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Psicologia Clínica

versão impressa ISSN 0103-5665versão On-line ISSN 1980-5438

Psicol. clin. vol.33 no.3 Rio de Janeiro set./dez. 2021

http://dx.doi.org/10.33208/PC1980-5438v0033n03A02 

SEÇÃO TEMÁTICA - O FAZER DA PSICOLOGIA NO BRASIL A PARTIR DE UMA PERSPECTIVA PSICANALÍTICA: CLÍNICA, PESQUISAS E POLÍTICAS PÚBLICAS

 

Burnout na educação: Precarização e suas repercussões na saúde do professor da rede pública

 

Burnout in education: Precarization and its repercussions on the health of public school teachers

 

Burnout en la educación: Precarización y sus repercusiones en la salud de los docentes de las escuelas públicas

 

 

Milânia GomezI; Perla KlautauII

IDoutoranda em Psicanálise, Saúde e Sociedade na Universidade Veiga de Almeida (UVA), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. email: milania.gomez@gmail.com
IIProfessora da Graduação em Psicologia e do Programa de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IP/UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. email: pklautau@uol.com.br

 

 


RESUMO

A partir do aumento de licenças médicas e pedidos de exoneração na rede pública de ensino do estado do Rio de Janeiro, foi possível formular a hipótese de que, em muitos casos, a precarização e a desvalorização do trabalho do professor podem exercer impactos que atingem múltiplas esferas do fazer e do ser docente. Com um olhar psicanalítico, este artigo visa a discutir o estado de desamparo que, quando se torna traumático, repercute diretamente na saúde do professor, agravando a incidência de quadros de esgotamento profissional no campo da educação. Este tipo de adoecimento acarreta um aumento significativo de faltas e afastamentos, o que contribui para o aumento do déficit de profissionais em atividade e, consequentemente, causa prejuízo aos cofres públicos. Tal situação, geradora de mal-estar e sofrimento psíquico, também interfere no processo de ensino-aprendizagem. Diante do exposto, indagamos de que forma é possível compreender as especificidades do sofrimento docente - sua natureza, sua gênese e seus impactos sobre a experiência subjetiva desses profissionais.

Palavras-chave: educação; burnout; desamparo; psicanálise; precarização.


ABSTRACT

Upon considering the increase in sick leave and dismissal requests in the public school system of Rio de Janeiro state, it was possible to formulate the hypothesis that, in many cases, the precariousness and the devaluation of the teachers' work impact the teaching and the teachers themselves. In a psychoanalytic perspective, this paper discusses the state of helplessness that, when it becomes traumatic, directly impact on the teachers' health, aggravating with the incidence of professional exhaustion in the education field. This situation generates psychic suffering and interferes directly in the process of teaching and learning, as well as causing a financial drain for public funds. Such a situation, which generates malaise and psychic suffering, also interferes in the teaching-learning process. In view of the above, we inquire how it is possible to understand the specificities of teaching suffering - its nature, its genesis and its impacts on the subjective experience of these professionals.

Keywords: education; burnout; helplessness; psychoanalysis; precarization.


RESUMEN

A partir del aumento de las licencias médicas y de las solicitudes de despido en el sistema de escuelas públicas en el estado de Rio de Janeiro, fue posible formular la hipótesis de que, a menudo la precariedad y la desvalorización del maestro pueden ejercer impacto en la enseñanza y en el propio docente. Con una perspectiva psicoanalítica, este artículo quiere discutir el estado de impotencia que, cuando se vuelve traumático, repercute directamente en la salud del maestro, empeorando la incidencia de cuadros de agotamiento profesional en el campo de la educación. Este tipo de dolencia plantea un aumento significativo de faltas y de bajas médicas, contribuyendo así al aumento del déficit de profesionales en actividad y que, consecuentemente, también causa daños financieros a las arcas públicas. Tal situación, que genera malestar y angustia psicológica, también interfiere en el proceso de enseñanza-aprendizaje. En vista de lo anterior, preguntamos de qué manera es posible comprender las especificidades del sufrimiento docente - su naturaleza, su génesis y sus impactos en la experiencia subjetiva de dichos profesionales.

Palabras clave: educación; agotamiento; impotencia; psicoanálisis; precarización.


