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Psicologia Clínica

versão impressa ISSN 0103-5665versão On-line ISSN 1980-5438

Psicol. clin. vol.32 no.2 Rio de Janeiro maio/ago. 2020

http://dx.doi.org/10.33208/PC1980-5438v0032n02Edt 

EDITORIAL

 

 

O número 32.2 da revista Psicologia Clínica compreende duas seções, uma temática e outra livre, além de uma resenha. A seção temática aborda "Conflitos e desafios em famílias e casais" e reúne sete artigos.

O primeiro, Mulher, mãe e filha cuidadora: imaginários coletivos sobre relações intergeracionais, dos autores Natália Del Ponte de Assis, Carlos Del Negro Visintin (ambos da PUC-Campinas, SP), Andrea de Arruda Botelho Borges e Tânia Maria José Aiello-Vaisberg (estes da USP), investiga imaginários coletivos sobre relações intergeracionais explorando a possibilidade de convivência entre diferentes gerações, em vários âmbitos sociais e institucionais. Metodologicamente, por meio da abordagem psicanalítica de um curta-metragem disponível na internet, os pesquisadores expostos a esse material, com atenção flutuante e associação livre de ideias, conduziram à produção de três campos de sentido afetivo-emocional que revelam a prevalência de crenças imaginativas sobre a convivência entre avós e netos, que seria lúdica e promoveria aprendizagens significativas, desde que sustentada por uma adulta capaz de cuidar de todos, inclusive financeiramente.

O artigo seguinte, Estratégias de regulação emocional de pais: uma revisão da literatura, das autoras Roberta Pereira Curvello e Deise Maria Leal Fernandes Mendes (ambas da UERJ), tem como objetivo traçar um panorama atual de publicações científicas sobre esse tema, entre 2008 e 2017. Dezesseis artigos foram selecionados nas bases de dados Web of Science, PsychInfo e PubMed sobre a regulação emocional que se desenvolve, sobretudo, por meio das interações sociais das crianças com seus pais. A reavaliação cognitiva se destacou nas estratégias empregadas de modo a favorecer a ressignificação da experiência emocional. A maior parte dos estudos foi realizada nos Estados Unidos, e é defendida a necessidade de estudos brasileiros sobre o tema em outros contextos socioculturais.

O terceiro artigo da seção temática, Gender roles in long-term marriages: continuance or rupture?, dos autores Ana Carolina Graner Araujo Oliveira, Carolina Leonidas (ambas da UFTM - Universidade Federal do Triângulo Mineiro, MG) e Fabio Scorsolini-Comin (da USP), busca analisar os relacionamentos conjugais e suas transformações ao longo dos tempos por meio de um estudo descritivo e qualitativo, entrevistando 32 casais unidos há, no mínimo, 30 anos, provenientes de cidades do interior dos estados de São Paulo e Minas Gerais. As pesquisas apontam que o trabalho doméstico e o cuidado com os filhos continuam atribuídos às mulheres, mesmo quando elas participam da economia familiar, confirmando assim os papéis de gênero historicamente estabelecidos, embora possam ser observados manejos, principalmente por parte das mulheres.

O próximo artigo dessa seção, Desire to have children: evidence of the validity of an instrument, dos autores Jean Carlos Natividade (PUC-Rio), Amanda Londero-Santos (UFRJ), Nathalia Melo de Carvalho, Renata Machado de Mello, Rebeca Nonato Machado e Terezinha Féres-Carneiro (os últimos quatro da PUC-Rio), investiga o construto desejo de ter filhos, compreendido como uma avaliação subjetiva da intensidade da intenção de ter filhos e das consequências de tê-los, com o objetivo de elaborar um instrumento para mensurar esse desejo e buscar evidências de sua validade baseadas no conteúdo dos itens elaborados. Selecionados os itens mais representativos do construto, foi aplicada a escala a uma amostra de 419 adultos e os itens apresentaram parâmetros satisfatórios, capazes de cobrir adequadamente um amplo espectro do construto. Também foram testadas relações entre o desejo de ter filhos e outras variáveis, como a correlação positiva com o número de filhos pretendidos e a correlação negativa com tempo pretendido de espera para tê-los, provando ser o instrumento válido e útil tanto em pesquisas quanto em contextos clínicos.

