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Psicologia Clínica

Print version ISSN 0103-5665On-line version ISSN 1980-5438

Psicol. clin. vol.29 no.3 Rio de Janeiro  2017

 

SEÇÃO TEMÁTICA

 

Mães adolescentes que vivem com o HIV: uma investigação qualitativa sobre a "Constelação da Maternidade"

 

Adolescent mothers living with HIV: a qualitative research about the "Motherhood Constellation"

 

Madres adolescentes que viven con el VIH: una investigación cualitativa sobre la "Constelación de la Maternidad"

 

 

Margaret Daros PintoI; Gabriela Nunes MaiaII; Marco Daniel PereiraIII; Daniela Centenaro LevandowskiIV

IEspecialista em Infância e Família: Avaliação, Prevenção e Intervenção pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Instituto de Psicologia, Porto Alegre, RS, Brasil
IIDoutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da UFCSPA, Porto Alegre, RS, Brasil
IIIPesquisador da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, UC, Coimbra, Portugal
IVProfessora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia e Saúde e do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da UFCSPA, Porto Alegre, RS, Brasil

 

 


RESUMO

A vivência da maternidade adolescente na presença do HIV ainda é um tema pouco explorado na literatura científica. O presente estudo buscou examinar, entre mães adolescentes HIV+, os temas referentes à Constelação da Maternidade (Stern, 1997): Vida e crescimento, Relacionar-se primário, Matriz de apoio e Reorganização da identidade. Nove mães (16 a 21 anos), de nível socioeconômico baixo, contatadas em serviços de saúde de Porto Alegre, responderam uma entrevista semiestruturada. A análise de conteúdo qualitativa das entrevistadas indicou preocupação com a saúde do bebê, medo de infectá-lo e ansiedade frente à possibilidade de diagnóstico positivo para HIV. A presença do HIV mostrou-se um grande desafio para as adolescentes, embora tenham descrito um sentimento positivo frente à maternidade. Verificou-se a constituição de uma boa rede de apoio familiar, que auxiliou as jovens no cuidado do bebê. O tema Vida e crescimento destacou-se, pois sentimentos de proteção à criança pareceram intensificados nas participantes, pela possibilidade de transmissão vertical do HIV desde a gestação. Ressalta-se a importância de apoio psicológico para mães jovens HIV+ durante a gestação e primeiros meses do bebê.

Palavras-chave: gravidez na adolescência; relação mãe-bebê; HIV/aids; Constelação da Maternidade.


ABSTRACT

The experience of adolescent motherhood in the presence of HIV infection is still a topic poorly addressed in the scientific literature. The aim of the present study was to examine, among adolescent HIV+ mothers, the themes of the Motherhood Constellation proposed by Stern (1977): Life-growth, Primary relatedness, Support matrix and Identity reorganization. Nine HIV+ mothers (aged from 16 to 21 years) participated in the study. They were recruited from public health services in Porto Alegre, RS, Brazil, and were all of low socioeconomic status. A semi-structured interview was carried out and a qualitative content analysis was performed. This analysis demonstrated the mothers’ concern about their babies’ health, fear of infect them and anxiety about the possible positive diagnosis for HIV. The presence of HIV infection was verified to be a great challenge to adolescent mothers, although they also described positive feelings related to motherhood. It was also found a good social support network, especially family support, which helped these mothers to be responsible by babies’ care. The Life-growth theme was emphasized, because maternal feelings of children protection seemed intensified among these young mothers, due to the possibility of vertical transmission of HIV since pregnancy. These results highlight the relevance of providing psychological support for HIV+ mothers during the pregnancy and the first months of a baby’s life.

Keywords: adolescent pregnancy; mother-baby relationship; HIV/AIDS; Motherhood Constellation.


RESUMEN

La experiencia de la maternidad adolescente en la presencia del VIH es un tema poco explorado en la literatura científica. El objetivo fue examinar, entre madres adolescentes VIH+, los temas relacionados con la constelación de la maternidad (Stern, 1997): Vida y crecimiento, Relacionarse primario, Red de apoyo y Reorganización de la identidad. El estudio incluyó nueve madres (16-21 años), de nivel socioeconómico bajo, contactadas en servicios de salud de Porto Alegre/RS, Brasil. Ellas respondieron a una entrevista semi-estructurada. La análisis de contenido realizada ha indicado preocupación de las madres con la salud del bebé, miedo a infectarlo y ansiedad ante la posibilidad de diagnóstico positivo para el VIH. La presencia del VIH resultó ser un gran reto para las adolescentes, a pesar de describieren sentimientos positivos relacionados con la maternidad. Se ha observado la creación de una buena red de apoyo social, sobretodo familiar, lo que ayudó a las madres a responsabilizarse por el cuidado del bebé. Lo tema más destacado fue Vida y crecimiento, ya que los sentimientos de protección hacia los niños parecieron intensificarse en estas madres, por la posibilidad de transmisión vertical del VIH desde el embarazo. Esos resultados destacan la importancia del apoyo psicológico a las madres VIH+ durante el embarazo y los primeros meses de vida del bebé.

Palabras clave: embarazo en la adolescencia; relación madre-hijo; VIH/SIDA; constelación de la maternidad.