 

 

Mal-estar docente

Nas últimas décadas, o fazer docente na rede pública do estado do Rio de Janeiro tem se confrontado com a constante falta de sustentação do Estado, que faz com que profissionais convivam com a incerteza de seus ganhos, com as condições precárias das instituições de ensino, com a desestabilização da posição assumida e com salários não reajustados. Apesar disso, os professores enfrentam a cobrança de um bom desempenho e de resultados favoráveis, principalmente no que diz respeito ao rendimento dos alunos. A conjuntura descrita descortina alguns aspectos do processo de precarização na ambiência escolar pública que pode contribuir para a instauração de um mal-estar capaz de atingir diretamente a saúde do professor.

O Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro, doravante SEPE-RJ, divulgou em seu Informativo (SEPE-RJ, 2017) resultados de uma pesquisa realizada por seu coletivo de saúde, com dados coletados em setembro de 2017, durante congresso da entidade. Os dados revelam que cerca de 90% dos participantes sofrem de cansaço mental permanente e 80% se sentem permanentemente exaustos. E mais: 65% dos profissionais que participaram da pesquisa não veem perspectivas de futuro na profissão e manifestaram o desejo de mudar de ramo profissional, relatando frustração com o magistério. Em um Informativo posterior (SEPE-RJ, 2018), edição concluída em 14/12/2018, o SEPE-RJ detectou que a precarização da educação levou milhares de profissionais ao adoecimento. A partir de dados obtidos junto à Secretaria de Saúde do estado, o SEPE-RJ constatou um aumento significativo de pedidos de exoneração por conta de quadros psicopatológicos e de licenças temporárias. Destas, consta que quase metade dos pedidos foi ocasionada por problemas psiquiátricos. Diante dos dados apresentados e a partir do cenário em que se insere a função de professor nos dias atuais, cabe indagar: de que forma podemos compreender as especificidades do mal-estar docente - sua natureza, sua gênese e seus impactos sobre a experiência subjetiva desses profissionais?

O encaminhamento de possíveis respostas só poderá ser feito a partir do esforço de articular diferentes campos de saber. Para isso, é necessário empreender uma reflexão interdisciplinar em torno do mal-estar que se manifesta no fazer docente a partir do processo de precarização dos laços que atinge a ambiência escolar pública e de suas possíveis repercussões na experiência de sofrimento psíquico apresentada pelos professores, marcada pelo esgotamento, pela impotência e pela insuficiência. Esse tipo de padecimento, no âmbito da saúde do trabalhador, vem sendo caracterizado como uma síndrome nomeada burnout.

 

Precarização e suas repercussões na saúde do professor da rede pública

Para um melhor entendimento do mal-estar que vem acometendo os professores da rede pública do estado do Rio de Janeiro, julgamos necessário, primeiramente, problematizar as mudanças de paradigmas da última década que suscitaram o processo de precarização que vem interferindo no exercício da profissão de professor. Elegemos como ponto de partida o contexto escolar concebido como disciplinar a partir da análise foucaultiana das instituições modernas. A escola contemporânea ainda mantém a estrutura erigida em conformidade com a lógica disciplinar, pois tem como meta o exercício do poder que busca docilizar e constituir sujeitos úteis, tal como apresentado por Foucault:

Esses métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo, que realizam a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma relação de docilidade-utilidade [] A disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos 'dóceis'. A disciplina aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças (em termos políticos de obediência). (1975/2007, p. 118-119)

Essa forma de controle imposta pela lógica disciplinar contrasta com o que vem sendo observado por estudiosos da contemporaneidade. De acordo com Han (2017), atualmente observamos a transição de uma sociedade disciplinar para uma sociedade do desempenho. Na lógica do desempenho, a cena principal é ocupada por demandas de superprodução, superdesempenho, visibilidade e supercomunicação: "A mudança de paradigma da sociedade disciplinar para a sociedade do desempenho aponta para a continuidade de um nível. Já habita, naturalmente, o inconsciente social, o desejo de maximizar a produção." (Han, 2017, p. 25). A lógica do desempenho é muito bem simbolizada por Han (2017) por meio do slogan da campanha presidencial de Barack Obama: "Yes, we can!" - que traz em seu cerne o ideal de que todas as metas são alcançáveis. Tal pressuposto entra em conflito com a lógica disciplinar que ainda fornece a estrutura das escolas contemporâneas. Por carregar as características de uma escola do século passado, onde o que impera é a utilidade, a obediência e a produção de individualidades assujeitadas com pouco espaço de criação, as escolas hoje não tornam os sujeitos seguros para enfrentar a lógica do desempenho.

