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Psicologia Clínica

Print version ISSN 0103-5665On-line version ISSN 1980-5438

Psicol. clin. vol.29 no.3 Rio de Janeiro  2017

 

SEÇÃO TEMÁTICA

 

Encaminhamento de crianças para atendimento psicológico: uma revisão integrativa de literatura

 

Children referral for psychological care: an integrative literature review

 

Niños de referencia para la atención psicológica: revisión integradora de la literatura

 

 

Marina AutuoriI; Tania Mara Marques GranatoII

IDoutoranda no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUC-Campinas, São Paulo, SP, Brasil
IIDocente e Orientadora no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUC-Campinas, São Paulo, SP, Brasil

 

 


RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo explorar a produção científica atual sobre o encaminhamento de crianças para atendimento psicológico, uma vez que a crescente demanda pelo atendimento infantil tem se contraposto a altas taxas de abandono das intervenções propostas. Realizamos uma revisão integrativa de literatura científica a partir da busca de artigos de pesquisa publicados, entre 2008 e 2015, em periódicos indexados nas bases de dados PePSIC, SciELO Brazil, LILACS, MEDLINE/PubMed, PsycARTICLES (APA), Social Services Abstracts (ProQuest) e Elsevier. A análise criteriosa dos trabalhos selecionados permitiu que identificássemos cinco eixos temáticos em torno dos quais se organizam as pesquisas recentes: Motivos para o encaminhamento infantil, Fontes de encaminhamento infantil, Perfil da clientela infantil, Os pais e o atendimento psicológico dos filhos, e Abandono do atendimento psicológico. A abordagem temática da literatura científica nos permitiu explorar distintos aspectos que caracterizam a dinâmica do encaminhamento psicológico infantil, assim como sugerir novos estudos.

Palavras-chave: encaminhamento; psicologia; criança.


ABSTRACT

This work aims to explore the current scientific production on the referral of children to psychological support, once the increasing demand for children support has been opposed to high rates of neglecting proposed intervention. Based on research papers published between 2008 and 2015 on indexed journals at PePSIC, SciELO Brazil, LILACS, MEDLINE/PubMed, PsycARTICLES (APA), Social Services Abstracts (ProQuest) and Elsevier databases, we conducted an integrative review of scientific literature. A detailed analysis of the selected papers allowed us to list five thematic axes on which the recent researches are arranged: Reasons for children referral, Children referral sources, Supported children profile, The parents and their children psychological support, and Psychological treatment interruption. The thematic approach of scientific literature allowed us to explore distinct aspects that characterize the children psychological referral dynamic, as well as put forward new studies.

Keywords: referral; psychology; child.


RESUMEN

El presente trabajo tiene como objetivo explorar la literatura científica actual sobre el encaminamiento de niños para atención psicológica, una vez que la creciente demanda por el cuidado infantil se ha opuesto a las altas tasas de abandono de las intervenciones propuestas. Hemos llevado a cabo una revisión integral de la literatura científica, partiendo de la búsqueda de publicaciones entre los años 2008 y 2015, en bases de datos: PePSIC, SciELO Brasil, LILACS, MEDLINE/PubMed, PsycARTICLES (APA), Servicios Sociales (Abstracts ProQuest) y Elsevier. El análisis de las obras seleccionadas permitió que cataloguemos cinco temas: Razones para el Encaminamiento infantil, Fuentes de Encaminamiento Infantil, Perfil de la Clientela Infantil, Los padres y el Cuidado psicológico de los hijos, El abandono de la atención psicológica. El enfoque temático de la literatura, nos permitió explorar los diferentes aspectos de la dinámica de encaminamiento psicológico infantil, así como se sugieren nuevos estudios.

Palabras clave: encaminamiento; psicología; niño.


 

 

Na atualidade, observa-se uma crescente demanda pelo atendimento psicológico infantil, a qual é confirmada pelo encaminhamento de crianças para os serviços públicos e para as clínicas-escola (Prebianchi, 2011; Finkel, 2009; Cunha, & Benetti, 2009). Ao mesmo tempo, o estudo de Gastaud, Basso, Soares, Eizirik e Nunes (2011) revela uma alta taxa de abandono na clínica infantil, o que pode ser motivado por uma diversidade de fatores, fato este já apontado por Nunes, Silvares, Maturano e Oliveira (2009), estudo que identifica uma taxa de abandono entre 50% e 65% dos atendimentos infantis.

Entretanto, vale ressaltar que é mais frequente que o abandono se dê na fase inicial do processo, período que se estende desde o encaminhamento, passando pela acolhida inicial da criança e seus pais, até a conclusão da avaliação da criança (Cunha, & Benetti, 2009). Essa fase inicial do atendimento é crucial para a formação de um vínculo de confiança com os pais e com a criança, o que garante a continuidade e o sucesso do tratamento, conforme os autores salientam. Essa etapa é carregada de grande tensão emocional, visto que cada um dos envolvidos, seja os pais, a criança, o psicólogo ou o profissional que a encaminhou, tem suas próprias expectativas em relação ao sentido do encaminhamento e, consequentemente, ao tratamento que será proposto (Andrade, Mishima-Gomes, & Barbieri, 2012).

A consideração dessas expectativas pelo psicólogo que recebe a criança promove o estabelecimento de um vínculo de cuidado e confiança que se estenderá aos procedimentos adotados na condução do caso. Em contrapartida, se as demandas que subjazem às expectativas da família e da criança forem subjugadas ao saber do psicólogo que acolhe o caso, é provável que as necessidades da criança deixem de ser atendidas (Finkel, 2009).

