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Psicologia Clínica

Print version ISSN 0103-5665On-line version ISSN 1980-5438

Psicol. clin. vol.24 no.2 Rio de Janeiro Dec. 2012

 

SEÇÃO LIVRE

 

O corpo na neurose obsessiva

 

The body in obsessional neuroses

 

 

Alinne Nogueira CoppusI; Angélica BastosII

IDepartamento de Psicologia, UFJF, Minas Gerais, Brasil. E-mail: alinnerj@terra.com.br
IIPrograma de Pós-Graduação em Teoria Psicanalítica, Departamento de Psicologia, UFRJ, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: abastosg@terra.com.br

 

 


RESUMO

O presente artigo apresenta a temática do corpo na neurose obsessiva a partir de dois eixos de abordagem: suas peculiaridades em relação à histeria e a diretriz que a tríade freudiana - inibição, sintoma e angústia - fornece às discussões desse tema. Diante da maior incidência de publicações acerca da histeria e frente ao destaque tradicionalmente concedido nesse tipo clínico para os sintomas na esfera do pensamento, sua problemática é o lugar do corpo na dinâmica dessa neurose em suas especificidades na relação do obsessivo com o desejo e com a morte. Delimita-se o corpo como terreno em que são vividos os impasses relativos à sexualidade e à transitoriedade própria à finitude humana. Examinam-se as formas e a função das manifestações clínicas do corpo na neurose obsessiva com base na tríade freudiana inibição, sintoma e angústia.

Palavras-chave: corpo; neurose obsessiva; psicanálise.


ABSTRACT

The theme of this paper is the body in obsessional neurosis from two approaches lines: its peculiarities in relation to hysteria and guidance by the freudian triade - inhibiton, symptom and anxiety. Given the higher incidence of publications about hysteria and according to the emphasis traditionally given to this clinical type to the symptoms in the sphere of thought, its problematic is the place of the body in the dynamics of this neurosis, in its specificities in the relationship of the obsessive towards desire and death. The body is defined as the ground in which the dilemmas relating to sexuality and to the transience of human finitude are experienced and to outline the possibilities offered by analysis. The forms and the function of the clinical manifestations of the body in obsessional neurosis are examined based on the Freudian triad inhibition, symptom and anxiety.

Keywords: body; obsessional neurosis; psychoanalysis.


 

 

Se hoje podemos falar em uma neurose que se nomeia obsessiva, é graças às descobertas de Freud, que tomou para si a "paternidade" dessa neurose bastante presente na clínica psicanalítica. A partir da escuta das histéricas, Freud chegou à descoberta do inconsciente e estabeleceu com suas leis os impasses que o desejo coloca para o sujeito; a partir da neurose obsessiva, pôde ver como a dimensão de risco que o desejo envolve interpela o que comumente se entende por racionalidade.

Se, por um lado, vemos nas últimas décadas discussões acerca da histeria - sobretudo relacionadas aos sintomas que, de maneira instigante, apresentam-se à clínica médica e psicanalítica -, por outro chama a atenção o número restrito de publicações sobre a neurose obsessiva. Curiosamente, apesar de a neurose obsessiva gerar impasses consideráveis ao analista, não nos deparamos com novidades consistentes em relação à teorização da mesma já há algum tempo. Encontramos, com algumas exceções, a neurose obsessiva sendo abordada a partir de temas como o forte investimento libidinal nos pensamentos, o apreço pelo controle e pela racionalidade, a dúvida que retira o sujeito da realidade, a menção ao desejo no campo do impossível, a ação feroz do supereu, a analidade, o Homem dos Ratos.

A partir da escuta analítica, a neurose obsessiva corrobora a afirmação de que nenhuma estrutura pode ser abordada na sua peculiaridade, se ficar restrita a um labirinto de conceitos percorrido sempre da mesma forma em busca da saída. Além da singularidade de cada caso, a dinâmica inconsciente abre a possibilidade de que o analista e o pesquisador possam se movimentar e abordar tanto a clínica como a teoria - que no caso da psicanálise andam juntas - a partir de lugares que se alternam.