Tal descompasso coloca os professores da rede pública estadual do Rio de Janeiro diante de um paradoxo produzido pela modernidade: a exigência de autonomia que incide sobre o indivíduo na ausência de suportes socialmente disponíveis para que esse processo se dê (Castel, 1998; Ehrenberg, 2010; Han, 2017). Dessa forma, a responsabilidade de formar crianças e jovens sem o devido suporte do Estado capaz de possibilitar o atendimento das demandas de desempenho impostas como metas do fazer docente tem levado o professor à exaustão e ao esgotamento. Muitas vezes o quadro descrito culmina em diversos tipos de sofrimentos perpassados pela impotência e insuficiência, e pode conduzir à síndrome de burnout, que será discutida adiante.

Por enquanto, é importante ressaltar que, no contexto em questão, esse tipo de adoecimento também pode estar relacionado a formas precárias de trabalho e ao processo de precarização do serviço público que, por sua vez, contribui para fragilizar a função e a identidade dos professores da rede pública estadual do Rio de Janeiro (Borsoi, 2011; Druck, 2016). Deve ficar claro que esse não é um problema localizado somente no Rio de Janeiro: o estado representa uma microesfera que sofre os reflexos da macroesfera regida pela lógica neoliberal. Posto isto, é necessário considerar que condições precárias acompanham a história do trabalho e o modo de produção capitalista ao longo dos anos, enquanto que a precarização se configura como um processo recentemente generalizado, produzido pelo neoliberalismo e cada vez mais presente nas relações de trabalho contemporâneas (Borsoi, 2011; Cingolani, 2014; Antunes, 1995, 2018).

A precarização vem configurando um novo metabolismo social do trabalho que ultrapassa o uso da força laboral como mercadoria e atinge a subjetividade do trabalhador (Alves, 2011). De acordo com Aquino (Aquino, 2008; Aquino & Moita, 2018), uma das consequências da precarização na produção subjetiva do trabalhador é a falta de perspectiva frente ao amanhã, que pode produzir insegurança, incerteza, instabilidade e fragilidade a ponto de levar o trabalhador precário a perder a crença em si e na possibilidade de um futuro melhor. Isso revela como a precarização e a vulnerabilidade dos laços de pertencimento e coesão social impactam a posição e a experiência do trabalhador no mundo - interferindo nos processos de construção identitária (Bourdieu, 1993) e de inscrição do sujeito em estruturas portadoras de sentido (Castel, 1998).

Uma pesquisa realizada em 35 países pela Varkey Foundation (2018), fundação sediada na Inglaterra, criada para melhorar os padrões de educação e elevar o status e a capacidade dos professores em todo o mundo, foi divulgada em novembro de 2018, e os resultados obtidos apresentaram alguns dados baseados na opinião dos brasileiros. O resultado mais significativo para nossa discussão é que o Brasil ocupa a última posição do ranking relativo ao prestígio de docentes. Os dados que levaram o país a ocupar essa posição foram: trabalho excessivo, salários menores do que o imaginado para os docentes, falta de respeito dos alunos e um dos piores sistemas educacionais do mundo. Vale lembrar que, na pesquisa anterior realizada, em 2013, pela mesma fundação, o país ocupava, no que diz respeito aos dados em questão, a penúltima posição dentre os 21 países pesquisados. Outro dado igualmente relevante para o nosso estudo e que coloca o nosso país na penúltima posição no ranking apresentado pela Varkey, perdendo apenas para Israel, é que 88% da população considera a profissão como sendo de baixo status. Diante de tal cenário, cabe-nos analisar como a desvalorização da profissão pode estar interferindo na percepção que esses profissionais têm de si, e mais: se esta causa repercussão na instauração da experiência de sofrimento psíquico apresentada pelos professores. Em outras palavras, é possível indagar: como a precarização e a desvalorização do trabalho do professor impactam o fazer e o ser docentes?

No Rio de Janeiro, a Secretaria de Estado de Planejamento (SEPLAG-RJ, 2015) informa que, entre janeiro de 2015 e abril de 2017, foram registradas 3.493 exonerações no serviço público estadual. Destas, 3.271 foram a pedido dos próprios servidores, o equivalente a 94% das demissões. Ainda, segundo dados da pasta, entre essas exonerações estão incluídos servidores de todas as áreas. Do total, 68% são da Secretaria Estadual de Educação (SEEDUC-RJ), 8% da Secretaria de Saúde, 7% da área militar e os outros 17% estão divididos entre os demais órgãos do Executivo.