Nesse cenário controverso, em que uma parcela importante das buscas por atendimento psicológico infantil tem como desenlace o seu abandono por parte do paciente e sua família, após seu acolhimento, urge compreender os sentidos que o encaminhamento de crianças para a clínica psicológica pode tomar, de acordo com a perspectiva de cada um dos envolvidos no processo. Por essa razão, realizamos uma revisão integrativa da literatura científica recente sobre o tema do encaminhamento psicológico infantil com o intuito de contribuir para o debate sobre o tipo de relação que se estabelece entre a demanda e o cuidado oferecido.

 

Método

Apresentamos a seguir os resultados desta revisão de literatura de acordo com cinco eixos temáticos em torno dos quais a produção científica recente se organiza: os motivos que levam ao encaminhamento psicológico infantil, as fontes desse encaminhamento, o perfil da clientela infantil, o lugar dos pais no atendimento psicológico dos filhos e, finalmente, o abandono do atendimento psicológico.

Motivos para o encaminhamento infantil

Encontramos na literatura científica uma gama de motivos para o encaminhamento de crianças para psicoterapia. Autores como Sei, Souza e Arruda (2008), assim como Finkel (2009), avaliam os sintomas apresentados pela criança como resultantes de conflitos familiares, configurando-se como sintoma familiar e não infantil. Finkel interpreta os sintomas escolares como uma reação de oposição ao desejo dos pais, caracterizando-se como um esforço da criança no sentido de diferenciar-se dos pais. De acordo com essa perspectiva, sintomas de agressividade e hiperatividade, por exemplo, podem ser compreendidos como um reflexo da tentativa frustrada de mães que acreditam que a boa mãe não impõe limites aos filhos.

Gomes e Zanetti (2009) analisam o motivo de encaminhamento no contexto da transmissão psíquica intergeracional, de acordo com a qual um conflito infantil da mãe é revisitado na relação desta com a própria filha, o que torna compartilhado por mãe e filha o sintoma. Polli e Arpini (2013), Prebianchi (2011), assim como Cruz e Borges (2013), concordam que o motivo apresentado pelos pais para o encaminhamento do filho para psicoterapia infantil representa sua interpretação pessoal do problema da criança.

Outros grupos de trabalhos, como os de Nunes et al. (2009), Deakin e Nunes (2009), Azevedo e Sampaio (2009), Telles, Sei e Arruda (2010), Steibel et al. (2011), Boaz, Nunes e Hirakata (2012), Breitenstein, Hill e Gross (2009), Smadja, Golse e Moro (2011), Lesourd (2008), Frisch-Desmarez (2010) e Goldman (2011), interpretam o sintoma da criança no âmbito do desenvolvimento infantil e alertam para o risco de que um sintoma seja tomado como conduta esperada para aquela idade, podendo, caso não seja identificado nem tratado, se constituir como patologia na vida adulta. Os autores salientam a identificação da demanda de tratamento como central, uma vez que o fato de a criança estar em constante desenvolvimento pode comprometer a avaliação. Já Pfefferbaum e North (2013) apontam para a necessidade de triagem para avaliação da demanda de atendimento psicológico por meio de instrumentos que considerem os princípios normativos de desenvolvimento, os fatores culturais, a linguagem e as necessidades especiais das crianças com problemas de saúde mental, argumentando que a interpretação do sintoma que desconsidere o contexto em que se produz um diagnóstico pode levar a equívocos.

Se ajustarmos nosso foco em busca das condutas infantis que motivam o encaminhamento para atendimento psicológico, tal como foram elencadas nos estudos que compõem esta revisão, teremos um quadro multifacetado. Cunha e Benetti (2009), na primeira etapa de um estudo que toma por objeto o serviço de uma Clínica-escola, classificam os motivos de encaminhamento infantil em dez tipos de queixa: Dificuldades em processos cognitivos; Dificuldades no comportamento afetivo; Dificuldades de relacionamento interpessoal; Dificuldades na vida diária; Dificuldades na esfera sexual; Sintomas físicos; Distúrbios orgânicos; Distúrbios de alimentação ou sono; Dependência química; Distúrbios psiquiátricos.

Na etapa seguinte do estudo de Cunha e Benetti (2009), essas queixas foram organizadas em quatro grandes categorias: Motivos relacionados à escola, sejam eles relacionados a problemas de aprendizagem, a dificuldades cognitivas ou ao sofrimento no ambiente escolar; Motivos relacionados a problemas afetivos e de comportamento, como transtornos de conduta e emocionais, além de dificuldades no relacionamento interpessoal; Problemas somáticos, tais como distúrbios na alimentação, sono e fala; Outros, como categoria que reúne dificuldades familiares, dificuldades na esfera da sexualidade e distúrbios psiquiátricos.

Na análise dos seus dados, segundo as quatro categorias apresentadas acima, Cunha e Benetti (2009) verificam uma maior ocorrência de problemas afetivos e de comportamento, representando 43,6% do total de queixas para as crianças do sexo masculino e 43,5 para crianças do sexo feminino, sendo seguidas pelas queixas escolares, com 34,3% para os meninos e 27,6 para as meninas. Na sequência, temos a categoria Outros, com 13,1% para os meninos e 12,8% para as meninas e, finalmente, os problemas somáticos, com 16% para as meninas e 9% para os meninos.

