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Psicologia Clínica

Print version ISSN 0103-5665On-line version ISSN 1980-5438

Psicol. clin. vol.29 no.2 Rio de Janeiro  2017

 

SEÇÃO TEMÁTICA

 

Abrindo espaço para um segundo bebê: impacto na constelação da maternidade

 

Making space for the second child: impact on motherhood constelattion

 

Haciendo espacio para un segundo bebé: impacto en constelación maternal

 

 

Fernanda Schmitt RibeiroI
Marilia Reginato GabrielII
Rita de Cássia Sobreira LopesIII
Aline Groff VivianIV

IUniversidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS, Brasil
IIUniversidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS, Brasil
IIIProfessora do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS, Brasil
IVUniversidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS, Brasil

 

 


RESUMO

Este estudo tem como objetivo investigar a experiência da maternidade de um segundo filho, buscando compreender como se dá a Constelação da Maternidade, conceito desenvolvido por Daniel Stern (1997), na gestação do novo bebê. Para tanto, participaram desta pesquisa 21 gestantes de segundo filho, com idades entre 28 e 43 anos, que foram entrevistadas no terceiro trimestre gestacional. Foram definidas categorias de análise baseadas nos temas de Constelação da Maternidade de Stern as quais foram usadas de alicerce para a análise de conteúdo qualitativa. Como destaque dos achados deste estudo, percebeu-se que os temas matriz de apoio, relacionar-se primário e reorganização da identidade predominaram frente ao tema vida e crescimento. Por tratar-se do segundo filho, considerou-se que as mães se sentiam seguras para garantir os cuidados dos aspectos físicos e de desenvolvimento do seu bebê. Desse modo, haveria maior disponibilidade para o investimento materno nos outros temas, criando espaço emocional para o segundo filho.

Palavras-chave: maternidade; relações mãe-criança; gravidez.


ABSTRACT

This study aims to investigate the experience of motherhood of a second child, and to understand the phenomenon of Motherhood Constellation, concept developed by Daniel Stern (1997), during the new infant’s pregnancy. For this purpose, twenty-one pregnant women of the second child, aged between 28 to 43 years, who were interwied in the third trimester gestational. Analysis categories were defined based on the Motherhood Constellation issues, which were used as the foundation for the qualitative content analysis. As highlighted the findings of this study, it was observed in this analysis that the themes Supporting Matrix, Primary Relatedness, Identity Reorganization were more dominant than the theme Life and Growth theme. It was argued that the mother is perhaps more confident of her its competence to ensure the physical and development of the baby. Thus, there is more availability to maternal investment in other themes, making emotional space for the second child.

Keywords: maternity; mother-child relations; pregnancy.


RESUMEN

Este estudio tiene como objetivo investigar la experiencia de la maternidad de un segundo hijo, tratando de entender cómo ocurre la constelación de la maternidad , en el nuevo embarazo bebé. Los participantes fueron 21 mujeres embarazadas de secundo hijo , de 28 a 43, que fueron entrevistados en el tercer trimestre. Categorías de análisis se definieron sobre la base de la constelación de temas de maternidad Stern (1997) que se utilizaron como base para el análisis de contenido cualitativo. Se observó en este análisis que los temas apoyo matriz, relacionarse con primaria y la identidad reorganización se puso en contra de la cuestión de la vida y el crecimiento. Como este es el segundo hijo, se consideró que las madres se sentían seguros para garantizar el cuidado de los aspectos físicos y desarrollo de su bebé. Por lo tanto, habría una mayor voluntad de inversión materna en otras temas, creando espacio emocional para el segundo hijo.

Palabras clave: maternidad; relaciones madre-hijo; embarazo.


 

 

Introdução

A gestação se configura um marco importante na vida da mulher, visto ser um período que exige adaptações e reorganizações necessárias para que ela possa redefinir seus papéis e até mesmo sua identidade (Klaus, Kennel, & Klaus, 2000; Stern, 1997). No decorrer da gravidez, ocorrem mudanças físicas e emocionais que são vivenciadas pela mulher, favorecendo o processo de tornar-se mãe (Lopes, Vivian, Oliveira, Pereira, & Piccinini, 2012; Klaus et al., 2000). Essa experiência é também percebida como um elo capaz de estabelecer uma ligação entre gerações (Klock, 2004).

Um dos autores que buscou compreender as mudanças ocorridas nas mulheres no processo de tornar-se mãe foi Daniel Stern (1997), por meio do conceito de constelação da maternidade. A constelação da maternidade seria uma organização psíquica singular, que inauguraria uma série de tendências de ação, sensibilidades, fantasias, medos e desejos na mulher (Stern, 1997). Essa nova organização seria temporária e variável, podendo persistir por alguns meses ou anos. Contudo, a vivência dessa constelação não seria inata nem universal, de forma que eventualmente poderia não chegar a se manifestar em alguns casos (Stern, 1997). Além das diferenças individuais, Stern (1997) propôs que o desenvolvimento total da constelação da maternidade dependeria do número de filhos que uma mãe possui. Assim, a "força e qualidade" (Stern, 1997, p. 164) da elaboração da constelação da maternidade estariam relacionadas a tal fator.

Stern (1997) propôs que a constelação da maternidade seria um fenômeno extremamente intenso, de forma que, enquanto estiver atuante, se tornaria o eixo organizador dominante na vida psíquica da mulher, fazendo com que os demais organizadores e complexos, tais como o edípico, ficassem de lado. Nesse sentido, Stern (1997) acreditava que a constelação da maternidade não era uma variante ou derivado de outros aspectos psíquicos, mas sim um construto único e independente, de grande magnitude e esperado na vida das mães.

