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Psicologia Clínica

versão impressa ISSN 0103-5665versão On-line ISSN 1980-5438

Psicol. clin. vol.28 no.3 Rio de Janeiro  2016

 

SEÇÃO LIVRE

 

Vivência psicossocial do cancro em pacientes sem fadiga oncológica – um estudo descritivo

 

Psychosocial experience of cancer in patients without cancer related fatigue – a descriptive study

 

Experiencia psicosocial del cáncer en pacientes sin fatiga-del-cáncer – un estudio descriptivo

 

 

Cláudia Carvalho Ng DeepI; Isabel LealII; Ivone PatrãoIII

IInstituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA) – Lisboa, Portugal
IIInstituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA) – Lisboa, Portugal
IIIInstituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA) – Lisboa, Portugal

 

 


RESUMO

Este estudo contribui para o conhecimento da vivência psicossocial de pacientes oncológicos sem fadiga oncológica, em radioterapia. Esses pacientes encaram o processo oncológico como um desafio e um meio de crescimento pessoal. É um estudo longitudinal descritivo, com uma amostra emparelhada (n=35), cujos sujeitos foram avaliados antes e após a radioterapia quanto a padrões de regulação emocional (Escala de ansiedade, depressão e stress), perceção e satisfação com o suporte social (Escala de satisfação com o suporte social), crenças (Questionário de pensamento e crenças, construído para o efeito), qualidade de vida (QLQ-C30) e resiliência (Escala de resiliência). O Teste de Wilcoxon para Amostras Emparelhadas (distribuição não normal) ou o Teste T para Amostras Emparelhadas (distribuição normal) permitiu perceber se as diferenças entre as médias obtidas em cada variável (entre antes e após a radioterapia) são ou não significativas (sendo p<.05 indicativo de diferenças significativas). Verifica-se que após o tratamento houve alteração na estabilidade emocional e social, com decréscimo da qualidade de vida e resiliência sem afetar significativamente o bem-estar global inicial. Conclui-se que indivíduos sem fadiga oncológica sofrem, durante o processo clínico, o impacto do processo oncológico mas conseguem manter níveis ótimos de bem-estar geral.

Palavras-chave: cancro; radioterapia; qualidade-de-vida.


ABSTRACT

This study contributes to the knowledge about the psychosocial experience of be a cancer patient undergoing radiotherapy, but without cancer-fatigue. These patients face the oncological process as a challenge and a mean of personal growth. It is a longitudinal and descriptive study, with a paired sample (n=35) whose subjects were evaluated before and after radiotherapy for emotional regulation standards (Scale of anxiety, depression and stress), perception and satisfaction with social support (Scale of satisfaction with social support), beliefs (Questionnaire of thoughts and beliefs, built for this purpose), quality of life (QLQ-C30) and resilience (Resilience scale). The Wilcoxon Test for Paired Samples (normal distribution) or the T-Test for Paired Samples (normal distribution) enabled to realize if the differences between the means obtained in each variable (between before and after radiotherapy) are significant or not (being p<significant differences indicative 05.). It is noticed that after treatment there was change in the social and emotional stability, with decrease of quality of life and resilience without affect significantly the global welfare. It is concluded that individuals without cancer fatigue, during the clinical process, suffer the impact of oncological process but can maintain optimal levels of general well-being.

Keywords: cancer; radiotherapy; quality-of-life.


RESUMEN

Este estudio contribuye al conocimiento psicosocial del pacientes oncológicos sin fatiga-del-cáncer en tratamiento radioterápico. Estos pacientes enfrentan el proceso oncológico como un desafío y un medio de crecimiento personal. Es un estudio descriptivo, longitudinal con una muestra pareada (n=35) cuyos temas fueron evaluados antes y después de la radioterapia para los estándares de regulación emocional (Escala de Ansiedad, Depresión y Estrés), percepción y satisfacción con apoyo social (Escala de Satisfacción Con Apoyo Social), creencias (Cuestionario de Pensamientos y Creencias, construido para ese propósito), calidad de vida (QLQ-C30) y resistencia (Escala de Resistencia). El Test de Wilcoxon para muestras emparejado (distribución normal) o la Prueba de T para muestras emparejado (distribución normal) habilitado para darse cuenta si las diferencias entre las medias obtenidas en cada variable (entre antes y después de la radioterapia) son significativas o no (siendo p<diferencias significativas indicativas 05.). Después del tratamiento hubo cambio en la estabilidad emocional y social, con menor calidad de vida y resistencia sin afectar significativamente el bienestar global. Se concluye que los individuos sin fatiga-del-cáncer, durante el proceso clínico sufren el impacto del proceso oncológico pero logran mantener niveles óptimos de bienestar general.

Palabras clave: cáncer; terapia de radiación; calidad-de-vida.


