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Psicologia Clínica

Print version ISSN 0103-5665On-line version ISSN 1980-5438

Psicol. clin. vol.27 no.2 Rio de Janeiro  2015

 

SEÇÃO LIVRE

 

Desempenho cognitivo em pacientes com Transtorno de Personalidade Borderline com e sem histórico de tentativas de suicídio

 

Cognitive performance in patients with Borderline Personality Disorder with and without history of suicide attempts

 

Desarrollo cognitivo en pacientes con Trastorno de Personalidad Borderline con y sin histórico de tentativas de suicidio

 

 

Edilson PastoreI; Carolina LisboaII

IClínica Pinel, Porto Alegre, RS, Brasil
IIPontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil

 

 


RESUMO

Este estudo teve como objetivo avaliar o desempenho cognitivo, a impulsividade e a ideação suicida em 82 (M=31,80; DP=0,96) pacientes internados em uma clínica psiquiátrica de Porto Alegre, RS. Os pacientes foram divididos em dois grupos, sem (G1=33) e com histórico de tentativa de suicídio (G2=49). Foram aplicados os seguintes instrumentos: a Escala Wechsler de Inteligência para adultos (WAIS III), a Escala Barratt de Impulsividade (BIS), a Escala Beck de Suicídio (BSI), a Escala FAST e um questionário sobre dados sociodemográficos. Os resultados não apontam diferenças significativas entre os dois grupos no que se refere ao QI total e às funções executivas. Os níveis de impulsividade, assim como a ideação suicida mostraram-se mais elevados no grupo de pacientes com histórico de tentativas de suicídio, especialmente nos pacientes com idade inferior a 30 anos. Entre as comorbidades, verificou-se que a dependência química foi a de maior prevalência, seguida do transtorno de humor bipolar e depressão. Os resultados sugerem similaridades entre os grupos de pacientes com e sem histórico de suicídio, representando um alerta e um desafio. Evidências acerca da impulsividade corroboram dados de estudos anteriores, assim como o que se refere às comorbidades identificadas.

Palavras-chave: Transtorno de Personalidade Borderline; desempenho cognitivo; suicídio.


ABSTRACT

The objective of this study was to assess cognitive performance, impulsivity, and suicidal ideation in 82 (M=31.80; SD=0.96) inpatients of a psychiatric clinic in Porto Alegre, RS. Patients were divided into two groups without (G1=33) and with a history of suicide attempt (G2=49). We administered the following instruments: the Wechsler Adult Intelligence Scale (WAIS III), the Barratt Impulsiveness Scale (BIS), the Beck Scale for Suicide Ideation (BSI), the FAST Scale, and a questionnaire on sociodemographic data. The results showed no significant differences between the two groups with respect to total IQ and executive functions specifically. The levels of impulsivity, as well as suicidal ideation, were higher in patients with a history of suicide attempts, especially in patients younger than 30 years. Considering the comorbidities, we found that chemical dependency showed the highest prevalence, followed by bipolar disorder and depression. The results demonstrated that the similarities between the groups of patients with and without a history of suicide attempt constitute a warning and a challenge. Evidences toward impulsivity confirm previous studies, as well as what refers to comorbidities identified.

Keywords: Borderline Personality Disorder; cognitive performance; suicide.


RESUMEN

Este estudio tuve como objetivo evaluar el desarrollo cognitivo, la impulsividad y la ideación suicida en 82 (M=31,80; DP=0,96) pacientes internos en una clínica psiquiátrica de La ciudad de Porto Alegre, RS. Los pacientes fueran divididos en dos grupos, sin (G1 =33) y con histórico de tentativa de suicidio (G2=49). Han sido aplicados los siguientes instrumentos: la Escala Wechsler de Inteligencia para adultos (WAIS III), la Escala Barratt de Impulsividad (BIS), la Escala Beck de Suicidio (BSI), la Escala FAST y un cuestionario sobre datos socio demográficos. Los resultados no muestran diferencias significativas entre los dos grupos no que se refiere al QI total e las funciones executivas. Los niveles de impulsividad, así como la ideación suicida estaban más elevados en el grupo de pacientes con histórico de tentativas de suicidio, especialmente en los pacientes con edad inferior a 30 años. Entre las comorbilidades, si ha verificado que la dependencia química ha sido la de mayor prevalencia, seguida del trastorno de humor bipolar y depresión. Los resultados sugieren similitudes entre los grupos de pacientes con y sin histórico de suicidio lo que representa un alerta y un desafío. Evidencias acerca de la impulsividad corroboran datos de estudios anteriores, así como lo que se refiere a las comorbilidades identificadas.

Palabras clave: Trastorno de Personalidad Borderline; desarrollo cognitivo; suicidio.


 

 

O Transtorno de Personalidade Borderline (TPB) caracteriza-se por um padrão instável e intenso nos relacionamentos interpessoais, na autoimagem e na troca e expressão dos afetos, com início na adolescência e/ou nos primeiros anos da vida adulta, causando acentuados prejuízos em diversas áreas da vida do indivíduo (American Psychiatric Association [APA], 2002). Segundo Scott, Levy, Adamns Jr. e Stevenson (2011), o TPB é um transtorno crônico e debilitante, caracterizado por intensa instabilidade emocional, acentuada impulsividade, propensão para automutilações, problemas com a identidade pessoal e tendências para o suicídio. Autores como Grant, Stinson, Dawson, Chou e Ruan (2005) e Lenzenweger, Lane, Loranger e Kessler (2004) estimam que o TPB afete entre 1 a 6% da população geral, atingindo especialmente pessoas abaixo dos 35 anos de idade. Em populações clínicas e em internações psiquiátricas, o índice se eleva de 30 a 70% (APA, 2002; Arza et al., 2009; Judd, 2005; Monarch, Saykinn, & Flashman, 2004).