A constelação da maternidade se referiria a três preocupações e discursos diferentes, embora relacionados, que acontecem interna e externamente: o discurso da mãe com sua mãe, especialmente com sua mãe-como-mãe-para-ela-quando-criança; seu discurso consigo mesma e seu discurso com o bebê. Essa trilogia passa a ser a principal preocupação da mãe, pois requer maior quantidade de trabalho e reelaboração mental. Assim, a constelação da maternidade se daria da seguinte forma após o nascimento do bebê: realinharia os interesses maternos, de modo que a mãe passaria a se relacionar mais com a sua mãe do que com seu pai, e nesse sentido mais com a sua mãe-como-mãe e menos com a sua mãe-como-mulher; mais com o seu-marido-como-pai-e-contexto-para-ela-e-bebê e menos com o seu marido-como-homem-e-parceiro-sexual; e, principalmente, mais com o bebê e menos com quase tudo. Assim, inaugurar-se-ia como eixo organizativo uma nova tríade mãe da mãe-mãe/bebê.

Segundo Stern (1997), os quatro temas que compõem a constelação da maternidade dizem respeito a diferentes tarefas relacionadas entre si. São eles: vida-crescimento, em que a questão central é se a mãe será capaz de manter o bebê vivo, fazer com que ele cresça e se desenvolva fisicamente. O segundo tema é denominado de relacionar-se primário e refere-se ao envolvimento social-emocional da mãe com o bebê, em que os questionamentos básicos se referem à possibilidade de a mãe ser capaz de amar o bebê e de sentir que o bebê a ama, acreditando que ele realmente é seu filho. Já a matriz de apoio diz respeito à necessidade da mãe de criar, permitir, aceitar e regular uma rede de apoio protetora, para que possa realizar as duas primeiras tarefas anteriores. Essa "rede" tem a função tanto de proteger fisicamente a mãe e prover suas necessidades vitais, quanto de apoiar, acompanhar, valorizar e ajudar de forma mais psicológica e até educativa. Por fim, o tema da reorganização da identidade relaciona-se à necessidade da mãe de transformar e reorganizar sua autoidentidade, mudando seu centro de filha para mãe, de esposa para progenitora, de profissional para mãe de família, de uma geração para outra.

Embora Stern (1997) tenha proposto que a constelação da maternidade se organizaria principalmente após o nascimento do bebê, o autor sugeriu que ela pode estar presente durante a gravidez e até mesmo anteriormente a ela. Segundo Ilicali e Fisek (2004), não há diferenças significativas nas representações maternas de gestantes e de mulheres que já eram mães. Os autores de tal estudo verificaram que as representações de self como pessoa e as representações de self enquanto mãe estavam integradas, já na gestação, e que essas mulheres gestantes também demonstravam capacidade de diferenciarem elas mesmas das suas próprias mães. Assim, justifica-se que sejam realizados estudos que abordem questões referentes à constelação da maternidade em gestantes, como é o caso do presente estudo.

Além disso, o estudo italiano realizado por Innamorati, Sarracino e Dazzi (2010) buscou investigar os quatro temas presentes na constelação da maternidade, explorando sua prevalência e desenvolvimento somente em grávidas. Para tanto, contou com 162 gestantes que foram subdividas em diferentes grupos de acordo com o período gestacional em que estavam. Em seus achados, os autores encontraram que, nos casos das grávidas que tinham conhecimento do sexo de seus bebês, os escores dos temas matriz de apoio e reorganização de identidade foram maiores. Contudo salientaram que essas diferenças não foram estatisticamente significantes. Também apontaram para um destaque expressivo do tema vida e crescimento nessas gestantes, o que foi justificado pelos autores pelo fato de que esse tema despertaria medos nas mães, tais como: (a) que seus bebês tivessem alguma má-formação, (b) de que algo ruim acontecesse a eles, (c) ou que viessem a se sufocar ou morrer após o nascimento. Segundo Innamorati et al. (2010), o tema vida e crescimento estaria mais relacionado a temas arcaicos e, portanto, dominaria a vida mental dessas mulheres, sendo menos influenciável por questões culturais. Para os autores, os demais temas estariam mais sujeitos a variáveis socioculturais.

 

A experiência da maternidade de um segundo filho

A indicação de Stern (1997) a respeito de que a variabilidade da experiência da constelação da maternidade poderia estar relacionada ao número de filhos suscitou o questionamento acerca de como se daria esse fenômeno em mães gestantes de um segundo filho. Na maior parte dos estudos encontrados sobre essa temática, percebe-se que há um enfoque no primogênito, especialmente sobre impacto da gestação e do nascimento do segundo filho (Pereira, & Piccinini, 2011a; Oliveira, & Lopes, 2008, 2010) e para o relacionamento mãe-primogênito (Pereira, & Piccinini, 2011b). Por exemplo, no estudo de Pereira e Piccinini (2011a), a gestação do segundo filho desencadeou comportamentos como medo de perder a atenção e o carinho da mãe, bem como comportamentos agressivos dirigidos à barriga dela.

Mesmo que a transição para a parentalidade já tenha ocorrido com o nascimento do primogênito, considera-se que a grande mudança ocorrida nesse momento se daria em nível estrutural, pois, com a chegada de um novo membro na família, as possibilidades de relações familiares se multiplicariam (Kreppner, 1988; Pereira, & Piccinini, 2007). Nesse sentido, por exemplo, as principais fontes de apoio à mãe nesse momento se estenderiam, de forma que a mãe viria a contar primeiramente com seu marido e depois com sua própria mãe como apoio emocional e instrumental (Esteves, Sonego, Vivian, Lopes, & Piccinini, 2013; Pereira, & Piccinini, 2007). Além disso, haveria um estreitamento na relação do pai com o primogênito após o nascimento do seu segundo filho, a fim de que a mãe pudesse se aproximar de seu bebê (Kreppner, 1988; Piccinini et al., 2007).