 

 

Introdução

Doentes oncológicos, em radioterapia, por vezes apresentam altos níveis de fadiga oncológica (FO) relacionada com crenças e pensamentos catastróficos inerentes à doença/tratamento. Essa FO é marcada por baixa qualidade de vida, desregulação dos padrões emocionais, dificuldade na perceção e satisfação com o suporte social e diminuição da capacidade de resiliência (Deep, Leal & Patrão, 2012). Nesses casos surgem dificuldades no funcionamento físico, cognitivo, emocional e social (com aumento da incapacidade para desempenhar papéis como os laborais) prejudicando o bem-estar global. Fisicamente há acréscimo de fadiga física, dor, náuseas e vómitos, e outros sintomas como dispneia, perda de apetite, perturbação do sono, diarreia e obstipação. Emocionalmente há um acréscimo de ansiedade (excitação do sistema autónomo com efeitos músculo esqueléticos) da depressão (sentimentos de desânimo e desvalorização da vida, autodepreciação e desmotivação, anedonia, inércia, disforia, falta de interesse/envolvimento) e do stress (dificuldade em relaxar, irritabilidade, tensão nervosa e agitação). Do ponto de vista social surge a dificuldade em perceber a ajuda social (formal e informal) disponível e a consequente insatisfação com a mesma (insatisfação com as amizades, a família, a intimidade e as atividades sociais). Cognitivamente surgem pensamentos e crenças massivamente negativas e sem fundamento clínico. Ainda acrescenta-se que esses pacientes com FO apresentam baixa perseverança, baixo sentido de vida, pouca serenidade e baixa autossuficiência e confiança. A revolta está, por vezes, presente tal como a incapacidade para pedir ajuda. O impacto da doença e dos tratamentos oncológicos são altos, de longa duração, afetando significativamente a qualidade de vida dos pacientes e suas famílias (Deep, Leal & Patrão, 2012; Dhruva et al. 2010; Kobayashi,2009; Schneider & Lopes, 2004).

No entanto sabe-se que certos pacientes vivenciam essa situação crise com efetiva adaptação psicossocial. Esses sujeitos mobilizam competências de coping e tarefas adaptativas, após avaliarem a situação doença/tratamento, numa perspetiva cognitiva, emocional e social. São capazes de encontrar benefícios na situação oncológica, encarando-a positivamente, com desafio e promovendo o seu crescimento pessoal (Stanton, 2010). Esses pacientes beneficiam-se a si mesmos, beneficiam suas famílias e comunidade, bem como inspiram técnicos de saúde. Stanton (2010) refere que apresentam maior crescimento em áreas como a relação com os outros, a espiritualidade e a apreciação pela vida. Apresentam maior capacidade para desenvolver relações íntimas, têm maior compaixão, percebendo a importância de cada pessoa. Igualmente têm perceção da sua força pessoal, das suas capacidades e recorrem a comportamentos promotores de saúde. Mantêm uma perspetiva positiva da vida, comparando-se com pessoas em pior estado do que elas próprias estão e apresentam melhor estado de humor. Os seus bons recursos pessoais permitem-lhes ser otimistas e alcançar maior ajustamento à situação clínica: recorrem a um coping positivo e evitam o coping de evitamento.

Helgeson, Reynolds e Tomich (2006), numa meta-análise e revisão do tema, já haviam defendido a relação entre encontro de benefícios no cancro e saúde física e mental: verificaram que a capacidade de encontrar benefícios no cancro relaciona-se com menor depressão, maior bem-estar e maior evitamento de pensamentos negativos intrusivos. Segundo Stanton (2010) é saudável encontrar benefícios no cancro e ajustar-se ao que a situação clínica obriga. Esse ajustamento parece aumentar o tempo de vida (o ajustamento ao cancro facilita a homeostasia no sentido do alcance de um equilíbrio positivo, promovendo a harmonia neuroendócrina e imunológica, com regulação hormonal e neuroquímica pelo hipotálamo e pelos glucocorticoides). Ainda melhora a qualidade, dissipando perturbações do humor e da ansiedade, sendo que o otimismo diminui a depressão e o controlo do stress e melhora o funcionamento físico (Hidalgo, Bower, Ganz, Irwin, & Cole, 2008). Em situações críticas, como uma doença oncológica, é possível o crescimento pessoal facilitado por fatores (Stanton, 2010) como a disrupção em si mesma: o impacto da crise é suficiente para impulsionar o paciente a procurar sentido na experiência oncológica e a partir dela crescer. Outros fatores que facilitam o ajustamento são os recursos intrapessoais: o otimismo e o desejo pessoal de adaptação ao cancro através de processos cognitivos e estratégias de coping ativas centradas na resolução do problema; uma aceitação ativa do diagnóstico e tratamentos numa atitude ativa e positiva. Outros fatores facilitadores do ajustamento saudável são os recursos interpessoais (suporte e adaptação social) e as condições sociodemográficas (como pertencer ao género feminino, ser adulto jovem e ter valores religiosos associados).

Tendo em conta os dois tipos de ajustamento ao cancro anteriormente descritos, este estudo pretende descrever como pacientes sem FO vivenciam o cancro durante a radioterapia (tendo por base a personalidade, o estado emocional, cognitivo, social e físico). Uma vez que a FO está presente em muitos doentes oncológicos mas não em todos, este estudo procura contribuir para um maior conhecimento de pacientes que, estando a vivenciar um processo oncológico agressivo, encaram-no como um desafio e meio de crescimento pessoal.