A relação entre comportamento suicida e funcionamento cognitivo de pacientes com TPB tem sido ainda pouco estudada (Le Gris & Van Reekum, 2006; Monarch et al., 2004) e praticamente inexistem estudos na América Latina sobre o tema. Assim, alguns autores têm procurado investigar associações entre suicídio, aspectos cognitivos e TPB (Le Gris & Van Reekum, 2006; Linhehan & Mazza, 2009; Zweig-Frank & Paris, 2002) em vários contextos. Dentre os pesquisadores interessados nessa temática, convém citar Burke e Stepp (2012), que realizaram uma pesquisa longitudinal com o objetivo de identificar preditores na infância e adolescência para o TPB. Participaram da pesquisa 142 crianças entre sete e 12 anos que apresentavam psicopatologias como transtorno de déficit de atenção, transtorno de oposição desafiadora, hostilidade, agressividade e dificuldades cognitivas. Os participantes foram acompanhados desde a infância até a idade adulta e foram avaliados no início da pesquisa, ao completar 18 anos e aos 24 anos de idade. Os resultados mostraram que as principais características psicopatológicas da infância e adolescência que poderiam levar ao desenvolvimento do TPB na vida adulta seriam a presença de oposição desafiadora sistematizada e a persistência de dificuldades emocionais e cognitivas.

Nessa mesma linha de pesquisa, Paris, Zelkowitz, Cuzder, Joseph e Feldman (1999) estudaram aspectos neuropsicológicos específicos em 94 crianças, sendo que 41 apresentavam indicadores relacionados a sintomas de TPB e 53 não apresentavam qualquer psicopatologia. Os autores evidenciaram que aqueles participantes com sintomas de TPB apresentaram também escores abaixo da média no teste de Wisconsin e no teste de performance motora contínua, ambos testes cognitivos que avaliam funções executivas. Dentro desse mesmo contexto, Soloff et al. (2012) apontam que disfunções cerebrais têm sido observadas em pacientes com TPB, especialmente em regiões límbicas, frontais e pré-frontais, possíveis de serem identificadas já na infância. Essas regiões cerebrais são responsáveis pela regulação das emoções, do comportamento impulsivo e, fundamentalmente, referem-se às funções executivas. Segundo esses pesquisadores, as funções executivas estão estreitamente relacionadas ao comportamento suicida, pois incluem memória de trabalho e tomada de decisão, predominantemente. Assim, prejuízos em funções executivas e na memória operacional aumentariam de forma significativa a propensão para o comportamento suicida.

Investigando prejuízos cognitivos em pacientes com TPB e a relação com áreas específicas do cérebro, Monarch, Saykin e Flashman (2004) identificam prejuízos frontais, pré-frontais e límbicos, sendo que essas regiões estão relacionadas à tomada de decisões e capacidade de avaliação e de julgamento das situações. Como descrito anteriormente, em estudo realizado por Soloff et al. (2012), utilizando ressonância magnética computadorizada cerebral, foram comparados 68 pacientes portadores de TPB com um grupo controle saudável. Os pacientes com TPB foram subdivididos em indivíduos com e sem tentativa de suicídio, diferenciando-se, também, o grau de letalidade dessas tentativas. Os resultados desse estudo identificaram problemas cerebrais em maior frequência e gravidade no grupo de tentadores de suicídio de alta letalidade, especificamente em regiões do córtex pré-frontal, temporal, giro do cíngulo, ínsula e amígdala, corroborando outros estudos (Le Gris & Van Reekum, 2006; Monarch et al., 2004) que também indicam que as tentativas de suicídio estão relacionadas com um déficit e empobrecimento do repertório cognitivo. Outro achado importante desse mesmo estudo se refere ao fato de que no grupo de pacientes com TPB que apresentaram tentativa de suicídio, as concentrações de massa cinzenta estavam significativamente diminuídas, sendo que aqueles pacientes que cometeram tentativas de suicídio de alta letalidade apresentaram alterações cerebrais ainda mais severas; especificamente em giro temporal, ínsula, giro fusiforme e giro para-hipocampal. Corroborando os achados anteriores, Le Gris, Links, Van Reekum, Tannock e Toplak (2012) observam uma variedade de déficits nas funções executivas em pacientes com TPB que podem estar associadas ao comportamento suicida. Em estudo realizado por esses autores foram examinadas funções cognitivas como a inibição motora, a memória de trabalho e a tomada de decisões em 42 mulheres com diagnóstico de TPB, comparando-as com grupo controle saudável. Os resultados não demonstraram diferenças significativas entre os dois grupos, exceto que nas pacientes com TPB a tomada de decisão se mostrou mais prejudicada que no grupo controle. Ainda na comparação entre o grupo de pacientes com TPB com e sem tentativa de suicídio não se identificou diferença significativa com relação à função cognitiva referente à tomada de decisão. Além disso, nesse estudo o preditor mais significativo para a efetivação do suicídio foi a presença de tentativas de suicídio prévias, o que também parece ser consenso na literatura científica sobre suicídio (Lieb, Zanarini, Schmahl, Linehan, & Bohus, 2004; Monarch et al., 2004).

