SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.23 número2Medos infantis, cidade e violência: expressões em diferentes classes sociaisReflexões sobre a clínica-escola, a psicanálise e sua transmissão índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Psicologia Clínica

versão impressa ISSN 0103-5665versão On-line ISSN 1980-5438

Psicol. clin. vol.23 no.2 Rio de Janeiro  2011

 

SEÇÃO LIVRE

 

Torna tua a herança de teu pai: o Nome-do-Pai na psicanálise lacaniana

 

Make yours the heritage of thy father: the name-of-the-father in psychoanalysis

 

 

Moisés de Andrade Júnior

Psicanalista, Membro do Núcleo de Estudos de Psicanálise da UFMG, Mestre em teoria psicanalítica pela UFMG

 

 


RESUMO

Este artigo percorre alguns momentos no desenvolvimento do conceito lacaniano do Nome-do-Pai. Toma como ponto de partida os escritos de Freud sobre o recalque e demonstra a importância do pensamento freudiano para a elaboração deste conceito. Três períodos deste trajeto teórico são abordados: o Nome-do-Pai como interdição simbólica ao incesto; o Nome-do-Pai pluralizado como instaurador do inconsciente estruturado como uma linguagem; finalmente, seu papel na teoria dos nós borromeanos. Para tanto, faremos uma breve passagem pela matemática transfinita, cuja lógica perpassa algumas das elaborações lacanianas. O fio condutor deste percurso será a própria possibilidade do inconsciente, seja ele tomado como o material recalcado, seja como a articulação entre os significantes.

Palavras-chave: Nome-do-Pai; recalque; matemática transfinita; nós borromeanos.


ABSTRACT

This article studies some key moments in the development of the lacanian concept Name-of-the-Father, starting with Freud’s works about the repression, demonstrating the importance of Freud’s thinking for the development of the concept. Three periods of his trajectory are investigated: the Name-of-the-Father as the incest interdiction; the Name-of-the-Father pluralized as establisher of the unconscious structured as a language; finally, his role in the borromean knots theory. To do so, we will investigate the transfinite mathematics, whose logic pervades some of the lacanians elaborations.

The orientation of this line of thought will be the possibility of unconscious itself, taken as the repressed material, or as the articulation between significants.

Keywords: Name-of-the-Father; repression; transfinite mathematics; borromean knots.


 

 

"Aquilo que herdaste de teus pais, conquista-o para fazê-lo teu"1 (Goethe citado por Freud, [1913] 1996: 160). A frase, encontrada em "Totem e tabu" (1996 [1913]), sintetiza com efeito a apropriação de um legado. Trata-se, aqui, de uma herança: de pai para filho, algo se transmite. A frase é contextualizada num livro que versa sobre um pai assassinado, assassínio cujo resultado é a própria instauração da cultura: um legado, portanto, que envolve a assimilação das qualidades do progenitor através de sua superação/apropriação. Este trabalho remete a uma apropriação semelhante, na medida em que propõe uma visão crítica de uma herança. Esta se inicia em Freud – considerado o "pai" da psicanálise –, é herdada por Lacan, que torna sua a palavra freudiana, e constitui, hoje, nosso legado.

Aqui, a herança de Freud em questão foi sua investigação sobre a natureza do recalque e as consequências – motivadas ou involuntárias – de sua elaboração. Sustentamos que, desse trabalho freudiano inicial, Lacan pôde elaborar sua teoria sobre o inconsciente, sendo o conceito Nome-do-Pai, tema deste artigo, um de seus principais constituintes. Roudinesco (2008), em biografia sobre Lacan, já ressaltava a importância que o Nome-do-Pai teria não só para a sustentação lógica da teoria do inconsciente estruturado como uma linguagem, mas também para permitir a aproximação entre a psicanálise e as disciplinas estruturalistas. Tal aproximação, por sua vez, possibilitaria à psicanálise cumprir sua vocação científica, como queria Freud (Pinto, 1999) – ao menos, assim ambicionava Lacan. A referência a Freud em um texto sobre um conceito lacaniano, portanto, é proposital: para aproximar a psicanálise das ciências estruturalistas, tomando emprestado destas o viés científico do qual a psicanálise encontrava-se carente, Lacan teria de resgatar em Freud as indicações teóricas que possibilitariam sua releitura pela linguística estrutural2.

Posto isto, comecemos com Freud, tomando-o a partir de seu artigo "A repressão" (2010 [1915a])3. A investigação sobre a natureza do recalque encontrada neste trabalho apresentará alguns dos elementos que permitirão o "retorno a Freud" lacaniano, em um texto que procura rever a problemática da fundação do inconsciente a partir da inscrição do recalque.