 

Metodologia

É um estudo descritivo e observacional pois não contempla intervenção direta sobre a única amostra emparelhada (n=35), avaliada longitudinalmente entre antes e após a radioterapia. As investigadoras limitaram-se à observação dos sujeitos. Esse grupo de estudo e sem fadiga oncológica (GSFO) é maioritariamente composto por 27 mulheres com idades entre 39 e 82 anos, sendo a média 60.2 anos. Maioritariamente são casados (22 participantes), seguindo-se os divorciados, viúvos e solteiros. Na sua maioria são caucasianos e apresentam escolaridade correspondente aos primeiros 4 anos de ensino. Ao avaliar o ambiente familiar verifica-se que a maioria dos inquiridos refere ter um ambiente familiar favorável (34 sujeitos). Quanto à estabilidade socioeconómica 29 sujeitos referem desfrutar da mesma. Paralelamente 18 sujeitos referem não estar empregados, 15 dizem ter emprego estável e apenas 2 sujeitos referem ter emprego não estável, sendo que a maioria já está aposentada. Quanto à área de residência verifica-se que a maioria reside em zona urbana e apenas 15 sujeitos residem em zona rural. Esses dados completam-se com a perceção de acessibilidade à radioterapia: 26 inquiridos referem ter uma alta acessibilidade ao tratamento e 9 sujeitos referem ter uma baixa acessibilidade, deslocando-se 27 sujeitos por ambulância. Quanto ao estado de saúde 7 sujeitos referem estar medicados pela psiquiatria. A totalidade dos participantes está em radioterapia curativa e o tumor atual mais presente é o da mama (25 sujeitos) seguindo-se o do sistema genital e urinário (5 sujeitos), sistema digestivo (3 sujeitos) e o do sistema nervoso central (2 sujeitos). A maioria não teve doenças oncológicas no passado (28 sujeitos), sendo essa a primeira patologia oncológica, mas já passou por outras doenças físicas graves (33 sujeitos) vivenciadas calmamente (22 sujeitos) ou muito calmamente (8 sujeitos), sendo esse, provavelmente, um indicador de que a doença oncológica também seria vivenciada "calmamente".

Recorreu-se ao seguinte material:

– Questionário de caracterização sociodemográfica e clínica (19 itens), construído com base na revisão da literatura – inclui idade, estado civil, escolaridade, género, raça/etnia, ambiente familiar e situação económica, empregabilidade, área de residência, grau de acessibilidade à radioterapia e meio de transporte, medicação atual, tipo de radioterapia, tipo e localização do tumor atual, doenças oncológicas anteriores/reincidência, tratamentos oncológicos anteriores, outras doenças anteriores e como foram emocionalmente vivenciadas.

– Termómetro Emocional – TE (Bizarro, Patrão & Deep, 2012) – 7 itens avaliam sofrimento emocional, depressão, ansiedade, revolta, impacto e necessidade de ajuda, (α=0.91), descritos na literatura como presentes em situações de FO sendo que, a partir do nível 4, considera-se que a pessoa está sob influência de um quadro patológico que afeta o bem-estar. Recorreu-se a esse instrumento de forma a detetar indivíduos em não-situação de FO e, assim, adequados ao estudo.

– Questionário de Crenças e Pensamentos (construído para o estudo) – 14 afirmações de dupla escolha (sim/não) baseadas em 5 dimensões cognitivas (Leventhal et al., 1997) de crenças e pensamentos relativos a doença/tratamento: perceção de causa e identidade da doença, perceção de suscetibilidade para adoecer, gravidade da doença, possibilidade de cura e controlo, perceção da dimensão temporal, consequências do cancro, nível de conhecimento da radioterapia, perceção da sua eficácia, sensação de controlo e segurança durante o tratamento, perceção dos benefícios/custos, autorresponsabilização e preocupação pró-ativa pela saúde em geral. Os itens são avaliados separadamente e não como um todo.

– Escala de Ansiedade, Depressão e Stress – Eads 21 – (Pais-Ribeiro, Honrado & Leal, 2004) – avalia ansiedade, depressão e stress. A ansiedade (α=0.74) remete para a excitação do sistema autónomo e efeitos músculo-esqueléticos, ansiedade situacional e experiências subjetivas de ansiedade. A depressão (α=0.85) envolve sentimentos de desânimo e desvalorização da vida, autodepreciação, desmotivação, anedonia, inércia, disforia e falta de envolvimento. O stress (α=0.81) abrange agitação, dificuldade em relaxar, irritabilidade e tensão nervosa.

– Escala de Perceção e Satisfação com o Suporte Social – ESSS – (Pais Ribeiro, 1999) avalia o suporte social percebido e grau de satisfação em 4 subescalas (α=0.85): a satisfação com as amizades (este fator é o que melhor explica o resultado total da escala), a intimidade ou perceção da existência de suporte social íntimo, a satisfação com o suporte social familiar e a satisfação com as atividades sociais realizadas. Quanto mais alto o escore, em cada subescala, maior o nível de satisfação.