Deakin e Nunes (2009) elencam seis categorias de condutas que motivam o encaminhamento de crianças para atendimento psicológico, segundo a sua frequência: Ansiedade, insegurança, e medos; Depressão e tristeza; Agressividade e problemas escolares; Dificuldades nas relações interpessoais e problemas de comportamento; Falta de atenção; Dificuldade no sono, na alimentação, ou no controle dos esfíncteres. Gastaud et al. (2011) levantaram as seguintes razões para encaminhamento, em ordem decrescente de prevalência: Comportamento agressivo; Ansiedade e depressão; Problemas de atenção; Problemas de aprendizagem; Problemas de relacionamento; Queixas somáticas; Retraimento e depressão; Comportamento desafiador ou opositor; Problemas de pensamento; concluindo com a categoria Não consta para aqueles casos em que o motivo não foi registrado.

Day, Michelson e Hassan (2011) listam os seguintes motivos para o encaminhamento: Comportamento (36,4%); Ansiedade (18,8%); Outros (14,1%); Depressão (12,1%); Problemas de aprendizagem (5,6%); Déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) (3,7%); Automutilação (3,7%); Problemas escolares (2,8%); Problemas de alimentação (1,9%); Autismo (0,9%). Para Ward-Zimmerman e Cannata (2012) figuram o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) com (26%); Dificuldade de adaptação associada a um estressor identificável (25%); Ansiedade (20%); Sintomas depressivos (14%); Comportamento disruptivo (10%), caracterizado como condutas de padrão repetitivo e persistente em que são violadas as normas ou regras sociais.

Fontes de encaminhamento infantil

Em alguns dos artigos consultados são abordadas as fontes de encaminhamento para psicoterapia infantil. Cunha e Benetti (2009) identificam como fontes de encaminhamento infantil as escolas (63,5%), os familiares (10,4%), os serviços médicos e comunitários (9,4%), e os pediatras (9%). Tomando-se como referência a faixa etária, o estudo conclui que crianças de seis a doze anos são majoritariamente encaminhadas pela escola (90%), enquanto para crianças de dois a cinco anos não houve diferença significativa entre encaminhamentos feitos pelo pediatra (26,7%), ou por familiares (25%).

Deakin e Nunes (2009), em estudo comparativo entre um grupo composto por crianças que abandonaram o tratamento e outro de crianças que chegaram até o seu término, também identificam a escola como sendo a maior fonte de encaminhamentos de crianças para atendimento psicológico em ambos os grupos. No primeiro grupo a segunda maior fonte foi denominada de outros, seguida pelos familiares, pelos pediatras, psiquiatras e as fontes sem informação (com a mesma frequência), neurologistas e, por último, os psicólogos. Enumerando as fontes de encaminhamento para o segundo grupo, após a escola como fonte principal, figuram os familiares, os psiquiatras, os neurologistas, os pediatras e Outros com as mesmas porcentagens, sendo seguidas pelos psicólogos e fontes sem informação.

Gastaud et al. (2011) também constatam que a maior fonte de encaminhamento de crianças para psicoterapia é a escola, representando (34,3%) da amostra estudada, sendo seguida pelos familiares (12,7%), psicólogo (7,8%), neurologista (6,8%), pediatra (6,3%), outras instituições de atendimento (6,0%), outras modalidades médicas (5,4%), psiquiatra (3,3%), Conselho Tutelar (1,2%), pedagogo (1,0%), assistente social (0,9%), outros (7,4%) e não consta (6,9%). Prebianchi (2011) observou que mais da metade das crianças encaminhadas para psicoterapia em uma Clínica-escola era proveniente de médicos e outros profissionais da saúde; em segundo lugar, figurava o Conselho Tutelar; depois, as escolas e, em menor número, as famílias.

Em termos da aderência ao tratamento psicológico, Nunes, et al. (2009) observam que crianças encaminhadas por neurologistas ou psicólogos apresentam maior aderência, enquanto Gastaud et al. (2011) concluem que crianças encaminhadas pelo psiquiatra apresentam maior aderência, em oposição à busca por atendimento psicológico realizada pela própria família, fonte esta que está associada a uma baixa aderência. Além disso, Gastaud et al. verificaram que crianças que recebem tratamentos combinados à psicoterapia, como o psiquiátrico ou o fonoaudiológico, apresentam maior aderência.

Ward-Zimmerman e Cannata (2012) investigam o desenvolvimento de uma parceria entre profissionais de saúde e psicólogos para identificação, avaliação e encaminhamento para psicoterapia infantil, baseados na ideia de que é difícil identificar e avaliar as condutas infantis. Observam, ainda, que, quanto maior a confiança familiar no profissional que encaminha, maior será a aderência ao tratamento psicológico.

Perfil da clientela infantil

O perfil da clientela encaminhada para atendimento psicológico infantil é investigado em alguns dos artigos incluídos nesta revisão a fim de contribuir com a produção de conhecimento que venha a subsidiar a reflexão e as práticas clínicas.