 

Sobre um representante possível

Tomemos o artigo "A repressão" e vejamos, portanto, o que Freud tem a dizer sobre o recalque a partir da pergunta que formula para si mesmo: "por que deveria um impulso instintual sucumbir a esse destino?" (Freud, 2010 [1915a]: 83). Longe de limitar-se a responder da forma mais fácil, encontrando na moral civilizada (Freud, 1996 [1908]) ou mesmo na ação do superego as razões do recalque (ainda faltariam oito anos para esse recurso teórico), Freud vai mais além e se pergunta sobre os elementos psíquicos anteriores ao recalque propriamente dito e que explicariam a própria necessidade desse mecanismo de defesa: se o sintoma constitui o retorno do material recalcado, driblando as defesas psíquicas erigidas para mantê-lo inconsciente, em que bases esse material se apoia? Frente à constatação de que a satisfação da pulsão deveria, de início, ser sempre fonte de prazer, Freud chega à conclusão de que "a repressão não é um mecanismo de defesa existente desde o início, que não pode surgir antes que se produza uma nítida separação entre atividade psíquica consciente e inconsciente" (Freud, 2010 [1915a]: 85). Esta separação, que, tudo no texto indica, parece ter uma natureza qualitativamente diferente do recalque propriamente dito, inaugura "a diferenciação de consciente e inconsciente". A intenção de Freud, nesse artigo, é fundamentar o psiquismo em suas bases, abrindo caminho para as construções teóricas que se seguiriam no texto "O inconsciente" (2010 [1915b]). Há uma gênese, ponto de apoio à sua teoria do sintoma, que vem à luz sob o nome de recalque originário. Sobre esta importante questão, Freud salienta ainda que

[...] é um erro destacar apenas a repulsa que, a partir do consciente, age sobre o que há de ser reprimido. Deve-se ter em conta, em igual medida, a atração que o primordialmente reprimido exerce sobre tudo aquilo com que pode estabelecer contato. Provavelmente a tendência para a repressão não alcançaria seu propósito se essas forças não atuassem juntas, se não houvesse algo reprimido anteriormente, disposto a acolher o que é repelido pelo consciente (Freud, 2010 [1915a]: 86-87; grifos nossos).

Colocado de outra forma, se há recalque do material psíquico, é necessário que haja algum ponto de ancoragem que torne qualquer elemento psíquico um elemento passível de ser recalcado. O desenvolvimento deste embaraço teórico levaria Freud, inevitavelmente, a revisitar questões que o assombravam desde a escrita do "Projeto para uma psicologia científica"4: como a psicanálise pode conceber um início para o aparelho psíquico? O recalque, entendido como uma defesa psíquica frente a um conteúdo de natureza aflitiva para o consciente, deixa sem resposta a questão sobre a fundação do inconsciente. Assim, Freud percebe ser necessário um recalque inaugural, primeiro e que possibilitaria a clivagem psíquica necessária para a organização de um inconsciente. Portanto, um recalque originário.

Se, desde a publicação de sua obra inaugural, Freud demora 15 anos para responder à questão sobre as origens do inconsciente, foram suas elaborações teóricas desse período os incentivos que faltavam a tal empreendimento: lembremos que Freud, às voltas com a teoria do narcisismo, retoma os problemas relacionados à origem do aparelho psíquico, notadamente a constituição do eu e as relações de objeto. Freud, então, aborda o problema da gênese do aparelho construindo sua topologia ao redor de um recalque originário, fazendo do sintoma neurótico um movimento traduzido em três tempos, agora em sua plena forma: (a) um recalque originário, que permite a possibilidade de uma instância psíquica separada da consciência, (b) o recalque secundário, crivo, censura exercida sobre determinado material psíquico e, finalmente, (c) o retorno do recalcado, cuja manifestação clínica mais patente é o sintoma. A dinâmica destes três tempos – que são tempos lógicos – é suficientemente conhecida. Para continuarmos na ideia central deste artigo, portanto, é no primeiro momento que concentramos nossa atenção, cerne da topologia freudiana do inconsciente e, como pretendemos demonstrar, um dos pontos chaves para a retomada estruturalista da psicanálise por Lacan. Trata-se, em Freud, de um recalque de determinado representante psíquico, cuja "captura" estabelece um ponto de fixação para todos os recalques seguintes, inaugurando, deste modo, o inconsciente. Será este o ponto retomado e elaborado a partir da leitura significante por Lacan em sua visada estruturalista da teoria freudiana.

