso é mais ou menos uma constante. O Umberto Eco também diz que "o humor é um meio de sobrevivência. O humor é o único meio de preservar a verdade". Kant diz que para suportar as agruras da vida a humanidade havia sido abençoada com a esperança, o riso e o sono. Todo mundo diz que rir faz bem para a saúde, de modo que, praticamente, eu diria que estamos num ambiente bem saudável... Na verdade, fico impressionado com a seriedade com que esses autores falam sobre humor e ao mesmo tempo acham que o que fazem é realmente muito pouco.

Comecei minha carreira no rádio. O rádio era aquela coisa, aquele objeto com um alto-falante, um mostrador, um botão que gira e ninguém aperta nada; e ele era muito prático, porque num botão só ele tinha praticamente todas as funções. Ele acendia, porque naquele tempo ligar era acender, procurava o volume e um outro botão redondinho procurava a estação para você ouvir. Quer dizer que era tudo muito simples, sem nenhuma complicação. Assim como o relógio antigamente, que a gente olhava a hora e pronto, acabou. Hoje você tem que procurar a função relógio. E no tempo do rádio a gente tinha que simplificar as coisas.

E a simplicidade do humor me conduziu a uma história que eu recomendo aos autores, porque agora eu faço TV e sei que o humor tem que ser muito objetivo, porque, se você solta uma piada e não riem, você está morto. Então, recomendo aos meus autores: vocês quando escreverem, pensem no presidente Lula: "será que ele vai entender esta piada?". Se a resposta for "sim", mandem brasa. E não é que tem funcionado?

 

MICHEL MELAMED:

Eu vim pensando nos tipos de humor em que eu me vejo inserido eventualmente... e no final de tudo percebi que o humor surge muito da inadequação... Por exemplo, eu estava vindo para cá atrasado e me vendo numa série de situações de humor... porque eu estava atrasado, me olhei no espelho e meu cabelo estava ruim; e eu estava no elevador e tinha um pouco de gel... aí resolvi passar gel, mas eu nunca tinha usado gel, daí que usei a quantidade errada... e aí eu disse "danou-se", porque agora não dá mais para tirar. E isso tudo me fez refletir que existem vários tipos de humor: existe o humor físico, o humor de texto, o humor de situações, de improviso... e na verdade o humor de improviso está até ligado um pouco com isso. Grande parte dessas situações surgem deste sentimento de estar inadequado... de alguma coisa que não está encaixando, de não estar no momento certo... Acho que isso é um sentimento perpétuo, como agora. E sem dúvida o humor parte da transgressão da expectativa, da desestabilização.

 

PEDRO CARDOSO:

Eu penso que toda palavra coloca uma questão a respeito dela mesma. Quando o título me foi transmitido, a palavra psicologia imediatamente se colocou pra mim, porque eu não sei o que é exatamente psicologia. E passei então a pensar vagamente... então digamos que psicologia é aquilo que a gente reconhece como sendo os nossos processos que resultam nas nossas ações, entre aquilo que a gente chama de razão, emoção, de sensações e como é que isso tudo se relaciona dentro de nós. [...] o ponto é: se o humor é como se tem dito aqui, um acesso ao nosso inconsciente, se o humor é uma irrupção de um conteúdo inconsciente do qual a gente não tem conhecimento até aquele momento... digamos então que estaremos sempre rindo, e é isso o humor, resultante da imperfeição do nosso funcionamento.

Então quando a nossa psicologia falha isso produz em nós misteriosamente uma sensação do cômico. Mas agora vou dizer uma coisa que está muito na contramão da ideia vigente a respeito de humor, e até da ideia que talvez tenha inspirado todo este encontro.