Em uma Clínica-escola, Cunha e Benetti (2009) identificam uma clientela infantil, na faixa de 2 a 12 anos de idade, representando 51,8% de todos os casos atendidos. Desse total, 10,6% eram crianças na faixa etária de 2 a 5 anos de idade, 56,4% se situavam entre 6 e 9 anos e 32,9% de crianças entre 10 e 12 anos. As autoras sublinham o fato de que crianças com 7 anos de idade representavam 18% dos casos, enquanto 15% de sua amostra compreendia crianças com 8 anos de idade, identificando um demanda maior entre os 7 e 8 anos. Quanto ao gênero, os meninos predominam, representando 67,3% das crianças que demandam psicoterapia, enquanto as meninas representam 32,7%. Entretanto, as autoras observam que entre os 2 e 5 anos de idade não há diferença significativa entre os gêneros, enquanto entre os 10 e 12 anos os meninos representam 65,9%, e entre 6 e 9 anos, 70,8%. Em relação à renda familiar, os autores constatam que 30% recebia até 1 salário mínimo, 40% recebia até 2 salários mínimos e 30% até 4 salários mínimos. Do total de crianças, 53% provinham de famílias com pai e mãe, 32% moravam somente com as mães e as demais, com o pai ou parentes.

Deakin e Nunes (2009) observam que das crianças atendidas em um ambulatório público, as meninas representam 62,5% da clientela que permaneceu em atendimento psicológico até o seu término, quando comparadas com os meninos 37,5%. Delineando o perfil dessa clientela, de acordo com a idade, os autores verificam que crianças na faixa de 9 anos de idade são as que permanecem mais tempo em psicoterapia, representando 25% da amostra, sendo seguidas pelas crianças de 6 anos 20,8%, pelas de 8 e 10 anos 16,7% cada, pelas de 7 anos, com 12,5% e, finalmente, as de 11 anos de idade 8,3%. Outro achado significativo diz respeito ao fato de crianças com maior grau de escolaridade permanecerem mais tempo em atendimento, sendo 29,2% da terceira série, 20,8% da quarta série, 16,7% da primeira série, 12,5% da quinta série, enquanto crianças de segunda série 8,3% e pré-escolar 8,3% são as que permanecem menos tempo em psicoterapia.

Gastaud et al. (2011) analisam 2106 prontuários de dois serviços de atendimento psicológico, um situado na cidade de Porto Alegre e outro no interior do Rio Grande do Sul, ambos oferecidos como atividade de formação e estudo. Na amostra estudada, encontraram um percentual maior de meninos (67,6 %) que demandam psicoterapia, corroborando os achados de Cunha e Beneti (2009). Gastaud et al. (2011) verificaram que 43,2% da clientela tinha entre 7 e 9 anos, 29,6% entre 10 e 12 anos, 23,2% entre 4 e 6 anos, e 3,9% até 3 anos de idade, dados corroborados pelo estudo de Cruz e Borges (2013), quando concluem que meninos entre 5 e 8 anos de idade constituem o grupo que mais demanda psicoterapia. Quanto à escolaridade das crianças, Gastaud et al. constataram que a maioria (34,4%) frequentava a primeira e segunda séries, 29,9% cursava a terceira série e subsequentes, enquanto 11,5% frequentavam a pré-escola, 6% o maternal, creche ou berçário, e 2,3% não frequentavam qualquer escola. Quanto à composição familiar relataram que 56,7% moravam com ambos os pais, 28,3% apenas com a mãe, 6,1% com mãe e padrasto, 4,6% com outro familiar, 1,5% com o pai, 1,4% careciam dessa informação, 0,8% com pai e madrasta e 0,6% estavam em abrigo.

Em um estudo que analisou os dados de três Clínicas-escola, ao longo de três décadas, Boaz et al. (2012) observaram que, nas décadas de 1980 e 1990, era maior a prevalência de meninos (17,9% e 21,3%, respectivamente) na busca por atendimento psicológico infantil em comparação às meninas (15,5% e 18,8%, respectivamente). Contudo, constataram que, a partir do ano 2000, a demanda da parte de meninas (65,7%) ultrapassou a dos meninos (60,8%).

Os pais e o atendimento psicológico dos filhos

Dos cinco eixos temáticos que organizam os resultados desta revisão, o tema da interação dos pais com o atendimento psicológico do filho foi abordado em todos os artigos selecionados. A participação dos pais, ao longo do atendimento psicológico do filho, é apontada como determinante para o sucesso ou fracasso do tratamento. Prebianchi (2011) e Gastaud et al. (2011) sugerem que o início do atendimento se constitui como momento crucial para a formação de um vínculo positivo entre o psicólogo e os pais da criança. Deakin e Nunes (2009), bem como Sei et al. (2008) consideram o vínculo do psicólogo com os pais como mais importante do que aquele que se estabelece entre o psicólogo e a criança, uma vez que compete aos pais a decisão pela continuidade ou interrupção dos atendimentos. Steibel et al. (2011) também apontam para a relevância do início do atendimento, quando tem lugar a avaliação do caso e o psicólogo pode optar por diferentes estratégias de intervenção, tanto para a criança como para os pais.

A abordagem psicológica dos pais varia de acordo com a demanda identificada, a qual definirá sua modalidade, como orientação para os pais, encaminhamento da mãe, do pai ou de ambos para atendimento psicológico, ou acompanhamento dos pais, atendimentos cuja frequência pode ser desde mensal a semestral, sendo concomitante ao atendimento do filho. Gomes e Zanetti (2009), assim como Azevedo e Sampaio (2009) ressaltam que a escolha pela conduta terapêutica será orientada pelo referencial teórico do profissional que propiciará uma compreensão das necessidades e demandas avaliadas em cada caso. De acordo com Telles et al. (2010) foi identificada uma preferência pelo atendimento inicial individual com os pais, na maioria das vezes sendo realizado somente com a mãe e, posteriormente, uma avaliação com a criança, por meio de consultas terapêuticas livres ou na modalidade de psicodiagnóstico.