 

 

Introdução

A adolescência é uma etapa de intensas mudanças físicas, psicológicas e sociais. Pode ser considerada um período de vulnerabilidade, em especial na esfera sexual (Davim, Germano, Menezes, & Carlos, 2009), pois a imaturidade dos adolescentes faz com que adotem comportamentos de risco, como o sexo sem proteção, o que repercute em um crescente número de gestações e de contaminação por doenças sexualmente transmissíveis (Hercowitz, 2002). No Brasil, em 2014, aproximadamente 18% dos bebês nascidos vivos eram filhos de mães jovens de 15 a 19 anos (Brasil, IBGE, 2014). Também segundo dados do Boletim Epidemiológico DST/AIDS e Hepatites Virais (Brasil, Ministério da Saúde, 2014a), a faixa etária mais afetada pelo HIV é aquela compreendida entre 19 e 24 anos, especialmente as mulheres.

A presença do HIV durante a gravidez e a maternidade pode ter repercussões importantes para a mãe e o bebê. Estudo realizado por Ingram e Hutchinson (2000) indicou que as mães que tinham descoberto o HIV durante a gestação lembravam esse fato como algo especialmente difícil. Nessa perspectiva, Ethier et al. (2002) advertiram para a necessidade de identificação dos riscos psicossociais, depressão e desordens somáticas (Kwalombota, 2002), envolvidos no diagnóstico de infecção pelo HIV/aids durante o período gestacional. Contudo, o período da gestação, envolto em complexas tarefas psicológicas e readaptação na rotina e nos papéis familiares (Leite, Rodrigues, Sousa, Melo, & Fialho, 2014) torna-se muitas vezes o momento de descoberta e tratamento do HIV.

A literatura científica ainda é escassa no que tange à investigação da experiência da gravidez e da maternidade na presença do HIV. Estudos brasileiros indicaram que a maternidade permanece numa posição idealizada, sendo colocada como prioridade frente à infecção (por ex., Carvalho, & Piccinini, 2006). A maternidade fortalece o desejo dessas mulheres de continuar vivendo para cuidar dos filhos, promovendo, indiretamente, o seu autocuidado (Castro, 2001). Desse modo, verifica-se que a gravidez na presença dessa condição clínica pode possibilitar um reposicionamento diante da doença (Vescovi, Pereira, & Levandowski, 2014). Outro aspecto é a presença de sentimentos de culpa e medo nessas mulheres, que podem indicar um sofrimento psíquico importante (Carvalho, & Piccinini, 2006; Gonçalves, 2007). Segundo Carvalho e Piccinini, essa culpa está associada ao medo de transmissão vertical do HIV e, em consequência, da morte do bebê. De fato, existe essa possibilidade de transmissão do vírus da mãe para o bebê por ocasião da gestação, no parto ou durante a amamentação (Brasil, Ministério da Saúde, 2014b). Tais sentimentos contradizem a concepção idealizada da maternidade (Carvalho, & Piccinini, 2006).

A partir da descoberta do HIV, o parto passa a ser uma fonte de intensa preocupação. É comum um aumento da tensão e do medo nessas mães, por ser esse um momento crucial para evitar a infecção da criança (Carvalho, & Piccinini, 2006). O período após o nascimento também fica permeado pela incerteza frente ao diagnóstico do filho e pela necessidade de retomar/iniciar o próprio tratamento antirretroviral. Somado a isso, a presença do HIV contraindica a amamentação (Brasil, Ministério da Saúde, 2010), situação que se mostra paradoxal para as mães. Ao mesmo tempo que a mulher se vê impedida para o aleitamento, ela sabe da sua importância para o desenvolvimento da criança e o relacionamento mãe-filho (Faria, & Piccinini, 2010). Assim, o impedimento da amamentação pode influir na experiência de maternidade.

Diante do exposto, percebe-se que a sobreposição da maternidade e do HIV exige uma importante reorganização psíquica dessas mulheres. Contudo, a partir de consulta à literatura, poucos estudos são localizados sobre o tema, especialmente no âmbito brasileiro. Constata-se a necessidade de novos estudos, em especial sobre a perspectiva subjetiva da mãe jovem HIV+, devido às repercussões dessa condição clínica e da maternidade na adolescência para a jovem e a relação a ser estabelecida com o bebê.

Uma perspectiva teórica útil para o estudo desses aspectos é a Constelação da Maternidade (CM), postulada por Stern (1997) a partir de estudos clínicos com pais e bebês. Esse termo serve para denominar o conjunto de transformações vividas pela mulher durante a gravidez. Conforme o autor, com o nascimento do bebê, a mãe passa por um profundo realinhamento psíquico, tendo em vista a necessidade de adaptações frente aos seus novos papéis. Essa nova situação implica na reelaboração de vários esquemas a respeito de si mesma, do bebê, do companheiro e também de sua família.

Para Stern (1997), essa constelação determina os comportamentos, sentimentos, sensibilidades, fantasias, medos e desejos maternos. De duração temporária, a CM se torna o eixo organizador dominante da vida psíquica da mulher, colocando de lado os organizadores anteriores (por exemplo, o complexo edípico). Caracteriza-se por uma trilogia de preocupações e discursos diferentes, que estão relacionados entre si e que acontecem interna e externamente: discurso da mãe com sua própria mãe, discurso da mãe consigo mesma e discurso da mãe com seu bebê. A partir dessa trilogia, Stern (1997) destacou quatro temas centrais: Vida e crescimento, Relacionar-se primário, Matriz de apoio e Reorganização da identidade. Segundo esse autor, o tema Vida e crescimento envolve a questão de a mãe se sentir capaz de propiciar a continuidade do desenvolvimento e do crescimento físico do bebê. Quanto ao tema Relacionar-se primário, refere-se à competência de se envolver emocionalmente com o bebê e de reconhecimento do bebê como seu filho. O terceiro tema (Matriz de apoio) corresponde à necessidade da mãe de criar e permitir uma rede de apoio protetora, para que ela possa promover o desenvolvimento físico e psíquico do bebê. Por fim, o tema Reorganização da identidade inclui a necessidade da mãe de transformar e reorganizar a sua identidade para assumir o novo papel materno.

