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Psicologia Clínica

versão impressa ISSN 0103-5665versão On-line ISSN 1980-5438

Psicol. clin. vol.23 no.2 Rio de Janeiro  2011

 

SEÇÃO ESPECIAL

 

Bernardo Jablonski: entre a arte e a psicologia, uma escolha apaixonada por ambas

 

 

Terezinha Féres-Carneiro

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

 

 

Conheci Bernardo em 1974, quando ele iniciava o Mestrado em Psicologia na PUC-Rio e eu, concluindo a elaboração da dissertação no mesmo curso, era coordenadora do curso de graduação do Departamento. Nestes 35 anos de convivência construímos uma amizade preciosa, uma parceria profícua e uma fratria – de irmãos escolhidos – muito afetuosa. Entre nós, costumávamos dizer que eu era a irmã mais velha que ele não teve (Bernardo teve apenas dois irmãos, Fernando e Silvio).

Ainda enquanto aluno do Mestrado, Bernardo foi convidado pelo então diretor do Departamento, Aroldo Rodrigues – com quem também construiu uma sólida amizade e uma grande parceria – e por seus então coordenadores, Vera Lemgruber, Bernard Rangé e eu, para participar dos encontros semanais de um grupo de professores. Este grupo do qual faziam parte também, à época, os professores Miguel Chalub, Octavio Leite, Pedro Américo, Eliana Freire, Cristina Quadrado e a secretária do Departamento, Norma Soares, se reunia às quintas-feiras para almoçar em diferentes restaurantes da zona sul do Rio. Não demorou muito para Bernardo, com sua aguçada criatividade, logo batizar estes encontros de "Aquinfs" (almoços das quintas-feiras). Com a ida do Aroldo, em 1993, para os Estados Unidos, como Professor da Califórnia State University, mantivemos os "Aquinfs", com a frequência de duas vezes por ano, quando da sua vinda ao Brasil, em agosto e em janeiro. Em 05/08/11, Aroldo, Vera, Bernard, Norma e eu usufruímos do nosso último "Aquinf" com Bernardo que, apesar de já fragilizado pelos sintomas da doença, alegrou como de costume o nosso encontro. Nossos "Aquinfs", sem o Bernardo, nunca mais serão os mesmos.

Em 1988, Bernardo e eu estivemos, junto com um grupo de trinta professores de diferentes Programas de Pós-graduação em Psicologia do país, no I Simpósio de Pesquisa e Intercâmbio Científico da ANPEPP, em Caruaru, Pernambuco. À época, cada Programa deveria indicar três professores representantes para participar do referido evento. Bernardo esteve presente como um dos representantes do Programa de Psicologia Social da Universidade Gama Filho e eu, como uma das representantes do Programa de Psicologia Clínica da PUC-Rio. A partir do II Simpósio, realizado em Gramado, no Rio Grande do Sul, o evento passou a ser estruturado por grupos de trabalho temáticos. Organizei um GT sobre Família e Casal com professores de diversas universidades brasileiras e convidei Bernardo para participar. Desde então, foram treze Simpósios da ANPEPP com a presença brilhante, criativa e bem-humorada do inesquecível Bernardo no nosso grupo. No momento, como coordenadora do referido GT, estou preparando a Proposta do mesmo para o XIV Simpósio a ser realizado, em junho do próximo ano, em Belo Horizonte. Foi com muito pesar e muita dor que tive que retirar o nome do Bernardo da lista dos participantes, mas, com certeza, ele permanecerá no nosso GT nas ricas lembranças que guardaremos dele para sempre.

Em uma das reformulações das linhas de pesquisa do nosso Programa de Pós-graduação, ocorrida em 1997, fizemos a proposta de implantação da linha de pesquisa "Família e casal: estudos psicossociais e psicoterapia". Nesta ocasião, participaríamos da referida linha apenas o Bernardo e eu: ele com apenas 24 horas semanais na PUC-Rio (porque ainda não tinha se aposentado na UERJ) e eu com 44 horas semanais. Depois da aprovação da proposta pelo colegiado do Programa, em meio a uma certa apreensão, que eu ainda vivenciava, Bernardo comentou: "mas, pensa bem, isto não é uma linha, é um fiapo". Este era o meu amigo que conseguia transformar a coisa mais séria e formal em algo descontraído e engraçado.

Em 2000, Bernardo e eu fomos contemplados no CNPq com um Projeto Integrado de Pesquisa sobre casamento, separação e terapia de casal e constituímos um grande grupo de pesquisa. Ele desenvolveu um subprojeto deste projeto maior, sobre atitudes de jovens solteiros frente à família e ao casamento, e, desde aquela ocasião, foram inúmeros os trabalhos em coautoria que produzimos. A linha de "Família e casal" do nosso Programa, que hoje conta também com a participação das professoras Andrea Seixas, Lidia Levy e Silvia Zornig, vai sentir muita falta do Bernardo com seu pensamento ágil e suas intervenções bem-humoradas e, certamente, ficará com um ar mais sério e com uma lacuna na sua produção.

