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Psicologia Clínica

versão impressa ISSN 0103-5665versão On-line ISSN 1980-5438

Psicol. clin. vol.28 no.2 Rio de Janeiro  2016

 

Editorial

 

 

O número 28.2 da Revista Psicologia Clínica reúne 9 artigos em duas seções, incluindo uma contribuição internacional, e aborda o tema Psicanálise: teoria e clínica. A seção temática agrupa artigos com abordagem psicanalítica, contemplando estudos teóricos e teórico-clínicos. Alguns dos estudos apresentados nesse número destacam a dimensão política da psicanálise e suas interlocuções com outros campos de saber, reafirmando a missão da revista de priorizar o pensamento crítico-reflexivo numa perspectiva de clínica ampliada.

O artigo que inicia a seção temática, Clivagem traumática e processos de simbolização, das autoras Renata Machado Mello (UFRJ) e Regina Herzog (UFRJ), se propõe investigar o modo específico de funcionamento psíquico diante do excesso pulsional, a partir da noção de clivagem em sua dimensão traumática. Inscrita na reviravolta conceitual dos anos 20, a clivagem ganha essa referência a um transbordamento pulsional. Parte-se do pressuposto de que as ações da clivagem recaem sobre as experiências psíquicas que não alcançaram o status de representação. Discute-se sobre a possibilidade de se pensar os processos de simbolização para além do universo representativo, examinando as formas de insistências dos aspectos clivados da subjetividade.

O segundo artigo apresentado na seção temática, Do feto ao bebê: Winnicott e as primeiras relações materno-infantis, de Sergio Gomes da Silva (UFRJ), analisa as primeiras relações materno-infantis a partir de três proposições teóricas: o trauma do nascimento, a observação de bebês em útero com o advento da ultrassonografia e o método de observação de bebês na prevenção de traumas psíquicos. Essas teorias são analisadas através do referencial teórico de Donald W. Winnicott, a partir da teoria do desenvolvimento emocional primitivo e do conceito de memória corporal, as quais enfatizam as experiências intrauterinas sentidas pelo feto e o contato do bebê com a mãe em termos da fisicalidade dos corpos vivos, após seu nascimento.

Em seguida, o trabalho intitulado A leitura freudiana da política, de autoria de Joel Birman (UFRJ), pretende sublinhar a existência da problemática da política no discurso freudiano que, como uma invariante teórica, perpassa esse discurso como um todo. Empreende-se a crítica de um arquivo instituído na tradição psicanalítica pós-freudiana, segundo o qual a problemática da política foi silenciada. Assim, para relançar a relevância dessa problemática nesse discurso, o autor considerou necessário restaurar no arquivo freudiano outras linhas de força e linhas de fuga para explicitar devidamente o diálogo estabelecido por Freud com a tradição da filosofia política, de forma a evidenciar os registros do laço social, do contrato social e do poder nas suas relações com os registros da pulsão, do inconsciente e da transferência.

O artigo A pulsão de morte contra a pulsão de morte: a negatividade necessária, de Marianna T. de Oliveira, Monah Winograd e Isabel Fortes (PUC-Rio), aborda o conceito de pulsão de morte. Tradicionalmente definida como traumática, como o que esgarça a rede representacional e alimenta a compulsão à repetição, levando o psiquismo ao esgotamento e à dissolução, a pulsão de morte apresenta, mais profundamente, uma outra face que é preciso sublinhar e que constitui o objeto central desse artigo. Se ela realiza um trabalho do negativo, a negatividade que ela expressa impulsiona a subjetivação, pois sua atividade e seus efeitos são absolutamente necessários, entre outras coisas, para a construção do duplo limite psíquico (Green) e para a realização do primeiro trabalho psíquico verdadeiro (Rosenberg). Eis o paradoxo que as autoras pretendem investigar: somente através dos desligamentos, dos vazios, das divisões e das separações gerados pela pulsão de morte os processos de simbolização podem proliferar, se enriquecer e o psiquismo pode se complexificar.

O artigo intitulado A clínica psicanalítica com adolescentes: considerações sobre a psicoterapia individual e a psicoterapia familiar, de Maíra Bonafé Sei (UEL – Londrina) e Ana Carolina Zuanazzi (USP), destaca a adolescência como um período que demanda a elaboração psíquica de muitas perdas e construção de uma nova identidade. Frente a isso, diversos conflitos podem ser suscitados, sendo relevante o trabalho psicoterápico na promoção e manutenção da saúde emocional do adolescente. Alguns enquadres psicoterápicos podem se dar a partir da demanda identificada, como a psicoterapia em grupo, individual e familiar. Nesse trabalho, pretende-se discutir sobre as estratégias de intervenção empregadas no campo da adolescência a partir de experiências advindas da psicoterapia individual do adolescente e da psicoterapia de família, na qual o adolescente pode estar inserido. Trata-se de um estudo teórico-clínico, empreendido por meio de uma pesquisa qualitativa, com base no referencial psicanalítico e ênfase nas contribuições da teoria winnicottiana.