Dessa forma, percebe-se que não é um aspecto em particular ou uma relação específica que sofre alterações com o nascimento do segundo filho, mas sim a família como um todo (Piccinini et al., 2007). Por mais celebrada que possa ser a chegada desse segundo filho, ela pode alterar a dinâmica familiar que até então estava ao menos relativamente estável dentro da tríade pai-mãe-primogênito.

No entanto, além do impacto no primogênito e na dinâmica familiar, entende-se que a experiência da mãe na segunda gestação também merece atenção. Isso porque o novo bebê torna mais complexa as inter-relações emocionais na família, criando novos relacionamentos e demandas diferentes não apenas em termos práticos, mas também de envolvimento afetivo (Vivian, Lopes, Geara, & Piccinini, 2013). Dessa forma, considera-se a gravidez como um período de importantes reestruturações na vida da mulher que espera um segundo filho e nos papéis que esta exerce, bem como nos demais relacionamentos familiares (Coldebella, 2006; Lopes et al., 2012).

Vivian (2010), ao acompanhar quatro mães desde suas gestações até o segundo ano de vida de seus filhos, sugeriu que se tornar mãe de uma segunda criança é uma experiência qualitativamente diferente da ocorrida com o primeiro filho. Para Vivian (2010), a mulher reviveria sua relação com a própria mãe em meio a esaa maternidade, enquanto a relação conjugal sofreria alterações, visto que com esta mudança se torna fundamental o acolhimento e apoio do pai de seus filhos. De modo similar, Barros (2010) acompanhou sete mulheres mães, sendo três de primeiro filho e quatro de segundo filho, desde a gestação até o período inicial do nascimento dos bebês. Como resultados, Barros (2010) destacou a singularidade de cada caso como determinante para a vivência da maternidade, uma vez que cada mulher trazia consigo uma história que estava sendo modificada com o nascimento do seu filho. Apesar das heterogeneidades marcadas pela singularidade de cada mulher na vivência da maternidade, o estudo apontou o desejo materno como um elo entre comum entre os casos, visto que das sete mães acompanhadas apenas uma mencionou não desejar seu filho.

A partir do impacto da gestação do segundo filho para o primogênito e para as dinâmicas das relações familiares, entre outros, evidencia-se a relevância do estudo sobre a experiência materna nesse momento. Entende-se que a singularidade da experiência da maternidade de um segundo filho é qualitativamente diferente da vivenciada com a chegada do primeiro filho e requer mudanças profundas nas relações da mãe e na sua própria identidade. Tendo em vista essas questões, o presente estudo tem como objetivo investigar a experiência da maternidade de um segundo filho, partindo do referencial teórico proposto por Stern (1997), investigando a qualidade da constelação da maternidade em meio a esse contexto.

 

Método

Participantes

Participaram deste estudo 21 mães que estavam no último trimestre de gestação do segundo filho, com idades entre 28 e 43 anos. Todas estavam casadas ou viviam em união estável com o pai dos seus dois filhos. As participantes eram de níveis socioeconômicos variados e residiam na região metropolitana de Porto Alegre. Em termos de escolaridade, as gestantes variaram entre ensino médio incompleto (4%), ensino médio completo (12%), superior incompleto (28%) e completo (40%) e pós-graduadas (16%).

As participantes faziam parte de um projeto iniciado em 2005 e intitulado Estudo Longitudinal Sobre o Impacto do Nascimento do Segundo Filho na Dinâmica Familiar e no Desenvolvimento Emocional do Primogênito – ELSEFI (Lopes, Piccinini, Rossato, & Oliveira, 2005). Essa pesquisa acompanhou 54 famílias, sendo 29 famílias com dois filhos ao longo de dois anos, desde o último trimestre de gestação do segundo filho até os 24 meses deste, e 25 famílias com filho único acompanhadas em etapas semelhantes ao primeiro grupo. Das 29 famílias que compunham o projeto maior foram selecionadas todas aquelas em que pai e mãe estavam em situação matrimonial e em que o marido era pai de ambos os filhos (famílias intactas). Desse modo, 8 famílias foram excluídas, totalizando as 21 mães da presente amostra. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), protocolo no 2004373, em 28/04/2005, e todos os participantes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido antes de sua inclusão na amostra.

Delineamentos, procedimentos e instrumentos

Trata-se de estudo exploratório descritivo, de natureza qualitativa, com o objetivo de investigar a experiência da maternidade de um segundo filho, buscando compreender como se dá a constelação da maternidade na gestação do novo bebê. Para tanto, os dados selecionados para o presente estudo foram coletados no terceiro trimestre gestacional do segundo filho. Nesse momento, as mães foram contatadas através de diversas instituições de saúde e de ensino da região metropolitana de Porto Alegre e, a partir do consentimento das instituições, elas foram convidadas a participar da pesquisa, preenchendo uma Ficha de Contato Inicial (GIDEP/Nudif, 2005a). No encontro seguinte, as mães assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, preencheram a Entrevista de Dados Demográficos do Casal (GIDEP/Nudif, 2005b), a qual obtém dados demográficos como idade, escolaridade, profissão, estado civil e etc. e responderam à Entrevista sobre a Gestação e Expectativas da Gestante (GIDEP/Nudif, 2005a), a qual investiga as impressões e sentimentos das mães sobre a gestação do segundo filho e expectativas quanto ao seu nascimento (ex. histórico da gestação, principais preocupações, reações do marido perante a notícia da gestação; apoio social recebido; expectativas quanto às características do bebê, relacionamento mãe-bebê e relacionamento pai-bebê e relacionamento conjugal). Os encontros aconteceram na residência ou no local de trabalho da participante, na instituição de contato ou numa sala da universidade. Os questionários e entrevistas foram gravados e transcritos na íntegra.

