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Psicologia Clínica

versión impresa ISSN 0103-5665versión On-line ISSN 1980-5438

Psicol. clin. vol.25 no.2 Rio de Janeiro jun. 2013

 

EDITORIAL

 

 

Dedicado ao tema Psicanálise: teoria e clínica, o número 25.2 de Psicologia Clínica traz doze artigos (dos quais dois são de autores internacionais), um texto especial comemorativo dos 60 anos do Departamento de Psicologia da PUC-Rio e uma resenha. Importa destacar que nossa nova política editorial - visando a internacionalização deste periódico, com a publicação de artigos em inglês, francês e espanhol, além do português - tem rendido bons frutos, tendo havido um incremento nas submissões internacionais.

O artigo que abre a seção temática, "O sintoma entre a terapêutica e o incurável: uma leitura lacaniana", de Cristina Moreira Marcos e Ednei Soares de Oliveira Junior, trata das relações entre a possibilidade terapêutica do tratamento psicanalítico e o núcleo incurável contido no sintoma, tal como definido por Lacan. Ao final da obra de Freud, a verificação do resto irredutível do sintoma deixou-lhe um impasse sobre o destino desse resíduo no tratamento psicanalítico. Lacan, por sua vez, não recuou frente a esse impasse: ao considerar a importância do sintoma em psicanálise, evidenciou sua função para o sujeito. Desse modo, o psicanalista francês apresentou fundamentos que dão outros destinos ao resto não eliminável na experiência analítica, demarcando os limites de sua eficácia derivados.

A seguir, o artigo "Relações possíveis entre desencadeamento psicótico e implante coclear: reflexões a partir do contexto clínico francês", de Tereza Pinto, é o resultado de sua experiência no chamado "polo da surdez" do Centro Hospitalar Sainte-Anne (Paris, França), serviço hospitalar de saúde mental que oferece acompanhamento psicológico para pacientes psiquiátricos surdos adultos. Alguns desses pacientes, sem história psiquiátrica anterior, chegam ao Polo apresentando uma descompensação psicótica que intervém após a implantação de uma prótese coclear, o que suscita a questão da relação entre o implante e o desencadeamento da psicose. A autora discute a hipótese segundo a qual a idealização médica da cura da deficiência auditiva muitas vezes não leva em consideração o fato de que a própria surdez possa representar a base identitária estabilizadora de um sujeito cuja estrutura subjetiva seria psicótica. Nesse caso, o implante coclear, extraindo o sujeito do universo e da cultura próprios aos surdos, poderia transformar-se no fator que faz vacilar o ego de suplência do sujeito, levando ao desencadeamento de sua psicose.

Ainda em um referencial lacaniano, o artigo seguinte, "O desejo do psicanalista e sua implicação na transferência segundo o ensino de Lacan", de Júlio Eduardo de Castro e Ilka Franco Ferrari, aborda a ética da psicanálise transmitida, antes de tudo, a partir da experiência intensiva, também chamada classicamente de análise do psicanalista. Para tanto, os autores recorrem ao ensino de Lacan a respeito do estatuto do sintoma na teoria e prática psicanalíticas e dos operadores éticos do psicanalista, quais sejam, o desejo do psicanalista, o discurso do psicanalista, o ato do psicanalista e o saber do psicanalista. Esses operadores cumprem a função de serem coordenadas teórico-conceituais durante a abordagem do mal-estar (e, mais especificamente, do sofrimento) proveniente do sintoma que, inexoravelmente, leva um sujeito à busca pela psicanálise como modo e opção de tratamento. Da tomada/abordagem do sintoma no campo da ética da psicanálise os autores retiram consequências quanto ao agir/proceder do psicanalista na operacionalização dessa mesma ética a partir da situação clínica.

Por sua vez, o artigo "A psicodinâmica conjugal e a contemporaneidade", de Anamaria Silva Neves, Andrezza Sisconeto Ferreira Dias e João Luiz Leitão Paravidini, pretende discutir a conjugalidade na interface com aspectos contemporâneos como a valorização do individualismo e a cultura narcísica e hedonista, em que a exaltação da felicidade é extremamente valorizada e há um apelo ao não sofrimento. Através da apresentação de um fragmento de caso clínico de um atendimento individual de orientação psicanalítica, mas que tem a conjugalidade como questão central, discutem-se os impasses vivenciados por um casal, sua inter-relação com os ideais contemporâneos e sua dinâmica conjugal. Conclui-se que os casais sofrem influência desses ideais, mas que os elementos da psicodinâmica do casal devem ser concomitantemente analisados para melhor entendimento do universo conjugal. Acredita-se que a psicanálise seja um instrumento importante nesse sentido por considerar aspectos inconscientes na trama conjugal e a singularidade de cada história construída pelo casal.