No estado, é possível observar que o número de pedidos de licenças médicas entre os profissionais da educação é alarmante e tem chamado a atenção da sociedade, uma vez que já vem sendo denunciado pela grande mídia. A título de exemplos, em março de 2016, o jornal O Globo publicou que mais de 1.200 professores da rede estadual de ensino do Rio de Janeiro ficaram licenciados por depressão ou transtornos mentais durante o curso do ano de 2014. O número corresponde a 12,5% dos 9.680 docentes que tiraram licença médica no ano anterior. O afastamento por motivos psiquiátricos, segundo o jornal, é a segunda maior causa, perdendo apenas para os 33% por problemas ósseos e fraturas. Igualmente, em setembro de 2018, o portal do G1 publicou que metade dos professores afastados na rede estadual pediu licença por problemas psiquiátricos e um número significativo deles sofreu agressões em sala de aula, de acordo com levantamento da Secretaria Estadual de Saúde.

Diante do exposto, parece-nos potente olhar para proteção e cuidados com a saúde física e psíquica do professor, em função do lugar que os professores ocupam na sociedade, uma vez que carregam o ônus e o bônus de terem uma parcela de participação na preparação do aluno como cidadão, conforme estabelece a Organização Internacional do Trabalho (OIT, 1984/1988). Sob a mesma ótica, o Plano Nacional de Educação (Brasil, 2015), estratégia 7.31, estabelece ações efetivas especificamente voltadas para a promoção, prevenção, atenção e atendimento à saúde e à integridade física, mental e emocional dos profissionais da educação, como condição para a melhoria da qualidade educacional.

Na tentativa de fornecer cuidados e em consonância com o exposto acima, o SEPE-RJ manifestou, em seu Informativo de maio de 2017 (SEPE-RJ, 2017), preocupação com as doenças psicopatológicas e passou a organizar rodas de conversa com um pesquisador da área. Com respaldo do pesquisador responsável e embasado em dados estatísticos obtidos mediante pesquisas realizadas com professores da rede, o sindicato da categoria utiliza o termo epidemia para discutir as causas e os efeitos da síndrome do esgotamento profissional.

Temos, portanto, diante de nós, um cenário que proporciona a concepção da hipótese de que a precarização do sistema educacional pode estar contribuindo para o aumento da insatisfação dos professores e, também, gerando sofrimento psíquico. Com o intuito de iniciar uma investigação acerca desse tipo de sofrimento, torna-se necessário, primeiro, realizar uma discussão a respeito do fazer docente em nosso tempo.

 

O cotidiano escolar e as especificidades da profissão de professor hoje

O ato de educar é sustentado pelas relações estabelecidas entre professor e aluno. Nessas relações estão imbricados valores, vivências e experiências que impactam diretamente a vida dos envolvidos. É também pela via da afetividade que o professor desenvolve seu trabalho; por isso, não há como ignorar o fato de que o ambiente escolar, ante ao contexto familiar e social em que muitos estudantes estão inseridos, é visto como extensão da casa, e, por vezes, ampara mais que o próprio lar.

Nesse sentido, Esteve (1999) nos alerta que "assumir as novas funções que o contexto social exige dos professores supõe domínio de uma ampla série de habilidades pessoais que não podem ser reduzidas ao âmbito da acumulação do conhecimento" (p. 38). A perspectiva apresentada por Esteve configura a realidade da práxis docente, na qual o professor precisa transitar por vários papéis, ter um olhar sempre atento e estar disposto a atender às demandas da sala de aula, haja vista que muitas vezes o educador perceberá que a última coisa que o aluno precisa naquele momento é de conteúdo programático. Ao levar em consideração as vicissitudes da sala de aula, possivelmente notará que se faz necessário um abraço, um gesto de carinho, ou até mesmo uma repreensão firme, pois o acolhimento e o reconhecimento desses alunos são de fundamental importância, uma vez que levam para a sala de aula suas carências físicas e emocionais.

Isso nos leva a notar que o desenvolvimento social está intimamente ligado ao desenvolvimento cognitivo e afetivo, formando uma espécie de elo: "A vida afetiva, como a vida intelectual, é uma adaptação contínua e as duas adaptações são não somente paralelas, mas interdependentes, pois os sentimentos exprimem os interesses e os valores das ações, das quais a inteligência constitui a estrutura." (Piaget, 1971, p. 271). Assim, podemos inferir que não há como desvincular a afetividade da cognição. As trocas estabelecidas em sala de aula são carregadas de sentimentos e são fundamentais em qualquer convívio social, e a práxis pedagógica é estimulada pelas vivências, nas quais professor e aluno estabelecem vínculos de afeto.