Este artigo objetiva delinear o lugar do corpo na neurose obsessiva, permitindo um novo enfoque sobre a mesma. A neurose obsessiva vem nos mostrando, com certa insistência, que não é possível deixar o corpo fora de sua dinâmica. Assim, este artigo apresenta a temática do corpo na neurose obsessiva a partir de dois eixos de abordagem: sua especificidade em relação à histeria e a diretriz que a tríade freudiana - inibição, sintoma e angústia - fornece às discussões desse tema.

Perguntamos: em que cenário o corpo aparece nas queixas dos pacientes obsessivos? Qual função exerce? O corpo se coloca da mesma maneira com que aparece na dinâmica histérica, ou seja, no sintoma que metaforiza o corpo e direciona uma mensagem ao Outro? Haveria algo de diferente?

Diferentemente do sujeito histérico que entrega, de maneira ruidosa, seu corpo ao Outro, fazendo deste um monumento vivo do inconsciente, suas questões e impasses, o sujeito obsessivo esforça-se para manter seu corpo inibido, silenciado e mortificado em relação a tudo que faça referência ao sexual. O primeiro endereça ao Outro uma demanda de amor, de reconhecimento e de existência através de seu corpo, o segundo faz de seu corpo uma armadura limpa e inviolável que o trai quando ele menos espera.

Nos conhecidos termos da separação cartesiana, os sintomas mais frequentes na neurose obsessiva abarcam, sobretudo, a esfera do cogito e, com isso, dúvidas, elisões, racionalização e anulações jogam a todo o tempo com as representações e os afetos. Outros impasses, que a princípio não estariam diretamente ligados ao pensamento, têm como pano de fundo a implicação deste último, como a busca de controle, a verificação das atividades, as hesitações. Tais características têm como base a própria definição da neurose obsessiva, abordada por Freud como uma neurose que difere da histeria justamente por ter seus sintomas expressos na esfera do pensamento e não na esfera somática. Por outro ângulo, porém, destacamos a frequência com que os impasses em relação ao corpo aparecem nas análises dos sujeitos obsessivos, homens e mulheres.

Nesse sentido, ressaltamos na clínica da neurose obsessiva a presença de impotências, compulsões sexuais, rituais de lavagem, hipocondria, frigidez, dores de cabeça indecifráveis, problemas intestinais. O corpo é o campo onde a sexualidade é vivida, onde o desejo se expressa e, sobretudo, onde a angústia é referida. De tal forma, as dificuldades que o sujeito traz em relação a esses pontos necessariamente se expressam ali. Resta saber de que maneiras essas dificuldades tomam o corpo e se teriam sempre a mesma função.

Seguimos as orientações freudianas que circunscrevem o mal-estar dos neuróticos na tríade eternizada por ele em seu texto "Inibição, sintoma e angústia" (Freud, 1926/1996i) e com ela colocamos em destaque as manifestações do corpo do sujeito na neurose obsessiva. Vejamos de que maneira.

 

A neurose obsessiva a partir da escuta clínica

A neurose obsessiva mostrou a Freud o horror do sujeito à castração, a ambivalência na relação transferencial, o valor do pagamento no processo de análise, a relação sintomática do sujeito com o tempo, a defesa constante do sujeito diante da morte. O obsessivo é o paciente que quer se colocar como garantia do analista, seu avalista. Nesse sentido, os impasses transferenciais exigem que o analista se movimente.

O que permitiu que Freud desse ouvidos a esses traços foi, muitas vezes, a dimensão que os mesmos possuíam na fala do paciente e em seus sintomas. Apesar de o trabalho analítico histericizar o paciente, o posicionamento deste frente ao Outro e ao desejo são marcantes. O objeto do seu desejo só se torna viável quando se encontra no estatuto do impossível e o Outro é marcado pela falha, falha que ele mesmo quer preencher.