– Escala de Qualidade de Vida – QLQ-C30 – (Pais-Ribeiro, Pinto & Santos, 2008) – avalia a funcionalidade física, cognitiva, emocional e social, a execução de papéis, a qualidade de vida global, a fadiga, a dor, as náuseas/vómitos, a dispneia, a perda de apetite, os distúrbios do sono, a obstipação e a diarreia. O alpha de Cronbach das subescalas varia entre 0.57 e 0.88.

– Escala de Resiliência – ER – (Ng Deep & Leal, 2012) – avalia 4 fatores (α=0.86): perseverança, sentido de vida, serenidade e auto-suficiência e confiança. A perseverança remete para a persistência em encontrar soluções para os problemas, vencendo adversidades com autoconfiança. O sentido de vida remete para a noção de que a vida tem uma razão na qual o indivíduo se foca, alcançando objetivos determinadamente, evitando ficar obcecado com questões que não pode resolver. A serenidade remete para a capacidade de aceitar a variedade de experiências (mesmo adversas) de forma serena. A autossuficiência e confiança é a consciência de que o percurso de vida é individual e que certas etapas são enfrentadas não em grupo mas em solidão, conseguindo a pessoa estar por conta própria e sendo capaz de depender de si mesma.

 

Procedimentos

Após a obtenção da autorização da Unidade de Radioterapia do Algarve para efetivação da investigação e após o consentimento informado de cada paciente, submeteu-se os sujeitos ao Termómetro da Emocional (TE). Os pacientes sem valores patológicos significativos (inferiores a 4 pontos em todas as subescalas do TE) foram considerados adequados ao estudo. Procedeu-se à avaliação das características sociodemográficas e clínicas. O Questionário de Crenças e Pensamentos, ESSS, Eads-21, QLQ-C30 e ER foram passados antes (GSFO1) e após o tratamento de radioterapia (GSFO2). Quanto à análise estatística, os resultados foram codificados e introduzidos numa base de dados em formato eletrónico (SPSS (v. 19, IBM SPSS Inc., Chicago, IL). Seguidamente calcularam-se os valores alpha de Cronbach, procedeu-se à estatística descritiva dos dois momentos de avaliação (M1 e M2) e verificou-se o tipo de distribuição amostral pelo teste de Kolmogorov Smirnov (sendo sendo p-value>.05 sinónimo de distribuição normal). O Teste de Wilcoxon para Amostras Emparelhadas (em caso de distribuição não normal) ou o Teste T para Amostras Emparelhadas (em caso de distribuição normal) permitiu perceber se as diferenças entre as médias obtidas em cada variável (entre antes e após a radioterapia) são ou não significativas (sendo p<.05 indicativos de diferenças significativas).

 

Resultados

Pelo TE comprova-se que, além dos valores apresentados serem sinónimo de ausência de mal-estar patológico, há fidelidade nas cotações obtidas pelo TE (TE1= α.805/ TE2= α.696) pois os valores alpha de Cronbach em ambos os momentos de avaliação apresentam valores que sugerem consistência interna, fiabilidade estável do instrumento e homogeneidade. Complementarmente verifica-se (Tabela 1) que há diferenças significativas entre antes e após a radioterapia apenas em dois itens: no impacto de toda a situação clínica (aumentou de .74 para 1.57) e na necessidade de ajuda (aumentou de .20 para 1.06). E verifica-se que não há diferenças significativas, entre antes e após a radioterapia nos itens sofrimento emocional (aumentou de .74 para .80), ansiedade (manteve-se num valor médio igual a 1.14), depressão (aumentou de .54 para .77), revolta (aumentou de .57 para .66) e na perceção da duração de todo o estado clínico (manteve-se no valor médio igual a 9.94). Verifica-se que o GSFO iniciou a radioterapia em situação de bem-estar emocional: com níveis de sofrimento emocional, ansiedade, depressão e revolta abaixo do nível 4 com duração prolongada desse estado emocional e baixa necessidade de ajuda. Os dados comprovam que os participantes apresentam legibilidade para integrar a amostra. Igualmente verifica-se que, ao longo da radioterapia, o bem-estar emocional sofreu um ligeiríssimo declínio (sem significância) mas não o suficiente para desestabilizar os indivíduos, mantendo-se o equilíbrio emocional inicial.

 

 