Análise dos dados

Foi realizada uma análise de conteúdo qualitativa das respostas das mães à entrevista (Laville, & Dionne, 1999). Nesse tipo de análise, busca-se encontrar os conteúdos relatados pelas mães relativos ao objetivo do artigo, sendo que um único exemplo de relato pode compor uma categoria. Mesmo que não exista a pretensão de quantificar, a fim de contribuir para o entendimento dos resultados foi utilizada a seguinte descrição do número de casos incluídos em cada categoria: 1 a 4 (poucos casos); 5 a 8 (vários casos) 9 a 12 (muitos casos); 13 a 16 (a maioria dos casos) e 17 a 21 (a grande maioria dos casos). As categorias de análise foram definidas a priori baseadas nos temas de Constelação de Maternidade de Stern (1997). A definição operacional das categorias foi baseada, além de Stern (1997), nas produções que utilizaram o conceito de constelação da maternidade (Dorneles, & Lopes, 2011; Gonçalves, & Piccinini, 2008; Kruel, & Lopes, 2011), e no artigo de Innamorati et al. (2010), que considerou as especificidades da constelação da maternidade na gestação. A seguir, apresenta-se a definição operacional dessas categorias adaptadas para a fase gestacional:

Vida-crescimento: nessa categoria, inclui-se a preocupação com a competência e as condições para garantir o crescimento físico do bebê. Abarca os medos da mãe acerca da sobrevivência do bebê. Na gestação, os temores giram em torno de possíveis más-formações, abortos e de problemas no parto com a mãe ou com o bebê.

Relacionar-se primário: refere-se ao envolvimento emocional da mãe com o filho. Abrange apego, segurança, afeição e holding. Os medos dizem respeito a não se sentir natural, ser inadequada, vazia, não generosa, incapaz de amar o bebê e de ser amada, não ser espontânea e egoísta.

Matriz de apoio: refere-se à necessidade da mãe de criar, permitir, aceitar e regular uma rede de apoio protetora, benigna, para que ela possa realizar plenamente as duas primeiras tarefas anteriores.

Reorganização da identidade: refere-se à necessidade da mãe de transformar e reorganizar sua identidade, redirecionando seus investimentos emocionais, a distribuição do seu tempo e energia, assim como redefinir suas prioridades.

A partir da definição das categorias e da transcrição das entrevistas, dois dos autores do presente estudo classificaram separadamente os relatos das mães em cada categoria e, em casos de discordância, usou-se um terceiro autor como juiz. A seguir, são apresentadas as categorias, ilustradas com exemplos de relatos das mães.

 

Resultados

Os resultados do artigo serão expostos de acordo com as categorias definidas acima: (a) vida-crescimento, (b) relacionar-se primário, (c) matriz de apoio, e (d) reorganização da identidade. Os temas serão exemplificados com alguns trechos das entrevistas realizadas com as mães1, cuja identificação foi substituída pela letra M (Mãe) e pelo número correspondente a cada caso.

Vida-crescimento

Nesta categoria, investigaram-se as preocupações maternas e a sua competência e condições em manter o bebê vivo e assegurar o crescimento físico do bebê. Especificamente, buscou-se identificar a presença e a compreensão desses sentimentos na gestação de um segundo filho. A grande maioria das mães (16) abordou esse tema ao longo da entrevista. Uma das principais preocupações das mães era a incerteza ou insegurança de o bebê ser saudável, perfeito, sem problemas de saúde ou limitações físicas e mentais: "A preocupação que a gente sempre tem é a saúde [...] nascer bem, nascer com todos os dedinhos, aquelas coisas, nasce tudo normal, não ter problema nenhum, não precisar ficar na CTI, na neonatologia" (M7). A partir dos relatos maternos percebeu-se que os medos e receios de que o bebê pudesse não sobreviver ou não ser saudável estavam presentes, assim como previsto por Stern (1997). No entanto, percebeu-se que os temores das mães em relação à segunda gravidez eram amenizados ou acrescidos pelo sucesso da primeira gestação ou de frustrações e perdas vividas: "Como eu tive esse aborto espontâneo ano passado, então, até passar esse período crítico, que foi os primeiros três meses, a gente fica sempre naquela expectativa e tal, né?" (M8).

Outro aspecto relacionado a esse tema, apontado por 3 mães, foi a preocupação acerca do bem-estar e até mesmo da vida do bebê: "Daí às vezes ‘Ai, mexe, por favor. Mexe pra dizer que tá tudo bem’. Depois que começa a mexer tu quer que sempre esteja mexendo. Se não mexe é porque alguma coisa aconteceu" (M3). O medo de perder o bebê, de não ser capaz de mantê-lo vivo (2 mães), assim como o medo de ela própria morrer no parto (1 mãe), também acarretavam temores em algumas mães. No entanto, percebeu-se que a mãe em questão sentia que esse medo não poderia paralisá-la, pois havia outra criança para cuidar e se preocupar: "Nesse momento agora, eu tô mais preocupada com essa questão né, de de repente fazer falta pro R. [primogênito]" (M04).