Uma abordagem alternativa, segundo Gomes e Zanetti (2009), são as consultas conjuntas com pais e filhos, ou mãe e filho, após as entrevistas individuais iniciais com os pais, ou mesmo como processo psicoterapêutico, embora Andrade et al. (2012) avaliem que, em alguns casos, os pais, ou somente a mãe, necessitem de atendimento psicológico. Nesse caso, os autores entendem que o problema levado para a psicoterapia diz respeito aos pais e não à criança, ficando a criança dispensada de qualquer tratamento. Os demais autores compartilham a ideia de que as expectativas dos pais em relação ao encaminhamento e às indicações de tratamento devem ser levadas em consideração pelo psicólogo já no momento de acolhida inicial, o que parece ser uma condição essencial para a efetividade do tratamento.

Finkel (2009) observa que tanto nos serviços públicos, como nos privados, na maioria das vezes é a mãe que leva o filho para atendimento psicológico, sendo mínima a participação do pai. Sei et al. (2008), bem como Finkel (2009) observam que os pais sentem-se culpados pelos problemas dos filhos, cabendo ao psicólogo que os recebe não pactuar com essa configuração inicialmente apresentada. Nesse contexto, o profissional deve evitar condutas baseadas em juízos de valor, não deve se colocar como detentor de um saber superior sobre a criança, nem como aquele que corrigirá possíveis erros dos pais. Breitenstein et al. (2009) lembram que alguns pais relutam em procurar ajuda psicológica por receio da estigmatização do filho, além de terem o sentimento de culpa pelo fracasso. Andrade et al. (2012) também observam que o alívio sentido pelos pais, quando conseguem pedir ajuda, costuma ser acompanhado do sentimento de fracasso pelas falhas cometidas. Frisch-Desmarez (2010) reconhece o paradoxo que hoje se estabelece pela convivência de altas expectativas sociais em relação ao papel dos pais na educação dos filhos com a permissividade dos modelos atuais de educação.

Quando a demanda pelo atendimento psicológico não é originada na própria família, Cruz e Borges (2013) consideram que os pais podem sentir-se pressionados por quem realizou o encaminhamento do filho, seja a professora, o médico, ou outro profissional de saúde o qual, por sua vez, passa a aguardar uma mudança no comportamento da criança, gerando ansiedade nos pais. Polli e Arpini (2013) corroboram a ideia de que os pais, ou a mãe, são os grandes depositários das angústias levantadas em todos os envolvidos no encaminhamento da criança. Finkel (2009) recomenda que o psicólogo acolha angústias, expectativas e sentimentos de culpa dos pais, partindo do pressuposto de que estes buscam fazer o melhor para seus filhos e que, ao buscarem um tratamento psicológico, aceitam a própria necessidade de ajuda, permitindo que o profissional intervenha na relação pais-filhos. Gastaud et al. (2011) lembram que os pais podem sentir-se ambivalentes, ora aprovando, ora desaprovando a intervenção psicológica, na medida em que as mudanças observadas nos filhos, advindas dos atendimentos, podem demandar a reorganização da dinâmica familiar, o que nem sempre corresponde às expectativas dos pais.

Ward-Zimmerman e Cannata (2012) reconhecem a necessidade de programas de educação preventiva para famílias que envolvam cuidados na área da saúde mental infantil, em serviços de saúde, tais como a orientação breve para os pais, ou mesmo o encaminhamento destes para outros serviços da comunidade. As autoras também observam o impacto que a saúde mental dos pais pode ter no desenvolvimento da criança, dada a condição de dependência em que ela se encontra. Breitenstein et al. (2009) enfatizam a importância de um bom relacionamento entre pais e filhos, principalmente em se tratando de crianças pequenas, para um desenvolvimento emocional saudável.

Abandono da psicoterapia

O tema do abandono na clínica infantil é apontado na literatura como o mais enigmático e, por essa razão, configura um campo próprio que demanda mais estudos. Muitos autores afirmam que a busca pelo atendimento psicológico infantil aumentou muito nas últimas três décadas, embora as taxas de abandono da psicoterapia infantil acompanhem esse crescimento.

Em um levantamento realizado em uma Clínica-escola infantil, Cunha e Benetti (2009) encontram um percentual de mais da metade de abandonos dos atendimentos psicológicos iniciados. Além disso, o número de crianças que chegam a receber atendimento psicológico é menor que 50% das crianças encaminhadas. Nunes et al. (2009) referem taxas de abandono de psicoterapia infantil entre 25% e 60% no Brasil. Gastaud et al. (2011) confirmam que é grande o número de crianças que, depois de procurar ajuda psicológica, abandona ou nem chega a iniciar o tratamento. Ward-Zimmerman e Cannata (2012) observam que entre um terço e metade das crianças encaminhadas por pediatras para psicoterapia não chegam a acessar o serviço.