De forma a verificar a fidelidade das cotações obtidas nas crenças e pensamentos mediu-se o alpha de Cronbach em ambos os momentos de avaliação. Comprova-se que não há fidelidade nas cotações obtidas nas crenças e pensamentos (Crenças e Pensamentos1 – α=.502/ Crenças e Pensamentos2 – α=.382) pois não fornecem resultados comparáveis, precisos e constantes em situações comparáveis: a escala não mediu o mesmo construto no seu todo e cada item não mediu o mesmo construto que a nota final do teste, comprovando-se falta de homogeneidade. Explicativamente Freitas e Arica (2008) referem que vários fatores influenciam a confiabilidade do instrumento, nomeadamente o tipo de amostra: uma amostra com indivíduos muito semelhantes em seus pensamentos e crenças (tal como aconteceu nesta amostra, em ambos os momentos) tem menor variabilidade nas tomadas de posição e menor variância nos itens, conduzinso a menores valores de confiabilidade. Apenas amostras heterogéneas podem obter maior confiabilidade, por apresentarem maior variabilidade. Por esta razão optou-se por analisar cada item isoladamente. Não tendo os 14 itens obtido distribuição normal recorreu-se ao Teste de Wilcoxon para Amostras Emparelhadas (Tabela 2) a fim de verificar se as diferenças entre antes e após a radioterapia são ou não significativas. Na Tabela 2 verifica-se que não há diferenças significativas nos itens 3, 4, 5, 7, 10, 11, 12, 13 e 14. Ou seja, entre antes e após a radioterapia o GSFO manteve a perceção de suscetibilidade para ter adoecido com cancro (praticamente a totalidade da amostra concorda com tal suscetibilidade), manteve a perceção da gravidade da doença oncológica (inicialmente 31 sujeitos concordaram com a gravidade da doença e após a radioterapia o número subiu para 35 sujeitos), manteve a perceção de possibilidade de cura (GSFO1=27 concordâncias e GSFO2=34 concordâncias), manteve a perceção da durabilidade da doença (em ambos os momentos predominam os indivíduos que discordam que a doença dure muito tempo), manteve a perceção da eficácia da radioterapia (concordando a maioria da amostra com tal eficácia), manteve a sensação de segurança perante a radioterapia (mantendo a maioria a sensação de segurança diante do tratamento), a maioria da amostra manteve a perceção de que os benefícios do tratamento são superiores aos seus custos envolvidos (como deslocações), manteve a capacidade de se autorresponsabilizar pela própria saúde (em ambos os momentos a maioria da amostra concorda que vigiar a saúde é da sua própria responsabilidade), adotando medidas de proteção da mesma. Ainda segundo a Tabela 2 há diferenças significativas nos itens 1, 2, 6, 8 e 9. Ou seja, entre antes e após a radioterapia o GSFO alterou significativamente a perceção dos fatores de risco da doença oncológica (sendo que os 12 pacientes que antes da radioterapia haviam optado pela posição "não sei" dividiram-se pelas opções "multicausal" e "biológica"), alterou significativamente o grau de conhecimento da doença (após a radioterapia aumento de 18 para 31 o número de pacientes que afirmaram ter conhecimento suficiente sobre os sintomas inerentes ao cancro), alterou significativamente a perceção de controlo da doença (aumentou de 24 para 34 o número de pacientes que concorda que pode controlar o cancro), alterou significativamente a perceção das consequências da doença oncológica (após a radioterapia a totalidade da amostra passou a concordar com o fato de que o cancro tem contribuído para alterações na sua vida) e alterou significativamente o grau de conhecimento que pensa ter sobre a radioterapia (aumentou de 17 para 32 pacientes os que concordam deter conhecimento suficiente sobre a radioterapia).

 

 

De forma a verificar a fidelidade das cotações obtidas na Perceção e Satisfação com o Suporte Social mediu-se o alpha de Cronbach em ambos os momentos de avaliação. Comprova-se que há fidelidade e homogeneidade nas cotações obtidas (ESSS1= α .866/ESSS2= α.688). Igualmente verifica-se que a subescala Satisfação com as Atividades Sociais tem distribuição normal (Teste T para Amostras Emparelhadas) e as subescalas Satisfação com as Amizades, Intimidade e Família não têm distribuição normal (Teste de Wilcoxon para Amostras Emparelhadas). Verifica-se (Tabela 3) que não há diferenças significativas entre GSFO1 e GSFO2 na variável satisfação com as atividades sociais, mantendo-se um valor médio bastante satisfatório no que diz respeito ao bem-estar e prazer alcançado nas atividades sociais (no GSFO1 o valor médio foi igual a 11.37 e no GSFO2 igual a 10.88, sendo a média máxima possível igual a 15.00). Verifica-se um insignificante declínio provocado, talvez, pelo fato de durante a radioterapia esses pacientes passarem muito tempo em deslocações e tratamentos, reduzindo a sua atividade social.

 

 

Igualmente na Tabela 4 verifica-se que não há diferenças estatisticamente significativas entre antes e após a radioterapia relativamente a satisfação com as amizades, satisfação com a intimidade e satisfação com a família, mantendo-se todas bastante satisfatórias como sinal de bem-estar social. A satisfação com as amizades varia entre um valor médio igual a 20.14 e 20.54, sendo o valor médio máximo possível igual a 25.00. A satisfação com a intimidade varia entre 17.00 e 17.85, sendo o valor médio máximo possível igual a 20.00. A satisfação com a família varia entre um valor médio igual a 13.74 e 14.22, sendo o valor máximo possível igual a 15.00.