Um Nome-do-Pai estrutural

A "releitura linguística" de Freud foi o passo dado por Lacan que permitiu a sistematização do conceito de recalque primário. Ainda que os últimos anos do ensino de Lacan o tenham distanciado da referência freudiana e do estruturalismo que serviu de base para sua ambição, o início de seu ensino foi marcado pela presença maciça da linguística estrutural. Esta é oriunda da teoria dos significantes de Saussure tomada em conjunto e tendo como referência o pensamento de Freud. Ainda assim, da investigação de sua produção teórica podemos afirmar que, até o final de seu ensino, o inconsciente para Lacan mantém-se, através da presença do nó Simbólico, um inconsciente estruturado como uma linguagem5. Ainda que novos elementos tenham sido agregados à sua teoria, a dimensão simbólica do inconsciente, apoiada na concepção de um sujeito que se organiza a partir de articulações significantes, perdura na psicanálise lacaniana através do campo simbólico e sua função estruturante.

Assim, é buscando alicerçar a teoria do significante na herança freudiana que Lacan relê o texto sobre o recalque, a partir de uma concepção estrutural do inconsciente. A parte central dessa releitura está na interpretação singular dada ao termo Vorstellungsrepräsentanz, que é traduzido por Lacan como representante da representação, "lugar-tenente da representação" (Lacan, 1998 [1964]: 61). Uma escolha de termos da parte de Lacan, obviamente (Laplanche & Pontalis [2001], por exemplo, preferem traduzi-lo por representante-representação), mas com decisiva repercussão em sua teoria. Retomando Freud, um parágrafo sintetiza a importância do recalque primário como um recalque desse mesmo representante:

Temos fundamentos, portanto, para supor uma repressão primordial, uma primeira fase da repressão, que consiste no fato de ser negado, à representante psíquica do instinto [Vorstellungsrepräsentanz, traduzido por Lacan como representante da representação], o acesso ao consciente. Com isso se produz uma fixação; a partir daí a representante em questão persiste inalterável, e o instinto permanece ligado a ela (Freud, 2010 [1915a]: 85-86).

Aqui, Lacan pôde encontrar o gérmen de seu inconsciente estruturado como uma linguagem: a exclusão, do aparelho psíquico, de um elemento particular (a negação do Vorstellungsrepräsentanz), "cristalizado" pela pulsão que lhe é investida (sua fixação). Trata-se de um elemento sem qualquer significado anterior, cuja função seria permitir a existência de um aparelho psíquico – manobra teórica de Freud para tentar compreender o instante inaugural da clivagem psíquica, desta forma dando ao recalque um antecedente lógico.

Portanto, para Lacan, o inconsciente freudiano principia-se com a exclusão de um representante da representação, que se torna, nesta ação psíquica que Freud denomina de recalque originário, um ponto de fixação para os elementos seguintes que serão recalcados ao longo da constituição (ou cadeia, retificaria Lacan) de um psiquismo cindido. Lacan supõe um significante no lugar do representante da representação, já que toda a leitura lacaniana das formações do inconsciente enfatiza a dimensão da linguagem. Todo o processo semiótico, que significa a existência do sujeito, torna-se possível através do recalque originário desse primeiro elemento significante. Trata-se, portanto, de um significante recalcado: Lacan lê, nas formulações de Freud, a necessidade do recalque de um determinado significante para que todos os outros significantes possam organizar-se.

Mais poderia ser dito sobre a natureza deste significante, mas já temos o suficiente para avançar nossa argumentação.

Os Nomes-do-Pai

O trajeto de Lacan, determinado a partir desta formulação, tomou rumos cada vez mais singulares. Em seus seminários sobre as psicoses (2002 [1955-1956]) e sobre as relações de objeto (1995 [1956-1957]), Lacan identifica este significante primeiro com o não do pai (non-du-père) para a criança, significante responsável por interditar tanto o acesso da criança à mãe quanto seu inverso, qual seja, a reintegração da criança pela mãe – trata-se da proibição, portanto, do incesto. Esse não – tomado como a inscrição de uma barra na constituição do sujeito – é, deste modo, o não que identifica e nomeia o Pai para a criança, detentor do falo e sabedor do desejo da mãe. Em outros termos, a instância paterna e sua função. Portanto, é esta a definição do Nome-do-Pai6 nos primeiros seminários de Lacan. (Lacan, 2002 [1955-1956], 1995 [1956-1957], 1999 [1957-1958]).

Contudo, se, até aqui, Lacan havia definido o Nome-do-Pai como o elemento organizador da estrutura, encontrando em Freud suas bases e finalmente tornando o pai uma função, ao invés de uma figura imaginária, é em seu seminário inacabado sobre os Nomes-do-Pai (Lacan, 2006 [1964]) que esta concepção estrutural atinge um novo nível teórico. Nesse seminário, inacabado devido à sua expulsão da IPA, Lacan torna o Nome-do-Pai plural: de um não do pai, pura interdição, Lacan sugere a possibilidade de o significante do Nome-do-Pai ser considerado um significante qualquer, aproximando-se ainda mais (e em definitivo) do conceito de representante da representação, tomado finalmente como um significante sem significado (Miller, 1992). Pensado dessa forma, o Nome-do-Pai é considerado, por Lacan, como um elemento recalcado/retirado da massa de sons à qual a criança é submetida em sua imersão na cultura; e, dada a natureza de sua socialização, na linguagem (Lacan, 1985 [1972-1973]). Em sua referenciação na linguagem, a criança toma esse significante como aquele que representaria o desejo da mãe, como representante de um desejo que aponta para outro lado que não a criança: o lado do Pai (Lacan, 1995 [1956-1957]). Assim, "o Nome-do-Pai tem a função de significar o conjunto do sistema significante, de autorizá-lo a existir, de fazer dele a lei" (Lacan, 1999 [1957-1958]: 248).