Rapidamente vou contar uma breve história que eu vivi, e que foi uma lição de vida pra mim, em que esta distinção ficou nítida, ainda que de forma bem sutil. Eu fazia um espetáculo em que em determinado momento o personagem perguntava para a plateia – era um personagem muito erudito que estava falando em várias línguas, e num determinado momento eu continuava o espetáculo falando só em português e perguntava: "temos aqui alguém de outros países?". Como se passava no Brasil, obviamente, só tinha brasileiros. Então ele sempre concluía dizendo "ah, só tem brasileiros!". Porém neste dia havia um rapaz que levantou lá de trás, com muita gentileza, e falou: "eu sou de Honduras!". E foi uma coisa extremamente gentil que o rapaz fez. Você imagina, o teatro é uma opressão enorme sobre a plateia, o ator ali no palco... e ele falou "eu sou de Honduras!". E eu, do palco, retruquei: "não, eu falei país!". E todo mundo riu, assim como riram aqui. Bem, o Brasil tem um certo sentimento de superioridade em relação aos outros países da America Latina por causa da força da economia, por causa do tamanho. Então a piada tinha vários espelhos de compreensão, um deles era esse. Aquela piada foi eficiente, todo mundo deu esta gargalhada que deram aqui. No entanto, ela deixou um resto de incômodo, porque eu havia constrangido aquele homem, um homem que tão gentilmente tinha se reportado a mim e eu fiz uma piada e coloquei ele numa situação ridícula perante quinhentas pessoas, porque todo mundo riu dele. Não era de mim ou do que eu estivesse falando. E aquilo deixou no espetáculo um pequeno incômodo... E o espetáculo seguiu, depois de dez minutos acabou, mas o aplauso final não foi tão vibrante quanto em outras ocasiões. Não foi vibrante porque aquela piada não era elucidativa para a peça, ela era uma mera confirmação da imobilidade do meu preconceito em relação àquele rapaz, ela não moveu o pensamento em nenhum sentido. Neste sentido esse tipo de piada, embora possa ser eficiente, ela não conduz à saúde. Aí fiquei me perguntando: como algo que é eficiente, ou seja, que produz a gargalhada, pode ainda assim não conduzir à saúde? E ainda assim, empiricamente, me ocorreu responder que aqueles que riem de algo que não os está transformando estão rindo apenas da mesmice que visa confirmar a sua ignorância a respeito de si mesmos. Aqueles que estão rindo de algo que os está transformando, ainda que seja um processo inconsciente, estão rindo de uma forma que será libertadora lá na frente.

E de que maneira o riso é provocado? E aí é o final do que eu tinha a dizer. Acho que o riso é provocado em função da vontade, é um ato da razão, não é um ato inconsciente, da determinação. É porque eu quero provocar um bom momento que eu o provoco e é porque eu não quero provocar um bom momento que eu não o provoco. Então quando os brancos senhores dos escravos ou eventualmente até nós quando rimos de alguns aspectos do Presidente ou de qualquer coisa, enfim, dependendo do que nós verdadeiramente queremos, ou seja, dependendo do afeto, nós vamos obter uma piada que seja libertadora ou uma piada que seja meramente aprisionadora, da prisão na qual nós já estamos.

 

CLAUDIO MANOEL:

Embora a gente não tenha pretensões acadêmicas, acho difícil falar sobre função, assim como acho difícil falar sobre um humor só. Quer dizer, além de ter vários tipos de humorismo, humoristas e humores, as respostas para cada um deles variam de indivíduo para indivíduo. O humor que o Sherman falou, o humor engraçado, ele provoca o feedback do riso. O problema é que as coisas não são tão simples assim...

Porque o humor que provoca riso também pode provocar outras coisas, às vezes até situações de desconforto. Por que se está rindo? Porque há ao mesmo tempo um humor escrachado e um outro que pode provocar "uma saia justa". Então às vezes você ri meio constrangido e às vezes as pessoas estão injuriadas em relação àquela piada específica... O programa de humor "Pânico", por exemplo, costuma produzir um "quê" de constrangimento com a celebridade, o artista da Globo, e por aí vai. Além disso, se fosse sempre assim tão terapêutico ou nobre, não haveria humorista triste, mal-humorado, deprimido. E olha que tem muito... Se você pegar filmes como "Brilho eterno de uma mente sem lembranças", é meio por aí... Você tem também umas expressões do humor pela melancolia, ou, por exemplo, o filme "O último herói", que é um humor que flerta com a depressão... Woody Allen faz um pouco isso também.

Hoje em dia quando você tem uma resposta psicológica ao humor, que vai desde a piada que você faz com um gaúcho à piada que você faz com o Lula, por exemplo, que é o primeiro Presidente com quem a gente brinca e que tem um alto índice de popularidade (tirando o primeiro mandato do Fernando Henrique)... Então, quando a gente pega no pé do Lula, a gente pega no pé dele relativamente mais leve do que a gente pegava no pé dos outros, até por causa dessa coisa toda de politicamente correto... e as pessoas reagem muito contra a piada do Lula. Óbvio que também tem muita gente que reage a favor. Mas é preciso atentar para o fato de que você não está fazendo só humor e, sim, comunicação em TV aberta, o que faz as coisas ficaram bem diferentes exatamente do que eram, em função do impacto dessa mídia. Ou seja, as repercussões hoje em dia são bem maiores.