Para melhor compreensão da relação professor-aluno, recorreremos ao campo psicanalítico. Apesar de haver divergências entre as estruturas teórico-epistemológicas referentes à educação e à psicanálise, os estudos mais recentes desenvolvidos em ambas as áreas vêm apostando em uma fértil interlocução entre esses dois campos do saber (Kupfer, 2010; Voltolini, 2011; Lajonquière, 2017; Pereira, 2017). O conceito de transferência, oriundo da clínica freudiana do final do século XIX, vem possibilitando o estabelecimento de um terreno comum para explorar a presença dos processos inconscientes no cotidiano escolar. Em suas pesquisas, Kupfer (1989, 2010) adota como ponto de partida a impossibilidade de fazer uma aplicação direta de conceitos psicanalíticos ao campo da educação e propõe como viável a transmissão ao educador de uma ética, um modo de observar, de problematizar e compreender sua prática educativa. É de acordo com essa lógica que pretendemos operar. A transferência, com base nos estudos freudianos, ocorre quando se projeta, inconscientemente, nas pessoas do convívio presente, elementos pertencentes ao passado. Tal tipo de relação é explicada por Laplanche e Pontalis (Laplanche, 1998) como um processo pelo qual os desejos inconscientes se atualizam sobre determinados objetos no enquadre de um certo tipo de relação estabelecida entre eles. No que diz respeito ao cotidiano escolar, "podemos dizer que na relação professor-aluno, a transferência se produz quando o desejo de saber do aluno se aferra a um elemento particular, que é a pessoa do professor" (Kupfer, 1989, p. 90-91).

Para o aluno, o professor pode ser, ao mesmo tempo, objeto depositário de carinho ou de sua falta. Tal relação envolve uma gama de expressões afetivas que podem ir do amor ao ódio. Quando afetado positivamente, o aluno pode estabelecer um vínculo transferencial com o professor e este pode se tornar imbuído de confiança. Em casos assim, o estabelecimento de uma relação de confiança pode instaurar um espaço de investimento e, desse modo, para o aluno, estudar passa a ser uma forma de investir nesse vínculo. A partir de tal lógica, a transferência, para o professor, segundo Freud (1912/1996), pode, "de modo igualmente simples, servir para facilitar as confissões", e é nesse espaço de confiança que o autor considera que "uma relação de dependência afetuosa e dedicada pode () ajudar uma pessoa a superar todas as dificuldades de fazer uma confissão. Em situações reais análogas, as pessoas geralmente dirão: 'Na sua frente, não sinto vergonha: posso dizer-lhe qualquer coisa'." (p. 116). Em termos semelhantes, lugar de confissão é lugar de confiança. Por essa razão, a transferência é um aspecto inerente ao sujeito, pois perpassa os relacionamentos, e não seria diferente na relação professor-aluno. E os processos de transferência, além de singulares, são inconscientes; todavia, a depender das vivências do aluno, a transferência também pode ser negativa, e quando isso ocorre o professor é posto num lugar hostil.

Desse modo, presente no cotidiano educacional, o processo de transferência pode interferir tanto de forma positiva quanto negativa no processo de ensino-aprendizagem. A tarefa de despertar o desejo de aprender torna-se complexa, principalmente quando nos damos conta de que vivemos num mundo alicerçado pela velocidade de informações e por conhecimentos descartáveis, onde a escola se tornou um lugar no qual a indisciplina e a violência são indissociáveis da rotina e que as dificuldades de aprendizagem e os problemas psicológicos, comportamentais e sociais levam professores a enfrentar uma grande lista de desafios para que, na maioria das vezes, não estão preparados, mas sobre os quais precisam agir e reagir. Inúmeros são os desafios acerca do desejo de aprender. A psicanálise adota como premissa que os desejos são oriundos do inconsciente. Devido ao fato de os conteúdos inconscientes nem sempre se tornarem conscientes, é possível conceber que muitas vezes o aluno não tem ciência do que deseja, do que quer. Assim, é preciso considerar que a dimensão inconsciente perpassa a relação professor-aluno, interferindo diretamente no processo de ensino-aprendizagem.

Nesse entendimento, o fazer docente não pode ser pensado de forma reducionista, considerando apenas o trabalho realizado por um profissional. Em outras palavras, não cabe pensar o professor como mero transmissor de conhecimento, visto que o exercício da docência reflete em toda a sociedade quando atua na formação do cidadão. Portanto, por mais consolidado que seja o papel do professor na sociedade, seu reconhecimento ainda fica aquém de sua importância, quer seja em questões salariais, quer em condições de trabalho e, consequentemente, na valorização da profissão. Diante desse cenário, que lugar o professor ocupa na sociedade?