Na sequência, o estudo de caso "A história das cinco fotos preferidas do BBT-Br como processo de simbolização", de Milena Shimada, Vitor Hugo de Oliveira, Eduardo Name Risk, Carolina Mota Gala Saviolli e Lucy Leal Melo-Silva, discute a psicodinâmica da escolha profissional por meio da narrativa produzida sobre as cinco fotos preferidas do Teste de Fotos de Profissões (BBT-Br) por um rapaz de 17 anos. Os elementos qualitativos da história revelam componentes defensivos, corroborados pela análise quantitativa dos fatores escolhidos e rejeitados. As associações estabelecidas possibilitam compreender as escolhas profissionais do jovem, pois encadeiam as imagens, indutoras do processo de simbolização, e garantem a compreensão de seu conjunto. O BBT-Br evidencia-se útil no entendimento da dinâmica interna dos orientandos e de aspectos que podem ser manejados na prática clínica.

Debruçado sobre a obra freudiana, o artigo "A temática darwiniana em Freud: um exame das referências a Darwin na obra freudiana" de Marcelo Galletti Ferretti e Ana Maria Loffredo visa examinar as referências a Charles Darwin na obra freudiana, buscando verificar qual o uso que Freud fez da teoria darwiniana e a que conceitos desta aludiu quando citou o nome do célebre evolucionista inglês. Assim, aborda-se o tema da influência de Darwin sobre Freud por meio de uma via mais evidente que, no entanto, foi pouco explorada. Essa abordagem mostra-se profícua, na medida em que fornece sólidas indicações de que o fundador da psicanálise buscou em Darwin não apenas subsídios conceituais a respeito da dinâmica anímica humana como também um modelo de teorizar.

Discorrendo sobre uma problemática conexa, o artigo "Algumas considerações sobre o campo do biológico em Freud, Laplanche e Lacan", de Natália De Toni Guimarães dos Santos e Isabel Fortes, consiste numa pesquisa teórica sobre a noção de biológico na psicanálise a partir da revisão bibliográfica de Freud, Laplanche e Lacan. Sua proposta é mapear algumas questões relevantes sobre a inserção do biológico nas teorizações freudianas, ao mesmo tempo que busca delimitar a diferença desse autor em relação a Laplanche e a Lacan. Ao pensar a pulsão como um conceito na fronteira entre o psíquico e o somático, Freud estabelece a teoria do apoio, concebendo a sexualidade como um processo eminentemente intrapsíquico derivado da ordem do biológico. Laplanche segue Freud e a teoria do apoio, embora salientando a importância da intersubjetividade, do outro como agente instaurador do pulsional. Lacan, por sua vez, critica a teoria do apoio, apontando uma separação radical entre o biológico e o sexual, acentuando a questão da parcialidade das pulsões.

Abrindo a seção livre, o artigo "As características dermatoglíficas de crianças e adolescentes talentosos do Instituto Rogério Steinberg do Rio de Janeiro - RJ", de Renato Vidal Linhares, José Fernandes Filho e Marsyl Mettrau, identifica o perfil dermatoglífico de jovens considerados talentosos pelo Instituto Rogério Steinberg - RJ. O conhecimento do perfil de um grupo facilita no seu desenvolvimento, na descoberta de suas potencialidades e cria índices que norteiam a detecção de futuros talentos. No caso da amostra pesquisada, observou-se que essas crianças e adolescentes possuem um baixo percentual de desenhos tipo arco e altos níveis de deltas e de linhas nos dez dedos das mãos, características essas similares às encontradas em atletas de alto rendimento. Além disso, apresentaram o fenômeno de espelho entre as mãos, ou seja, uma similaridade nos desenhos digitais e na relação do número de linhas entre os dedos das mãos correspondentes quase perfeitas, como a hipótese sugerida nesse estudo. Logo, isso leva a acreditar que a dermatoglifia pode ser uma ferramenta auxiliar na identificação de indivíduos talentosos.

A seguir, "A história de nós dois: reflexões acerca da formação e dissolução da conjugalidade", de Kamêni Iung Rolim e Maria Isabel Wendling, propõe uma revisão teórica de estudos na área com vistas a problematizar tais fenômenos e ampliar a compreensão deles. São abordados os vínculos relacionais na formação e dissolução da conjugalidade, repercussões e possibilidades de intervenção, partindo da perspectiva sistêmica acerca de aspectos relacionais envolvidos nesses processos. Observa-se que muitas mudanças sociais inerentes à Pós-Modernidade têm afetado a tônica da dinâmica conjugal e suas especificidades carecem ser compreendidas para ampliar o potencial das intervenções adotadas.