É preciso se dar conta então de que não estamos "fazendo só uma piada, cacete", e que às vezes a piada é mais cacete do que piada. Obviamente o cara que é o alvo da piada não fica tão contente quanto o cara que bate e quanto quem está assistindo, que não tem nada a ver com isso. Quando a pessoa é alvo da graça, ela obviamente não se sente assim tão bacana. Enfim, são vários outros fatores que estão em jogo e que merecem atenção quando se pensa no humor.

 

DANIEL KUPERMANN:

Pegando uma carona na fala do Claudio Manuel, concordo totalmente que não se deve restringir o humor e que a experiência democrática implica exatamente nisso. Mas o fato de eu dizer que as formas do cômico são todas elas importantes – desde a gargalhada franca até um humor mais cerebral –, isso não impede que eu pense que cada umas dessas manifestações do cômico tenha um funcionamento psíquico e uma função psíquica diferenciada. A ambição de sistematização não quer dizer que uma seja melhor que a outra necessariamente, ou que as outras tenham de ser abolidas.

Há uma outra questão, que é: quando o sujeito sabe se fez um chiste ou um ato falho? No exemplo que o Pedro deu da peça, será que foi uma piada ou um ato falho? Porque depois ele se arrepende de alguma maneira. O ato falho tende a deixar a gente meio envergonhado do que fez. A piada em geral não, a não ser que os outros não riam. Essa fronteira é muito difícil realmente. Mas é claro que há situações em que você quer fazer francamente uma piada e dane-se, mas o limite é tênue. Em situação de constrangimento social, você pode tentar fazer uma piada e sair uma coisa horrorosa. Porque o ato falho é aquilo que revela o recalcado. É uma maneira à revelia daquele que revelou. Então temos a piada como supressão do recalcado e o humor como alguma coisa que diz respeito ao supereu, de outra ordem da metapsicologia.

 

CLAUDIO MANOEL:

Eu gostaria de ressaltar algumas coisas. Primeiro que acho que o humor tem que ser politicamente incorreto; então, se ele tiver que ser politicamente incorreto ele não será necessariamente "saudável". Se a gente está, por exemplo, buscando classificações para o humor – que ele tem que ser crítico e não acrítico, que ele tem que ser necessariamente agressivo –, a gente deixa de fora muitos outros tipos de humor que estão acontecendo. Existem muitos produtos de humor, como todos os desenhos da Pixar Filmes, que têm uma boa dose de malícia. Cada um aqui vai reagir à piada de formas completamente diferentes, e creio ser impossível a gente agora tentar tirar um padrão de saúde, de profilaxia... Então eu acho que as coisas são mais plurais do que a gente imagina...

 

MARIO M. BANDARRA:

A única maneira que nós temos de "enganar" as estruturas é fazendo humor. Porque, quando a gente ri, isso nos faz observar a realidade de um modo que às vezes é mais profundo do que se fosse feito através de um texto mais sério. E uma outra questão que eu acho que deveria ser levantada é que em tempos de politicamente correto está muito difícil da gente fazer humor, porque o humor sempre é em cima da crítica, do diferente, e uma das coisas que eu acho que a gente deveria falar é que se a gente começar a levar ao extremo o politicamente correto, a gente para também de observar as diferenças sociais, raciais, enfim, toda a diversidade cultural que existe no mundo (e para de fazer humor...). É que quando a gente cutuca e mexe nessas questões a gente vai fundo, inclusive para que as pessoas, de uma forma ou de outra, pensem a respeito. E quando a gente começa a ter que pensar politicamente correto sobre esses assuntos a gente deixa de tocar no nervo daquela questão. E aí o humor perde sua função transformadora dentro de uma perspectiva do que é a função da arte na sociedade. Seja ela uma arte feita numa indústria, tipo a televisão, ou mais artesanal, como a feita no teatro, na praça ou no circo. Então acho que essas questões são fundamentais pra sabermos para onde vai o humor.

 

CLAUDIO PAIVA:

Eu fui formado no Pasquim e desde a época do Pasquim que eu acho que é uma boa regra a ser seguida a que diz que não existe humor a favor. O humor a favor, ele, no mínimo, não tem graça. Se não tem graça não é humor e acho que começa logo por aí. O Mário Bandarra falou do politicamente correto e que a gente vive uma fase difícil. Eu acho que isso acontece principalmente por causa da competição das mídias, etc.