Com esse questionamento, podemos retornar aos dados da Secretaria de Estado de Planejamento (SEPLAG-RJ) e da Varkey Foundation apresentados acima. A primeira informou que, dentre todas as secretarias do estado, a de educação é a que apresenta o maior percentual de pedidos de exoneração, o equivalente a 68%; e a segunda revelou dados nos quais o índice alcançado, com base na avaliação do brasileiro, colocou a profissão professor em último lugar no ranking. A percepção que os professores têm de si e a que a sociedade tem da profissão reflete a realidade de um estado que não prioriza a educação, que não valoriza seus profissionais, que não lhes dá condições dignas de trabalho e tampouco reconhece a importância deles na sociedade. Isso legitima, mesmo que implicitamente, a desvalorização da profissão de professor, tal como revelada pelos dados da Varkey Foundation.

Nas últimas décadas, foi possível assistir ao gradual enfraquecimento do Estado, pois à medida que ele não fornece garantias ao cidadão, deixa de ocupar o lugar de confiabilidade, esvazia-se do sentido antes proferido como Estado forte, capaz de prover sustentação e estabilidade aos trabalhadores. Vale salientar que o processo de enfraquecimento se deu a partir da retirada das redes de proteção e da adesão ao discurso neoliberal.

a ideologia neoliberal, ao mesmo tempo em que enfraquece a esfera pública a partir de um estado mínimo, dessolidarizante e moralista, engolfa o homem em uma multiplicidade de mandatos e obrigações cotidianas inatingíveis, fazendo-o sentir-se sempre atrasado, insuficiente, endividado e estulto. (Severiano et al., 2018, p. 195)

Diante de tais considerações, é possível perceber que um Estado enfraquecido deixa o sujeito à mercê, sem ancoragem, sem garantias; em outras palavras, deixa-o sem perspectiva de futuro. Essa perda da capacidade de crer contribui para conduzir o professor ao adoecimento, pois à medida que o Estado não ampara, valida os discursos de desvalorização, que ficam impressos no psiquismo como uma ferida. Tal marca, juntamente com a precarização, pode ser elencada como um dos elementos constitutivos do mal-estar docente.

 

Um olhar psicanalítico acerca do sofrimento do professor

É importante adotarmos como ponto de partida a ideia de que o processo de retirada das redes de proteção oferecidas pelo Estado em função da adesão, cada vez mais forte, ao discurso neoliberal tem efeitos na produção de sofrimentos que podem acometer o ser e o fazer docentes. Nesse contexto, a redução de amparo e garantias pode produzir sentimentos de menos valia, insegurança, incerteza, instabilidade e fragilidade capazes de influenciar o professor a perder a crença em si e na possibilidade de ser recompensado por sua profissão.

De acordo com Freud (1921/2011), quando os laços que sustentam as relações são dissolvidos, uma situação de desamparo se configura a partir do medo, do excesso de insegurança e de desproteção. Em 1895, em seu Projeto para uma psicologia científica, Freud (1895[1950]/1996) utilizou a palavra alemã Hilflosigkeit, traduzida para o português como desamparo, para nomear um estado de ausência de ajuda, de dependência, de insuficiência e de impotência que caracteriza a condição primordial de o ser humano estar no mundo. O bebê, extremamente frágil e desprotegido, nasce imaturo, incapaz de locomover-se ou alimentar-se por si só. Diante da incapacidade de realizar uma ação sem a ajuda de outrem, o recém-nascido encontra-se totalmente dependente de alguém que o auxilie na busca de satisfação das urgências provenientes das fontes somáticas. Nesse contexto, a função alteritária assume um papel fundamental, tornando o estado de dependência e a condição de desamparo do recém-nascido fatores que terão repercussões nas relações sociais. Assim, é possível perceber que a condição de impotência do ser humano não só o tornou incapaz de enfrentar os perigos sozinho, mas também fundou a necessidade de criar relações de dependência, imprimindo a presença da intersubjetividade como elemento crucial nos primórdios da construção do psiquismo.