Portanto, do infinito "tesouro dos significantes", linguagem sem qualquer ordenação – onde, a experiência do paranoico nos atesta, tudo pode significar tudo –, um elemento é retirado/recalcado: o representante da representação de Freud encontra aqui sua expressão estrutural. Este representante, recolhido deste "enxame de S1", palavrório sem significação, permite que toda a cadeia possa ser ordenada: a retirada de um elemento de uma cadeia infinita permite a criação de um conjunto (Miller, 1993), como veremos a seguir. Trata-se do recalque, portanto, de um elemento qualquer, no enxame de S17, que permita a cadeia significante. Em seu seminário Mais, ainda (1985 [1972-1973]), Lacan aponta que "S1, esse um, o enxame, significante-mestre, é o que garante a unidade, a unidade de copulação do sujeito com o saber. [...] O significante Um não é um significante qualquer [no sentido de um significante como todos os outros da cadeia simbólica]. Ele é a ordem significante, no que ela se instaura pelo envolvimento pelo qual toda a cadeia subsiste" (Lacan, 1985 [1972-1973]: 196).

Ora, se tomarmos o Nome-do-Pai como ele é abordado nestes dois momentos da obra de Lacan – o "não" do Pai descrito nos primeiros seminários e o Pai como função significante, índice da significação fálica, pluralizado (como são plurais os significantes) –, percebemos, ainda, uma continuidade: o Nome-do-Pai conserva seu valor e efeito constituinte para o psiquismo do sujeito, só que, agora, pluralizado.

O aleph 0: o recurso à lógica matemática

Se a teoria de Lacan inclui o sujeito na sua concepção de estrutura – o inconsciente estruturado como uma linguagem –, como inscrevê-lo na ciência estruturalista? É a partir dessa questão que Lacan procede seu ensino na única disciplina capaz de resistir à substancialização do inconsciente tão patente na ego psychology: a matemática, mais precisamente, sua lógica. Desde seu primeiro seminário – e durante todo seu ensino, até o derradeiro encontro com a topologia e os nós borromeanos – Lacan vê na matemática e sua articulação precisa, resistente a equívocos de interpretação, uma aliada8. Nessa linha de pensamento, Lacan buscou usar também da lógica matemática para traduzir a experiência do inconsciente (Checchia, 2004).

Posto isto, estamos acompanhando Lacan já em seu vigésimo seminário. Ao buscar suas bases na lógica matemática, Lacan evoca elementos da teoria dos conjuntos para estabelecer sua topologia. A estrutura significante do inconsciente, pensado como o discurso do Outro – portanto, constituído a partir do tesouro dos significantes, a linguagem –, consiste na cadeia organizada a partir das leis que fundam a língua: metáfora e metonímia. Contudo, para que haja cadeia – ou, neste caso, um conjunto, espaço delimitado de elementos que formam a língua – é preciso haver um limite. Isso porque, pela linguagem, tudo pode ser dito: a habilidade com que Joyce transforma a língua inglesa é prova do caráter infinito da linguagem. Os efeitos da invasão de gozo presentes no sujeito foracluído, igualmente, dão provas do fato: a linguagem como um Outro sem quaisquer limites, gozo sem contenção que ameaça a fragmentação psíquica do psicótico. Assim, a experiência com a alteridade, determinada nesta relação com o Outro-linguagem, é uma experiência, para o psicótico, de puro infinito (França, 1999).

Portanto, se a linguagem é infinita em suas possibilidades de articulação, a constituição de um sujeito neurótico só é possível a partir da contenção do gozo do Outro (Lacan, 1985 [1972-1973]) – um enlaçamento, circunscrição deste plano infinito desagregador que se manifesta lá onde o Nome-do-Pai é ausência: nas psicoses. É necessário, portanto, circunscrever esse infinito para ser sujeito na linguagem; uma situação, a princípio, paradoxal: afinal, trata-se de circunscrever o que, a princípio, não pode ser delimitado ou contido (França, 1999).