Muitas vezes a gente sofre a tensão de fazer um humor que não seja politicamente incorreto. Muita gente diz que hoje seria impossível fazer um programa como foi o "TV Pirata" ou "Os Normais". O Billy Wilder, que é uma das minhas referências no humor, tem uma coisa muito curiosa ao longo da carreira dele, e olha que ele já fazia sucesso no final dos anos 50. E ele dizia que o trabalho dele como autor e diretor era sempre tentar romper com os limites. E se vocês forem assistir ou pesquisar sobre a obra dele vocês vão perceber que, dependendo da época, ele estava sempre buscando uma maneira de falar sobre alguma coisa que por convenção era proibido de se falar na época. Até chegar ao ponto de colocar o Jack Lemmon nu num filme, que era uma coisa impensável para a carreira do Jack Lemmon. Mas ele já estava lá, atento às novidades dos anos 70, quando se dava a revolução sexual, e aí começou a ter pessoas nuas, fazendo sexo no filme e no cinema (além de fazerem isso também na vida real, é claro...).

Resumindo, creio que o humor a favor não existe, é impossível. E o trabalho do humorista, como dizia o Billy Wilder, é tentar achar o limite em que ele vai conseguir romper com aquilo. Até porque a gente só consegue provocar o riso quando há uma coisa que também provoque o susto.

Tem uma coisa muito curiosa que eu percebi com a minha filha, hoje com 16 anos. Quando ela era bebê eu ficava tentando aquelas coisas malucas de tentar me comunicar com ela e provocar o seu riso. E ela reagia como qualquer bebê reage a qualquer gracinha. Não era nada muito interessante o meu repertório: era o mais banal possível. Mas eu me lembro que, a partir de um momento em que eu fiz uma graça que provocou o susto nela, ela imediatamente deu uma gargalhada. Acredito nessa associação entre a surpresa e o humor, de verdade.

Então, completando, acho que a função do humor é buscar a gargalhada. Eu também trabalho com charges e meu estilo pessoal na charge sempre foi falar sobre um assunto com que o público se identificasse. Pra mim a melhor charge é aquela que o leitor lê, entende e diz "é isso mesmo!". Este "é isso mesmo" é como se ele resumisse a busca de você falar de alguma coisa que o leitor estava formulando – mesmo que não estivesse muito consciente disso – e a sua obrigação como artista é transformar aquilo em concreto. Eu acho que o nosso trabalho como humoristas é esse. Assim, no fundo, nós falamos de coisas que todos vocês estão pensando. Porque é um pensamento comum e trata de questões essenciais a todos nós. A grande sabedoria do comunicador é falar das questões essenciais porque aí quem ouve se identifica e promove a discussão sobre aquilo. Nesse sentido, o trabalho do artista é buscar aperfeiçoar a sua técnica para comunicar e organizar esta discussão. Este é o nosso trabalho. No caso do humor, ele é um veículo. É um método de você chegar às pessoas.

 

BRUNO MAZZEO:

É, piada de freira, aeromoça, tem uma série de coisas sobre que não podemos fazer piada porque senão no dia seguinte a gente recebe uma chamada. E de fato, corroborando o que já foi dito aqui, com essa coisa do politicamente correto, você, como humorista, fica limitado. Hoje em dia, não podemos mais fazer piadas com anões, freiras, aeromoças... porque aí no dia seguinte vai aparecer uma associação dos anões reclamando pra valer! Além disso, e não sei se vocês sabem, nós não podemos fazer na televisão piadas com políticos durante os três meses anteriores à eleição. Isso para mim é censura, que já é outra coisa. É bem diferente de você não poder fazer piada com aeromoça porque o sindicato das aeromoças vai botar veneno na sua barra de cereal quando você pegar um avião.

 

CLAUDIO PAIVA:

O humor traz essa coisa inevitável que é ser contra o sagrado. E a fábula do rei que está nu é exatamente isso, é sobre aquela criança "malcriada" que mostra a verdade por trás dos panos – ou no caso, na falta deles. E não é à-toa que as crianças adoram humor e a criança da fábula é a única naquela sociedade que vê o óbvio e tem a coragem de romper com o sagrado e dizer que o rei está nu. E aquilo se transforma numa bagunça e toda autoridade do rei é posta em xeque, desaba diante daquela afirmação óbvia, que ninguém tinha tido coragem de fazer. Assim, a função do humor é ir contra ou agredir o sagrado e provocar um questionamento. Isso aqui é sagrado por quê? Não... Isso é falho, isso tem erros. Ou isso não é tão respeitável assim. Não é à-toa que os políticos fizeram esta manobra de impedir que se fizessem piadas perto das campanhas eleitorais. É claro que há outras razões: se você fala de um certo candidato e não fala de outro, você estaria chamando a atenção para este candidato e você seria obrigado a dar este mesmo espaço para o outro. Então para se evitar isso é que, acho, se criou esta regra. No fundo a gente sabe qual é a consequência, e a consequência é que estamos proibidos de falar que os políticos estão nus.

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