SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.24 número1Sexualidade infanto-adolescente e seu reconhecimento como direitos humanos: a necessidade de mais reflexão e teorizações índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Psicologia Clínica

versão impressa ISSN 0103-5665versão On-line ISSN 1980-5438

Psicol. clin. vol.24 no.1 Rio de Janeiro  2012

 

EDITORIAL

 

 

Solange Jobim e Souza; Esther Maria M. Arantes; Monah Winograd

 

 

O Departamento de Psicologia da PUC-Rio, em parceria com a Associação Brasileira de Magistrados e Promotores de Justiça da Infância e da Juventude (ABMP) e o Instituto Childhood Brasil sediou, nos dias 28 e 29 de junho de 2011, o "I Colóquio sobre os direitos sexuais de crianças e adolescentes no marco dos direitos humanos". A seção temática do número 24.1 da Revista Psicologia Clínica apresenta artigos derivados das contribuições dos palestrantes ao longo de dois dias de intensos debates, reiterando abordagens inovadoras e complexas (vale lembrar que todos os artigos publicados pela Revista Psicologia Clínica, inclusive os de autores convidados, são submetidos ao processo de avaliação cega por pares). Sexo, sexualidade e direitos sexuais e afetivos de crianças e adolescentes são assuntos naturalmente polêmicos, muito falados e pouco compreendidos, sendo a difícil e permanente tensão entre autonomia e tutela um dos principais desafios éticos na construção de tais direitos.

O texto de abertura da Seção Temática, "Sexualidade infanto-adolescente e seu reconhecimento como direitos humanos: a necessidade de mais reflexão e teorizações", de Wanderlino Nogueira Neto (MP/BA), analisa a necessidade da produção de pesquisas consistentes e teorizações que respondam às demandas culturais contemporâneas sobre a sexualidade de crianças e adolescentes, situando tais contribuições no marco internacional dos direitos humanos e do direito constitucional brasileiro. O autor critica a dicotomia entre teoria e prática e propõe um diálogo consistente entre paradigmas ético-políticos e princípios jurídicos como alternativa para subsidiar o avanço das políticas públicas voltadas para este setor.

Em "Os direitos sexuais e o enfrentamento da violência sexual" os autores Pedro Bicalho (UFRJ), Janaina Geraldini (UFRJ), Kely Magalhães (UFRJ) e Luan Cassal (UFRJ) se dedicam a apresentar sólida abordagem teórica para o enfrentamento da violência sexual, tendo por base o funcionamento do biopoder e seus efeitos na contemporaneidade. O artigo analisa a emergência dos direitos sexuais como direitos humanos e dos processos de criminalização, problematizando as delimitações e entendimentos da violência sexual decorrentes das práticas discursivas.

O artigo "Direitos da criança e do adolescente: um debate necessário", de Esther Maria de Magalhães Arantes (PUC-Rio e UERJ) problematiza a Convenção sobre os Direitos da Criança, refazendo a trajetória de sua elaboração e evidenciando a complexidade de suas afirmações e as dificuldades existentes para sua efetivação. Aprovada por unanimidade, a Convenção é considerada um dos mais importantes documentos de direitos humanos adotado pela comunidade internacional, tendo valor de lei nos países signatários.

Em seguida, o artigo de Maria Luiza Heilborn (UERJ), "Por uma agenda positiva dos direitos sexuais da adolescência", busca esclarecer, com base em pesquisas empíricas com jovens, o significado da urgência de uma agenda positiva voltada para os direitos sexuais de adolescentes. Seus argumentos apontam para uma questão da maior relevância, ou seja, o direito de acesso à informação a despeito das convicções morais do entorno social. O artigo procura mostrar que a "conversa sobre sexo" é limitada no âmbito da família, da escola e nos serviços de saúde.

O artigo "Direitos sexuais de crianças e adolescentes: avanços e entraves" sintetiza os resultados de duas pesquisas realizadas por Cintia Carvalho (PUC-Rio), Elisângela Ribeiro da Silva (PUC-Rio), Raquel Salgado (UFMT) e Solange Jobim e Souza (PUC-Rio), uma voltada para as crianças em idade pré-escolar e outra sobre gravidez na adolescência. Neste texto, está em pauta o papel desempenhado pelas instituições de educação e de saúde na promoção de direitos sexuais destes segmentos sociais. Os resultados apontam para a fragilidade dos profissionais que lidam com o público infanto-juvenil em garantir os direitos sexuais e reprodutivos destes sujeitos. As autoras concluem que o fato de não se estabelecer uma nítida diferença entre sexualidade e genitalidade acaba por interferir na compreensão dos limites entre autonomia e proteção. O texto destaca a importância da participação de crianças e adolescentes na construção teórico-prática destes conceitos, sugerindo ser este um caminho promissor para o avanço das práticas institucionais.