A capacidade de manter o bebê vivo também fazia parte das falas de várias mães (5), ao perceberem-se capazes de sustentar o bebê física e emocionalmente. Geralmente, as falas eram acompanhadas de comparações com o primogênito. O sucesso na criação do primogênito legitimava a capacidade da mãe em sustentar e manter o novo bebê vivo: "Porque é aquela coisa, a gente, às vezes, sabe quando o choro é de manha, quando é de cólica, a gente tenta acalmar, bota aqui, porque o colo faz com que acalma, e vamos indo, né, tentando de tudo" (M1). Ao mesmo tempo, as mães mostraram medo de serem incapazes de entender o bebê, de conseguir dar conta de duas crianças ou do fato de um filho ser diferente do outro, ter necessidades diferentes: "Apesar de tu ter um filho, eu acho que a gente nunca sabe o que que uma criança vai querer, né? Porque ele [segundo filho] vai chorar por outros motivos, pode ser outras coisas que a I. [primogênita] não teve, pode não ter cólica, a I. teve" (M3).

Relacionar-se primário

Esse tema investigou as preocupações maternas de amar e compreender o filho, de ser sensível às necessidades do bebê e de estabelecer uma relação recíproca e de afeto que facilitasse o desenvolvimento psíquico do bebê. Em especial, buscou-se identificar a presença e como a mãe se relacionava com o segundo filho durante a gestação. A grande maioria das mães (17) abordou esse tema ao longo da entrevista. A dedicação que a maioria das mães (14) tinha ou se propunha a ter com o segundo filho foi a resposta que demarcou com mais frequência a capacidade da mãe de amar e se devotar ao bebê. Os relatos surgiram, mais uma vez, em constante comparação ao primogênito, revelando que as mães procuravam ser menos rigorosas ou preocupadas com seu relacionamento e cuidados com o segundo filho. A dedicação ao bebê preocupava as mães principalmente em relação ao temor de que o primogênito viesse a sentir ciúmes do irmão ou irmã: "A questão é aquela coisa, assim, de o A. [primogênito] ficar com mais ciúmes, vou ter um pouquinho mais de dificuldade nisso. Então, eu vou ter que dar atenção pro A. e vou ter que dividir um pouquinho mais, né" (M20).

O relacionamento primário com o segundo filho perpassava a relação estabelecida na gestação e uma relação imaginária que a mãe iria estabelecer com o bebê, incluindo as expectativas pela interação e envolvimento direto com o bebê (9 mães): "[como imagina a relação com o segundo filho] Ele é o meu caçulinha assim, sabe, eu tô um pouco com essa ideia assim. ‘Ai, caçula da mamãe’. Eu quero tentar fugir um pouco disso, mas eu tô preocupada. Eu tenho a sensação de que vai ser assim o meu bebê, sabe?" (M14). O relacionamento da mãe com o bebê ainda na barriga poderia ser menos intenso pela dedicação ao trabalho e ao primogênito, bem como por já ser um processo conhecido: "Enfim, eu acho que todo o dia ficava procurando a mão do R.[primogênito] (risos). E esse não é assim, né. Esse bebê agora, não tá sendo assim. E em parte acho que é falta de tempo e a outra parte acho que é falta da novidade" (M10).

O sentimento de ser capaz ou não de amar o bebê foi relatado por poucas mães (4). Nesses casos, as poucas mães pareciam duvidar de sua capacidade de amar ambos os filhos, demonstrando alguns sentimentos que, para a mãe, colocavam em dúvida a sua capacidade: "Eu vou curtir ele [segundo filho] e tal. Só que eu tenho, eu tenho um certo temor, assim, fantasia, eu sei, mas assim, de não gostar dele tanto quanto dela [primogênita]" (M6).

Matriz de apoio

Esta temática buscou investigar a necessidade da mãe de criar, permitir, aceitar e regular uma rede de apoio protetora que envolvesse tanto ela própria como o bebê, citada pela grande maioria das mães (20). Em mães de segundo filho, essa rede é ampliada pela necessidade de cuidados do primogênito. A grande maioria das mães (18) referiu-se ao marido como principal fonte de apoio, especialmente para o cuidado do filho mais velho, vistas as dificuldades com o tamanho e peso da barriga e a posterior dedicação ao bebê recém-nascido: "Ele [companheiro] assumiu muito, desde o início da gravidez, a B. [primogênita]. Quando ela quer alguma coisa que exige muito esforço físico maior, ele se dedica muito mais a ela, nesse sentido pra aliviar o esforço pra mim" (M2). A mãe também esperava contar com o companheiro para cuidar do bebê a fim de que pudesse continuar atendendo o primogênito nas suas necessidades: "Ele [companheiro] vai ter que se envolver muito com o A. [primogênito], né, mas é claro que tem que se envolver com o nenê, até pra mim poder dar atenção pro A., né, porque o A. vai continuar precisando de mim" (M20). Percebeu-se que a mãe tendia a valorizar a presença do pai e procurava resguardar a relação da tríade, junto com o bebê, da intrusão de outras pessoas: "O J. [companheiro] quando o nenê nascer tem aqueles dias de licença. Eu não quero ninguém aqui. Eu quero eu, o J., o J.P. [primogênito], o J. [segundo filho] e a R., minha empregada, no máximo. E o meu marido também precisa disso. Ficarmos só nós" (M14).

A família de origem da mãe, principalmente a avó materna, era fonte de apoio para muitas mães (11), principalmente para auxiliar nos cuidados e em situações em que não podiam contar com o pai: "É, meu pai e minha mãe são os que estão mais próximos e os que mais me ajudam assim, né. Então, em muitos momentos assim, quando eu tô, tipo final de semana assim, aí eu tava bem cansada da semana e tal, aí eu vou pra lá de manhã, principalmente, normalmente é quando o M. [companheiro] não tá, né, se não a gente fica mais nós e ele assume" (M2). As mães chamaram a atenção para o fato de que tentavam não utilizar o apoio dos avós para assumir a maior parte dos cuidados com seus filhos: "Eu assumo tudo muito sozinha. Porque a minha mãe e o meu pai me ajudam um monte, sempre que eu precisei eles ficaram com a B. [primogênita], mas não assim, aquela coisa do compromisso de ter que ficar" (M2). As mães apresentavam segurança no apoio dos avós: "Meu pai e minha mãe são muito presentes. Então, assim, apoio eu sempre vou ter" (M7). Outras pessoas também foram mencionadas como rede de apoio para muitas mães (12), como vizinha, sogra, irmã, profissionais da saúde, babá: "Ela [vizinha] está sempre disposta, ela sempre se oferece para me ajudar no que for" (M1).