O artigo seguinte, "Transição de pós-parentalidade no contexto do sertão cearense", de André de Carvalho-Barreto e Karine Suelanne Silva de Lima, objetiva conhecer o modo como pais naturais do sertão central cearense experienciam a saída de seus filhos de casa. Para atingir esse objetivo, adotou-se o método qualitativo, com estudo de caso coletivo. Participaram dessa investigação dois casais naturais do sertão central cearense que tinham, pelo menos, um filho que saiu de casa sem ter sido por conflito ou casamento não planejado. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com cada cônjuge, separadamente, e analisadas pelo modelo de análise de discurso. As categorias Sentimentos de perda e aceitação quanto à saída dos filhos e Mudanças nas relações conjugal e parental foram identificadas e discutidas. Considera-se que a transição da pós-parentalidade, também conhecida pela literatura como "fase ou síndrome do ninho vazio", é um fenômeno normativo no desenvolvimento familiar, no qual o contexto tem relativa importância, mas não ocasiona necessariamente psicopatologias na família.

Por sua vez, o estudo de caso "Angústia de uma perda - caso Maria, uma abordagem terapêutica", de Mónica Costa, Catarina Pinheiro Mota e Cláudia Milheiro, procura discutir a vivência de Maria, de 32 anos de idade, na qual está patente uma dinâmica emocional e relacional marcada por sentimentos de angústia. A avaliação revelou uma vivência afetiva de tipo neurótico, apresentando sinais clínicos evidentes da angústia da perda do objeto e da separação afetiva, revelando fortes sentimentos de culpabilidade frente a conflitos internos. É proposta uma intervenção psicológica no sentido de facilitar a vivência do luto passando pela aceitação e elaboração da perda. O processo de acompanhamento psicológico, concebido no modelo psicodinâmico, surtiu um efeito estruturante, verificando-se uma diminuição da ansiedade como atenuação dos pensamentos ruminativos em torno da morte do pai e da dependência em relação à mãe. Embora ainda em processo, observou-se uma maior capacidade para pensar sobre os seus sentimentos e emoções, facilitando o processo de elaboração dos seus conflitos internos.

Finalmente, o artigo "Percepções de psicólogos sobre a capacitação para intervenção com vítimas de violência sexual", de Clarissa Pinto Pizarro de Freitas e Luísa Fernanda Habigzang, investiga as percepções dos profissionais de psicologia que participaram da Tecnologia Social de Capacitação Profissional sobre o modelo de grupoterapia cognitivo-comportamental para o atendimento de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual em relação ao impacto e à transferência de aprendizagem. Utilizou-se o delineamento de casos múltiplos, em entrevistas semiestruturadas com três psicólogas que concluíram o curso e coordenaram grupos terapêuticos de acordo com o modelo aprendido. Os dados foram analisados por meio da análise de conteúdo. Os resultados indicaram que a capacitação produziu um impacto sobre a atuação profissional das participantes. Observou-se a presença de um impacto sobre as demandas de trabalho e crenças relacionadas à violência sexual. Houve situações de transferência de aprendizagem em curto prazo e em longo prazo. As participantes avaliaram a capacitação de forma positiva e a consideraram uma intervenção efetiva para instrumentalizar os profissionais em sua atuação com vítimas de violência sexual.

A seção especial comemorativa dos 60 anos do Departamento de Psicologia da PUC-Rio traz o texto "Departamento de Psicologia da PUC-Rio: 60 anos de formação e produção de conhecimento", de Terezinha Féres-Carneiro, o qual narra um pouco da história dos 60 anos do Departamento de Psicologia da PUC-Rio, ressaltando seu pioneirismo nas atividades de formação e de produção do conhecimento. Em 1953, Hanns Lippmann criou, no Instituto de Psicologia Aplicada (IPA), o primeiro Curso de Formação de Psicólogos do país, que começou a ser ministrado nas enfermarias da Santa Casa de Misericórdia e, em 1957, foi transferido para o campus recém-inaugurado da Gávea. Em 1966, o Departamento implantou o primeiro Curso de Mestrado em Psicologia do país. O Curso de Doutorado foi iniciado em 1985. Com grande tradição na área da Psicologia Clínica e com incontestável liderança no cenário nacional, o Departamento de Psicologia da PUC-Rio, até o ano de 2013, já titulou 4.584 psicólogos, 722 mestres e 166 doutores.

Fechando este volume, temos a resenha do livro "O homem que se achava Napoleão: por uma história política da loucura", escrita por nossa editora Esther Maria de M. Arantes e por Paulo Vaz.

 

Monah Winograd
Esther Arantes

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