Por sua vez, Vanessa Leite (UERJ), em "A sexualidade adolescente a partir de percepções de formuladores de políticas públicas: refletindo o ideário dos adolescentes sujeitos de direitos", analisa os direitos sexuais de adolescentes a partir das percepções de formuladores de políticas públicas. Seu objetivo é problematizar o ideário dos direitos sexuais trazidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente frente às diferentes perspectivas que se articulam no discurso dos profissionais que atuam no campo das garantias de direitos de crianças e adolescentes. A autora conclui que a sexualidade adolescente coloca em questão o ideário dos adolescentes como sujeitos de direitos assim como o processo de universalização dos direitos sexuais.

No artigo "Adolescências, autonomia e direitos sexuais: fragmentos de histórias de meninas abrigadas", Ana Paula Uziel (UERJ) e Felix Augusto Jacobson Berzins (UERJ), com base em estudos realizados com adolescentes abrigadas em instituição pública de acolhimento, discutem perspectivas de sexualidade e de exercício dos direitos sexuais deste público alvo, problematizando a relação entre autonomia, adolescência e direitos sexuais. O texto traz contribuições importantes para os profissionais das instituições de acolhimento do Estado, além de oferecer subsídios para se ampliar a compreensão de direitos sexuais neste contexto específico.

Finalizando a seção temática, Josiane Rose Petry Veronese (UFSC) traz para o debate, no artigo "Violência e exploração sexual infanto-juvenil: uma análise conceitual", o tema da violência e exploração sexual infanto-juvenil, mostrando como se dá a criminalização de tais condutas violadoras de direitos na legislação. Um dos objetivos da autora é esclarecer que, a partir do novo marco legal, crianças e adolescentes são sujeito de direitos e, como tal, seres humanos em processo de suas autonomias. Embora apresentando os avanços na área da legislação, a autora pondera que muito há que ser feito para que os direitos de crianças e adolescentes sejam uma realidade no Brasil.

Em síntese, os textos desta Seção Temática apontam para o fato de que a infância e a adolescência não se configuram como fenômenos homogêneos e que devemos considerar os múltiplos modos de ser criança e de ser adolescente atravessados por diferentes marcadores sociais, tais como classe social, gênero, cor, etnia, tendo a preocupação de contextualizarmos de que criança e adolescente estamos falando. Vale lembrar que o mundo contemporâneo apresenta novos desafios no que diz respeito ao exercício da sexualidade, sendo urgente o aprofundamento dos debates neste setor.

Sabemos que a sexualidade não está na maioria das agendas das instituições que trabalham com crianças e adolescentes e quando aparece é de forma negativa, numa perspectiva controladora, sendo apenas associada aos instintos e hormônios, dentro da lógica do risco e não dos direitos, ou seja, sem levar em consideração que a sexualidade é uma dimensão fundamental da vida humana. Nesta perspectiva, os artigos aqui publicados quebram o silêncio em torno de questões espinhosas, fornecendo subsídios para o enfrentamento das violências sexuais contra crianças e adolescentes, sem deixar de discutir a garantia dos direitos sexuais destes segmentos. Acreditamos que a análise deste tema pelas diferentes áreas das ciências humanas, sociais e jurídicas é, neste momento histórico, enriquecedor e necessário.

Abrindo nossa seção livre, no artigo "A clínica psicológica e o público LGBT", Lívia Gonsalves Toledo (UNESP) e Tânia Pinafi (UNESP) tomam como base estudos sobre as sexualidades, os gêneros e, em especial, a diversidade sexual, promovendo uma discussão ética sobre as vicissitudes da clínica psicológica com a população LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais). Nesta discussão as autoras, levam em consideração a Resolução do Conselho Federal de Psicologia nº 1/99 que estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação à questão da orientação sexual.

A seguir, o artigo "Leptina e anorexia nervosa", de Roberta de Oliveira Corrêa (UERJ), Silvia Cristina da Silva Pimentel (UERJ) e Célia Martins Cortez (UERJ) apontam a importância da leptina no comportamento alimentar. Trata-se de um esforço das autoras de reunir uma grande gama de conhecimentos obtidos da literatura, objetivando prover uma visão de como a LEP, funcionando como um sinal periférico de disponibilidade de energia, pode influenciar a atividade de circuitos neuronais que controlam mecanismos associados à regulação da homeostasia energética.

O artigo seguinte, "O masoquismo através da transferência", de Angélique Christaki (PARIS 7), propõe uma leitura psicanalítica do termo "masoquismo", partindo dos traços da obra de Léopold Sacher Masoch. Formula hipóteses relacionadas à problemática do masoquismo tal como ela pode se apresentar no contexto da transferência e da contratransferência. Para desenvolver tais reflexões, a autora baseou-se em um caso clínico de negação da gravidez.

Encerrando este volume e considerando a escassez de estudos sobre o tema na literatura nacional, o artigo "O uso das cartas terapêuticas na prática clínica", de Ludoana Pousa Corrêa de Paiva (UFU) e Emerson Fernando Rasera (UFU), busca promover o debate sobre as potencialidades das cartas terapêuticas como um recurso para a prática clínica, entendendo-as como uma forma de documentação e de intervenção terapêutica. Concluindo, ressaltam a importância de uma prática epistemologicamente orientada e a necessidade de uma análise das implicações do uso das cartas no contexto brasileiro.

Creative Commons License