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Psicologia Clínica

Print version ISSN 0103-5665On-line version ISSN 1980-5438

Psicol. clin. vol.30 no.2 Rio de Janeiro May./Aug. 2018

http://dx.doi.org/10.33208/PC1980-5438v0030n02R02 

RESENHAS

 

Integrando o desenvolvimento desde a adolescência: teorias, pesquisas e exercícios para a qualidade de vida

 

Integrating development from adolescence: theories, research and exercises for quality of life

 

Integrando el desarrollo desde la adolescencia: teorías, investigaciones y ejercicios para la calidad de vida

 

 

Edna Lúcia Tinoco PoncianoI; Ana Luisa AlvesII; Karla GuimarãesIII; Daniele MelloIV; Amanda Porto PadilhaV

IProfessora Adjunta do Instituto de Psicologia e Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Psicologia Social (PPGPS)/UERJ, Rio de Janeiro, Brasil
IIMestre em Psicologia Social pelo PPGPS/UERJ, Rio de Janeiro, Brasil
IIIMestranda em Psicologia Social pelo PPGPS/UERJ, Rio de Janeiro, Brasil
IVDoutoranda em Psicologia Social pelo PPGPS/UERJ, Rio de Janeiro, Brasil
VGraduanda em Psicologia pela UERJ, Rio de Janeiro, Brasil

 

 

Resenha do livro: Siegel, D. J. (2016). Cérebro adolescente: o grande potencial, a coragem e a criatividade da mente dos 12 aos 24 anos. São Paulo: nVersos. (288p.)

Daniel Siegel é um médico americano com vários livros publicados no Brasil. Professor de psiquiatria da Universidade da Califórnia - Los Angeles (UCLA), com treinamento em pediatria, têm pesquisas sobre infância, adolescência e interações familiares, além de ser psicoterapeuta. Neste livro, publicado em 2016, Siegel aborda a temática do cérebro adolescente, caracterizando essa fase pelos desafios diversos. Ainda que os mitos sobre a adolescência tenham uma conotação negativa, em sua maioria, Siegel propõe uma perspectiva diferenciada: o desenvolvimento é visto como transformação positiva, ao longo da vida, na qual a adolescência é um período privilegiado de mudança. Entretanto, adolescentes que recebem mensagens negativas sobre quem são e o que se espera deles(as) podem ser restringidos(as), ao invés de alcançarem o seu potencial. Nesse sentido, os(as) adolescentes moldam a maneira como enxergam a si mesmos e como se comportam, a partir dessa visão predominantemente negativa. Relativizando essa perspectiva, Siegel discute os primeiros anos da adolescência, estabelecendo quatro qualidades da mente, que têm um lado positivo e um negativo. São elas: (1) a busca por novidade (motivação interior para tentar algo novo, sentindo a vida mais plena e fascinante, que entretanto pode resultar em comportamentos arriscados ou em ferimentos); (2) engajamento social (conducente à criação de relações de apoio, que são os melhores indicadores de bem-estar, embora o isolamento dos adultos e o convívio apenas com adolescentes possam aumentar a chance de riscos); (3) aumento da intensidade emocional (em que ocorre uma vitalidade maior, resultando em exuberância e em alegria, que, entretanto, pode levar à impulsividade e à depressão); e (4) exploração criativa (pelo questionamento do status quo, abordando problemas com estratégias inovadoras e minimizando o senso de cair na rotina, mas que também pode gerar crise de identidade, vulnerabilidade à pressão dos iguais e perda de direção). Siegel defende que essas qualidades da mente, experimentadas por adolescentes, são igualmente importantes para adultos, que precisam continuar implementando-as para manter a vitalidade em suas vidas. No primeiro capítulo, portanto, entendemos que é preciso compreender e reconhecer os aspectos positivos da adolescência, corroborando uma abordagem atual (Coleman, 2011).

Ao final de cada capítulo, são apresentados exercícios para fortalecer as qualidades acima descritas. São exercícios de visão mental, que geram a capacidade de conhecer a mente e, ao fortalecê-la, conseguir formar circuitos específicos no cérebro. Siegel apresenta a ideia de que são construídos mapas de visão mental, tais como mapas da percepção (sentir sua própria vida mental interior), mapas de compreensão compassiva (empatia: perceber a vida mental do outro) e mapas de integração (relacionar diversas partes, gerando interconexão). O resultado esperado é o fortalecimento da visão mental, com efeitos benéficos que ajudam a tornar a vida, principalmente durante a adolescência, uma experiência positiva e vigorosa. Cada capítulo apresenta exercícios específicos, de acordo com o tema abordado, e sugere a prática como uma forma de trabalho contínuo e de aprimoramento dos mapas de visão mental.