Ribeiro (2001; 2006) questiona a afirmação de que a clínica psicanalítica da neurose é sustentada pela histeria. A autora nos diz que a neurose obsessiva tem aparecido cada vez mais na atualidade e em nossos consultórios, inclusive com as mulheres. Destaca as peculiaridades da mulher obsessiva que, diante da inconsistência trazida pela ausência de um significante que defina o ser mulher, é menos enganada pelo falo que vela o furo no outro (Ribeiro, 2001). Sendo assim, a mulher obsessiva é ainda mais "religiosa do significante", mais propensa ao deslizamento metonímico (que não deve ser incentivado pelo analista), deixando à mostra a busca de um corpo que funcione sem rateios, estando submetida às compulsões. Drogadas compulsivas, as obsessivas, escravas da perfeição, consomem obedientemente as drogas que prometem um alívio que nunca chega (Ribeiro, 2001). Seja em busca de um sono tranquilo, de um controle da ansiedade e da tristeza, de um corpo perfeito, a medicação ocupa o lugar de um objeto a mais que atue no que está fora do lugar, no que não funciona bem. Essa medida de perfeição é o que deteriora o sujeito e o conduz a um mestre absoluto, Outro típico de seu tipo clínico: a morte. Preso em seu labirinto, onde o desejo se esconde, ela ou ele trabalha incessantemente para a morte, isto é, faz de sua neurose um modo de viver a questão da morte e elidir o desejo que coloca em jogo a finitude, a contingência e o risco.

Destacamos duas das frequentes queixas presentes na fala de pacientes obsessivas e que envolvem diretamente o corpo. Uma é a frigidez, expressa na impossibilidade do sujeito de concretizar o ato sexual e nele encontrar satisfação. Lacan (Lacan, 1958/1998, p. 740) diz que a frigidez não é um sintoma, ainda que tenha toda a estrutura inconsciente que determina a neurose. Ela é uma defesa em face do gozo. A mulher se fixa na máscara fálica, não condescendendo na posição de objeto. Isso é verificado nas falas que trazem o receio de perder o controle no ato sexual e a equiparação da sensação do orgasmo com a de que o corpo estaria se desfazendo.

Outra queixa também comum se situa na privação sexual da qual reclamam essas mulheres. Tal privação está diretamente ligada à sua modalidade clínica de evitação do desejo, já que deixam a iniciativa ao outro, do qual dependem para pôr em jogo, a contrabando, seu desejo (Ribeiro, 2001, pp. 96-97).

Freud (1923/1996h) destacava que o medo tanto da morte como da vida são expressões do supereu. Desses medos se origina a covardia da neurose obsessiva diante da vida, diante da sexualidade. As obsessões são justamente uma modalidade de proteção contra as tentações sexuais que trazem movimento à vida.

As exigências do supereu aparecem de diversas maneiras no cenário obsessivo. Os efeitos do supereu surgem nas tarefas desgastantes, no sentimento de culpa, nos fracassos mantidos, nos adoecimentos, nas compulsões em busca de um gozo a mais, nos rituais (Lacan, 1957-1958/1999, p. 430). Pela possibilidade de sua desfusão pulsional, o supereu promove um empuxo à destruição (Lacan, 1957-1958/1999, p. 478) que marca de maneira peculiar a relação desse sujeito com seu desejo. Vemos, porém, que ser carrasco de si mesmo não é em vão. A pena que se paga pela submissão a um supereu feroz sustenta a fantasia de um Outro em que a falta poderia ser controlada.

Mesmo no início de sua obra, Freud trabalhou a presença de autolesões como resultado de autopunições, castigos como resposta à culpa, ao poder da consciência moral (Freud, 1901/1996c, p. 183). Muitas das vezes, aquilo de que

o sujeito se queixa apresenta-se como forma de punição, gerando sintomas, inibição ou crises de angústia, processo ilustrado por dores, enxaquecas e diarreias que se manifestam curiosamente quando o sujeito começa a fazer movimentos em direção ao desejo. O próprio sujeito, rapidamente, fornece um sentido a esses eventos: são punições, um aviso de que as coisas devem ficar como estão, que o melhor é mesmo, como ele previa, não se movimentar.

A neurose obsessiva coloca o sacrifício em cena em busca do ideal: jejum, arranhões, dores e penitências são exemplos da ação do supereu e do masoquismo do eu. Dificilmente tais sacrifícios não envolvem o corpo; inclusive, é falando do sacrifício que Lacan, mesmo que raramente, aborda o corpo na neurose obsessiva. Em suas palavras: "O corpo, o corpo idealizado, reclama um sacrifício corporal. Esse é um ponto importantíssimo para compreender [...] a estrutura do obsessivo" (Lacan, 1968-1969/2008, p. 359).