Desse modo, é pertinente a sugestão de Miller (1993) de que foi em Cantor9 que Lacan encontrou uma resposta para o problema. O que o matemático russo fez foi possibilitar o pensamento do infinito: em suma, fazer um conjunto com os números naturais infinitos. Ao criar um número singular10, que pudesse ser pensado como o último número de uma cadeia infinita (o aleph 0), Cantor permitiu o pensamento de um conjunto infinito. Inaugura, assim, a teoria da matemática transfinita. Sem entrar em detalhes sobre a lógica de sua teoria (basta, por ora, o que dela é possível extrair para o pensamento psicanalítico), o aleph 0 constitui, desde então, o número que permite trabalhar com o infinito em operações matemáticas não como pura constatação, mas como possibilidade operatória. Trata-se, portanto, de um número transfinito.

A aproximação deste conceito – o aleph 0 – com a proposta de Lacan para o significante Nome-do-Pai permite-nos avançar mais. Antes da inserção do sujeito na língua materna – ou, em outros termos, na sua constituição pela linguagem –, há apenas sons desconexos, palavras sem quaisquer sentidos: um enxame de S1, sem qualquer referência a um significado (Lacan, 1985 [1972-1973]: 196). Ao retirar do enxame de S1 (profusão de palavras sem quaisquer leis de ordenação) um elemento determinado que possa valer como indicador do desejo da mãe, a criança torna possível o próprio entendimento da língua. É este movimento que possibilita a organização dos outros significantes em relação a um sentido único, necessário: é, portanto, pelo recalque deste significante privilegiado, que Lacan chama de Nome-do-Pai e Freud de representante da representação, que o inconsciente pode organizar-se, e o sujeito do inconsciente, como efeito deste processo. A herança freudiana é, assim, apropriada por Lacan.

Outras consequências são retiradas desta organização do sujeito pela estrutura. Estar na linguagem é, dada sua natureza arbitrária, alienar-se no discurso do Outro: ao isolar este significante Nome-do-Pai, resta ao sujeito identificar-se com este inconsciente estruturado como uma linguagem, de modo que seu desejo é subsumido pelas engrenagens que formam o aparato simbólico. Assim, o preço pago pela criança para a sua inserção na linguagem é sua própria alienação, o que Lacan situa como uma escolha necessária, mas forçada, tal qual a escolha entre a bolsa ou a vida: "qualquer que seja a opção, sempre haverá uma perda" (Lacan, 1998 [1964]: 201). O sujeito, agora cindido pela linguagem, é sujeito de seu inconsciente, identificado com os significantes que ditam sua existência; significantes, por sua vez, elementos do campo do Outro. Portanto, para que haja um sujeito cindido, é necessário o recalque do Nome-do-Pai, corte radical e absoluto. Utilizando-se de outra lógica para descrever este processo, para que haja um sujeito da linguagem, é preciso elemento análogo ao aleph 0 matemático que determine e circunscreva o conjunto infinito dos significantes: função dada por Lacan ao S1, no lugar do Nome-do-Pai, retirado/recalcado do enxame significante ao qual é submetida a criança em sua "estúpida e inefável existência" (Lacan, 1998 [1957-1958]: 555). Novamente, tratamos de uma herança, recebida de um Outro lugar, a partir de onde o sujeito aliena-se de seu desejo: ou seja, desejo torna-se desejo do desejo deste Outro, demanda infinita que se encadeia e procede através da cadeia significante, sempre insatisfeita desde sua formulação (Lacan, 1999 [1957-1958]).

Ainda assim, é necessária esta organização significante para que o inconsciente – na falta de termo melhor – possa funcionar. O Nome-do-Pai, portanto, é uma função: em linguagem matemática, f(x), sendo o sujeito subordinado à sua lógica no assentimento a esse significante singular. Mais uma vez, na psicose, temos a foraclusão do Nome-do-Pai e a impossibilidade de fechar o conjunto: o surto psicótico consiste no instante de aproximação deste infinito sem qualquer bordejamento, pois falta-lhe exatamente o elemento que fecharia o conjunto seguro no qual o neurótico está, em contrapartida, completamente engessado (França, 1999).

Joyce e o Nome-do-Pai

O conceito do Nome-do-Pai, portanto, segue contextualizado a partir dos problemas e impasses propostos ora pelo estruturalismo, ora pela construção de uma nova topologia do inconsciente. É nestes últimos momentos que encontramos Lacan dialogando com Joyce, pensando o inconsciente através da articulação possível entre as dimensões do Real, do Simbólico e do Imaginário enquanto nós borromeanos que se entrelaçam. Se há, aqui, um complemento à sua teoria forjada em matemas e grafos, ou uma clara suprassunção de todo um ensino (uma nova e original dimensão teórica), deixemos ao leitor a responsabilidade de decidir. Fato é que, perto do final de seu ensino, a ênfase na dimensão Real envolvida no sintoma agrega novas consequências teóricas ao inconsciente estruturado como uma linguagem. Lacan agora busca formas de enfrentar este Real, utilizando-se de outras ferramentas topológicas. Como coloca Schejtman, "[...] depois de mais de vinte anos de ensino no campo da psicanálise encontramos um Lacan que, contrariando a Picasso, se dedica a buscar. Não mais encontra, como em outra época, agora, busca. Isto é, gira em torno, circula, mas entre anéis de fios que se dão nós" (Schejtman, 2004: 117; tradução nossa).

