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Psicologia Clínica

versão impressa ISSN 0103-5665versão On-line ISSN 1980-5438

Psicol. clin. vol.27 no.2 Rio de Janeiro  2015

 

Editorial

 

 

Andrea Seixas Magalhães; Esther Arantes

 

 

Reunindo 12 artigos divididos igualmente em duas seções, o número 27.2 da Revista Psicologia Clínica traz como tema Família, criança e clínica ampliada, compreendendo que a noção de clínica ampliada pressupõe um olhar mais integral para o sujeito, considerando suas dimensões psicológica, biológica, social, histórica e política. A participação ativa do sujeito nos processos de saúde é valorizada, em busca de bem-estar e melhor qualidade de vida. O volume 27.2 traz a contribuição de um artigo internacional, como vimos fazendo nos últimos números.

O artigo que inicia a seção temática, Sentidos construídos por familiares acerca de seu processo terapêutico em terapia familiar, de autoria de Marina Belelli Barbosa e Carla Guanaes-Lorenzi, é definido como sendo um estudo de natureza qualitativa que visa compreender os sentidos produzidos por familiares, atendidos em terapia familiar com base nas propostas construcionistas sociais, sobre seu processo terapêutico. Foram feitas entrevistas individuais semiestruturadas, as quais foram audiogravadas, transcritas e analisadas por procedimentos de análise temática. Concluiu-se que o deslocamento dos problemas de uma perspectiva individual para uma relacional, a valorização de diversos modos de compreensão sobre uma situação e o trabalho com a equipe reflexiva constituíram-se recursos no desenvolvimento do processo terapêutico.

O segundo artigo apresentado na seção temática, A escritura como dispositivo clinâmico, dos autores Renata Amélia Roos, Cleci Maraschin e Luciano Bedin da Costa, problematiza o conceito de clínica propondo uma interlocução com a concepção filosófica de clinâmen. De uma concepção de clínica relacionada ao ato de se debruçar em um leito, repouso, passa-se para um fazer que envolve o desvio, a colisão e a criação conjunta. Apresenta a escritura dos movimentos de construção dos territórios relacionais entre psicóloga escolar e aluno do ensino médio de uma escola privada do Vale do Rio dos Sinos no Rio Grande do Sul.

Em seguida, o artigo Caracterização da clientela atendida em terapia de família em uma clínica-escola, de Angélica Paula Neumann e Adriana Wagner, tem por objetivo caracterizar a clientela atendida em terapia familiar em uma clínica-escola de Porto Alegre (RS) a partir da percepção dos integrantes das famílias. Foram realizadas entrevistas estruturadas com 41 adultos encaminhados para terapia familiar. Os resultados do estudo demonstram que as famílias convivem com os problemas por um longo período de tempo antes de chegar à terapia familiar. A maior parte das queixas está centrada nos filhos, no entanto as causas dessas queixas são atribuídas pelos participantes a dificuldades no exercício parental.

O artigo internacional em língua estrangeira, As relações entre temperamento e as funções executivas em crianças 6 e 7 anos de idade, de Florencia Stelzer, María Laura Andrés e Sebastián Urquijo, tem por objetivo analisar a relação entre temperamento e as funções executivas de controle inibitório, memória de trabalho, planejamento e tomada de decisão em crianças do primeiro ano do Ensino Básico. Um grupo de 289 crianças da cidade de Rosário, na Argentina, com idade média de 80,94 meses, com desvio padrão de 3,75 meses, foi avaliado. Os resultados indicaram que aquelas crianças com maior capacidade de autorregular a sua reatividade temperamental apresentam melhor desempenho no planejamento em comparação a crianças com maiores dificuldades para se autorregular. No entanto, não foram observadas relações entre temperamento e memória de trabalho, inibição perceptual e tomada de decisão.

Em seguida, o artigo Clínica nos bastidores: o trabalho com os pais na clínica psicanalítica com crianças, de Jamille Mateus Wiles e Andrea Gabriela Ferrari, parte do entendimento que a experiência da clínica psicanalítica com crianças traz consigo o constante questionamento sobre seus obstáculos e especialmente sobre a ética da psicanálise, implicando a reflexão acerca de questões que algumas vezes são evitadas, como a presença e o trabalho com os pais no tratamento. Utilizando três recortes clínicos como disparadores, tentou-se contornar algumas especificidades dessa clínica considerando a noção de constituição psíquica, demanda e transferência. Na esteira desses conceitos, alguns questionamentos foram trazidos sobre possíveis intervenções com aqueles que estão nos bastidores da cena clínica: os pais.

Finalizando a seção temática, o artigo Clínica dos primórdios e processos de simbolização primários, de Silvia Maria Abu-Jamra Zornig, traz uma reflexão sobre a clínica dos primórdios, o que permite, segundo a autora, revisitar as concepções psicanalíticas sobre a constituição do sujeito e ressaltar a importância das relações intersubjetivas na constituição do psiquismo, apontando para uma articulação entre a dimensão pulsional e a qualidade das relações entre sujeito e objeto no início da vida. Buscou-se, também, ampliar a noção de representação para nela incluir as experiências sensoriais e não verbais do bebê, visto que a subjetividade se constrói ao longo de um processo cujo elemento fundamental é a experiência compartilhada com o outro. Importantes para essa reflexão foram as contribuições de R. Roussillon e A. Green, que apontam para dois elementos que devem se articular para favorecer os processos de simbolização primários: a qualidade de presença continente e sensível do objeto, assim como a importância da constituição do negativo, resultante do apagamento do objeto primário e de sua transformação em estrutura enquadrante. Nesse sentido, se a presença do objeto é imprescindível para possibilitar a representação de sua ausência, o trabalho do negativo é igualmente fundamental para permitir a instauração dos limites entre interno/externo e entre as instâncias psíquicas.