Ao longo do livro, Siegel discute achados neurocientíficos como fontes de explicação e de compreensão da experiência do(a) adolescente. O capítulo dois aborda, especificamente, as alterações na estrutura e no funcionamento cerebral, apresentando os fatores que influenciam e contribuem para a tomada de decisões e para o comportamento impulsivo. Para tanto, Siegel divide o capítulo em 13 tópicos que ajudam a entender a mudança necessária, ocorrida no cérebro adolescente, além de discutir quais fatores auxiliam ou atrapalham durante essa transformação. São apresentadas algumas maneiras de lidar, para que o(a) adolescente experimente, da melhor forma, esse momento de alterações na arquitetura cerebral, fisiológica, hormonal e emocional. Uma característica que se ressalta é a do aumento do impulso, que se manifesta de três formas diferentes: (1) o impulso inspira a ação sem nenhuma pausa para pensar; (2) o aumento de liberação de dopamina, que torna o(a) adolescente suscetível ao vício; e (3) a hiper-racionalidade, na qual se examina somente alguns aspectos de uma situação e não o todo, além de se valorizar os benefícios calculados, em detrimento dos riscos em potencial. Outra característica destacada é a tomada de decisão que, em um processo coletivo de estar com os amigos, resulta no aumento do impulso, pela busca de recompensa. O(a) adolescente, no convívio social entre pares, está mais propenso(a) a se engajar em comportamentos perigosos. Ainda assim, a adolescência não deve ser entendida como etapa a ser superada, mas sim uma etapa de mudança, que permite o surgimento de novas habilidades (Santrock, 2014). A mensagem principal é a da integração, que ocorre no cérebro e é paralela à ocorrida nas experiências de vida, com o auxílio de gerações mais velhas, integrando experiências internas e interpessoais, que moldam a experiência incorporada da mente.

Nesse sentido, no capítulo três, Siegel salienta o papel central da ligação de todo ser humano com seus progenitores, mostrando o quanto a qualidade dessa conexão pode afetar positiva ou negativamente a maneira como enxergamos o mundo e construímos nossos relacionamentos ao longo da vida. Corroborando essa linha de pensamento, Siegel destaca a necessidade de cuidado, durante o processo de existir, como inerente aos mamíferos e atrela a carência premente de afeto à nossa condição biológica. Precisamos nos conectar para viver. Precisamos de nutrição emocional para nos desenvolver. Do contrário, adoecemos, e simbolicamente morremos, ainda que estejamos vivos.

A condição fundamental para aprimorarmos nossos relacionamentos perpassa, prioritariamente, pelo entendimento que adquirimos sobre a origem da formação de nossos vínculos. Para compreendermos melhor como se processa a constituição de nossos vínculos, Siegel apresenta a descrição de quatro alicerces, 4 S, na formação de um vínculo: ser Sentido, estar a Salvo, para ser Sossegado e poder se sentir Seguro. O vínculo seguro facilita o processo de exploração do mundo. Sobretudo, Siegel destaca que a formação do vínculo seguro é imprescindível para o desenvolvimento integrado do nosso cérebro e promove a plasticidade da mente, atuando como estímulo para unir o córtex pré-frontal às áreas límbicas e ao tronco encefálico, formando um corpo integrado. Nesse sentido, o vínculo seguro também é promotor da resiliência, desenvolvendo recursos adaptativos para lidar com situações adversas. São feitas considerações a respeito do vínculo inseguro e suas consequências, que podem ser superadas. Sucintamente, podemos resumir a mensagem do capítulo três: apesar dos relacionamentos estabelecidos na infância moldarem nossas atitudes atuais, nunca é tarde para alcançarmos a plenitude de nossas conexões e efetuarmos mudanças positivas. A autorreflexão nos liberta do sofrimento e nos impulsiona a vivermos uma vida dotada de amor e de significado com outros. Prática e trabalho são necessários e tornam possível uma maior qualidade de vida. Desse modo, reforça-se a qualidade do vínculo como um componente facilitador da integração entre a experiência interna e a interpessoal.