 

 

De forma a verificar a fidelidade das cotações obtidas nos Padrões de Regulação Emocional (Ansiedade, Depressão e Stress) mediu-se o alpha de Cronbach em ambos os momentos de avaliação. Comprovando-se que há fidelidade e homogeneidade nas cotações obtidas (EADS1 – α=.950/ EADS2 – α=.883). O Teste Kolmogorov Smirnov determinou o tipo de distribuição amostral e recorreu-se ao Teste de Wilcoxon para amostras Emparelhadas no estudo das variáveis Depressão e Ansiedade (Tabela 5) e ao Teste T de Student para Amostras Emparelhadas no estudo da variável Stress. Na Tabela 3 verifica-se, quanto ao stress, que não há diferenças significativas entre antes e após a radioterapia: o stress oscilou entre um valor médio igual a 4.11 e 3.62. Na Tabela 4 verifica-se que também não há diferenças estatisticamente significativas na depressão e ansiedade: a depressão alternou entre um valor médio igual a 2.11 e 1.74 e a ansiedade oscilou entre um valor médio igual a 2.42 e 2.00. Estes valores baixos demonstram que certos pacientes encaram o processo oncológico com tranquilidade e bem-estar emocional.

 

 

De forma a verificar a fidelidade das cotações obtidas na Qualidade de Vida mediu-se o alpha de Cronbach em ambos os momentos de avaliação. Verifica-se bons índices de homogeneidade (GSFO1– α=,798; GSFO2– α=,721). De acordo com o Teste Kolmogorov Smirnov optou-se por uma avaliação em Teste T para Amostras Emparelhadas para as variáveis Funcionamento Físico, Qualidade de Vida Global e Fadiga. As restantes variáveis serão sujeitas ao Teste de Wilcoxon para Amostras Emparelhadas. A Tabela 3 apresenta os dados relativos ao Teste T para Amostras Emparelhadas verificando-se que não existem diferenças estatísticas, entre antes e após a radioterapia, na variável funcionamento físico (as dificuldades aumentaram sem significância sendo GSFO1- M=7,00/ GSFO2- M=7,40. Valor médio máximo=20) e a qualidade de vida global igualmente aumentou sem significância (GSFO1- M=10,62/ GSFO2- M=10,80. Valor médio máximo=14). Mas quanto à fadiga física há diferenças estatisticamente significativas: sofreu um acréscimo significativo (GSFO1- M=4,80/ GSFO2- M=6,71. Valor médio máximo=12). Há a salientar que a subida da fadiga física e das dificuldades no funcionamento físico, não são suficientes para destabilizar a qualidade de vida global dos pacientes. Na Tabela 4 verifica-se que há diferenças significativas nas seguintes variáveis: funcionamento emocional, funcionamento social, dor, distúrbio do sono, perda de apetite, e nas dificuldades financeiras. Efetivamente após a radioterapia as dificuldades no funcionamento emocional aumentaram significativamente (GSFO 1 M=5,31; GSFO2 M=6,20. Valor médio máximo=16), tal como o social (GSFO1 M=2,77; GSFO2 M=3,65. Valor médio máximo=8), a ocorrência da dor (GSFO1 M=3,11; GSFO2 M=3,82. Valor médio máximo=8), os distúrbios do sono (GSFO1 M=1,63; GSFO2 M=1,97. Valor médio máximo=4), a perda de apetite (GSFO1 M=1,26; GSFO2 M=1,66. Valor médio máximo=4) e as dificuldades financeiras (GSFO1 M=1,57; GSFO2 M=2,06. Valor médio máximo=4). No entanto há a salientar que apesar do aumento significativo destes valores, os mesmos são ainda considerados toleráveis, não afetando dramaticamente a qualidade de vida dos pacientes. Ainda na Tabela 4 verifica-se que não há diferenças significativas no desempenho de papeis, no funcionamento cognitivo (memória e concentração), na ocorrência de náuseas e vómitos, na dispneia, na obstipação e diarreia. Sendo que a incapacidade para desempenhar papéis funcionais (como laborais) aumentou (GSFO 1 M=2,82; GSFO2 M=3,02. Valor médio máximo=8), as dificuldades no funcionamento cognitivo aumentaram (GSFO1 M=2,65; GSFO2 M=3,11. Valor médio máximo=8) tal como a ocorrência de náuseas e vómitos (GSFO1 M=2,82; GSFO2 M=2,22. Valor médio máximo=8) e diarreia (GSFO1 M=1,14; GSFO2 M=1,17. Valor médio máximo=4). Mas a dispneia diminuiu (GSFO1 M=1,20; GSFO2 M=1,11. Valor médio máximo=4), tal como a obstipação (GSFO1 M=1,49; GSFO2 M=1,20. Valor médio máximo=4). Salienta-se que apesar do aumento de algumas dificuldades, estas são, ainda, considerados toleráveis, não simbolizando significativa perda da qualidade de vida.