Já no estudo realizado por Preissler, Dziobek, Ritter, Heekeren e Roepke (2010), comparando mulheres com TPB com um grupo controle, verificaram-se marcados prejuízos na cognição social, na regulação das emoções, dos impulsos e pensamentos. Esses autores também identificaram que quando o TPB ocorre simultaneamente com o transtorno de estresse pós-traumático, impulsividade e abuso sexual na infância, há maior risco de problemas na cognição e propensão para o comportamento suicida. Reforçando esses achados, Sternbach et al. (1992) afirmam que distorções cognitivas como visão do tudo ou nada, catastrofismo e dificuldade de avaliação adequada das situações são comuns em pacientes com TPB. Assim, a dificuldade na regulação dos afetos e dos impulsos pode levar ao comportamento suicida em virtude de problemas na tomada de decisões e no julgamento da realidade.

Segundo Zanarini, Laudate, Frankenburg, Reich e Fitzmaurice (2011), automutilações, tentativas de suicídio prévias e problemas na cognição constituem forte risco de morte para pacientes portadores de TPB. Em seu trabalho de investigação, foram avaliados 290 pacientes com TPB, elencando alguns preditores para risco grave de suicídio nessa população, tais como: sexo feminino, presença de sintomas dissociativos, transtorno de humor associado, especialmente depressão, história de abuso sexual na infância, ter sofrido violência sexual na vida adulta e, por último, a severidade das distorções cognitivas apresentadas. Já para Maloney, Degenhardt, Darke e Nelson (2009), os principais fatores de risco para suicídio em pacientes com TPB também incluem o fato de ser mulher, apresentar quadro de ansiedade e impulsividade, além de abuso de substâncias associado. Esses pesquisadores destacam, ainda, a necessidade de se avaliar os níveis de impulsividade em pacientes com TPB que tenham apresentado tentativa de suicídio prévia, pois esses pacientes estariam mais propensos a efetivar o suicídio, confirmando estatísticas que afirmam que um em cada dez pacientes com TPB comete o suicídio ao longo do curso da doença (Le Gris & Van Reekum, 2006; Monarch et al., 2004; Zweig-Frank & Paris, 2002). Convém salientar que esse índice é similar a patologias severas como esquizofrenia e depressão maior (Bertolote & Feischamnn, 2002).

No que se refere à presença de comorbidades, Carpinello, Lai, Piramba e Sarder (2011) afirmam que quando o TPB está associado ao transtorno de humor bipolar, aumentam-se três vezes as chances de suicídio, sendo o mesmo mais elevado quando o TPB apresenta comorbidade com qualquer outra psicopatologia (Dziobek et al., 2011). Dentre as comorbidades mais identificadas estão a dependência química, o transtorno de humor bipolar, a depressão e o transtorno de estresse pós-traumático (Lieb et al., 2004). Mesmo frente a todas essas evidências de estudos, pesquisas brasileiras ou latino-americanas que investiguem as relações entre funções cognitivas, comportamento suicida e TPB ainda são escassas. Assim, torna-se evidente a necessidade de estudos que avaliem aspectos cognitivos, níveis de impulsividade e de ideação suicida de forma mais aprofundada e detalhada em pacientes com TPB no nosso contexto, com vistas ao delineamento de práticas preventivas e também no âmbito clínico. Conforme sugerido por autores que trabalham e publicam dentro desse tema (Le Gris et al., 2012; Monarch et al., 2004; Le Gris & Van Reekum, 2006), a exploração das questões cognitivas e comportamentais, além de ainda necessitar de estudos e novas descobertas, é crucial para melhorar as formas de tratamento para essa população.

A dificuldade de tratamento, os abandonos frequentes dos mesmos e o alto índice de suicídio relacionado a esse transtorno motivam o desenvolvimento de estudos que revisem aspectos já conhecidos do TPB, assim como se concentrem em áreas ainda pouco exploradas, relacionadas a aspectos emocionais, mas também cognitivos. Dessa forma, este estudo tem como objetivo investigar o desempenho cognitivo, os níveis de impulsividade e a ideação suicida de pacientes diagnosticados com TPB com e sem histórico de tentativas de suicídio, internados em uma clínica psiquiátrica de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil.

 

Método

Delineamento

Foi realizado um estudo transversal, quantitativo e de comparação entre grupos.

Participantes

Para determinação do tamanho de amostra utilizou-se como base os dados apontados por Le Gris e Van Reekum (2006), onde foram detectadas diferenças nas pontuações médias das subescalas da WAIS III entre investigados com e sem histórico de suicídio variando, de modo geral, entre 15 e 45%. Assumindo que nos grupos a serem investigados a diferença entre as médias esteja contida no intervalo entre 15 a 20% e considerando um nível de significância de 5% (α=0,05) e um poder de 80% (1-β), o tamanho mínimo de amostra foi estimado em 34 ou 49 pacientes por grupo, totalizando um mínimo de 68 sujeitos até 98 investigados. Os cálculos foram realizados através do programa Stata 8.0. Assim, a amostra foi composta por 82 participantes, sendo 30 homens (36,6%) e 52 mulheres (63,4%), idade entre 18 a 59 anos (M=31,80; DP=0,96) com diagnóstico de Transtorno de Personalidade Emocionalmente Instável segundo os critérios constantes na CID-10 (OMS, 1999). Todos os participantes estavam internados em uma clínica psiquiátrica particular, localizada na cidade de Porto Alegre, RS. Foram excluídos os pacientes que apresentaram diagnósticos de demência, esquizofrenia, dependentes químicos com menos de sete dias de abstinência e psicoses agudas.