Algumas hipóteses são levantadas, embora não se tenha chegado a nenhuma conclusão. Cunha e Benetti (2009) apontam para a necessidade de avaliação dos serviços oferecidos, os quais devem levar em conta as necessidades das famílias que procuram atendimento psicológico. Além disso, recomendam que se leve em consideração a condição socioeconômica da clientela em função de demandas específicas e características culturais próprias que não se enquadram no modelo vigente, ainda pautado na clínica psicológica privada. Nunes et al. (2009) investigam a possibilidade de o abandono estar relacionado ao uso frequente da modalidade de psicoterapia individual e ponderam se a psicoterapia de grupo seria mais apropriada e eficaz, uma vez que a demanda costuma ser bem maior que a oferta, no caso dos serviços públicos de saúde, o que inviabilizaria o atendimento de todos os que procuram.

Cunha e Benetti (2009) observam uma estreita relação entre a aderência ao tratamento e os motivos do encaminhamento da criança, na medida em que as crianças encaminhadas por dificuldades escolares são as que permanecem mais tempo em psicoterapia, enquanto as crianças que sofrem com problemas psicossomáticos costumam abandonar mais cedo.

Nunes et al. (2009) constatam que crianças encaminhadas por neurologistas ou psicólogos apresentam menor risco de abandono; já a mudança de psicoterapeuta, a proximidade do início do tratamento, a discordância entre os pais e o psicólogo sobre os motivos do encaminhamento dos filhos para psicoterapia são fatores que aumentam o risco de abandono do tratamento. De modo geral, conflitos entre os pais e o psicólogo ameaçam a continuidade do atendimento, visto que esta depende do consentimento dos pais. Contudo, as autoras afirmam que, apesar do expressivo abandono da psicoterapia infantil, os tratamentos realizados mostram-se, na maioria das vezes, eficazes em relação à melhora na qualidade de vida das crianças.

De acordo com Finkel (2009), muitos pais chegam ao consultório sentindo-se culpados pelos problemas dos filhos e, conforme a conduta do psicólogo frente a esse sentimento de culpa, os pais podem, de modo defensivo, decidir interromper o tratamento que eles mesmos solicitaram. Breitenstein et al. (2009) notam que o sentimento de culpa relacionado à responsabilidade dos pais pode vir a se configurar como uma barreira que os impedirá de buscar ajuda nos estágios iniciais do sofrimento dos filhos. Prebianchi (2011) salienta que a falta de comunicação entre o psicólogo e os pais, aliada ao fato de o psicólogo não levar em consideração as expectativas parentais durante o tratamento, assumindo a postura de detentor exclusivo do saber sobre a criança, terá como consequência principal o abandono da psicoterapia. A autora também observa que as exigências impostas pelo tratamento, como frequência em dias e horários determinados, ou durante o horário de trabalho dos pais, podem inviabilizar o tratamento, levando ao abandono da psicoterapia.

Outro dado significativo, referido na literatura, diz respeito ao momento em que o abandono da psicoterapia costuma ocorrer, sendo identificado por Cunha e Benetti (2009), além de Gastaud et al. (2011) como o seu período inicial, sugerindo pouca efetividade do acolhimento nos primeiros encontros com o paciente. Nunes et al. (2009) concordam que os índices de abandono são maiores nos três primeiros meses, diminuindo consideravelmente a partir do sexto mês de tratamento. Observaram também que entre a primeira e a décima quinta sessão predominam os abandonos sobre as altas, porém dobram as chances de abandono antes do primeiro mês e quando o paciente falta mais de cinco vezes às sessões. Também consideram um fator relevante o tempo decorrido entre a avaliação diagnóstica e a psicoterapia, pois nos casos em que esse intervalo é superior a um mês a taxa de abandono é muito alta.

Nunes et al. (2009) chamam a atenção para a ausência de consenso quanto à definição de abandono, o que dificulta a caracterização desse fenômeno. O abandono pode ter ocorrido devido à percepção dos pais de que a criança já estava livre dos sintomas, enquanto para o psicólogo essa criança ainda não estaria em condições de receber alta. Embora tais casos possam ser caracterizados como bem-sucedidos, entram na contagem de abandonos, visto que os pais deixam de comparecer às consultas sem comunicar sua intenção de interrompê-las. Segundo as autoras, de 14% a 51% dos casos são interrompidos antes da alta.

Em busca do que caracteriza o abandono em psicoterapia infantil, Nunes et al. (2009) concluem que são os casos em que o paciente, por decisão unilateral, com ou sem o conhecimento prévio do psicólogo, tendo comparecido a pelo menos uma sessão de psicoterapia, cessa de fazê-lo, de modo definitivo e independentemente do motivo. Já Gastaud et al. (2011) definem o abandono como o encerramento da psicoterapia antes de serem atingidos os objetivos estipulados no contrato, independente dos motivos que levaram o paciente ou o terapeuta a interrompê-la, ou a decisão ter sido unilateral ou bilateral. A não aderência é caracterizada por Gastaud et al. (2011) como a interrupção que se dá durante a avaliação psicológica, antes que se decida sobre a necessidade de tratamento, ou antes que os objetivos estabelecidos para o tratamento estejam claros para os envolvidos.

Nunes et al. (2009) concluem que o abandono da psicoterapia infantil tende a ocorrer nos casos de crianças com menor idade, com menor grau de escolaridade, do sexo masculino, menor potencial intelectual, com pai e mãe jovens, pai com menor grau de escolaridade, famílias com percepção menos favorável da criança e família com dificuldade em manter uma frequência assídua.