Diante do panorama apresentado, associando-se a maternidade precoce à presença de uma condição de saúde como o HIV, uma questão importante que se coloca é relativa às alterações psicológicas induzidas pela gestação e nascimento de um bebê nesse contexto. Assim, o presente estudo objetivou examinar, entre mães adolescentes que vivem com o HIV, os temas centrais referentes à CM proposta por Stern (1997).

 

Método

Participantes

Participaram do estudo nove mães adolescentes (com idades entre 16 e 21 anos), que receberam diagnóstico de soropositividade para HIV na gestação/parto, residentes em Porto Alegre e região. Seus bebês tinham entre quatro e seis meses de vida no momento do estudo e apenas uma não era primípara. Nenhuma das jovens frequentava a escola e somente uma estava trabalhando. Quatro jovens identificaram-se como solteiras, embora três delas mantivessem relacionamento amoroso com o pai biológico do bebê. Outras cinco jovens se identificaram como casadas com o pai biológico do bebê.

As jovens foram recrutadas em serviços públicos especializados no atendimento a HIV/aids de Porto Alegre (Serviço de Atenção Especializada do Centro de Saúde Vila dos Comerciários, Hospital-Dia do Setor de Infectologia do Hospital Fêmina e Hospital Cristo Redentor) e integraram o projeto "Avaliação e intervenção com mães adolescentes soropositivas: Focalizando a saúde mental, a adesão ao tratamento e a relação com o bebê" (Levandowski, Castoldi, Canavarro, & Pereira, 2010), que recebeu financiamento do CNPq e da FAPERGS para a sua execução.

Delineamento, Procedimentos, Instrumentos e Considerações éticas

No presente estudo, utilizou-se delineamento qualitativo exploratório-descritivo (Gil, 2010). O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da UFCSPA (Protocolo 10-617), da Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre (Protocolo 001.021424.10.1) e do Grupo Hospitalar Conceição (Protocolo 10-170).

No primeiro contato com as jovens nos serviços de saúde, era explicado o objetivo e o funcionamento da pesquisa. A inclusão no estudo dependia dos seguintes critérios: 13 a 21 anos de idade, descoberta do HIV durante a gestação ou parto e, preferencialmente, primiparidade. Os bebês deveriam ter entre 3 e 9 meses. Havendo adequação aos critérios e concordância para a participação, firmada por assinatura da jovem e um responsável no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), em um novo encontro, no próprio serviço, iniciava-se a primeira etapa da coleta de dados (20 min), na qual se preenchia uma Ficha de contato inicial (NUDIF, 2003) e uma Ficha de dados sociodemográficos (NUDIF, 2008). Na sequência eram aplicados individualmente instrumentos para a avaliação da saúde mental materna. Ao final, a jovem era convidada a colaborar na segunda etapa do estudo.

Nessa segunda fase (40 min), era realizada, também nos serviços de saúde, a Entrevista sobre maternidade na adolescência em situação de infecção pelo HIV, gravada em áudio e posteriormente transcrita. O roteiro dessa entrevista semiestruturada foi baseado em Carvalho e Piccinini (2006) e Piccinini et al. (2008) e buscava investigar as expectativas e a vivência da maternidade, as percepções sobre a relação com o bebê, o parceiro e os familiares, questões relativas à descoberta e ao tratamento do HIV, assim como as repercussões dessa condição nas atividades diárias e na gestação e maternidade.

A participação no estudo foi gratuita e as jovens tiveram a liberdade de interrompê-la a qualquer momento, sem prejuízo ao atendimento recebido nos serviços. Em caso de identificação de dificuldade emocional, foi feito um encaminhamento para o setor de Psicologia desses locais.

Análise de dados

Realizou-se análise qualitativa do conteúdo das entrevistas (Laville, & Dionne, 1999), com base no modelo fechado. As categorias temáticas foram os quatro eixos temáticos propostos por Stern (1997) na CM (Vida e crescimento, Relacionar-se primário, Matriz de apoio e Reorganização da identidade). Assim, foram feitas leituras exaustivas das entrevistas, buscando alocar trechos das falas das participantes em cada uma dessas categorias. O processo foi feito de forma independente pela primeira e quarta autoras e eventuais discordâncias foram discutidas entre elas. Após, foram interpretadas as informações coletadas com base nos postulados de Stern e outros autores.

 

Resultados e Discussão

Os resultados, conforme os eixos temáticos referidos, estão ilustrados com falas das participantes. Buscou-se examinar como se manifestaram, nos discursos de mães jovens que descobriram a infecção pelo HIV durante a gestação ou parto, os temas (tarefas subjetivas) da CM.

Vida e crescimento

Foram evidenciados medos, tais como de que o bebê morresse, parasse de respirar, não comesse, caísse e se machucasse ou de que não viesse a se desenvolver adequadamente. Percebeu-se o medo das mães de não serem suficientemente protetoras. Considerando-se os seus discursos, verifica-se que essas preocupações quanto à saúde geral do bebê, incluídos também os cuidados (redobrados), estavam bastante relacionados à presença do HIV.

Quanto à saúde geral do bebê, as mães relataram apreensões, que geraram medos e incertezas: "Ah, ela já foi para o hospital porque ela estava com febre só, e fiquei com medo, porque me disseram que todo sinal de febre é infecção" (M2); "Só teve catapora. Mas quando ela fica doente, fico muito preocupada" (M3). Nos relatos também se notou uma preocupação com a integridade do bebê, medo de que caísse e se machucasse: "De alguém chegar perto dele e machucar ele, qualquer coisinha" (M8); "Preocupação que eu acho que é normal de mãe... ele já caiu! Que às vezes eu tô dormindo e ele acorda e vai engatinhando, eu tenho medo de ele cair" (M9).