Quanto ao nível de escolaridade, 11 (13,8%) possuíam o ensino fundamental completo, 42 (51,5%) ensino médio, 23 (28,8%), ensino superior e 4 (5,0%) possuíam pós-graduação concluída. No que se refere à situação ocupacional, 27 (32,9%) estavam desempregados, 26 (31,7%) possuíam emprego formal, 22 (26,8%) estavam em benefício de saúde, 6 (7,3%) tinham emprego informal e 1 (1,2%) era aposentado. Com relação ao nível socioeconômico, de acordo com o número de salários mínimos informados pelos participantes, 12 (14,6%) eram de nível socioeconômico baixo, 63 (76,8%) indicaram nível socioeconômico médio e 7 (8,5%) apresentam nível socioeconômico alto. Referente ao estado civil, 50 (61,7%) estavam solteiros, 12 (14,8%) eram casados, 11 (13,6%) estavam em união estável e 8 (9,9%) eram divorciados. Entre os participantes, 48 (58,5%) não tinham filhos e 34 (41,5%) tinham um ou mais filhos.

Do total da amostra (N=82), apenas 7 (8,5%) não apresentavam comorbidades associadas ao TPB. As patologias identificadas foram: dependência química em 39 (48,8%) participantes, transtorno de humor bipolar em 37 (45,1%), depressão em 26 (31,7%), TDAH em 5 (6,1%), transtorno de ansiedade em 5 (6,1%) e psicoses em 2 (2,4%). Em relação ao uso de medicação, apenas 2 (2,4%) dos pacientes não estavam utilizando nenhuma medicação na época em que foram avaliados, sendo que os principais fármacos utilizados foram antipsicóticos, por 32 (39,0%), antidepressivos por 26 (31,7%), estabilizadores de humor por 16 (19,5%), benzodiazepínicos por 25 (30,5%) e outros tipos por 16 (19,51%) participantes. A Tabela 1 resume as comorbidades apresentadas e os tipos de medicações utilizadas pelos participantes.

 

 

Em relação ao uso de drogas, 41 (51,3%) dos participantes referiram não utilizar e 39 (48,8%) relataram uso recente, mas contavam com no mínimo sete dias de abstinência no momento da avaliação. A droga de escolha mais identificada foi a cocaína por 28 (34,1%) participantes, uso de maconha foi referido por 25 (30,5%), o álcool era droga de escolha de 23 (28,0%), o crack era utilizado por 6 (7,3%) participantes e o abuso de medicamentos foi referido por 6 (7,3%) participantes. Quanto ao motivo da internação atual, 23 participantes (28%) internaram por tentativa de suicídio, sendo que, desses, 3 (13,0%) foram internados por ideação suicida grave com plano, 2 (8,7%) por automutilações, 8 (34,8%) por ingestão excessiva de medicação e 10 (43,5%) por outras maneirais, tais como tentativas letais com armas de fogo, enforcamento e jogar-se de prédios.

 

Instrumentos

Ficha de dados sociodemográficos

Na ficha de dados sociodemográficos, elaborada para os fins da presente pesquisa, foram investigadas características como: sexo, idade, escolaridade, nível socioeconômico, estado civil, uso de medicação, comorbidades, doenças clínicas, história familiar de doença mental e suicídio e uso de drogas.

Checklist segundo o CID-10

O checklist, segundo o CID 10 (OMS, 1994), é um instrumento semiestruturado que tem por objetivo auxiliar os profissionais a detectar sinais e síndromes psiquiátricas nas categorias de F0 a F6 do CID-10. Neste estudo, foi aplicado apenas o módulo F6, que é direcionado para transtornos da personalidade e, mais especificamente, para o subtipo Emocionalmente Instável, que corresponde ao TPB do DSM-IV (APA, 2002). Durante a aplicação do checklist, são verificados os principais sintomas do transtorno, sendo que, para confirmar o diagnóstico, o participante deve preencher cinco dos nove critérios do módulo emocionalmente instável.

Escala de Inteligência Wechsler para adultos (WAIS-III)

A Escala de Inteligência Wechsler para adultos (Wechsler, 2004) é utilizada para investigação do desempenho cognitivo em indivíduos com idades entre 16 a 89 anos. É formada por 14 subtestes, possibilitando a mensuração do QI verbal, QI de execução e QI total, podendo ainda fornecer informações sobre aspectos cognitivos de outros quatro domínios: compreensão verbal, memória operacional, organização perceptual e velocidade de processamento. Neste estudo, foram aplicados 11 subtestes, cinco da escala de execução e seis da escala verbal permitindo assim a extração dos respectivos Q.I.s (α total=0,881).

Escala Barratt de Impulsividade (BIS-11)

A Escala Barratt de impulsividade (Malloy-Diniz, Fuentes, Mattos, & Abreu 2010) é um instrumento de autorrelato composto por 30 itens que descrevem comportamentos e pensamentos que são avaliados pelos respondentes. É uma escala de tipo likert, cada um com quatro alternativas, subentendendo graus crescentes de gravidade, com escores 1 (raramente/nunca), 2 (às vezes), 3 (frequentemente) e 4 (sempre ou quase sempre). A pontuação da escala varia de 30 a 120 pontos e o escore total é o resultado da soma dos escores individuais dos itens, identificando níveis distintos de comportamento impulsivo. Além de um escore global, a escala permite o cálculo de escores parciais referentes a três subdomínios da impulsividade: a impulsividade motora (itens 2, 3, 4, 16, 17, 19, 21, 22, 23, 25 e 30), a impulsividade atencional (itens 6, 5, 9, 11, 20, 24, 26, 28) e a impulsividade por não planejamento (itens 1, 7, 8, 10, 12, 13, 14, 15, 18, 27, 29). α=0,438.