Há uma afirmação freudiana que nos chamou atenção quanto ao lugar do corpo na neurose obsessiva: "em todos os meus casos de neurose obsessiva descobri um substrato de sintomas histéricos" (Freud, 1896/1996b, pp. 168-169; grifo do autor). Essa articulação se repete anos depois: ao afirmar que "toda neurose obsessiva parece ter um substrato de sintomas histéricos que se formam em uma fase bem antiga" (Freud, 1926/1996i, p. 115).

Esse substrato era justificado por uma cena sexual experimentada de maneira passiva pelo sujeito, tal qual ocorre na histeria, e que teria precedido a ação prazerosa que caracterizava a constituição da neurose obsessiva. Outra afirmação que aborda a proximidade entre a obsessão e a histeria é feita por Freud (1909/1996d), quando o mesmo nos diz que a linguagem utilizada pela neurose obsessiva é apenas um dialeto da histeria.

Na neurose obsessiva, as queixas em relação ao corpo seriam, então, sinais desse substrato, a concretização da afirmação de que a neurose obsessiva é um dialeto da histeria? Ou seja, essas queixas seriam definidas tal como nos sintomas histéricos, nos quais o corpo se oferece como metáfora para os conflitos inconscientes e concretiza a demanda de amor feita ao Outro? A clínica da psicanálise, porém, mostra-nos sinais de que existem diferenças e a tríade estabelecida por Freud nos auxilia nessa diferenciação. Acreditamos, então, que quando Freud nos diz que a neurose obsessiva é um dialeto da histeria esteja se referindo ao desejo. A impossibilidade é outra maneira de dizer a insatisfação que caracteriza a histeria, ambas apontando para a dificuldade do neurótico em relação ao desejo.

 

Inibição, sintoma e angústia: uma diretriz possível para o analista

O sujeito na neurose tem algumas opções quando se encontra diante do desejo: inibir-se, recalcá-lo e produzir sintoma ou se angustiar.

Apostamos que a inibição, o sintoma e a angústia estão ligados à estrutura do ser falante, ou seja, a sua relação com o Outro, o desejo e o gozo. O corpo materializa o posicionamento do sujeito frente ao desejo e, ao mesmo tempo, serve de enquadramento para o gozo, na clínica da neurose, através da inibição, do sintoma e da angústia. A inibição, a angústia e o sintoma são respostas do sujeito ao desejo do Outro e podem gerar um efeito de localização do gozo na neurose.

Localizamos o campo do sintoma como aquele onde há a presença de um conflito, sendo uma forma singular de o sujeito responder aos impasses em relação à castração, ou seja, à sexualidade. Os sintomas na neurose obsessiva se apresentam como dispositivos que permitem ao sujeito manter o desejo como impossível. É para isso que o obsessivo trabalha na posição de escravo e sustenta o mestre à espera de sua morte. A dúvida e a procrastinação são justificadas pela espera da morte do pai, do mestre. Com isso ele tenta manobrar sua distância com respeito ao gozo, que fica situado no campo do mestre que ele se recusa ser.

Na neurose obsessiva, o corpo aparece, então, como um instrumento que busca viabilizar uma estratégia pela qual se encontra uma saída para responder às questões sobre o desejo (Santiago, 1999). A via neurótica faz do corpo uma armadilha do desejo para o sujeito histérico ou um instrumento de resposta à demanda do Outro na neurose obsessiva (Laurent, 2008, p. 46). O sujeito obsessivo nos mostra um corpo fixado, um corpo que "não se gasta, na intenção de continuar preservado, fica intacto, à espera do julgamento final" (Gazzola, 2005, p. 155). É um corpo que deve ser dominado e, para isso, o sujeito almeja um corpo esvaziado de gozo.

O obsessivo dedica-se a abolir a diferença entre os sexos, o que gera como consequência algumas dificuldades no encontro sexual, conforme estamos vendo. De maneira clara, ele deixa à mostra que o sexo pode ser uma dor de cabeça. "A dor é um encontro com o real, com o impossível de dizer" (Gazzola, 2005, p. 5). A dor na neurose obsessiva pode ser um efeito da afetação do significante. Ela aparece quando o sujeito se deixa afetar por algo, quando a dimensão do afeto não ganha disfarce.

Por outro lado, é justamente o corpo que faz com que a dimensão do vivo apareça para a neurose obsessiva. Através da sexualidade, da angústia, das inibições, das dores, o sujeito é confrontado com a impossibilidade de manter o desejo no plano do impossível e de tudo controlar. Retomando o apontamento de Lacan, "o corpo foi feito para gozar" (Lacan, 1972-1973/1986, p. 35), de uma forma ou de outra ele alcança o gozo.