De forma a verificar a fidelidade das cotações obtidas na resiliência mediu-se o alpha de Cronbach. Confirma-se que em ambos os momentos obtiveram-se níveis altos de homogeneidade (GSFO1 – α=.908/ GSFO2 – α=.881). Verifica-se que a perseverança, a serenidade e a autossuficiência e confiança serão sujeitos ao Teste T para Amostras Emparelhadas e o item sentido de vida ao Teste de Wilcoxon para Amostras Emparelhadas. Na Tabela 3 verifica-se que não há diferenças estatisticamente significativas para a perseverança que diminuiu de um valor médio igual a 45.05 para 43.71 (sendo o valor médio máximo possível igual a 49); não há diferenças significativas entre antes e após a radioterapia para a serenidade, a qual também diminuiu ao longo da radioterapia de um valor médio igual a 31.97 para 30.91 (sendo o valor médio máximo possível igual a 35); e não há diferenças estatisticamente significativas para a autossuficiência e confiança que também diminuem de um valor médio igual a 31.54 para 30.48 (sendo o valor médio máximo possível igual a 35). Confirma-se que apesar da diminuição desses valores médios os sujeitos continuaram a manter níveis ótimos de perseverança, serenidade e autossuficiência e confiança. Na Tabela 4 verifica-se que quanto ao sentido de vida existem diferenças estatisticamente significativas entre GSFO1 e GSFO2, sendo que a estatística desceu significativamente de um valor médio igual a 39.62 para 37.88, sendo o valor médio máximo possível igual a 42 – mas, ainda que tenha descido após a radioterapia, manteve-se alto.

 

Discussão

Este estudo debruçou-se sobre pacientes oncológicos sem fadiga oncológica e pretendeu perceber como vivenciam o processo clínico (doença e tratamentos). O interesse por investigar esse tema surgiu após se verificar que certos pacientes vivenciam essa situação sem significativo prejuízo do bem-estar geral e mantendo estratégias de adaptação adequadas à situação crise (Stanton, 2010). A compreensão da dinâmica psicossocial desses pacientes pode ajudar a definir linhas de atuação terapêutica em pacientes com FO (Helgeson, Reynolds, & Tomich, 2006). Nesse sentido este estudo avaliou a qualidade de vida, a resiliência e a dinâmica emocional, social e cognitiva desses pacientes ao longo do tratamento por radioterapia.

Verificou-se que o grupo iniciou a radioterapia em situação de bem-estar emocional: com níveis de sofrimento emocional, ansiedade, depressão e revolta baixos, com duração prolongada desse estado de bem-estar emocional, com consequente baixo impacto de toda a situação clínica e baixa necessidade de ajuda. Ao longo do tratamento por radioterapia, nessa amostra, verificou-se que o bem-estar emocional inicial sofreu um declínio, mas não o suficiente para desestabilizar os indivíduos, pois manteve-se o inicial equilíbrio emocional. Pelo que sugere-se que iniciar a radioterapia sem FO permite manter níveis ótimos de bem-estar durante o tratamento. Paralelamente, ao avaliar os padrões de regulação emocional, confirmou-se que os pacientes apresentavam bem-estar emocional quer no início, quer no fim da radioterapia. A depressão, a ansiedade e o stress apresentaram declínio, ainda que insignificante. No entanto verifica-se que os resultados da EADS21 e do TE, após a radioterapia, apresentam-se contraditórios pois o TE remeteu para um declínio do bem-estar emocional e a EADS21 para uma melhoria do bem-estar emocional (ainda que ambos apresentem insignificantes diferenças). A diferença de resultados entre os dois instrumentos pode ser explicada pela diferente natureza dos próprios instrumentos, mantendo-se o princípio de que iniciar radioterapia em estabilidade emocional permite conservá-la ao longo do tratamento. Helgeson, Reynolds e Tomich (2006) já haviam referido ser possível a manutenção do bem-estar emocional durante o tratamento oncológico.

O bem-estar emocional acompanhou a manutenção do bem-estar social pois ao longo do tratamento manteve-se a satisfação com as atividades sociais, as amizades, a intimidade e a família. Confirmou-se que os pacientes que vivenciam o processo oncológico mais tranquilamente conseguem perceber o suporte social disponível e retiram satisfação da relação com amigos, familiares e atividades sociais. Igualmente desfrutam de relações íntimas que facilitam o suporte em situações de crise (Helgeson, Reynolds, & Tomich, 2006; Holland, & Lewis, 2000; Stanton, 2010).

Ainda se verifica que ao longo do processo terapêutico a qualidade de vida mostrou-se satisfatória, apesar de comprometida com a subida de alguns parâmetros: as dificuldades no funcionamento físico, a fadiga física, as dificuldades no funcionamento emocional (favorecendo os resultados obtidos no TE), as dificuldades no funcionamento social, a dor, os distúrbios do sono, a perda de apetite, as dificuldades financeiras, a dificuldade em desempenhar papéis, as dificuldades cognitivas com problemas de memória e concentração, a ocorrência de náuseas e vómitos e a diarreia. Paralelamente a dispneia e a ocorrência de obstipação diminuíram. Assim, salienta-se que, apesar do aumento da maioria dos parâmetros avaliados, tais não afetaram dramaticamente a qualidade de vida dos pacientes. Verificou-se que a qualidade de vida global aumentou (ainda que sem significância) porque quando os pacientes responderam aos itens que avaliam esse parâmetro concentraram-se não em aspetos específicos da sua doença, tratamento e sofrimento inerente mas concentraram-se em aspetos gerais da sua vida (estado físico em geral e a qualidade de vida em geral). É importante relembrar que, tal como afirma Stanton (2010), a autoavaliação de cada paciente tem por base a comparação com outros pacientes (avaliam-se pela comparação com outros em pior estado e quem parece estar melhor avalia-se, de forma global, mais positivamente).