Escala de Ideação Suicida de Beck (BSI)

A Escala de Ideação Suicida de Beck (Cunha, 2001) é um instrumento de autorrelato que investiga a presença de ideação suicida e mede a extensão da motivação e planejamento do comportamento suicida em pacientes psiquiátricos com idades entre 17 e 80 anos. É composto por 19 itens, com alternativas pontuadas como 0 (ausência total de indicador), 1 (presença de indicador moderado) e 2 (presença de indicador grave), além de dois itens complementares, que não são incluídos no escore final, totalizando assim 21 itens. Investiga a presença de ideação suicida e sua gravidade, planos e desejos de suicídio. Os dois últimos itens informam sobre tentativas prévias de suicídio. O escore total é o resultado da soma dos escores individuais dos itens. (α=0,882)

Escala FAST

A escala The Functioning Assessment Short Test (FAST) é composta por 24 itens que avaliam prejuízos em seis áreas psicossociais específicas: autonomia, trabalho, cognição, finanças, relações interpessoais e lazer. A pontuação é determinada pela soma dos itens que variam de zero, indicando ausência de prejuízos, a três, indicando prejuízo máximo (Cacilhas et al., 2009).

Prontuário da internação

O prontuário do participante durante a internação também foi utilizado para identificar a presença de comorbidades associadas ao TPB. Trata-se de um prontuário eletrônico, que contempla os registros dos atendimentos realizados por diversos profissionais durante o período de internação do paciente. A clínica psiquiátrica autorizou sua revisão, fornecendo o termo de cessão de dados.

 

Procedimentos

O projeto de pesquisa foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade onde o estudo foi desenvolvido e teve sua aprovação no dia 18 de maio de 2012, sob o número do processo 12/002. Para a realização da coleta de dados, todos os pacientes que internaram na clínica psiquiátrica com diagnóstico confirmado de TPB foram convidados a participar do estudo. O diagnóstico de TPB foi confirmado a partir da avaliação psiquiátrica, com a presença do diagnóstico de CID F60.31. Os pacientes que aceitaram participar do estudo tiveram todas as suas dúvidas esclarecidas e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, informando seu consentimento. Em seguida, foi aplicada a ficha de dados sociodemográficos. Os demais instrumentos - o checklist de sintomas da CID-10 para Transtorno da Personalidade Emocionalmente Instável, o WAIS-III, a Escala de Ideação Suicida de Beck, a Escala Barratt de Impulsividade e a Escala FAST - foram aplicados em ordem aleatória, objetivando minimizar o cansaço e evitar influência da ordem das respostas. A aplicação de todos os instrumentos foi realizada individualmente, em sala adequada da Instituição. Foram realizados de 3 a 5 encontros com cada participante para a aplicação dos instrumentos. Durante a aplicação do TCLE, foram explicados os objetivos e procedimentos do estudo, enfatizando que a participação era voluntária e que os participantes poderiam retirar o seu consentimento a qualquer momento, sem prejuízo no atendimento padrão oferecido pela clínica. Além disso, foi assegurado que seria preservado o anonimato dos participantes.

 

Resultados

Em um primeiro momento, foram realizadas as estatísticas descritivas, verificando-se os escores da amostra em geral nos instrumentos utilizados. Abaixo, na Tabela 2, estão os valores mínimo e máximo, média e desvio padrão para as variáveis do estudo.

 

 

Para a análise inferencial, um primeiro procedimento foi separar os participantes em grupos, sendo que o grupo 1 (G1) foi composto por pacientes sem histórico de tentativas de suicídio e o grupo 2 (G2) por pacientes com histórico de tentativas de suicídio. O G1 foi constituído por 33 (40,2%) participantes, sendo 16 do sexo masculino e 17 do feminino e o G2 foi constituído por 49 (59,8%) participantes, sendo 14 do sexo masculino e 35 do sexo feminino. No G2, 21 (25,6%) pacientes fizeram uma tentativa de suicídio e 28 (34,1%) tentaram duas ou mais vezes.

Foi realizado o teste t de Student para verificar diferenças entre G1 e G2 no que se refere às variáveis estudadas. Não foram encontradas diferenças significativas entre os sexos quando comparados G1 e G2, porém o teste de Qui-quadrado identificou uma tendência das mulheres a apresentarem maior porcentagem de tentativa de suicídio que os homens (x²=3,370 p<0,06). Com relação aos níveis de impulsividade (BIS-11), observou-se diferença significativa (t=2,28, p<0,03) em relação à idade da amostra, sendo que os participantes com menos de 30 anos de idade apresentaram médias maiores quando comparados aos participantes com idade superior a 31 anos. Na subescala de planejamento, também foram identificadas diferenças significativas (t=2,43, p<0,02) em relação à idade, sendo que os participantes com menos de 30 anos de idade tiveram níveis mais elevados de impulsividade (menores de 30 anos M=30,26; DP=3,00 e maiores de 31 anos M=28,48; DP=3,50).