Há os casos das mães que não se sentiam apoiadas por nenhuma pessoa ou por alguém de quem esperavam apoio na segunda gestação, principalmente o pai do bebê (3 mães), precisando assumir as dificuldades com a gestação e os cuidados do primeiro filho sozinhas: "Ele me culpou, disse que eu fiz [engravidou] de propósito, que eu enganei ele, que eu traí ele, ele disse isso na terapia: ‘Ela me traiu, ela fez sem eu saber’. Não conto com ele [marido]. Quanto menos eu pedir coisa pra ele, melhor" (M1).

Reorganização da identidade

Esta categoria incluiu as preocupações da mãe com sua capacidade de lidar com as mudanças em sua identidade, especialmente com o desempenho das funções maternas (20 mães). No caso das mães de segundo filho, percebeu-se que há uma reorganização tanto envolvendo o sexo do bebê, principalmente quando ocorre uma mudança do primeiro para o segundo filho, como uma mudança quantitativa – mãe de um filho para mãe de dois. Quanto à diferença ou igualdade de gênero do segundo filho, a maioria das mães (16) preocupava-se em como serão como "mãe de menino" ou "mãe de menina", salientado as diferenças que enfrentariam ou ainda amenizando quando os filhos eram do mesmo gênero: "Ai, meu Deus, vou ser mãe de guri, como é que será ser mãe de guri, né?" (M11).

A reorganização da identidade, como mãe de dois filhos, perpassava a comparação das experiências de gestação atual e anterior da maioria das mães (15): "Eu me percebo um pouco mais abatida, assim, do que da primeira vez, como se eu não tivesse agora muito tempo até pra curtir isso" (M6). Ser mãe de um segundo filho poderia significar a vivência de uma experiência que não era nova, que não requeria mudanças extremas: "Esse [segundo filho] já vai nascer com tudo, brinquedo por tudo, todo o contexto de criança já vai tá montado" (M9). As mães se referiam como cansadas pela rotina pesada de trabalho, cuidado da casa e do filho mais velho, não possibilitando espaço para que pudessem "curtir" a gestação e pensar em si mesmas como mães: "Se eu comparar as duas gestações, eu não me sinto tão bem quanto foi em relação à primeira. Eu acho que talvez nessa segunda gestação eu estou mais cansada" (M13). Por outro lado, por ser uma segunda gravidez, a mãe se permitia fazer coisas que antes foram restringidas por medo ou insegurança: "Tu já não te preocupa tanto de fazer mecha no cabelo (risos), de fazer coisas que a gente, na primeira, restringe. Na segunda tu já é mais light" (M16).

Muitas mães (11) se sentiam mais maduras, percebendo o impacto disso no bebê. Relataram que sua experiência de maternidade prévia influenciava sua segunda vivência como mãe: "Eu acho que vai ser mais fácil lidar com ele [segundo filho], porque eu me sinto mais segura, mais madura, mais velha" (M6). Ao mesmo tempo, o medo do novo evidenciou-se: "Tem horas que eu acho que vai dar tudo certo e tem horas que eu acho que de repente eu vou me sentir de novo marinheira de primeira viagem porque estamos numa nova situação" (M14).

Outro aspecto fundamental na reorganização de identidade da maioria das mães (13) foi a abertura de espaço psíquico para o segundo filho. Desde questões como a rotina até preocupações com o primogênito e reorganização das relações familiares foram revistas a fim de assimilar esse novo membro: "Como é uma nova pessoa chegando, cada um vai ter de abrir um pouquinho de espaço para encaixar essa pessoa. Mesmo sendo um bebê, já vai ter as exigências dele como todo bebê, mas então acho que cada um vai ter de abrir um espaçozinho e acomodar ele" (M21).

 

Discussão

A partir do questionamento de Stern (1997) acerca da existência e da qualidade da experiência da constelação da maternidade com outros filhos, o presente artigo apresentou dados que indicam a presença desse fenômeno nas mães de segundo filho. Ademais, encontrou-se, como previsto por Stern (1997), que a constelação da maternidade já poderia estar presente na gestação. Entretanto, percebeu-se distinções na forma como a constelação da maternidade se manifestou nas participantes deste estudo. Desse modo, serão apresentadas as especificidades da constelação da maternidade em gestantes de segundo filho em cada tema.

A categoria vida e crescimento trouxe à tona os medos e receios das mães de segundo filho de que o bebê pudesse não sobreviver ou não ser saudável, assim como previsto por Stern (1997). No entanto, os aspectos que caracterizam esse tema parecem estar presentes com menor intensidade na segunda gestação em comparação com os outros temas, na medida em que as falas compreendidas nesta categoria não expressavam uma preocupação expressiva, conforme é percebido em primíparas (Innamorati et al., 2010). Segundo Innamorati el al. (2010), haveria um destaque expressivo em mães primíparas para o tema vida e crescimento, ligado a preocupações acerca da sobrevivência dos bebês, e durante a gravidez os medos girariam em torno de uma possível má-formação, ou que algo ruim ocorresse durante o parto.