Entretanto, também se destacaram diferentes aspectos permeados pela presença do HIV. Um tema proeminente foi o impacto da descoberta do HIV durante a gestação sobre a sustentação da vida do bebê. Assim, uma das mães relatou ter ficado nervosa e com medo de morrer: "Porque foi na gravidez que eu descobri que eu era soropositiva... Então eu fiquei muito nervosa que eu não conhecia nada sobre a doença, achei assim que fosse a minha pena de morte" (M5).

A impossibilidade da amamentação gerou sentimentos de tristeza, frustração e medo, especialmente frente à possibilidade de o bebê não se desenvolver bem, tanto fisicamente como emocionalmente: "Às vezes eu olho umas crianças que mamam ao nascer bem miudinhas, menores que ele, então eu pensava que ia influenciar no tamanho, no desenvolvimento dele" (M1); "Me incomoda muito, pois a vontade que eu mais tinha era de amamentar e não posso. Se eu não tivesse HIV, iria ser muito diferente!" (M3); "Eu me sinto muito mal! Muito mal. Que nem eu sempre digo: eu sou mãe, mas eu não sou uma mãe completa. Porque falta, falta alguma coisa" (M6).

Entretanto, essas preocupações pareceram ter sido amenizadas no momento da coleta de dados, já que as participantes mencionaram também aspectos positivos em relação ao desenvolvimento e saúde do bebê: peso e tamanho adequados, ser esperto e não ter dificuldades na alimentação. Diante disso, evidenciou-se um sentimento de satisfação: "Super bem, até ele passa o tamanho e o peso sempre, desde o início. Bem saudável, esperto. Dorme a noite toda" (M1); "Está bem boa, come de tudo" (M3); "Ótimo! Desde que ele nasceu, só levei ele no hospital uma vez, que ele tava chorando muito, só que eram gases, cólica, só. Ele tá crescendo bem rápido, forte..." (M5).

Um sentimento de "indiferença" frente à impossibilidade de amamentação também foi identificado, no sentido de ausência de relatos de frustração diante dessa impossibilidade. Tal sentimento pareceu embasado na sensação de proteção do bebê frente à possibilidade de transmissão vertical: "Ah, eu não fiquei triste [por não amamentar]. Eu achei melhor não amamentar ela no peito do que tentar fazer e isso fazer mal para ela" (M2).

A busca de alternativas frente à impossibilidade de amamentação também foi evidenciada: "Ah, ele toma mamá, come papinha, toma suco, água bastante. Almoça e janta, come frutas" (M1). Contudo, foram verificados sentimentos de insegurança e dúvida frente à saúde do bebê diante de algumas dessas alternativas: "Mas também não gosto que a minha vizinha dê leite para ela [risos]. Eu prefiro dar de mamadeira para ela. Eu sei que ela não tem AIDS, mas vai saber se não pega outra doença..." (M2). Apenas uma mãe manifestou sua preocupação quanto à dificuldade da filha para tomar o leite em pó: "Ah, ela tá tomando o Nestogen, mas ela nunca quer tomar muito, aí eu tô dando também leite de caixinha com Mucilon, eu intercalo" (M7).

Mesmo diante dos cuidados tomados, emergiu nos discursos das participantes uma preocupação com a transmissão vertical desde o momento da descoberta do HIV. Foram identificados sentimentos de ansiedade, pânico e medo, denotando o quanto essa possibilidade representava uma ameaça para elas em relação à saúde e à vida dos filhos: "A maior preocupação era transmitir o vírus para ele. Ele é só um bebê, coitadinho. Só pensei no meu filho, né, que é o mais importante" (M1); "Só em questão da saúde. Só se ela ficasse positiva" (M3); "Sim, várias [preocupações]. Logo depois que eu descobri a doença, [preocupação] de passar para o meu filho. Foi a principal de todas. Quando ele [médico] me falou, a primeira coisa que eu pensei foi no meu filho" (M6).

Em sua maioria, as mães expressaram apreensão e expectativa quanto aos resultados dos exames já realizados para a detecção da carga viral do bebê: "Sim, é esse exame que ele já fez. HIV eles não fazem, porque certamente vai dar positivo, porque ele tem meus anticorpos, não que ele esteja [infectado], até ele ir eliminando todos os meus anticorpos, vai aparecer o HIV. Um aninho e meio para ver se vai ter ou não ter" (M1); "Já [fez exame de carga viral]. Deu negativo. Os três! Só falta um" (M3); "Acho que a cada mês que aumenta é um exame de sangue novo para ver se não veio nada, né. Eu fiz exames, mas por enquanto não deu nada" (M5).

As mães jovens mencionaram estar acompanhando os seus filhos em atendimento pediátrico especializado: "Ele faz [acompanhamento] aqui no hospital, mas é só até um ano" (M9), embora essa não tenha sido a situação encontrada na totalidade dos casos, já que também se observou ausência de exames e acompanhamento na rede básica de saúde: "Não, ele [pediatra] não é especialista. Ainda não. Era para eu vir marcar hoje" (M2).

Contudo, mesmo sem acompanhamento especializado, todas as mães relataram ter feito ou ainda estar fazendo o tratamento profilático dos bebês para o HIV: "O xaropinho de AZT, por 42 dias" (M1); "Ainda tá tomando uns remedinhos. Tomara que dê certo..." (M5); "Ele tomou um xaropinho até os três/quatro meses mais ou menos e daí depois ele fez os exames, deu tudo negativo" (M9).