Ao serem analisados os prejuízos nas áreas psicossociais (Escala FAST), identificou-se diferença significativa (t=2,55, p<0,05) quanto à utilização de medicamentos em relação ao fator "autonomia", sendo que os usuários de medicamentos mostraram-se menos autônomos que os não usuários. Identificou-se diferença significativa (t=2,84, p<0,05) também no fator "cognição", sendo que os usuários de medicamentos apresentaram médias inferiores aos não usuários. E ainda verificou-se diferença significativa (t=2,50, p<0,02) no escore total da escala FAST (ajustamento psicossocial), sendo que os usuários de medicamentos apresentaram médias inferiores aos não usuários (usuários de medicamentos M=28,11; DP=13,91 e não usuários de medicamentos M=53,0; DP=9,89).

Ao especificar os tipos de medicamentos, identificou-se que os participantes que faziam uso de antidepressivos apresentaram médias inferiores no fator "trabalho" da escala FAST (t=2,24, p<0,03), indicando dificuldades no trabalho para esses sujeitos. Também verificou-se diferença significativa (t=1,93, p<0,02) no fator "finanças", sendo que os usuários de medicamentos apresentaram médias inferiores que os não usuários nesse fator. Na Escala de Ideação Suicida de Beck (BSI), verificou-se diferença significativa (t=-6,96, p<0,01), entre os grupos G1 e G2. Participantes sem tentativa de suicídio apresentaram médias inferiores aos participantes com tentativa. Também houve diferença significativa (t=-2,87, p<0,01) na escala BSI quanto ao sexo, sendo que as mulheres mostraram médias mais elevadas que os homens. A Tabela 3 apresenta os resultados dos instrumentos utilizados comparando G1 e G2.

 

 

Foram calculadas correlações de Pearson entre as variáveis do estudo. Verificou-se correlação positiva entre a escala Barratt de Impulsividade e o fator "finanças" da escala FAST (r=-0,265, p<0,05). Esse dado indica que quanto mais impulsividade menos finanças e quanto menos finanças mais impulsividade. Identificou-se correlação negativa entre "impulsividade motora" e o fator "lazer" da escala FAST (r=-0,247, p<0,05). Esse dado indica que quanto mais impulsividade motora, menos lazer e vice-versa. Também se verificou correlação negativa entre "impulsividade atencional" e o fator "autonomia" da escala FAST (r=-0,266, p<0,05) bem como em relação ao fator "trabalho" da mesma escala (r=-0,237, p<0,05). Esses dados indicam que quanto mais impulsividade atencional, menos a pessoa é autônoma e também quanto menos a pessoa for autônoma, mais impulsiva pode se tornar. Além disso, quanto mais impulsividade atencional, menos trabalho e quanto menos trabalho, mais impulsividade atencional.

No que se refere ao WAIS-III e seus subtestes, foram encontradas correlações negativas entre "impulsividade por não planejamento" e a escala de "semelhanças" (r=-0,245, p<0,05) e a escala de "informação" (r=-0,234, p<0,05). Esses dados indicam que quanto mais impulsividade por não planejamento, menos capacidade o indivíduo tem para estabelecer semelhanças e quanto menor a capacidade de planejamento, mais impulsivo se torna. Além disso, quanto mais impulsividade por não planejamento, menos informação e quanto menos informação, mais impulsividade por não planejamento. Através de uma ANOVA, identificaram-se diferenças significativas entre os níveis de escolaridade e o escore total do WAIS-III (F=4,89 p<0,01), escala de "execução" (F=3,08 p<0,03) e a escala "verbal" (F=5,38 p<0,01). De acordo com esses resultados, pacientes com ensino fundamental completo apresentaram médias mais baixas nessas escalas quando comparados a pacientes com ensino médio, ensino superior e pós-graduação. Em relação às comorbidades apresentadas pelos participantes, o teste t de Student apontou diferença significativa (t=2,09, p<0,05) entre grupo de pacientes com e sem diagnóstico de depressão no fator referente a "relações interpessoais" da escala FAST. Participantes com diagnóstico de depressão apresentaram médias inferiores nesse fator quando comparados a participantes sem diagnóstico de depressão (participantes com diagnóstico de depressão M=4,80; DP=3,94 e participantes sem o diagnóstico de depressão M=7,10; DP=4,67).

 

Discussão

Em relação aos dados sociodemográficos, a amostra estudada vai ao encontro do que preconiza a literatura, na medida em que se observam pacientes jovens com TPB, com média de idade em torno de 31 anos. Autores que estudam o assunto concordam que o TPB tende a entrar em remissão progressiva a partir da quarta década de vida, podendo chegar, em alguns casos, a níveis não clínicos de psicopatologia (Links, 2007; Links, Heslegrave, & Van Reekum, 1999; Soderberg, Kullgren, & Renberg, 2004). Desse modo, a amostra estudada enquadra-se dentro do preconizado pela literatura em relação à idade na qual o transtorno é mais frequente.

Observa-se que o grau de escolaridade dos participantes do estudo centralizou-se nos níveis fundamental e médio, corroborando também a literatura. Para esses pacientes, é difícil avançar para níveis superiores de escolaridade, o que pode ser explicado pela instabilidade que é própria do TPB, dificultando o seguimento e a manutenção em ambientes educacionais (APA, 2002; Arza et al., 2009; Kaplan, Sadock, & Greeb, 2007). O pior desempenho apresentado pelos pacientes na área verbal do teste de WAIS-III demonstra que a escolaridade está diretamente ligada a melhores escores nessas escalas, constatando-se que quanto mais baixa a escolaridade de uma pessoa, mais baixo será seu desempenho na área verbal, uma vez que a mesma trata de conhecimentos adquiridos.