O quinto artigo da seção temática, Fatores preditivos de desistência em um programa para adolescentes com sobrepeso ou obesidade: estudo MERC, dos autores Raquel de Melo Boff (da UCS - Universidade de Caxias do Sul, RS), Natália Boff, Marina Alves Dornelles (ambas da PUCRS), Martha Wallig Brusius Ludwig (da Unisinos - Universidade do Vale do Rio dos Sinos, RS), Andreia da Silva Gustavo, Ana Maria Pandolfo Feoli, Márcio Vinícius Fagundes Donadio e Margareth da Silva Oliveira (os últimos quatro da PUCRS), tem como objetivo identificar fatores potenciais de impacto sobre a desistência em um ensaio clínico randomizado. Para participar de 12 semanas de intervenção, foram selecionados adolescentes com sobrepeso ou obesidade do sexo masculino e feminino, utilizando-se a regressão logística binária para responder pelo desfecho de não conclusão. As regressões foram realizadas por bloco e as variáveis estudadas foram características demográficas e antropométricas, marcadores metabólicos, aspectos motivacionais, funcionamento psicológico e percepção das práticas alimentares parentais. Foi constatada uma taxa de desistência de quase 50%. Concluiu-se que a família e os aspectos relacionados à motivação para mudança podem ser determinantes de desistência em programas para perda de peso para adolescentes

O artigo seguinte, Uso de álcool e outras drogas por adolescentes: associações com problemas emocionais e comportamentais e o funcionamento familiar, dos autores Ana Carolina Wolf Peuker (UFRGS e CPAD/HCPA - Hospital de Clínicas de Porto Alegre), Joici Demetrio Caovilla (Secretária de Assistência Social e da Saúde de Chapadão do Lajeado, SC), Crístofer Batista da Costa Brasil (NECAF/Unisinos e Faculdade do CEFI, Porto Alegre, RS) e Clarisse Pereira Mosmann (NECAF/Unisinos, São Leopoldo, RS), tem como objetivo caracterizar o perfil de consumo de álcool e outras drogas em uma pesquisa descritiva com 126 adolescentes de escolas municipais e estaduais do Sul do Brasil e analisar possíveis associações entre o consumo, as variáveis cooperação, conflito e triangulação coparental, coesão familiar, conflito pais-filhos e problemas emocionais e de comportamento. Análises descritivas e inferenciais apontaram que 49,2% dos adolescentes já usaram álcool e 8,7%, tabaco. O uso de álcool correlacionou-se aos conflitos com a mãe e o de maconha aos conflitos com o pai. Os dados são discutidos à luz da literatura científica considerando sua relevância social e clínica. São sugeridas direções que investigações futuras podem tomar.

A seção temática termina com o artigo Suicidal behavior in women of diverse sexualities: silenced violence, dos autores Felipe de Baére e Valeska Zanello (ambos da UnB, DF), que visa a analisar as histórias e vivências pessoais de mulheres de diferentes orientações sexuais a fim de averiguar a relação do autoextermínio, apontado como efeito das difusas violências sofridas por elas nas esferas pública e privada, com os dispositivos de gênero e a sexualidade. Foram entrevistadas nove mulheres cisgênero, três autodeclaradas lésbicas, três bissexuais e três heterossexuais. Após análise das entrevistas, foram encontradas cinco categorias: "Masculinidade Adoecedora", "Ideal Estético" e "Relações Românticas", nos três grupos de orientação sexual; "Heterodissidência como Devassidão", nos grupos de lésbicas e mulheres bissexuais; e a categoria "Cuidar" apenas entre as mulheres heterossexuais. Contudo, é necessário considerar outros demarcadores sociais que lhes impactam a saúde mental, a fim de não universalizar seu sofrimento psíquico, pois tais categorias apontam para similaridades e distinções nas narrativas de cada grupo, mas também para o impacto das violências de gênero, fundamentadas na misoginia social.