Concluindo o livro, observamos no capítulo quatro que pensar a adolescência traz a experiência de dois estados diferentes: o do desconforto e o dos bons impulsos, que envolvem os(as) adolescentes e a todos aqueles ligados diretamente a eles(elas), especialmente seus pais. Alterações hormonais e amadurecimento cerebral produzem mudanças notáveis. A ideia de que o período da adolescência é limitado pela imaturidade pode levar à incompreensão e a encaminhar para um olhar simplificado. O mesmo ocorre quando o entendimento e a percepção de todo o processo recaem, principalmente, no esforço de ser paciente e tolerante com as experiências e os comportamentos dos(as) adolescentes. Essa posição diminui o lugar positivo de suporte, do reconhecimento de experiências ricas e de novas perspectivas. Outra observação bastante discutida é a da expectativa de uma descontinuidade, quase abrupta, entre a dependência total dos(as) adolescentes e a independência em relação aos pais. Sabe-se que o vínculo com os pais sofre uma importante mudança em direção a mais autonomia, aumentando a iniciativa para a tomada de decisões e o surgimento de novas responsabilidades. Contudo, a presença dos pais, como figuras fundamentais de vínculo, insere-se em um contexto mais amplo e diverso de relações e de laços, ampliando para o papel dos pares e de outros adultos. Nesse sentido, a interdependência é uma condição positiva e deve ser preconizada para uma vida bem vivida (Kagitçibasi, 2012). Pelos olhos de uma pessoa adulta, a carga da intensidade emocional, a complexidade de estar no mundo social e, decorrente das mudanças cerebrais, o forte impulso por novidade e exploração parecem demasiadamente assustadores. Ao mesmo tempo, porém, acenam para um período de multiplicidade de experiências, que pode ser favorável a mudanças positivas, que projetam esperanças de uma vida adulta saudável, compreendida por Siegel como a integração do mapa da percepção de si e dos outros, com os quais convivemos e nos desenvolvemos, ao longo de nossas trajetórias. A integração, intensificada na adolescência e continuada ao longo de uma vida de transformações, deve ser aliada à aceitação das mudanças previsíveis e imprevisíveis, mantendo-se presente nas experiências vividas, o que marca uma abertura, um movimento em direção à saúde, para os(as) adolescentes, em seus contextos relacionais.

A obra Cérebro adolescente: o grande potencial, a coragem e a criatividade da mente dos 12 aos 24 anos aborda uma complexidade de temas dirigidos aos responsáveis e aos variados profissionais que trabalham com adolescentes. Há muitos exercícios ao longo do livro que ajudam a assimilar o conteúdo e a viver um processo de transformação. É um livro ao mesmo tempo simples e denso, que perpassa teorias e pesquisas atuais das neurociências e da psicologia do desenvolvimento, além de ter um viés clínico e de autoajuda. É uma obra exemplar de divulgação científica, que estimula a leitura e a curiosidade.

Concluímos relembrando os quatro aspectos positivos, abordados no início do livro: (1) busca por novidade; (2) engajamento social; (3) aumento da intensidade emocional; (4) exploração criativa. Destacamos, desse modo, a ênfase de que esses aspectos não se restringem a um período, tendo consequências para toda a vida. Além disso, ressalta-se o contexto relacional do desenvolvimento psicológico: "A sintonia interativa no vínculo leva à regulação interna." (p. 213), indicando um campo de pesquisa e de atuação sobre processos autorregulatórios, que são comunais (Jackson, Mackenzie & Hobfoll, 2000) e ainda precisam ser mais investigados e divulgados.

 

Referências

Coleman, J. C. (2011). The Nature of Adolescence. London: Routledge.         [ Links ]

Kagitçibasi, C. (2012). Sociocultural change and Integrative Syntheses in Human Development: Autonomous-Related Self and Social-Cognitive Competence. Child Development Perspectives, 6(1), 5-11.         [ Links ]

Jackson, T.; Mackenzie, J.; Hobfoll, S. E. (2000). Communal aspects of self-regulation. In Boekaerts, M.; Pintrich, P. R.; Zeidner M. (orgs.). Handbook of self-regulation, p. 275-300. San Diego: Academic Press.         [ Links ]

Santrock, J. W. (2014). Adolescência. Porto Alegre: Artmed.         [ Links ]

 

 

Recebido em 05 de junho de 2017
Aceito para publicação em 04 de janeiro de 2018

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