A respeito da situação conjugal, a maioria dos pacientes era formada por solteiros ou divorciados, refletindo, possivelmente, a dificuldade dessa população em vincular-se e manter-se em uma relação estável devido a características do próprio transtorno, tais como oscilações de humor, impulsividade e tendência a não confiar nas pessoas, oscilando entre extremos de idealização e desvalorização (Kernberg, 1991). Assim, consequentemente, esses indivíduos podem contar com uma rede de apoio mais restrita, o que empobrece seu repertório de habilidades sociais e pode ser um complicador para os tratamentos e adequada inserção social dos mesmos. Nessa mesma linha de pensamento, também se verificou muitos pacientes em situação de desemprego, trabalhando na informalidade ou em benefício de saúde, o que também corresponde ao perfil descrito de pacientes com TPB, uma vez que esse transtorno afeta diretamente os relacionamentos sociais e pessoais, em função de, dentre outras características, uma baixa tolerância à frustração, sendo este aspecto marcante nessa patologia (Gabbard & Wilkinson, 1994; Kernberg, 1991; Paris, 2012).

Contrariamente ao esperado e retratado em alguns estudos internacionais, não se verificou diferença significativa em termos de QI total entre os participantes sem histórico de tentativa de suicídio e aqueles com histórico de tentativa de suicídio. Esse dado vai ao encontro aos resultados de Le Gris et al. (2012), que em seu estudo também não observaram diferença significativa entre esses grupos de pacientes estudados, à exceção de que o grupo de tentadores de alta letalidade apresentou maiores prejuízos cognitivos que os tentadores de baixa letalidade; variável que este trabalho não se propôs verificar. No entanto, as pesquisas desses autores não deixam claras quais eram as comorbidades envolvidas na amostra pesquisada, nem tampouco se os pacientes estudados estavam ou não internados, sendo que esses fatores podem ter dificultado a observação das diferenças cognitivas no presente estudo. Comorbidades podem prejudicar ainda mais o desempenho cognitivo de pacientes com TPB, a exemplo do transtorno de humor bipolar e da dependência química, que apresentam curso cognitivo claramente deteriorante. Ainda, na comparação entre os participantes com e sem tentativa de suicídio, quanto à área de performance do teste de WAIS-III, que avaliou as funções executivas, não se observou diferença significativa em termos de QI, o que no estudo revisional de Le Gris e Van Reekum (2006) aparece como sendo uma tendência. O fato de não haver diferença em termos de QI entre os participantes com e sem histórico de tentativas de suicídio pode estar relacionado ao alto risco de suicídio relacionado ao TPB, indicando que os participantes que até o momento da avaliação não haviam tentado suicídio possam vir a fazê-lo em algum momento, uma vez que há mais similaridades que diferenças entre a amostra (Linehan, 2010). Além disso, aspectos socioculturais brasileiros podem ter influenciado nos resultados da pesquisa, na medida em que os estudos existentes, comparando grupos de pacientes com TPB com e sem tentativa de suicídio, foram encontrados apenas nos Estados Unidos e na Europa (Arza et al., 2009; Le Gris & Van Reekum, 2006). Dessa forma, mais estudos devem ser realizados em nossa cultura para que se possa afirmar que há, de fato, um impacto cultural interferindo nos resultados desta pesquisa.

Quanto ao nível de impulsividade, indo ao encontro do que demonstra a literatura (Monarch et al., 2004), o grupo de pacientes com tentativas de suicídio apresentou índice mais elevado quando comparado ao grupo de não tentadores. Há um consenso de que quanto maior a impulsividade de um indivíduo, maior é o seu risco de suicídio. Dessa forma, os resultados da pesquisa estão de acordo com o que preconiza a literatura (APA, 2002; Linehan & Mazza, 2009; Links et al., 1999; Monarch et al., 2004). Também se observou que quanto mais impulsivo é um indivíduo, menos autonomia e menos lazer ele terá, assim como seu desempenho no trabalho também estará mais prejudicado. Consequentemente, menos finanças, conforme já constatado em outros estudos e na experiência clínica (Brodsky, Malone, Ellis, Dulit, & Mann, 2006; Gvion & Apter, 2011). Assim, conclui-se que a impulsividade interfere negativamente em vários aspectos da vida desses pacientes, acentuando inclusive o risco de suicídio.

Corroborando os achados atuais, os pacientes mais jovens apresentaram índices mais elevados de impulsividade, inclusive por não planejamento, o que indica que esses pacientes apresentam risco maior para ideação e tentativas de suicídio, na medida em que as duas variáveis, planejamento e impulsividade, podem potencializar os efeitos uma da outra. Da mesma forma, tais resultados indicam que há uma diminuição dos níveis de impulsividade e dos principais sintomas do TPB a partir da quarta década de vida, culminando, em alguns casos, com a remissão quase completa da sintomatologia (Zanarini, Frankenburg, Hennen, & Silk, 2003). Esse dado mostra que se os pacientes com TPB puderem chegar à quarta década de vida sem cometer suicídio, mesmo apresentando tentativas prévias, estarão em menor risco para sua consumação. Ainda em relação às tentativas de suicídio, os dados corroboram a literatura, indicando haver uma tendência maior em mulheres (Linehan & Mazza, 2009; Paris et al., 1999). Também foi possível constatar a confiabilidade da escala de ideação suicida de Beck (Cunha, 2001) como um instrumento adequado para identificação do risco de suicídio, mostrando-se a mesma com escores mais elevados no grupo de tentadores de suicídio.