 

Discussão

Embora tenhamos apresentado os resultados desta revisão de literatura segundo eixos temáticos, ressaltamos que estes são complementares e interdependentes. Portanto, a participação dos pais no processo psicoterapêutico do filho, os motivos do encaminhamento, o perfil da clientela infantil, os profissionais que realizam o encaminhamento, além do risco de abandono da psicoterapia são eventos que se entrelaçam, contribuindo ou comprometendo a aderência da família à intervenção proposta pelo profissional. Também pudemos constatar que o modo como o encaminhamento psicológico é conduzido determinará a evolução da própria psicoterapia, já que envolve as expectativas dos pais, da criança, do psicólogo e do profissional que a encaminhou (Andrade et al., 2012), além das angústias dos pais e familiares frente ao sofrimento que originou o encaminhamento da criança (Finkel, 2009).

Durante o percurso do encaminhamento o psicólogo poderá criar um vínculo positivo com os pais, possibilitando a aderência ao tratamento (Gastaud et al., 2011). Entretanto, podemos supor que dúvidas, receios e questionamentos demandem uma elaboração parental da queixa antes que os pais se decidam a buscar efetivamente o atendimento psicológico, quando tem início a avaliação psicológica (Mari, & Kieling, 2013).

A identificação do problema e a escolha do tratamento serão definidos pela avaliação inicial ou triagem (Prebianchi, 2011). Contudo, o que se segue, a partir do primeiro contato com a família é a avaliação psicológica da criança, seja por meio de testes, entrevistas, jogos ou brincadeiras, dependendo da abordagem teórica adotada pelo psicólogo (Ocampo, Arzeno, & Piccolo, 2009).

Embora haja toda uma literatura sobre o caminho percorrido desde a identificação de um sofrimento infantil ou familiar, passando pela avaliação psicológica da criança até o seu encaminhamento para psicoterapia, notamos que muitas questões ainda aguardam resposta, seja no âmbito da pesquisa ou da prática clínica. A realização desta revisão levou-nos a muitas interrogações, movimento este que é próprio da pesquisa, já que uma resposta leva à próxima pergunta, como, por exemplo, quando nos detemos sobre o acolhimento dos pais no atendimento psicológico infantil. Como receber e acolher pais que, na maioria das vezes, chegam à Clínica de Psicologia sentindo-se culpados e angustiados? Como obter a confiança dos pais para garantir não somente a aderência da criança, mas também um tratamento que seja eficaz? Como conciliar expectativas e possibilidades de solução do problema apresentado? Como articular o conhecimento profissional com o saber dos pais?

Em relação ao motivo do encaminhamento também nos defrontamos com diversas questões. Como avaliar se o motivo do encaminhamento justifica ajuda psicológica ou se caracteriza uma fase do desenvolvimento da criança? Como garantir uma ajuda psicológica para a criança quando os pais não aderem a nenhum tipo de intervenção, seja para a criança ou para si mesmos? Como garantir uma comunicação clara e sensível com os pais, uma vez que ora o psicólogo se utiliza da nosografia psiquiátrica, ora cria suas próprias definições, nem sempre amparado em um modelo teórico sobre a saúde mental? Para cuidar da saúde mental de crianças não teríamos que pensar na implementação de políticas públicas que priorizassem a qualidade de vida de maneira mais ampla e irrestrita, levando em consideração os ambientes socioculturais e suas peculiaridades?

A literatura consultada oferece alguns argumentos que ora apresentamos não como respostas às indagações, mas como pontos de partida, ou sinalizadores de caminhos para novas reflexões. Gastaud et al. (2011) observam que a busca de atendimento psicológico para os filhos não está livre de tensões para os pais, que se mostram ambivalentes nas diversas etapas que compreendem o encaminhamento. Defendem os autores que engajar os pais, principalmente na fase inicial desse processo, é fundamental para o sucesso do tratamento.

Prebianchi (2011) lembra que as crianças são usualmente encaminhadas por uma instituição ou profissional de saúde, de maneira que chegam com expectativas que podem ser bastante diferentes daquelas que os psicólogos têm sobre o tipo de sofrimento apresentado e as modalidades de tratamento. Gastaud et al. (2011) observam maior aderência à psicoterapia quando o encaminhamento é realizado por psiquiatras, fato que pode sugerir que as expectativas dos pais e da criança já tenham sido trabalhadas pelo profissional que a encaminhou, no sentido de diminuir a ansiedade de todos e facilitar a construção de novos vínculos de confiança. Entretanto, esses profissionais representam uma minoria dentre as fontes encaminhadoras, sendo a escola considerada a maior delas. Breitenstein et al. (2009) advertem que o sentimento de culpa dos pais e a possibilidade de serem estigmatizados podem impedir a busca de atendimento psicológico para o filho, o que nos remete à inclusão das necessidades dos pais no próprio projeto de atendimento.

Cunha e Benetti (2009) verificam uma incidência maior de meninos encaminhados para atendimento psicológico, sugerindo que os meninos apresentam mais comportamentos externalizantes do que as meninas. Além disso, o fato dos encaminhamentos se concentrarem na faixa etária dos 6 aos 9 anos, e a escola ser a maior fonte de encaminhamento, leva-nos a supor que o início da escolarização desafie a criança em suas demandas de adaptação, constituindo-se como oportunidade para que vulnerabilidades sejam expressas, ou mesmo aprofundadas.