Pode-se pensar que, comparando os resultados do presente estudo com o artigo de Innamorati el al. (2010), uma vez que as mães de primeiro filho já tiveram sucesso em conceber e criar seus primogênitos, os receios presentes na segunda gestação não estariam mais predominantes. Assim, pode-se entender que a energia psíquica se tornaria mais disponível para que as mães de segundo filho vivenciem questões mais profundas em termos emocionais, que não diriam respeito apenas a uma questão de ser capaz de cuidar seu bebê, mas que tocariam em termos de sua psique, como as que aparecem nas categorias relacionar-se primário e na reorganização de identidade.

Na categoria relacionar-se primário, as mães participantes, assim como seria esperado por Stern (1997), questionavam a sua capacidade de amar o bebê e oferecer a ele segurança, afeição e holding. Na segunda gestação, os medos esperados nesse tema poderiam ser aumentados pelo receio de não ser capaz de amar os dois filhos da mesma forma ou na mesma magnitude, devido à intensa relação estabelecida com o primogênito. Nesse aspecto, as mães pareceram sentir-se com medo do novo, do que estaria por vir na nova relação com o segundo filho, assim como das mudanças que ocorreriam na relação com o primogênito. Kreppner (1988) e Piccinini et al. (2007) mencionaram que a mãe precisaria reestruturar a relação com o primogênito para então poder dedicar-se ao novo filho. Nesse sentido, Vivian et al. (2013) destacam que o papel que a mãe já havia assumido no nascimento do primogênito precisaria se diferenciar diante da proximidade da chegada do segundo, e essa seria uma nova oportunidade para exercer a maternidade de maneira diferente da primeira vez. Barros (2010) também encontrou evidências na mesma direção das apontadas na análise desta categoria, ao sugerir que haveria uma preocupação das mães de investir simultaneamente em seus dois filhos.

Com isso, a reorganização de identidade, que a priori teria sido inaugurada com a chegada do primogênito, seria revista diante do segundo filho. Assim, nessa segunda experiência de maternidade a mãe criaria espaço para esse novo bebê, incluindo na sua identidade o ser mãe de dois filhos. Esse espaço seria criado através da abertura na relação com o primogênito, com o marido e, até mesmo, no espaço físico em que a família mora (Esteves et al., 2013; Vivian, Lopes, & Caron, 2011). Outro aspecto relativo à reorganização de identidade estaria ligado ao gênero do segundo filho, principalmente quando este era diferente do gênero do primogênito. Nesses casos, as mães demonstrariam uma preocupação em reorganizarem-se como mãe de menina, caso já tivessem um menino, e, nos casos que a primogênita fosse uma menina, teria que haver essa reorganização para se perceberem como mãe de um menino nessa segunda experiência.

Segundo Innamorati et al. (2010), as mães que tivessem conhecimento do sexo dos bebês na gestação apresentariam com maior frequência os temas matriz de apoio e reorganização de identidade. Esses achados estão de acordo com os do presente estudo em relação ao tema Reorganização da Identidade, vista a expressividade, dentro desse tema, do aparecimento de questões relacionadas ao gênero dos bebês, especialmente nos casos em que esse era diferente do gênero do primogênito. Nesse sentido, percebeu-se que, nas mães de segundo filho, quando o gênero era o mesmo que o do filho mais velho, havia uma aparente "facilidade" nos relatos dessas mulheres para se organizarem enquanto mães, como se essa semelhança as confortasse nesse processo de se tornarem mães de uma segunda criança.

No estudo de Vivian et al. (2013), dentre as mães que esperavam filhos do mesmo gênero foram relatados sentimentos de alívio, por acharem que já sabiam lidar com o que era familiar. Já as mães cujos segundos filhos eram de gênero diferente dos primeiros pareceram expressar mais temores pelas mudanças diante da proximidade da chegada de um novo bebê, destacando mais as diferenças em relação ao primogênito. De forma semelhante ao presente estudo, a preferência por determinado gênero, para as mães que esperavam um segundo filho, estava muito ligada ao gênero do primogênito, tanto no sentido de ter um bebê do mesmo gênero como de ter uma experiência diferente da primeira. Sendo assim, a experiência da maternidade do segundo filho envolveria diversos sentimentos e expectativas, além de favorecer um processo de transformação da identidade e crescimento (Esteves et al., 2013; Lopes et al., 2012).

Na categoria matriz de apoio, como apontado por Stern (1997), a mãe contaria com a própria mãe para dar conta das tarefas previstas nos temas anteriores. As mães do presente estudo, além de contarem com suas mães, mencionaram estar se sentindo apoiadas por outras fontes como outros membros da família de origem (pai, mãe, irmãs), marido, amigas, sogra, entre outros. Dentre essas fontes, o apoio do companheiro foi mais expressivo. Essas mães demonstraram esperar que ela e seu marido "trabalhassem como uma equipe", a fim de dar conta das demandas do primogênito e do novo bebê. Os achados do presente estudo sugerem que esse tema estaria mais relacionado ao marido no contexto de chegada do segundo filho. Esse resultado vai ao encontro de outros estudos, os quais sugeriram a ocorrência do estreitamento da relação do pai com o primogênito, a fim de que a mãe pudesse exercer a maternidade do segundo filho (Esteves et al., 2013; Kreppner, 1988; Piccinini et al., 2007).

Nesse sentido, cabe destacar os casos deste estudo em que esse apoio não esteve presente, de forma que a mãe precisou arcar sozinha com as responsabilidades com o primogênito e com o segundo filho. Nesses casos, foi possível perceber que essa experiência de não se sentir apoiada impactou de maneira global a experiência de maternidade dessas mães com seus segundos filhos, afetando a vivência dessas mulheres em relação às demais categorias. Dessa forma, pode-se sugerir que a categoria matriz de apoio nesse contexto de maternidade de segundo filho tem importância fundamental para que a mulher seja capaz de vivenciar integralmente as demais categorias.