As mães também falaram sobre as eventuais repercussões do HIV nos cuidados diários do bebê. Embora em geral não percebessem diferenças, algumas particularidades foram destacadas, no sentido de um maior cuidado: "Eu só tenho mais cuidados em algumas coisas, como eu não gosto que cheguem animais perto nele, e eu já sou chata ao natural com ele" (M1).

Em relação ao eixo temático Vida e crescimento foram observados comportamentos e atitudes que caracterizam essas jovens mães como um grupo que merece atenção psicológica. Embora os sentimentos e preocupações por elas referidos façam parte da CM (Stern, 1997), foi constatada uma intensificação das preocupações sobre a saúde do bebê, com referência a sentimentos de pânico, angústia, ansiedade e medo, assim como superproteção e cuidados por vezes excessivos, bem como sentimentos de incapacidade de ser uma boa mãe.

A maternidade, por si só, envolve diversas responsabilidades e acarreta profundas mudanças psicológicas, sociais e familiares (Maldonado, 2000). O amor, o cuidado e a adaptação a um bebê recém-nascido, bem como a responsabilidade, são aspectos que constituem o papel de mãe e, muitas vezes, tornam-se estressantes para as mulheres, sobretudo para as primíparas (Rappaport, & Piccinini, 2011). Para as mães do presente estudo, tal papel iniciou-se de forma antecipada, ainda na adolescência. Assim, tais tarefas e adaptações se somaram à necessidade de lidar com outras condições simultâneas: a adolescência e a presença do HIV. Assim, diferentemente dos achados de Kwalombota (2002), a condição clínica das participantes do presente estudo acarretou algumas singularidades na vivência da maternidade.

Na literatura, constata-se a presença de sentimentos de culpa e medo em mães HIV+, que conduzem a experiências psicológicas negativas (Carvalho, & Piccinini, 2006; Gonçalves, 2007). Segundo Carvalho e Piccinini (2006), esse comportamento refere-se à culpa por colocar o filho em risco e o medo de infectá-lo e, em consequência disso, ele vir a falecer, aspectos também referidos pelas mães jovens entrevistadas neste estudo.

Contudo, destaca-se a boa adesão das mães jovens ao tratamento de saúde do bebê, representada pela realização de consulta com médicos especialistas, bem como pelo seguimento do tratamento profilático, com administração de medicamentos para a prevenção da transmissão vertical. Esses fatos identificam o cuidado dispensado pelas jovens a seus filhos durante a gravidez e após, fato também observado em mães adultas HIV+ (Carvalho, & Piccinini, 2006; Gonçalves, 2007). Entretanto, mesmo com esses cuidados, as mães ainda mostravam preocupação com a possibilidade de transmissão vertical, sentindo-se inseguras quanto ao diagnóstico do bebê. Pesquisas têm destacado tal preocupação em gestantes adultas HIV+ (Carvalho, & Piccinini, 2006; Moura, & Praça, 2006). Desse modo, os receios relativos à sobrevivência e à integridade física dos bebês parecem estar associados (e serem reforçados) à incerteza sobre a sua real condição clínica.

Outro aspecto emocionalmente impactante para as mães foi a impossibilidade de amamentação. Nos relatos foi notável o seu sofrimento, verificado por sentimentos de tristeza, frustração e até preocupação de que o filho não pudesse se desenvolver adequadamente. Várias mães referiram incompletude da maternidade e receio em relação à qualidade do vínculo estabelecido com o bebê, achado que concorda com a literatura sobre mães adultas HIV+ (Carvalho, & Piccinini, 2006), a qual destaca a culpa frente a esse impeditivo (Moreno, Rea, & Felipe, 2006).

Considerando os achados, percebe-se que a possibilidade de transmissão vertical gera um cenário de muita ansiedade e medo para as mães jovens, muito embora a realização do pré-natal e a observação das recomendações para a prevenção do vírus possam reduzir significativamente tal risco (Brasil, Ministério da Saúde, 2014b). Essas preocupações causam uma ameaça importante para as mães quando da descoberta da infecção e do conhecimento da sua gravidade (Ingram, & Hutchinson, 2000), acarretando um impacto psicológico (Azevedo, 2004; Kwalambota, 2002). Assim, embora as diversas preocupações relativas ao tema Vida e crescimento, referidas por Stern (1997), façam parte da transição para a maternidade, a descoberta do HIV parece tê-las intensificado, reforçando o temor frente à impossibilidade de sustentação da vida do bebê e da própria vida. Isso indica que a presença do HIV promove cuidados e também impõe riscos para a dupla mãe-bebê.

Relacionar-se primário

Foram identificados relatos de cuidado adequado do bebê nos primeiros meses de vida e o estabelecimento de uma relação afetiva harmoniosa com ele por meio de referências a sentimentos de amor, à realização de brincadeiras e à ausência de momentos de afastamento mãe-bebê.

Nos discursos, foram salientados aspectos positivos referentes ao relacionamento com o bebê, com destaque para sentimentos de amor e cuidado: "Eu acho que eu sou uma boa mãe, até por eu poder fazer tudo para agradar ele, tudo que ele precisa, até demais às vezes" (M1); "Eu acho que sou uma boa mãe. Ah, mas também eu acho que eu mimo ela demais" (M2).