E Lacan certamente busca. Há um esforço considerável em seu seminário sobre o tema, R.S.I., de rever sua teoria através dos nós borromeanos, de encontrar correspondências entre os trabalhos de Freud sobre o sintoma, a angústia e a inibição e sua tríade Real, Simbólico e Imaginário; de adicionar mais um, dois, três nós. Entre estes novos elementos adicionados à teoria, interessa-nos a elaboração de Lacan sobre o sinthoma, elemento nodal que acabará por herdar a função do Nome-do-Pai na teoria. Este será pensado juntamente com os nós que representarão os três registros, onde a experiência do sujeito se desenrola. Durante seu ensino, estes nós se articularam de forma borromeana: o corte de um deles propiciaria o desenlaçamento dos outros dois.

 

 

No seminário R.S.I.11, Lacan permite-se destacá-los, desarticulando as experiências do Real, Simbólico e Imaginário de um todo coerente. Sua proposta é compreender o sintoma, a angústia ou a inibição como nós acessórios, mas necessários à amarração entre os três registros. O objetivo da análise, neste seminário, era prescindir destes nós, realizando assim o borromeamento perfeito dos três registros (Lacan, não publicado [1974-1975]). Contudo, Lacan desiste da empreitada em prol de apenas um quarto nó, o nó do sinthoma.

Neste sentido, o seminário sobre Joyce (2007 [1975-1976]) representou um ponto de chegada à busca frenética que caracterizou o seminário anterior. O que Lacan propõe é uma modificação à sua amarração borromeana inicial: trata-se de conceber os três registros desarticulados, amarrados por um quarto nó, ponto de ligadura dos outros três. Assim, R, S e I são sobrepostos e precisam ser amarrados por um quarto nó que, nesta sua topologia, será o Nome-do-Pai. Portanto, a função estruturante, nomeadora do Nome-do-Pai, mantém sua importância aqui – mas ainda há mais.

Se, em seu seminário interrompido sobre os Nomes-do-Pai, Lacan pensa o Nome-do-Pai como o elemento que permite o conjunto significante e a cadeia simbólica como tal, neste seminário ele é o quarto nó que liga Real, Simbólico e Imaginário, assim constituindo o sujeito. Se em R.S.I. Lacan permite tanto ao Simbólico quanto ao Real e ao Imaginário participações de igual proporção na amarração borromeana, no seminário sobre Joyce Lacan aposta no sintoma. O quarto nó reforça o nó Simbólico.

 

 

Trata-se do Nome-do-Pai enquanto sinthoma.

Assim, no primeiro ensino de Lacan, ensino às voltas com o simbólico e com a estruturação do sujeito, o sintoma consiste na articulação significante, expressão de um S1 que emerge para o sujeito como o próprio enigma de seu ser, sendo este um significante sem significado. Sujeito, aqui, compreendido como efeito do inconsciente estruturado como uma linguagem, alienado que está pela estrutura; determinado no encontro entre dois ou mais significantes. Seu sintoma é, nesta etapa da teoria lacaniana, resposta ao desejo do Outro, significante que determina sua falta-a-ser. Contudo, a importância cada vez maior do objeto a em sua teoria leva Lacan a dedicar especial atenção àquilo que, do sujeito, resiste à apropriação pela linguagem, ao mesmo tempo que atua como causa da estrutura: o que, do sintoma, escapa ao simbólico. Se há, portanto, um elemento fora da cadeia significante, um resto inassimilável que resiste como sua causa, o sintoma passa de uma articulação significante – resposta ao desejo do Outro – para uma defesa contra a ameaça representada pelo Real. Ou seja, o sintoma como defesa contra aquilo que está fora de qualquer significação e, portanto, absolutamente estranho ao eu.