Quanto ao nível de resiliência verificou-se que a perseverança, a serenidade e a autossuficiência e confiança diminuíram ao longo da radioterapia, mas sem significância. O sentido de vida também diminuiu mas com diferença significativa entre antes e após a radioterapia, confirmando-se que apesar da diminuição dos valores médios os sujeitos mantiveram níveis ótimos de perseverança, serenidade, sentido de vida e autossuficiência e confiança: os pacientes mantiveram bons níveis de adaptação ao meio e superação adequada de situações adversas, numa perspetiva de promoção da saúde, bem-estar e qualidade de vida. Efetivamente iniciar a radioterapia com resiliência permite terminar a radioterapia com entusiástica persistência em encontrar soluções para o problema numa atitude de vencer a adversidade e continuar a reconstruir a vida em autodisciplina (ex: na adoção de um estilo de vida saudável). Inerente há uma perspetiva focada nos propósitos da própria vida, uma capacidade para aceitar a variedade de experiências (mesmo adversas) de forma serena e entusiástica. Nesses pacientes mantem-se a consciência de que o percurso de vida de cada pessoa é único e que certas etapas são enfrentadas não em grupo mas em solidão e a pessoa deve conseguir estar por conta própria e ser capaz de depender essencialmente de si mesma. Esta investigação não permitiu perceber melhor o claro abalo na perceção do sentido da vida detetado, mas avançam-se questões de ordem existencial a serem investigadas em futuros estudos.

Igualmente verificou-se que a presença controlada de pensamentos negativos intrusivos permitiu que as crenças dos pacientes promovessem a adaptação e acompanhassem o equilíbrio emocional, social e físico (Helgeson, Reynolds, & Tomich, 2006). Na amostra estudada manteve-se, ao longo da radioterapia, a perceção da suscetibilidade para ter adoecido com cancro (como qualquer outra pessoa), a perceção da gravidade da doença, a perceção da possibilidade de cura e da baixa durabilidade da doença, a perceção da eficácia do tratamento e a sensação de segurança inerente, a perceção de que os benefícios da radioterapia são superiores aos custos exigidos. Igualmente manteve-se a capacidade de o paciente se autorresponsabilizar pela própria saúde, adotando medidas de proteção da mesma. Ainda aumentou o nível de conhecimento dos fatores de risco para a doença oncológica e a perceção dos sintomas inerentes ao cancro e à radioterapia. Aumentou a perceção de controlo da doença e a noção de que o cancro traz consequências e altera a vida de pacientes e seus familiares.

Verificou-se que, tal como sugere a literatura (Helgeson, Reynolds, & Tomich, 2006; Holland, & Lewis, 2000; Stanton, 2010), os pacientes sem FO apresentam cognições e emoções produtivas, adotam comportamentos promotores de saúde, desfrutam de relações saudáveis com amigos e familiares, vivem de forma resiliente e de acordo com os seus valores e prioridades (sentido de vida mais profundo e pessoal), encontrando benefícios nas situações adversas.

Stanton (2010) já havia referido a pertinência desse modo de enfrentar uma doença oncológica e a necessidade de a desenvolver em pacientes com FO. E tal como Holland e Lewis (2000) já haviam afirmado, as formas positivas de lidar com o cancro e favorecer um coping ajustado passam por ter informação suficiente sobre a doença e os tratamentos, conhecer os efeitos psicológicos e físicos de cada tratamento e aprender a lidar com eles, ultrapassar mitos e crenças erradas sobre o cancro e os tratamentos, resolver questões existenciais que surgem com a doença, tornar-se parceiro do médico e numa atitude pró-ativa lutar pela cura, apoiando-se na família e amigos e deles retirando a máxima satisfação possível.

Neste estudo procurou-se descrever a trajetória psicossocial de uma amostra de pacientes sem fadiga oncológica no início da radioterapia. Verificou-se que, mesmo em pacientes que iniciam os tratamentos em estado de equilíbrio, a doença oncológica comporta para os pacientes diminuição da qualidade de vida e resiliência com alteração do estado emocional. No entanto também verificou-se que é possível manter níveis saudáveis de adaptação ao quadro clínico acompanhados pelo aumento da perceção e satisfação com o suporte social disponível e pela alteração positiva do quadro de cognições e pensamentos relativos à doença e tratamento.

Este estudo conclui que é possível pacientes oncológicos, sem FO no início da radioterapia, passarem pelo processo de tratamento com níveis ótimos de bem-estar geral, ainda que sofrendo algum impacto negativo relativo ao processo clínico em sí. E que esse bem-estar geral assenta em variáveis como alta resiliência, suporte social percebido como positivo, bem-estar emocional, qualidade de vida e crenças e pensamentos positivos assentes no controlo da doença e tratamentos.

 

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Recebido em 17 de abril de 2015
Aceito para publicação em 08 de julho de 2016

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