Bernardo possuía múltiplos talentos e entre as suas duas grandes paixões – a arte e a psicologia – escolheu ficar com as duas, dedicando-se a elas por inteiro. Foi escritor instigante, ator inigualável, crítico criterioso, diretor brilhante, pesquisador rigoroso e professor competente e muito amado pelos seus alunos. Conseguia imprimir uma admirável leveza a qualquer atividade que desempenhava, por mais difícil, desagradável e árdua que fosse. Bernardo era, ele mesmo, a pessoa mais leve e mais agradável com quem convivi e, continuará, sem dúvida, fazendo muita falta na minha vida e na vida de muita gente.

Dotado de um otimismo invejável e de uma persistência ímpar, Bernardo trabalhou até o último dia antes da internação, para aquela que seria a última das 14 cirurgias a que se submeteu, na sua luta contra o câncer que durou 13 anos. Quis o destino que a última aula ministrada por ele, no dia 30/09/11, sexta-feira, das 11 às 13 h, fosse da disciplina Psicologia e Teatro: dois campos aos quais se dedicou de corpo e alma e nos quais formou várias gerações de profissionais. Naquela sexta-feira, passei na sala em que ele estava dando aula para confirmar o horário da cirurgia, que seria realizada na segunda-feira seguinte, e ele me perguntou se eu poderia ir com ele para a internação. Prontamente respondi que claro que podia, e às 10 h da segunda-feira, dia 03/10/11, chegamos à clínica.

Na primeira sala pela qual passamos para anotações burocráticas, Bernardo fez piada o tempo todo e, de repente, estávamos todos, os dois funcionários, ele e eu, dando risada. Em seguida, fomos para uma outra sala, onde uma enfermeira fez uma série de perguntas, dentre elas se o Bernardo já havia feito alguma cirurgia antes, e ele respondeu: só 13 (passando a nomeá-las); e, de novo, não contivemos mais uma risada. Bernardo era assim: dava risada de si mesmo para enfrentar com leveza e valentia as vicissitudes da vida. Grande e inesquecível Bernardo!

Quando, no início da série de perguntas, a enfermeira indagou sobre a profissão de Bernardo, ele prontamente (e me pareceu que com orgulho) respondeu: professor. Fiquei emocionada e orgulhosa do meu amigo. Dentre tantas atividades profissionais que seus múltiplos talentos permitiam que ele exercesse, ele escolhia a de professor para designá-lo profissionalmente. Bernardo foi um professor brilhante e suas aulas encantavam seus alunos. No Tablado, presidido por ele nos últimos dez anos (após a morte da sua fundadora Maria Clara Machado), ele ensinou por quase 40 anos, tendo formado várias gerações de atores e atrizes. Na academia, ingressou em meados da década de 1980, tendo sido professor da Universidade Gama Filho, da UERJ e da PUC-Rio. Suas aulas, ministradas com os cuidados e a competência de um excelente professor, eram temperadas com muito humor e, nelas, algumas risadas estavam sempre presentes.

Depois da cirurgia e de quatro dias na UTI, Bernardo ficou dois dias na UTI semi-intensiva para, em seguida, voltar para a UTI. No segundo dia na UTI semi-intensiva, cheguei para vê-lo e lá estavam também seu grande amigo e parceiro, Ronald Fucs, com sua esposa, e sua também grande amiga, Silvia Fucs. Era domingo, dia de Fla/Flu e Bernardo acompanhava atento o placar do jogo na TV. Queria muito vê-lo sorrir em meio a tantos fios e uma máscara de oxigênio. Disse-lhe que ia torcer pelo Flamengo (eu, uma tricolor de coração), desde que ele não contasse para meu marido e meu filho (tricolores apaixonados). Felizmente, para minha alegria, que naquela noite dependia totalmente da alegria do meu amigo, o Flamengo venceu.

Voltei para casa achando que no dia seguinte ia encontrá-lo melhor. Mas não foi o que ocorreu. Meu amigo-irmão voltou para a UTI, foi sedado e não pudemos nos falar mais. Ia visitá-lo quase todos os dias, mas só eu falava, e não sei se ele escutava. Bernardo completaria 60 anos no dia 01/01/12 e o destino quis, ainda, que sua morte ocorresse no dia do aniversário de 60 anos do Tablado, em 28/10/11.

Nossa homenagem e nossa gratidão ao Bernardo por tudo que ele nos ensinou com sua inteligência, sua coragem, sua garra, seu otimismo, sua persistência, sua leveza, sua generosidade e, sobretudo, com sua alegria de viver. Bernardo querido, você foi um incrível professor e nós aprendemos com você que a vida vale a pena. Você estará sempre vivo dentro de nós. Viva o Bernardo!

 

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