A condição de desamparo designa o estado em que nascemos e também o estado no qual se vive em alguns momentos. Dessa forma, a situação de desamparo vai muito além de uma experiência do momento inicial da vida. Quando o desamparo se manifesta em sua função desestruturante, o funcionamento traumático assume a cena principal. Em seu texto Inibição, sintomas e angústia, Freud (1926/2014) concebe a vivência da angústia originária como algo que se reatualiza diante de situações semelhantes:

() a angústia se origina diretamente da libido, ou seja, estabelece-se aquele estado de desamparo do Eu ante uma enorme tensão gerada pela necessidade, o qual, como no nascimento resulta na geração de angústia; e nisso há novamente a possibilidade - plausível, mas pouco relevante - de que justamente o excesso de libido não utilizada ache descarga na geração de angústia. (Freud, 1926/2014, p. 84)

A angústia originária pode ser entendida como algo que comparece, mais tarde, sob a forma de reprodução de um estado traumático primitivo, reatualizado diante de situações semelhantes. De acordo com Freud (1926/2014), a situação de desamparo do recém-nascido é revivida em circunstâncias de perigo. Dessa forma, além de poder se configurar como uma condição traumática ou um retorno a uma condição traumática, o desamparo também pode representar um perigo do qual o aparelho psíquico tenta se esquivar.

O que define o desamparo é a situação de total passividade em que se encontra o sujeito, na incapacidade de poder, com seus próprios recursos, encontrar saída para seus impasses. Somente quando o sujeito (seja ele criança ou adulto) vai aos poucos, passando do estado de total passividade para o de atividade, é que ele se torna capaz de reconhecer o perigo e de preveni-lo com o sinal de angústia. (Rocha, 2000, p. 130)

O sinal de angústia prepara para o perigo, alertando o eu e preparando-o para se defender da ameaça. Dessa forma, o sinal se apresenta como um meio de evitar que a angústia compareça como uma medida de defesa que paralisa o sujeito, tornando-o impotente diante do perigo a ser enfrentado. A exposição ao perigo reatualiza a insuficiência, característica da condição primitiva de desamparo, tornando-a desestruturante. Essa situação é vivida como traumática, marcada por um excesso, por um transbordamento que o aparelho psíquico não domina. Quando o aumento de excitação não pode ser contido, o princípio do prazer fracassa e produzem-se experiências traumáticas, promovendo um acúmulo de energias. Nas palavras de Freud (1920/2010):

Descrevemos como 'traumáticas' quaisquer excitações provindas de fora que sejam suficientemente poderosas para atravessar o escudo protetor. Parece-me que o conceito de trauma implica necessariamente numa conexão desse tipo com uma ruptura numa barreira sob outros aspectos eficaz contra os estímulos. (p. 192)

Desse modo, podemos entender que o colapso ocorre quando o excesso de estímulos externos ameaça as defesas, ultrapassando o "escudo protetor", isto é, aquilo que é capaz de proteger o sujeito (Freud, 1920/2010, p. 45). Ao desenvolver um entendimento acerca da metáfora do escudo protetor proposta por Freud e relacioná-la à concepção do fator traumático em Winnicott, Khan (1963/1984) propôs o conceito de trauma cumulativo. De acordo com Khan (1963/1984), o aspecto patogênico do trauma cumulativo só se instaura a partir do somatório de situações em que o ambiente não desempenhou a função de escudo protetor. Para o autor, quando o ambiente falha em sua função de escudo protetor, pequenas fendas são abertas, instaurando-se, ao longo do tempo, como feridas no eu. A abertura das fendas não pode ser considerada traumática no momento em que se instala; só adquire valor de trauma cumulativa e retrospectivamente. Isso significa que o caráter traumático não pode ser dado pelo acontecimento no momento de sua ocorrência, isto é, quando as fissuras são abertas. Ele se instala pela repetição e pelo acumulo de pequenos sulcos, silenciosa e invisivelmente. Constituído pelo somatório das fissuras acumuladas no eu ao longo do tempo, o fator traumático só pode ser percebido como tal após a instalação dos efeitos patogênicos das feridas acumuladas.

A partir do entendimento das noções apresentadas, torna-se possível fazer uma incursão ao campo da educação para tecer algumas considerações acerca do sofrimento psíquico causado pelo fazer docente na rede pública do estado do Rio de Janeiro. É importante notar que o sofrimento experimentado pelos professores da rede pública não está relacionado a um único trauma, mas inclui uma série de pequenos eventos traumáticos provenientes de um conjunto de experiências relacionadas aos efeitos da precarização no cotidiano escolar, à falta de amparo e de investimento do Estado, aos sentimentos de menos valia, a instabilidades e fragilidades capazes de influenciar o professor a perder a crença em si e na possibilidade de ser reconhecido pelo exercício de sua profissão. A reunião dessas feridas, ao longo do tempo, culmina em diversos tipos de sofrimentos, perpassados por impotência e insuficiência.