Outra manifestação bastante presente na neurose obsessiva é a mortificação, cuja palavra em alemão é Kränkung e significa fazer adoecer (Freud, 1893-1895/1996a, p. 44). Ao analisar aqueles que se arruínam pelo êxito, Freud (1915-1916/1996f) retoma a formulação dos que adoecem ao se depararem com a realização de um desejo. A mortificação nos aproxima da flagelação que é uma prática erótica em que o corpo é tomado como objeto de gozo (Lacan, 19691970/1992, p. 47). Expressões da angústia no corpo, autoagressões, mordidas, arranhões, bater a cabeça na parede, são maneiras de visualizarmos a mortificação através da introdução da flagelação no corpo.

Vale mencionar, com exemplos que fazem parte de nossa escuta analítica, os impasses que proporcionaram um questionamento frutífero em relação ao corpo e à neurose obsessiva: afecções corporais com ou sem dor, rituais que materializam compulsões por se lavar, por arrumar, por manter um corpo perfeito, "com tudo no lugar", saudável, imortal. Catalogar as diferentes queixas que o sujeito coloca em destaque na análise não faria avançar a investigação sobre a participação do corpo na neurose obsessiva. Sabemos que a mesma queixa enunciada na clínica da neurose, dependendo do lugar que ocupa na vida do sujeito e do momento em que aparece, ou seja, a que ela responde, pode ser tomada, seguindo as formulações de Freud (1926/1996i), como um sintoma, uma inibição ou ser a expressão de angústia (Coppus, 2010). Assim, a angústia difere da dúvida, a hesitação distingue-se do jogo ambivalente do obsessivo (Lacan, 1962-1963/2005), a angústia é diferente do sintoma e o sintoma da inibição. O fato de diferirem entre si não quer dizer que eles não possam ter semelhanças.

Ao se deparar com o desejo, o neurótico obsessivo pode experimentar a angústia de forma avassaladora. Enquanto não faz um sintoma, nomeando e dando um formato à mesma, o sujeito dá corpo à angústia no aperto na garganta, na perda da voz, nos arranhões, na necessidade de extrair alguma parte do corpo, na ausência ou no excesso de fome, na agitação, na diarreia, no vômito, nas crises de suor, na insônia. A constante vigilância no obsessivo se apresenta na dificuldade para dormir. A vigilância é um esforço enraizado em seu ser.

Destacamos que a inibição, o sintoma e a angústia são manifestações particulares do sujeito, nem sempre de fácil diferenciação (Freud, 1926/1996i, p. 91). A tríade eternizada por Freud é o título de um texto que detalha as duas neuroses: histeria e neurose obsessiva, passando pela fobia. Essas três manifestações clínicas são aí reformuladas, inclusive em suas inter-relações. Inibição, sintoma e angústia são três formas das dificuldades do sujeito em relação à manifestação do desejo e da castração (Santiago, 2005, p. 131). O sujeito traz em sua angústia, sua inibição ou seu sintoma uma resposta possível para a falta do Outro ( Ambertín, 2006, p. 61).

Tanto o sintoma quanto a inibição têm a função de evitar a angústia, porém utilizam mecanismos distintos para isso. O sintoma implica o recalque para proteger o sujeito da angústia e opera a partir de uma substituição significante que, por sua vez, tem um efeito metafórico. É uma operação simbólica que permite a interpretação e o deciframento. As inibições antecipam o perigo através do uso de mecanismos que consistem em manter fora da ação a função erotizada. Evita-se o surgimento da angústia e consequentemente um novo recalque. "Este fato elucida a ausência de associação de ideias que a inibição provoca no sujeito, [...] uma verdadeira parada do pensamento que pode ser articulada como um buraco no nível discursivo" (Ambertín, 2006, pp. 70-71).

As inibições se apresentam exclusivamente no eu e, por isso, não se confundem com o sintoma, que exige a ideia de um conflito entre as instâncias. A inibição é da ordem da renúncia; enquanto o sintoma envolve sempre um conflito, uma atualização da divisão subjetiva, ela mascara para o sujeito a angústia de seu desamparo.