Outro resultado relevante, que vai ao encontro da literatura, refere-se ao maior risco de suicídio em pacientes com TPB que apresentam comorbidade com transtorno de humor (Zanarini et al., 2011). A associação entre o TPB e os transtornos de humor parece ser um indicador de severidade maior para o quadro, além de maior risco para ideação e tentativas de suicídio, podendo aumentar o risco de suicídio em até três vezes (Carpinello et al., 2011). Corroborando os achados de Berk, Jeglic, Brown, Henriques e Beck (2007), verificou-se que o TPB está associado a inúmeras comorbidades e que estas interferem negativamente na evolução e no tratamento dessa população. No presente estudo, mais de 45% dos pacientes apresentava comorbidade com THB e mais de 31% apresentavam depressão, confirmando o que a literatura preconiza sobre a associação entre o TPB e várias outras psicopatologias (Carpinello et al., 2011; Lieb et al., 2004; Zanarini et al., 2011).

Em relação ao uso de medicamentos pela população estudada verificou-se que apenas dois participantes não faziam uso de algum psicofármaco à época da avaliação, denotando a gravidade da população que foi pesquisada, que se encontrava integralmente em regime de internação psiquiátrica. Esse alto índice de uso de medicamentos pode ser explicado pela associação do TPB com as inúmeras comorbidades associadas cujo tratamento é, predominantemente, psicofarmacológico, a exemplo do THB, depressão e as primeiras semanas de abstinência de substâncias químicas (Lieb et al., 2004).

 

Considerações finais

O TPB constitui-se como uma desordem emocional severa que atinge inúmeras áreas do funcionamento da vida do paciente. É consenso que características do próprio transtorno tais como a instabilidade emocional, as oscilações de humor, a ideação suicida, as automutilações, a impulsividade e os estressores ambientais interferem significativamente no curso e no tratamento dessa patologia. Mesmo com a utilização de instrumentos padronizados, validados e referenciados mundialmente, ainda se mostra difícil encontrar diferenças entre indivíduos com TPB, tanto para avaliação do risco de suicídio, quanto para alterações cognitivas que podem ser essenciais para ajustar tratamentos mais adequados.

Este trabalho teve como objetivo avaliar o desempenho cognitivo, os níveis de impulsividade e a ideação suicida de pacientes diagnosticados com TPB com e sem histórico de tentativas de suicídio. Em relação ao desempenho cognitivo, os resultados demonstraram que, com relação ao QI total, os valores encontrados não diferiram significativamente entre os participantes com e sem histórico de tentativas de suicídio, estando o mesmo um pouco mais baixo no grupo de pacientes com tentativas de suicídio. Em relação à impulsividade, o grupo de pacientes com tentativa de suicídio mostrou níveis mais elevados na Escala Barratt de Impulsividade, assim como na Escala de Suicídio de Beck, indicando maior risco tanto para tentativas como para a efetivação do suicídio.

O que se confirmou neste estudo e que também está amplamente respaldado pela literatura é a presença de tentativas de suicídio anteriores como um importante indicador para novas tentativas e para a consumação do próprio suicídio em pacientes com TPB. Este dado é preocupante, reforça a importância dos estudos e o desafio que representa o tratamento para esses pacientes. De acordo com Paris (2009), os pacientes com TPB suicidas são instáveis e inconstantes, e tanto as tentativas quanto a consumação do ato são bastante difíceis de serem preditas.

As limitações deste estudo centram-se principalmente na questão de que toda a amostra de pacientes estava internada em unidade psiquiátrica, constituindo assim uma parcela da população de pacientes com TPB mais grave, necessitando de cuidados intensivos e apresentando riscos iminentes. O fato de esta amostra também apresentar variadas comorbidades, como THB, depressão e dependência química, também pode ter influenciado os resultados, pois algumas dessas patologias apresentam curso grave e deteriorante se sobrepondo clinicamente ao TPB. A abstinência de substâncias, por exemplo, no caso dos dependentes químicos, e as dificuldades no manejo e na aplicação dos instrumentos em pacientes muito deprimidos ou em exaltação maníaca nos transtornos de humor podem ter sido variáveis que interferiram dinamicamente nos resultados.

Em virtude da heterogeneidade, da complexidade de suas manifestações e especialmente da sua associação com inúmeras comorbidades, o TPB é uma desordem de personalidade que demanda mais estudos que investiguem aspectos cognitivos, assim como comportamentais, sociais, familiares, entre outros. Embora exista um número considerável de estudos e adequada literatura, ainda são escassos estudos latino-americanos e especificamente brasileiros que investiguem esse transtorno e todos os aspectos que com ele se inter-relacionam. Dessa forma, sugere-se novas pesquisas no Brasil a fim de identificar maneiras mais adequadas e eficazes de tratar essa parcela da população que se coloca constantemente em risco tanto para automutilações e tentativas de suicídio, quanto para a efetivação do próprio suicídio. Devido à variação na intensidade dos déficits cognitivos em pacientes com TPB, o perfil neuropsicológico pode suportar ações de reabilitação cognitiva, aprimorando o tratamento dessa doença e, em adição, assegurando um prognóstico mais favorável e melhores índices qualidade de vida nessa população.

 

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Recebido em 07 de setembro de 2013
Aceito para publicação em 14 de agosto de 2014

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