Pfefferbaum e North (2013) recomendam que a escolha de instrumentos de avaliação infantil leve em conta processos de desenvolvimento, idade cronológica, fatores culturais, linguagem e aspectos familiares para que a atribuição de sentido a uma determinada conduta se dê nos limites do contexto de vida da criança. Outros autores, como Breitenstein et al. (2009), ressaltam a necessidade de identificação precoce do problema, na medida em que promove resultados positivos no tratamento psicoterapêutico de crianças e evita que um padrão de comportamento se fixe, apresentando-se como um evento em transição.

Para Breitenstein et al. (2009) ainda é difícil avaliar de que modo as intervenções realizadas com os pais podem afetar a vida emocional dos filhos. Deakin e Nunes (2009) observam que, mesmo no contexto de uma orientação psicanalítica ou psicodinâmica, a qual prioriza o sentido de uma conduta e não a sua modificação, os pais associam o término do tratamento com a remissão dos sintomas, prevalecendo a normalização do comportamento da criança como o objetivo principal do atendimento psicológico.

Ward-Zimmerman e Cannata (2012) relatam que, de modo distinto do que ocorre em qualquer outra especialidade médica, o psicólogo não costuma fornecer um feedback sobre as conclusões de sua avaliação, nem sobre seu plano de intervenção, aos demandantes do atendimento. Amparado pela questão do sigilo profissional, além do cuidado com a privacidade do paciente, o psicólogo acaba por se isolar e perder a oportunidade de discutir o caso com outros profissionais que poderiam, inclusive, auxiliá-lo a atingir seus objetivos terapêuticos.  

Frisch-Desmarez (2010) salienta a ambivalência que atravessa a relação entre pais e filhos, uma vez que a sociedade atual desvaloriza a família e, consequentemente, o lugar dos pais, além de gerar um conflito entre a exigência tirânica de que os pais tenham sucesso com os filhos e uma tendência geral para que se afrouxem os limites parentais, empreitada que é, no mínimo, paradoxal. A esse respeito, Finkel (2009, p. 11), citando Bettelheim (1977), lembra que "sem dúvida não existe nada de novo quanto ao fato de os pais pretenderem acertar em relação aos filhos. Novo é o fato de terem se tornado muito receosos de errar".

Encontramos poucos artigos que focalizassem o tema do encaminhamento psicológico infantil, assim como pesquisas que dessem voz aos pais e às crianças, no sentido de acrescentarem suas próprias compreensões sobre o encaminhamento para psicoterapia, sendo o artigo de Ward-Zimmerman e Cannata (2012) o único que aborda os sentidos atribuídos pelos profissionais que encaminham. Concluímos que os sentidos atribuídos pelos pais costumam ser inferidos pelos pesquisadores, enquanto nenhum dos trabalhos consultados focaliza o sentido dado pela criança, sinalizando uma lacuna a ser preenchida futuramente pela pesquisa no campo da clínica psicológica infantil.

 

Considerações finais

A partir da leitura dos artigos científicos considerados para esta revisão sobre o encaminhamento de crianças para atendimento psicológico, pudemos observar que existem descompassos quando tomamos em consideração as expectativas de todos os envolvidos nesse processo. Nesse sentido, o psicólogo acaba se tornando o responsável por articular todas as perspectivas envolvidas, embora não conte com um modelo único de intervenção que o ampare nessa tarefa, como é o caso de outros profissionais. Dada a importância da família no atendimento psicológico infantil, faz-se necessário encontrar maneiras mais eficazes de promover sua inclusão e repensar a participação, não menos importante, dos profissionais que realizam os encaminhamentos. A diversidade de teorias e práticas psicológicas, ao mesmo tempo que cria um campo rico e variado de propostas interventivas que se afinem às diferentes subjetividades, pode comprometer a necessária autorreflexão na medida em que cada uma das abordagens psicológicas procura se impor como única e soberana sobre as demais, tornando-se acrítica.

Curiosamente, apesar de a literatura científica reconhecer a fase inicial do atendimento psicológico, que começa com o encaminhamento como crucial para a criação de vínculos de confiança entre a família, a criança e o psicólogo, propiciando um trabalho psicológico efetivo, não encontramos trabalhos que elejam o processo do encaminhamento como tema central de investigação. Além disso, outro achado que nos pareceu significativo na literatura revisada diz respeito à preocupação com o fluxo de ações que garantiria ao psicólogo que uma criança, uma vez identificada como problemática ou sofredora, conforme a perspectiva teórica adotada, fosse conduzida por seus pais em direção à terapêutica indicada. No entanto, o alto índice de abandono apontado pelas pesquisas científicas indica a necessidade de novos estudos que promovam uma reflexão aprofundada sobre a atuação do psicólogo nesse contexto do encaminhamento psicológico infantil, sobretudo no que tange à promoção e articulação do diálogo entre todos os envolvidos que subjaz à aderência e à eficácia de qualquer intervenção.

Dados os objetivos e os limites desta revisão não pretendemos esgotar o assunto nem responder ao nosso próprio questionamento sobre a adequação de determinados encaminhamentos que se iniciam sem uma análise rigorosa dos custos e benefícios de uma intervenção psicológica, além de seus objetivos, estratégias terapêuticas e os resultados obtidos. Esse quadro aponta para a complexidade da questão e para a necessidade de estudos que tomem como objeto o delicado momento em que uma queixa infantil é ouvida e interpretada em termos de um cuidado ético-clínico.

 

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Enviado em 30 de maio de 2016
Aceito para publicação em 30 de abril de 2017

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