O seminário sobre Joyce, portanto, consiste em uma nova abordagem em torno deste Real que resta da constituição do sujeito pelo significante e que não cessa de não se escrever. O uso que Joyce faz do simbólico apresenta novos elementos para a teoria sobre os nós de Lacan. Ora, se para a psicose não há um Nome-do-Pai que amarre os três registros e lhes dê a consistência que encontramos na neurose, então é preciso elaborar um nó suplementar; um nó que possa valer-se no lugar deste Nome-do-Pai que faz falta. Trata-se, portanto, de um saber-aí-fazer12 onde antes nada havia. É a saída de Joyce pela sua obra literária. O que o autor de Ulysses faz em sua apropriação da língua é a experiência que faltava para a teoria lacaniana dos nós. Se o quarto nó cumpre uma função de amarração estruturante, e se não há como prescindir dele, é preciso servir-se dele, tal como Joyce serve-se da língua inglesa e a torna sua – para nos remetermos ao título desse trabalho, uma herança (a língua inglesa) que é apropriada ao seu modo. Na impossibilidade de desfazer-se por completo desta função de suplência, determinada por este quarto nó, Lacan mostra que o objetivo da análise consiste em permitir ao analisante saber-aí-fazer – não o saber-fazer do escravo, que goza em sua subserviência aos ditames do mestre, mas saber-aí-fazer com o gozo destrutivo do Real. Trata-se, portanto, de servir-se do Nome-do-Pai. O sintoma, depurado daquilo que constitui sua alienação simbólica, passa a ser o elemento que organiza o Real, o Simbólico e o Imaginário num todo amarrado e coerente para o sujeito falante. A esse sintoma privilegiado, extraído de uma análise, Lacan dá seu nome adequado: o sinthoma. O Nome-do-Pai encontra-se, finalmente, com o sinthoma de Joyce, que se torna, assim, solução-modelo digna de um saint-homme, na medida em que faz sua própria solução frente ao Real que o invade – e que no neurótico surge como ameaça, com seu gozo mortífero. Trata-se de saber-aí-fazer com este legado, forma singular de organizar o gozo de um Real irredutível.

 

Pensamentos finais

Nosso percurso estaria incompleto sem a referência de Goethe, que nos trouxe tão longe: fazer de uma herança paterna um legado próprio. O conceito do Nome-do-Pai é testemunha desse percurso de apropriação e transformação, de elaborações constantes que se iniciam em Freud, atravessam Lacan e chegam até nós, hoje, como um desafio a ser continuado e desenvolvido.

Procuramos, neste artigo, demonstrar como Lacan toma as hipóteses freudianas sobre o recalque originário para sustentar sua teoria do inconsciente estruturado como uma linguagem e seu conceito do Nome-do-Pai. Ao mesmo tempo, tornou-o um conceito sempre em revisão, modificado ao longo do tempo, utilizando desde a matemática transfinita de Cantor, a teoria dos conjuntos, até os nós borromeanos e Joyce para localizá-lo dentro da psicanálise que procurava construir. O Nome-do-Pai, esperamos ter ressaltado, ocupa um lugar importante neste percurso.

Finalmente, neste conceito está inclusa não apenas a questão metapsicológica da estruturação do inconsciente, mas também os limites e as condições que determinam o final de uma análise. Uma experiência de finitude que não signifique a sujeição frente à esmagadora realidade, mas potência criativa a partir daquilo que faz falta. Constatar sua finitude torna-se, ao mesmo tempo, saber-aí-fazer onde o Real se impõe: da impotência perante seus efeitos para a impossibilidade de dizê-lo todo pelo simbólico; ou, inspirado em Goethe, fazer do Nome-do-Pai seu sinthoma.

 

Referências

Checchia, M. (2004). Considerações iniciais sobre lógica e teoria lacaniana. Psicologia USP, 15(1-2), 321-338.         [ Links ]

França, O. (1999). Considerações matemáticas sobre o gozo na neurose e na psicose. Ágora – estudos em teoria psicanalítica, 11(2), 95-106.         [ Links ]

Freud, S. (1908/1996). Moral sexual civilizada e doença nervosa moderna. Obras completas, ESB, v. IX. Rio de Janeiro: Imago.         [ Links ]

Freud, S. (1913/1996). Totem e tabu. Obras completas, ESB, v. XIII. Rio de Janeiro: Imago.         [ Links ]

Freud, S. (1915a/2010). A repressão. Obras completas, v. XII. São Paulo: Companhia das Letras.         [ Links ]

Freus, S. (1915b/2010). O inconsciente. Obras completas, v. XII. São Paulo: Companhia das Letras.         [ Links ]

Lacan, J. (1953-1954/1986). O seminário, livro 1: os escritos técnicos de Freud. Rio de Janeiro: JZE.         [ Links ]

Lacan, J. (1954-1955/1985). O seminário, livro 2: o eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise. Rio de Janeiro: JZE.         [ Links ]

Lacan, J. (1955-1956/2002). O seminário, livro 3: as psicoses. Rio de Janeiro: JZE.         [ Links ]

Lacan, J. (1956-1957/1995). O seminário, livro 4: as relações de objeto. Rio de Janeiro: JZE.         [ Links ]

Lacan, J. (1957-1958/1998). De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose. Escritos. Rio de Janeiro: JZE.         [ Links ]