Após abordarmos algumas peculiaridades nas diferenças entre a inibição, o sintoma e a angústia, destacamos seu ponto comum em Freud: o eu, o corpo. O eu tenta incorporar o sintoma a si, ele é a sede da angústia (Freud, 1926/1996i, p. 97) e onde a inibição se manifesta. O eu pode subtrair-se da angústia por uma evitação, um sintoma ou uma inibição. Assim, mesmo em Freud, vemos a articu-lação entre inibição, sintoma e angústia com o corpo e com o campo da neurose, não em relação a qualquer aspecto do corpo, mas, justamente, em sua questão central, a sexualidade. Inibição, sintoma e angústia intervêm na manifestação sexual, estando referidos ao desejo e isso também na neurose obsessiva. O sintoma é o retorno do desejo recalcado; a inibição aparece quando o desejo se manifesta e, da mesma forma, a angústia.

Como jogar com alguém que torna inoperante o risco? A análise implica riscos. O analista tem dificuldade de desalojar o obsessivo de seu refúgio. Ambertín (2006, p. 104) nos chama atenção para o fato de que "quem não demanda obter um lugar no desejo do Outro não pode participar de nenhuma partida, quanto menos da analítica". Só o sofrimento e a angústia podem escrevê-lo nesse jogo. O obsessivo faz do dever um enigma e é por essa via que ele pede socorro ao analista (Lacan, 1959-1960/1997). Fica preso em suas defesas como em uma armadura de ferro, "onde ele se detém e se enclausura, para se impedir de aceder ao que Freud chama a certa altura de um horror por ele mesmo desconhecido" (Lacan, 1959-1960/1997, pp. 247-248).

No inconsciente impera a imortalidade. Freud, porém, é taxativo: "se queres suportar a vida, prepara-te para a morte" (Freud, 1915/1996e, p. 309). Para sacudir o obsessivo de suas defesas é preciso que as inconsistências do Outro apareçam. Em "Sobre a transitoriedade", Freud (1915-1916/1996f, p. 192) nos diz que "não é possível sustentar um tratamento com esse horror à transitoriedade". A morte, inaugurada pela morte da coisa com a entrada do sujeito na linguagem, permite o exercício do desejo, possibilitando a movimentação do sujeito na vida não apenas como ser-para-a-morte, mas como ser-para-o-sexo.

Não há direção do tratamento sem o risco do luto e nem vacinas contra as inconsistências da vida, risco que cabe também ao analista sustentar. Não é possível sustentar um tratamento sem colocar a questão do valor da vida em cheque e sem enfrentar o horror à transitoriedade. O horror à morte está ligado às inconsistências da vida, ao enfrentamento do luto.

O que fazer com esse corpo que se faz presente na fala do paciente e materializa suas peculiaridades e dificuldades? A análise visa obter uma relação com o corpo que seja nova. Não a da idolatria, não a da inibição e da angústia, nem a do excesso e, sim, a que encarna a castração, que permite a variabilidade, o movimento dos objetos do desejo. Para isso, a morte, a dor podem se configurar como uma via de trabalho na qual os impasses em relação ao desejo se encarnam. O desejo é uma barreira ao gozo fundada na linguagem, é uma perturbação do corpo. Almejar que a análise possibilite um bom entendimento do corpo com o gozo é ilusório, pois seria desconhecer sua dimensão de alteridade e estranheza.

A especificidade da psicanálise é justamente dar um lugar ao real que não se pode dominar. Nesse sentido, não se trata, no discurso analítico, de um savoir-faire dos corpos (Lacan, 1972/2003, p. 479) e sim que o sujeito consiga se posicionar frente ao seu desejo, o que deve trazer consequências em sua forma de lidar com o corpo. Quais seriam elas? Como não se trata de construir um saber-fazer com o corpo que domine sua natureza pulsional, o que uma análise propiciaria na relação do sujeito com o corpo no campo na neurose? Caberá ao sujeito (obsessivo) inventar, quando possível, uma outra saída que não apenas a inibição, o sintoma obsessivo e a angústia, um caminho que alie sua dimensão de ser-para-a-morte à de ser-para-o-sexo, erotizando e animando a vida pela sustentação do desejo.

 

Referências

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Recebido em 21 de abril de 2011
Aceito para publicação em 14 de setembro de 2011

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