As participantes também mencionaram as brincadeiras realizadas com o bebê, parecendo estabelecer uma interação sensível e recíproca com seus filhos: "Brinco toda hora" (M1); "Ah, eu converso com ele! Se ele faz ‘ahhh’, eu faço ‘ahhh’" (M5); "Brinco bastante" (M7). Outro aspecto que indica um sentimento positivo na relação com o bebê foi a ausência de momentos de separação até o momento da coleta de dados: "Eu não fico longe dele, é muito difícil. Aonde eu vou, ele vai comigo" (M8). Nos casos em que isso já havia acontecido, foi possível verificar uma dificuldade das mães de se afastarem temporariamente de seus filhos: "Ah, não fico muito [longe do bebê]. Muito difícil ficar longe dele" (M9). Para as jovens mães, o afastamento/separação do bebê despertava sentimentos de falta e saudade: "Eu sinto muita falta dela, porque, quando eu estou com ela, é isso aqui o dia inteiro [bebê faz gracinha]" (M3); "Sinto [falta do bebê]. Aí, quando chega em casa... é aquela festa, né! Aquela bagunça toda!" (M6). Além disso, separar-se do bebê significava ter que deixá-lo aos cuidados de outra pessoa, e compartilhar o cuidado do bebê se mostrou uma situação difícil para algumas mães: "Sou uma mãe preocupada... Meio chata, não é com qualquer um que eu deixo ele, que eu deixo pegar" (M9). "O [pai do bebê] diz que é pra eu largar ele mais, porque eu não deixo ele fazer nada. Não deixo ele sozinho nunca" (M8).

Assim, quanto ao tema Relacionar-se primário, os relatos das mães jovens revelaram aspectos positivos do envolvimento e do cuidado do bebê, bem como da relação estabelecida com ele. De fato, ao mencionarem "faço de tudo por ele", "brinco muito com ele", "sou super mãe", as mães demonstram o estabelecimento de um vínculo positivo, revelando a sua aceitação e preocupação com os cuidados do bebê (Winnicott, 1956/2000).

A entrada dessas mães em uma nova organização psíquica (Stern, 1997) ficou evidente nas entrevistas, já que as jovens demonstraram ter desenvolvido responsabilidade, ao se envolverem nas tarefas de cuidado do filho e se adaptarem às necessidades dele, e vinculação ao bebê, ao nutrirem por ele sentimentos de amor e preocupação. Assim, apesar de jovens, elas demonstraram a capacidade de enfrentar uma gravidez em um contexto de risco. Nessa direção, também no estudo de Wesley et al. (2000), em que foram investigadas adultas HIV+ norte-americanas com filhos de até 2 anos de idade, foram observados sentimentos positivos frente à maternidade, que promoveu um novo sentido à vida.

Particularmente quanto à dificuldade das mães jovens de se afastarem do bebê, devido a sentimentos de falta e saudade, essa se mostra comum às mães em geral (Lopes, Alfaya, Machado, & Piccinini, 2005). O receio de deixar o bebê aos cuidados de outras pessoas poderia caracterizar uma sensibilidade emocional da mãe, resultante da sua intensa identificação com o bebê (Stern, 1997; Winnicot, 1956/2000). Contudo, no caso do presente estudo, tal dificuldade se mostrou exacerbada devido à presença do HIV. Muitas vezes essa condição não é conhecida pela família, o que impede a jovem de falar abertamente sobre os cuidados de saúde necessários para o bebê, despertando receio frente à separação. Tal situação decorre não somente da culpa por uma provável transmissão do vírus ao filho, mas também pode ser agravada pela impossibilidade de ajuda frente ao tratamento do HIV e o cuidado do bebê. Assim, percebe-se que a presença do HIV impõe algumas particularidades no relacionamento das jovens com seus bebês e sua família.

Matriz de apoio

Em sua maioria, os relatos das adolescentes indicaram o apoio da família: ajuda para cuidar do bebê, aceitação, preocupação, diálogo e maior proximidade após a gravidez, gerando sentimentos de satisfação. Contudo, também foram observados relatos de apoio mais restrito ou mesmo insatisfatório, o que gerou ressentimento nas participantes.

Referente ao apoio recebido, as falas das jovens mães demonstraram maior união e proximidade, maior e melhor convivência após a gravidez e o nascimento do bebê, bem como cuidado dos familiares para com elas e o bebê: "Mudou para melhor. É, a gente ficou mais unido, mais do que já era. Sim, ela [a mãe] está sempre ligando, ou eu ligo para ela" (M1); "Melhorou 100%. [risos] Já melhorou durante a gravidez e depois que ele nasceu... Melhorou ainda mais" (M6).

Quanto às pessoas que compõem a matriz de apoio, as participantes indicaram diferentes membros da família, demonstrando receber auxílio para com o cuidado do bebê e sentindo-se realizadas e satisfeitas com o auxílio recebido: "Ajuda [avó]. Ela cuida dela quando precisa. Ela que me dá passagem para eu vir, para pegar [medicamentos]" (M2); "Ajudam [com o bebê]. Se eles vão na minha casa e eu to muito atarefada eles vão lá fazem mamadeira, trocam a fralda, dão banho nele" (M8); "Minha mãe fica com ele às vezes, até dorme com ele às vezes. Ajuda bastante" (M9).

Somente uma mãe dentre as participantes pareceu não sentir segurança frente à ajuda recebida para o cuidado do bebê: "Eu prefiro deixar ele na minha mãe, porque lá não tem nada, só ele e a minha mãe. Eu saio e to toda hora ligando pra ela" (M8). Relatos de uma ajuda mais restrita dos familiares para o cuidado do bebê também foram observados, embora as jovens tenham demonstrado compreensão frente a essa situação: "Mais ou menos. Eu acho que a responsabilidade é minha e do pai dele. Vô e vó têm que dar presente, porque, se fosse para sustentar, seria fácil ter filho né?" (M1); "Hum, sim! De vez em quando sim, quando a minha mãe não trabalha, ela vai ali em casa... É, hoje eles tão com ela, mas os dois trabalham, então não têm muito tempo" (M4).