A seção livre se inicia com o artigo Psicoterapia de abordagem gestáltica: um olhar reflexivo para o modelo terapêutico, dos autores Manoel Antônio dos Santos (FFCLRP/USP, Ribeirão Preto, SP), Patrícia Francielly Araújo Lara Silva (UFU - Universidade Federal de Uberlândia, MG), Lucila Castanheira Nascimento (EERP/USP, Ribeirão Preto, SP) e Marciana Gonçalves Farinha (UFU, MG), que apresenta reflexões teóricas sobre os fundamentos filosóficos e teórico-epistemológicos que sustentam a abordagem gestáltica. Após breve retrospectiva histórica com seu surgimento em um cenário então dominado pelas perspectivas psicanalítica e comportamental, são examinados os fundamentos teórico-epistemológicos que sustentam e norteiam as intervenções da GT e em seguida, discorre-se conceitualmente sobre o modelo terapêutico da GT, onde o indivíduo é considerado um ser provisório que está em permanente construção, a partir das relações que estabelece. Essas relações acompanham o movimento de inacabamento inerente à condição do homem, e a eterna reconstrução que caracteriza o devir humano. A última parte é dedicada à consideração de apontamentos críticos e identificação de limitações da abordagem. Ao final, demonstra-se que a GT reúne um acervo que contribui de modo significativo não apenas para a clínica psicoterápica, como também para o avanço do saber psicológico.

A seção livre é completada pelo artigo O estruturalismo e algumas de suas vicissitudes: política e sujeito, de Thales Fonseca (UFSJ - Universidade Federal de São João del-Rei, MG), que parte de dois questionamentos que se entrecruzam: um, que diz respeito aos limites do estruturalismo quanto à proposição de uma política emancipatória; e outro, sobre a importância que o conceito de sujeito pode ter para esse tipo de proposta política. Assim, após um brevíssimo percurso sobre o conceito de estrutura enquanto objeto central do estruturalismo, são articuladas as noções de ideologia e poder em Althusser e Foucault, partindo do caráter onipresente de tais instâncias na teoria desses filósofos, que se desdobram da onipresença do conceito de estrutura e das consequências de tal onipresença para a categoria de sujeito. Posteriormente, são mostradas as divergências existentes entre Lacan e outros autores no que tange ao conceito de sujeito, ressaltando o alcance político desse construto e da própria clínica psicanalítica.

Finalizamos esta edição com a resenha E o mundo parou!, sobre o livro Ideias para adiar o fim do mundo, de Ailton Krenak (2019), dos autores Esther Maria de Magalhães Arantes (PUC-Rio e PPFH-UERJ) e Paulo Armando Esteves Martins Viana (PPFH-UERJ), que apresenta reflexões fundamentais acerca do livro de Krenak para a compreensão das nossas catástrofes contemporâneas, colocando em xeque, de maneira dramática, o nosso modo de vida dito civilizado, que acarreta mudanças climáticas, destruição das florestas, contaminação dos alimentos e poluição. Para Krenak, é totalmente absurda a ideia de nós, humanos, nos descolarmos da terra, vivermos numa abstração civilizatória e suprimirmos a diversidade. Com o advento da pandemia da COVID-19 em 2020, os autores salientam o pensamento de Krenak quando recomenda que aproveitemos este momento para fazermos uma pausa e uma correção de rumos, mas que não voltemos à chamada "normalidade", pois se voltarmos, será uma desonra diante da morte de milhares de pessoas no mundo inteiro. Segundo os autores da resenha, o livro se torna hoje um valioso companheiro, oferecendo ferramentas para pensarmos de maneira crítica tais noções e as transformações do mundo atual.

Isabel Fortes

Esther Arantes

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