No terceiro trimestre de gestação do segundo filho, as mães que participaram do estudo de Vivian et al. (2013) vivenciaram a proximidade da chegada do novo bebê como um período de intensas mudanças. O primeiro filho foi incluído ativamente nos preparativos para receber o irmão. Algumas preocupações, como dividir a atenção e a perda de exclusividade do primogênito, foram destacadas. É grande a importância atribuída pelas mães à aceitação do bebê por parte do primogênito e à preocupação com a mudança da intensidade da relação com o primeiro filho. A mãe temeria perder ou diluir a intensidade da relação com o primogênito diante da chegada de um bebê, ainda desconhecido. Existiria ainda o medo de que o filho mais velho viesse a sofrer e fosse prejudicado pela rivalidade com o novo bebê (Brazelton, & Cramer, 1992). Contudo, a maioria das crianças demonstrou que poderia aprender a compartilhar e se adaptar à chegada de um irmão (Vivian et al., 2011).

Além disso, Vivian et al. (2013) apontaram que as expectativas maternas foram mediadas pelas comparações com o primogênito, embora já na gestação do segundo filho tenha começado a se esboçar sutilmente o reconhecimento das possíveis diferenças e semelhanças com as quais as mães teriam que lidar. Acolher e aceitar o desconhecido que viria através do novo bebê e dividir o tempo e a atenção do primogênito foi uma das principais preocupações maternas já na gestação do segundo filho (Esteves et al., 2013). Algumas mães referiram se sentir diferentes com esse novo bebê, pois também já haviam passado pela experiência anterior e podiam comparar diferentes sentimentos para uma situação semelhante, além de vivenciarem essa experiência como uma oportunidade de exercer a maternidade de forma diferente (Frost, 2006).

Com base nas questões apresentadas acima, o presente estudo vem contribuir com a literatura acerca da experiência da maternidade, especialmente na compreensão do fenômeno constelação da maternidade no nascimento do segundo filho. Conforme Stern (1997) sugeriu, este estudo pôde indicar que a constelação da maternidade estaria presente de forma distinta nas mães de segundo filho. Foi possível entender que a segunda gestação trouxe às mulheres uma oportunidade de experienciarem questões mais profundas, que dizem respeito a sua relação com o seu bebê, reelaborando, consequentemente, sua identidade enquanto mãe de duas crianças. Esse aprofundamento da mãe pode ser possibilitado pelo manejo de suas angústias acerca da sua capacidade de criar um filho saudável e, essencialmente, pelo sentimento de estar sendo apoiada pelo companheiro no cuidado do primogênito. Desse modo, a energia psíquica da mãe pode voltar-se, nesse primeiro momento, para o bebê que está chegando. Nesse sentido, este estudo vem reafirmar a literatura a respeito de que a qualidade da experiência da maternidade de mães de um segundo filho guarda diferenças da experiência que ocorre em mães de primeiro filho no que diz respeito à constelação da maternidade, e assim apontar as possíveis direções em que essas diferenças ocorrem.

Outra contribuição do presente estudo está na legitimação da utilização do conceito da constelação da maternidade e de seus temas como categorias de análise em pesquisa qualitativa. Nesse sentido, também se torna relevante ressaltar que, por meio da sistematização e operacionalização de um conceito psicanalítico, promove-se a aproximação das contribuições desse conceito com a pesquisa acadêmica.

Como limitações do presente estudo, entende-se que não houve um aprofundamento nos casos em que as mães passaram por situação de aborto. Provavelmente, essas mães tiveram mais temores do que as mães que não passaram por essa situação, o que teria um impacto sobre a categoria vida e crescimento, por exemplo. Dessa forma, acredita-se ainda mais na importância da atenção dos profissionais para esse momento do ciclo vital da mulher e da família, visto que ele pode trazer consigo uma história de perdas e angústias.

Tendo em base os achados do presente estudo, salienta-se a importância dos programas de atendimento psicológico pré e pós-parto para gestantes que esperam seu segundo filho, constatação também sugerida por Esteves et al. (2013). Acredita-se que seja fundamental que essas intervenções possam acolher em seu setting a presença do primogênito e do pai do bebê, a fim de que questões relacionadas aos medos em relação à perda de espaço/amor no primogênito seja trabalhada em todos de forma preventiva, assim como a possível reorganização desse espaço familiar físico e psíquico. A presença do pai nesses atendimentos se torna essencial para trabalhar as questões relacionadas à matriz de apoio, que no presente estudo apareceu como fundamental e estruturante para as mulheres que a vivenciaram através dos pais dos seus bebês.

Quanto a sugestões para estudos futuros, a partir deste trabalho acredita-se ser importante investigar como se dá esse contexto da maternidade de um segundo filho em famílias recasadas, nas quais o pai do segundo filho é diferente do primeiro. Essa questão surgiu uma vez que no presente estudo o vínculo dos pais com o primogênito se demonstrou essencial, no desenrolar das reorganizações psíquicas e estruturais familiares, para que a gestante pudesse se entregar mais plenamente à sua segunda gestação. Da mesma forma, estudar a constelação da maternidade em famílias mais numerosas, assim como em casos de gestações gemelares, pode se configurar relevante para compreensão da experiência da maternidade em diversos contextos de estruturas familiares.

 

Referências

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Recebido em 26 de março de 2015
Aceito para publicação em 17 de março de 2017

 

 

Nota

1Foram selecionadas algumas vinhetas para fins de exemplificação, embora a análise tenha sido feita a partir de toda a entrevista.

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