Os achados relativos ao tema Matriz de apoio indicam que todas as mães jovens referiram a importância da constituição de uma rede de apoio, principalmente por familiares e companheiro, para o cuidado do bebê desde o nascimento. Esse aspecto concorda com estudos anteriores, realizados com gestantes e mães adolescentes do sul do Brasil, que indicam parceiro e familiares como as principais fontes de apoio (Levandowski, Barth, Munhós, Rödde, & Wendland, 2012).

Na literatura, é referida a importância da rede de apoio, sobretudo para as mães primíparas, por ficarem mais vulneráveis, em virtude das muitas dúvidas que emergem relacionadas aos cuidados do bebê (Stern, 1997; Winnicott, 1956/2000). Sem a constituição dessa rede, as mães podem sentir-se desamparadas, inseguras e até mesmo incapazes de lidar com seus filhos. Evidenciou-se, no presente estudo, de forma geral, a constituição de uma matriz de apoio efetiva, a partir de mudanças no relacionamento familiar promovidas pela gestação e nascimento do bebê, com maior proximidade e diálogo entre a jovem e seus familiares, o que também já foi encontrado em estudos com adolescentes, quer na ausência (Levandowski et al., 2012), quer na presença do HIV (Hill, Maman, Groves, & Moodley, 2015). Essa matriz de apoio adequada culminou com a satisfação frente ao apoio recebido.

Reorganização da identidade

Evidenciou-se nas jovens sentimentos de alegria e completude frente à maternidade, apesar do reconhecimento da responsabilidade e do estresse que envolve o cuidado de um filho. Elas fizeram referência a planos futuros, mostrando a apropriação da identidade materna, mas sem desconsiderar projetos pessoais. Já no que tange aos modelos parentais das participantes e suas vivências como filhas, verificou-se tanto relações familiares negativas quanto positivas.

Quanto à identidade, foi possível perceber, nos relatos das mães jovens, mudanças expressivas em suas vidas, associadas à maternidade:

"Melhorou tudo, porque antes dela nascer, tipo, eu era bem superficial. Tudo o que todo mundo via, eu rindo, brincando, não era real, porque em casa eu não ria, não brincava, não era nada do que eu era na rua. Agora eu não consigo ficar sem rir, é só eu olhar para ela que eu já começo a rir, brincar com ela. Mudou bastante" (M2).

"É bem cansativa. É uma rotina totalmente diferente de trabalhar, estudar, que é o que eu fazia antes. É bem puxada. A gente achava ruim trabalhar e estudar o dia inteiro e agora ser mãe é o dobro! [risos]" (M4).

Além disso, as mães jovens relataram expectativas a respeito do futuro, mencionando planos pessoais e profissionais: "Eu desejo criar meu filho, tô louca para levar ele pela primeira vez no colégio. Trabalhar, ser formada em cabeleireira e manicure, eu acho que eu posso conseguir alguma coisa com isso e... Não desistir, porque de HIV ninguém morre" (M5); "Quero estudar, meu sonho é ser bióloga" (M7); "Ter minha própria casa pra não depender de ninguém, trabalhar pra sustentar ele. Quero começar a trabalhar pra ter condições de cuidar dele sozinha" (M8).

Em relação às vivências como filhas, foram relatadas relações pouco próximas, conflituosas e até mesmo instáveis com a mãe e/ou pai, o que muitas vezes resultou em abandono: "Antes da gravidez [a relação] era bem boa, melhor com meu pai do que com a minha mãe. Mas aí meu pai traiu minha mãe e foi embora, aí eu fiquei com mais amizade com minha mãe" (M2); "Era boa e ao mesmo tempo era ruim. Tudo era motivo de eles me reclamar e brigar" (M3). Por outro lado, emergiram alguns relatos de uma relação tranquila e harmônica que sofreu influência da passagem da adolescência, com discussões e brigas mais frequentes entre as jovens e seus familiares: "Então, dos meus 13 aos 15 anos, em que eu era chata. Ficava discutindo com a minha mãe" (M1); "Sempre normal [a relação com os pais]. Adolescente, às vezes brigando" (M9).

Como se pode perceber, quanto ao tema Reorganização da identidade, as jovens mães HIV+ demonstraram vivenciar esse processo de forma semelhante a mulheres adultas na transição para a maternidade (Stern, 1997). A maioria das mães jovens definiu-se como boa mãe, preocupada e dedicada aos cuidados de seus bebês. Também se destacaram sentimentos de realização e satisfação com a maternidade, já referidos em outros estudos com mães adolescentes (por ex., Farias, & Moré, 2012; Levandowski et al., 2008), inclusive na presença de soropositividade para o HIV (por ex.,Vescovi et al., 2014).

Contudo, esses achados contrastam com o predomínio de relatos de dificuldades na relação com pais, principalmente com a mãe, antes da gravidez. Assim, supõe-se que as participantes podem ter tido outros modelos parentais nos quais estavam pautando o seu modo de ser mãe e de viver a maternidade. Além disso, essa diferenciação entre o vivido como filha e o vivido como mãe pode ter sido promovida pelo momento de vida em que se encontram, que pressupõe justamente uma diferenciação e individuação em relação aos próprios pais (Blos, 1996). Da mesma forma, situações de conflito e discussão na relação das entrevistadas com seus pais são característica comum nesse processo de reedições e separação-individuação da adolescência (Monteiro, Gonçalves, Refosco, & Macedo, 2012), o que poderia indicar que o relacionamento entre eles não era de todo ruim, mas sim que foi afetado por essas tarefas desenvolvimentais.