Abrindo a seção livre, apresentamos o artigo Desempenho cognitivo em pacientes com Transtorno de Personalidade Borderline com e sem histórico de tentativas de suicídio, de Edilson Pastore e Carolina Lisboa. O estudo teve como objetivo avaliar o desempenho cognitivo, a impulsividade e a ideação suicida em 82 (M=31,80; DP=0,96) pacientes internados em uma clínica psiquiátrica de Porto Alegre, RS. Os pacientes foram divididos em dois grupos, sem (G1=33) e com histórico de tentativa de suicídio (G2=49), nos quais foram aplicados os seguintes instrumentos: a Escala Wechsler de Inteligência para adultos (WAIS III), a Escala Barratt de Impulsividade (BIS), a Escala Beck de Suicídio (BSI), a Escala FAST e um questionário sobre dados sociodemográficos. Os resultados sugerem similaridades entre os grupos de pacientes com e sem histórico de suicídio, representando um alerta e um desafio. Evidências acerca da impulsividade corroboram dados de estudos anteriores, assim como o que se refere às comorbidades identificadas.

A seguir, o artigo Síndrome de Burnout: indicadores para a construção de um diagnóstico, de Liciane Diehl e Mary Sandra Carlotto, aponta esta síndrome como um problema social de grande relevância, utilizando o estudo de caso como método de investigação. Os dados provenientes das entrevistas foram agrupados em quatro categorias de análise: Ilusão pelo Trabalho, Desgaste Psicológico, Indolência e Culpa, que refletem as dimensões do modelo proposto por Gil-Monte (2005). Como conclusão, aponta-se a necessidade de esclarecimento sobre os sintomas e sinais da síndrome ao trabalhador, assim como a dos profissionais de saúde para seu correto diagnóstico. Sugere-se planejar medidas de intervenção eficazes, principalmente informativas sobre seus fatores de risco, possibilidades de afastamento para tratamento e compensação financeira.

O artigo Anorexia e pulsão: enlaces e desenlaces entre o sujeito e o Outro, de Dayane Costa de Souza Pena e Roberto Calazans, apresenta a anorexia como um sintoma que coloca em cena as particularidades do sujeito em relação à alimentação, corroborando que esta não se reduz a um ato de ingerir nutrientes para satisfazer uma necessidade biológica e garantir a sobrevivência do organismo, pois tem uma função erótica para o sujeito por implicar um direcionamento ao Outro. O sujeito lida não com uma satisfação instintual, ligada às necessidades, e sim com uma exigência de satisfação que é pulsional.

Ainda sobre anorexia, o artigo Psicoterapia individual em um caso grave de anorexia nervosa: a construção da narrativa clínica, de Daniel Magalhães Goulart e Manoel Antônio dos Santos, tem por objetivo discutir os limites e possibilidades da intervenção psicoterápica individual em um caso grave de anorexia nervosa por meio da construção da narrativa clínica focada no desenvolvimento de recursos da paciente para lidar com seus conflitos. Utilizou-se como estratégia metodológica o estudo de caso e o enfoque psicodinâmico como referencial teórico para condução do processo terapêutico e análise dos dados. O caso foi seguido em contexto ambulatorial, sendo destacado por sua relevância clínica e implicações terapêuticas. O processo psicoterapêutico desdobrou-se em profícuo espaço relacional, que favoreceu a superação de dificuldades psicológicas, promovendo transformações nas condições de vida da paciente.

O artigo O lugar da toxicomania na economia da dor psíquica, de Patricia Rutsatz e Mônica Medeiros Kother Macedo, apresenta a problemática do abuso de substâncias lícitas e ilícitas no cenário contemporâneo, evidenciando o recurso compulsivo à intoxicação como uma forma precária de enfrentar o mal-estar. Buscou-se abordar a relação entre a toxicomania e as modalidades de economia psíquica predominantes na sociedade contemporânea. Para tanto, foram retomados os conceitos freudianos de "experiência de satisfação" e "experiência de dor" como vivências constitutivas do humano. Explora-se a intensidade traumática que dá a essas experiências um caráter predominantemente destrutivo na estruturação do Eu e em seus investimentos psíquicos.

Finalizando a seção livre, o artigo O sujeito da psicanálise e o sujeito da ciência: Descartes, Freud e Lacan, de Ingrid Vorsatz, parte da problematização proposta por Lacan acerca do sujeito da psicanálise enquanto o correlato antinômico do sujeito da ciência moderna, procurando destacar os elementos que constituem o cerne de sua argumentação. O sujeito da ciência emerge da démarche cartesiana conhecida como o cogito no momento em que o procedimento metodológico da dúvida encontra seu ponto de basta numa asserção insofismável: "sou". O sujeito da psicanálise, suposto ao inconsciente (das Unbewusste), inferido por Freud a propósito do elemento duvidoso do sonho, é tributário do procedimento cartesiano. A certeza é o ponto para o qual convergem os encaminhamentos de Descartes e Freud. Mas enquanto o primeiro recua e institui Deus como garante da verdade, o fundador da psicanálise avança exortando o sujeito a se responsabilizar por aquilo que advém como injunção inconsciente.

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