Lacan, J. (1957-1958/1999). O seminário, livro 5: as formações do inconsciente. Rio de Janeiro: JZE.         [ Links ]

Lacan, J. (1964/1998). O seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: JZE.         [ Links ]

Lacan, J. (1964/2006). Os Nomes do Pai. Rio de Janeiro: JZE.         [ Links ]

Lacan, J. (1972-1973/1985). O seminário, livro 20: mais, ainda. Rio de Janeiro: JZE.         [ Links ]

Lacan, J. (1974-1975). Le séminaire 22: R.S.I. Não publicado.         [ Links ]

Lacan, J. (1975-1976/2007). O seminário, livro 23: o sinthoma. Rio de Janeiro: JZE.         [ Links ]

Laplanche & Pontalis (2001). Vocabulário de psicanálise. São Paulo: Martins Fontes.         [ Links ]

Miller, J.-A. (1992). Comentario del seminario inexistente. Buenos Aires: Manantial.         [ Links ]

Miller, J.-A. (1993). Sobre o transfinito: em direção a um novo significante. Opção lacaniana, 6(1), 1-5.         [ Links ]

Pinto, J. M. (1999). A instituição acadêmica e a vocação científica da psicanálise. Psicologia: Reflexão e Crítica, 12(3), 681-695.         [ Links ]

Roudinesco, E. (2008). Lacan: esboço de uma vida, história de um sistema de pensamento. São Paulo: Companhia das Letras.         [ Links ]

Schejtman, F. (2004). La trama del síntoma y el inconsciente. Buenos Aires: Del bucle.         [ Links ]

 

 

Notas

1 Goethe, Fausto, Parte I, Cena I.
2 Importante ressaltar que, ainda que relida pela ótica do estruturalismo, a psicanálise de Lacan jamais se conformaria a uma ciência estruturalista, tanto no sentido formal quanto teórico, mantendo com esta uma tensão sempre permanente.
3 Para este artigo, utilizaremos a nova tradução dos ensaios metapsicológicos de Freud, publicada pela Companhia das Letras, que consideramos mais próxima do texto original.
4 Abordar as questões suscitadas pelo "Projeto" de Freud, dada sua importância teórica e histórica, ultrapassaria as intenções desse artigo. Contudo, é suficiente salientar que, nesse Projeto, Freud tenta, através de uma "neurologia imaginária", explicar a fundação e consequente desenvolvimento do aparelho psíquico, utilizando-se de uma rede neuronal inventada para esse intento.
5 Não entraremos no mérito da abordagem do inconsciente real, mesmo porque uma hipótese não exclui outra, mas, antes, complementam-se.
6 O propósito de Lacan identificar o pai a uma instância – função – não está apenas a serviço de uma concepção de inconsciente estruturado como uma cadeia simbólica, mas também permite desimaginarizar o pai real como a figura castradora por excelência. Lacan toma o fenômeno da castração como um fato simbólico (conf. Lacan, 1956-1957/1995), o que pouparia o esforço em buscar, na história do desenvolvimento sexual da criança, a "ameaça de castração" literal e grosseira, protagonizada por um pai "sádico" e repressor e seu filho explicitamente perverso (como sustentam algumas teorias).
7 Essaim em francês, homofonia com S1.
8 Após elogiar o progresso matemático, Lacan, no seminário sobre os escritos técnicos de Freud (1953-1954/1986), comenta sobre o uso do símbolo matemático e a psicanálise: "estamos numa posição mais difícil. Porque lidamos com um símbolo extremamente polivalente. Mas é apenas na medida em que chegarmos a formular adequadamente os símbolos da nossa ação que daremos um passo adiante" (Lacan, 1986: 313).
9 As referências de Lacan a Cantor em seus seminários e escritos são várias, o que sugere que Lacan estava familiarizado com seu trabalho.
10 O paradoxo está lançado: um número que não pode ser elemento de seu conjunto; ao mesmo tempo, é necessário que esteja nesse lugar representando todos os elementos. O catálogo de uma biblioteca, que contém a relação de todos seus livros é, ao mesmo tempo, um livro passível de ser elemento deste conjunto?
11 Não é inteiramente verdadeiro que apenas neste seminário Lacan tenha tido a ideia de desarticulá-los. Em uma de suas intervenções, conhecida apenas como "A terceira" (ministrada em Roma, 1º de novembro de 74), Lacan já tratava os nós borromeanos de forma separada. Sua plena forma, contudo, só acontece em R.S.I..
12 Savoir y faire, em francês. O y na expressão sugere que não se trata apenas de uma questão de saber-fazer (próximo da ideia de um know-how, habilidade orientada para uma tarefa) mas de um saber desembaraçado, neste "aí" que é o Real.

 

 

Recebido em 26 de março de 2010

Aceito para publicação em 21 de outubro de 2011

Creative Commons License