De qualquer modo, a partir da gravidez mudanças aconteceram no sentido de maior proximidade e diálogo entre as jovens e seus familiares. Esse fenômeno também foi observado em estudos com gestantes e mães adolescentes, que referem a necessidade de adaptação familiar à gravidez adolescente (Merino, Zani, Teston, Marques, & Marcon, 2013; Vieira, Laudade, Monteiro, & Nakano, 2013). Contudo, essas mudanças também podem ter sido promovidas pela jovem, que apresenta um novo posicionamento a partir da maternidade, de maior identificação com os próprios pais, típico da terceira individuação (Colarusso, 1990). Essa identificação tende a sobrepujar o movimento de diferenciação da adolescência (Levandowski, 2011), contribuindo para essa aproximação com a família. A mudança de postura e opinião ressaltada por uma das jovens, que referiu brigar com os pais durante a adolescência, mas que, agora como mãe, os compreendia, ilustra a reorganização emocional e identitária experimentada a partir da gravidez (Stern, 1997).

Por fim, as mães referiram sentir alegria e completude com a maternidade e exaltaram a responsabilidade que tinham em relação aos bebês, embora esta última característica seja pouco esperada na adolescência. Além disso, referiram o estresse que envolve o cuidado do bebê, de certa forma incrementado pela vigência do HIV e a necessidade de tratamento imposta por essa condição. Relativamente ao futuro, as mães jovens desejavam que seus filhos tivessem um futuro estruturado, com acesso à formação pessoal e profissional, diferentemente do seu passado. Porém a maternidade na adolescência, conforme indica a literatura, pode limitar esse progresso social e econômico pelos prejuízos que pode trazer à escolarização formal e à inserção no mercado de trabalho da própria jovem (Ogido, & Schor, 2012; Taborda, Silva, Ulbricht, & Neves, 2014). De qualquer forma, verifica-se que a maternidade jovem, na presença do HIV, pareceu servir como um incentivo para a busca de uma condição socioeconômica mais favorável pelas mães.

 

Considerações finais

O objetivo deste estudo foi investigar os discursos de mães adolescentes que vivem com o HIV, tendo-se como referência os quatro eixos da Constelação da Maternidade proposta por Stern (1997). As experiências relatadas pelas mães adolescentes parecem ter sido, em geral, positivas para a reestruturação psíquica exigida pela maternidade. Em relação ao tema Vida e crescimento, foi intensamente enfatizada pelas mães a preocupação com a saúde e desenvolvimento do bebê que, embora sendo parte normal do processo de tornar-se mãe, mostrou-se exacerbada nesse grupo, sobretudo pelo medo constante da transmissão vertical do HIV. Já sobre o tema Relacionar-se primário, foi possível observar o estabelecimento de um vínculo entre as participantes e seus bebês, mesmo na presença de situações complexas ligadas ao cotidiano familiar e à própria idade. A existência de uma rede de apoio efetiva (Matriz de apoio) mostrou-se importante para que essas mães se sentissem protegidas e abastecidas emocionalmente para enfrentar os desafios da maternidade jovem e da presença do HIV. Por fim, no tema Reorganização da identidade, percebeu-se a apropriação da nova condição materna pelas jovens, com relatos de mudanças expressivas na vida e de planos para o futuro.

Desse modo, o estudo permitiu a investigação de diversos aspectos subjetivos de mães jovens que vivem com o HIV, contribuindo para preencher uma lacuna encontrada na literatura. Verificou-se que essas mães revelaram um sofrimento psíquico importante ao saberem-se infectadas com o HIV, uma condição ainda marcada por significativo estigma. Além disso, essa realidade gerou ansiedade e medo da transmissão do vírus ao bebê, desencadeando um conjunto de cuidados especiais, quer em relação às suas atitudes como cuidadoras, quer no relacionamento com as pessoas que compõem a sua matriz de apoio.

Sendo assim, o presente estudo destaca a importância de apoio psicológico para mães adolescentes HIV+ durante a gestação e os primeiros meses do bebê, para que possam lidar com todos esses desafios biopsicossociais impostos pela sua condição de saúde e etapa de desenvolvimento, conjuntamente com a própria transição para a maternidade. Os achados deste estudo demonstram a importância da implementação de programas governamentais que se direcionem a aspectos que ultrapassam o acompanhamento medicamentoso da infecção pelo HIV. Nessa direção, com o intuito de minimizar as intercorrências psicossociais associadas a essa condição, é imprescindível reforçar a rede de apoio social dessas jovens, bem como promover a iniciação mais precoce do seu acompanhamento pré-natal. Ainda, no atendimento desse público, os profissionais devem ter consciência da importância que as questões relacionadas à gravidez/maternidade adquirem em comparação às questões relativas ao HIV, empregando estratégias para buscar manter a adesão ao tratamento antirretroviral, especialmente após o parto.

O presente estudo não se encontra isento de algumas limitações. Em particular, destaca-se o número reduzido de participantes, sobretudo devido à dificuldade de acesso a esse público. Além disso, trata-se de um estudo transversal, que retratou a experiência de mães adolescentes HIV+ em um determinado momento de vida, requerendo alguma cautela na transposição desses achados para a população adolescente com HIV. Desse modo, estudos futuros necessitam ser realizados com amostras de maior dimensão e empregando um delineamento longitudinal para uma avaliação mais compreensiva da Constelação da Maternidade, a fim de identificar eventuais mudanças nos aspectos investigados, tais como rede de apoio e organização identitária.

 

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Recebido em 08 de abril de 2016
Aceito para publicação em 03 de abril de 2017

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