Finalizando a seção temática, o artigo Infância, adolescência e mal-estar na escolarização: interlocuções entre a psicanálise e a educação, de autoria de Luciana G. Coutinho (UFF) e Cristina Carneiro (UFRJ), é fruto de uma pesquisa realizada na interface da psicanálise com a educação. A partir da perspectiva psicanalítica e entendendo que a educação e a subjetivação humanas se dão no campo da linguagem, afirma-se que, na transmissão, reedita-se o processo inaugural de nascimento do sujeito, do qual participa sempre um outro/educador. Entretanto, constatando que tal processo é hoje fortemente orientado pelo discurso da ciência em detrimento da palavra autorizada de pais e profissionais da educação, propõe-se uma discussão acerca do referido mal-estar através do estudo de casos de crianças e adolescentes encaminhados ao serviço de psiquiatria (IPUB/UFRJ) pela escola, realizado nos moldes de uma pesquisa-intervenção.

Abrindo a seção livre, apresentamos o artigo O Caso de Augusto Strindberg: (re)visitando a patografia de Jaspers e a análise fenomenológica de Binswanger, de Lucas Guimarães Bloc (UNIFOR), Juliana Pita (UNIFOR), Virgínia Moreira (UNIFOR) e Mareike Wolf-Fédida (Université Denis Diderot – Paris 7). Nesse artigo, revisita-se a patografia de Strindberg, apresentada por Jaspers, e a análise fenomenológica, realizada por Binswanger, apresentando suas principais características e como esse caso ilustra as diferentes concepções desses autores. Jaspers se interessava pelos escritos autobiográficos de Strindberg por se tratar de um exemplo daquilo que apresenta acerca da inacessibilidade a uma compreensão psicológica da psicose e da compreensão processual do adoecimento. Binswanger, retornando à fenomenológica genética, realiza a análise da experiência delirante de Strindberg a partir de questões egológicas e corporais. São percursos distintos que, para além da distinção, refletem marcas da utilização inicial de uma lente fenomenológica por Jaspers que se efetivam posteriormente através de autores da Psicopatologia Fenomenológica, como o próprio Binswanger.

A seguir, o artigo Humanização da justiça ou judicialização do humano?, das autoras Camilla Felix Barbosa de Oliveira (UniNorte) e Leila Maria Torraca de Brito (UERJ), aborda o cenário atual das leis, no qual sentenças e procedimentos jurídicos passam a dar mais ênfase ao que se concebe em termos de valorização dos afetos, da felicidade e dos direitos dos sujeitos. Em nome da garantia desses últimos, edifica-se uma nova forma de operação do sistema de Justiça que, para muitos, seria mais humanizada. Tendo em vista tal conjuntura, o artigo traz os resultados de uma pesquisa na qual se analisou três materiais produzidos por instâncias do sistema de Justiça no ano de 2013: a Cartilha do Divórcio para os pais; a Cartilha da família – Não à alienação parental; e o roteiro Conte até 10 nas escolas. Por meio desse estudo é possível notar que as cartilhas analisadas, além de promoverem a gestão das emoções, dos relacionamentos e dos comportamentos dos sujeitos, têm produzido a judicialização dos atuais modos de subjetivação e de socialização, bem como a transformação dos sentidos dados às vivências cotidianas.

Finalizando a seção livre, o artigo An exploratory review in dementia and schizophrenia: overlapping, differences and psychodynamic personality, de autoria de Joana Henriques-Calado e Maria Eugénia Duarte-Silva (Universidade de Lisboa), aborda algumas das sobreposições e diferenças na demência e na esquizofrenia. A análise das diferenças entre uma estrutura psíquica de personalidade e os respectivos diagnósticos é o objeto de exploração dessa revisão. A angústia de fragmentação e a relação de objeto fusional apresentam-se relacionadas com a esquizofrenia e, por seu turno, a angústia de abandono e a relação de objeto anaclítica com a demência. Num continuum, a estrutura psicótica surge associada à esquizofrenia e a estrutura borderline à demência.

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