Aguiar e Almeida (2006) nos alertam que, no contexto educacional, parece haver um mal-estar que comparece silenciosamente a partir do não dito. Ao não se expressar pela palavra, o mal-estar acaba se denunciando na saúde psíquica do professor. Uma das formas de manifestação vem sendo caracterizada, no âmbito da saúde do trabalhador, como uma síndrome nomeada burnout.

 

Burnout na educação: uma questão individual ou conjuntural?

O termo burnout foi cunhado pelo psicólogo Herbert J. Freudenberger na década de 1970 e definido como um estado de esgotamento físico e mental, cuja causa está intimamente ligada à vida profissional. Burnout é uma expressão inglesa - burn (queimar), out (exceder) - que remete à ideia de algo que deixou de funcionar por exaustão, por esgotamento, que perdeu a energia, que chegou ao limite e, consequentemente, não tem mais condições de desempenho (Benevides-Pereira, 2002). Desde que foi caracterizado como um tipo de adoecimento, o burnout tornou-se objeto de pesquisa em diferentes áreas do conhecimento, com diferentes olhares, conservando um ponto convergente: o resultado de um esgotamento oriundo do trabalho. A partir de tal confluência, cabe dar um passo adiante e indagar: seria o burnout uma questão individual ou conjuntural?

Maslach e Leiter (1997) apresentam a ideia de que o "burnout não é um problema do indivíduo, mas do ambiente social no qual ele trabalha" (p. 45). Nessa perspectiva, Figueiredo (2018) vai além, ao afirmar que

a sociedade supostamente dividida entre os vencedores e os perdedores acaba sendo uma sociedade apenas de perdedores, cansados, tomados pela sensação de insuficiência e impotência: são sujeitos permanentemente vítimas da síndrome de burnout, e não apenas nas situações de trabalho profissional, mas na vida. (p. 96)

Tais considerações deixam claro que estamos diante de um mal-estar que acomete os sujeitos contemporâneos cujo regime de trabalho está atrelado à lógica neoliberal. Dessa forma, é possível conceber a síndrome de burnout como um mal-estar, oriundo da cultura, sujeito a sofrer atualizações conforme o tempo e espaço em que se encontra situado. Pereira (2017), ao discutir o mal-estar docente, destaca que muito se tem alardeado "mas nunca profunda ou suficientemente esclarecido sobre o padecimento psíquico de professores que se dizem cada vez mais deprimidos, estressados, esgotados, angustiados, hipermedicalizados, em pânico ou desistentes" (p. 71). Nesse sentido, vale enfatizar que o esgotamento profissional comparece no contexto educacional como um estado de diminuição de investimento no exercício da profissão, caracterizado por cansaço, sentimento de desamparo, desesperança, vazio emocional e pelo desenvolvimento de uma série de atitudes negativas frente ao trabalho, à vida e às pessoas (Pines et al., 1981; Carlotto, 2010). Para corroborar o que tem sido observado no campo da educação, torna-se oportuno lançar mão dos estudos desenvolvidos por Han (2017) sobre a sociedade do desempenho. Em suas considerações, o filósofo descreve um sujeito que

está cansado, esgotado de si mesmo, de lutar consigo mesmo. Totalmente incapaz de sair de si, estar lá fora, de confiar no outro, no mundo, fica se remoendo, o que paradoxalmente acaba levando à autoerosão e ao esvaziamento. Desgasta-se correndo numa roda de hamster que gira cada vez mais rápida ao redor de si mesma. (p. 91)

Nos discursos da sociedade do desempenho imperam o excesso de positividade em que o sujeito é levado a competir consigo mesmo, a obedecer às suas ambições e lutar por metas inatingíveis, pois sempre que alcançadas, são içadas um pouco além. O sujeito do desempenho sofre com a pressão da performance, que o coloca em guerra consigo mesmo, e essa luta constante por um melhor desempenho está pautada em uma autocobrança destrutiva, que culmina em sujeitos esvaziados, desgastados, com perda de sentido si e do mundo, esgotados profissionalmente. Em tal estado, o sujeito sofre uma ruptura psíquica e, ao mesmo tempo, uma ruptura social (Castro, 2012).

Chegamos ao ponto em que é possível fazer uma articulação entre os aspectos conjunturais e individuais que perpassam o mal-estar docente. De acordo com a lógica do discurso neoliberal, que sustenta as práticas dos sujeitos imersos na sociedade do desempenho, tanto a precarização das relações de trabalho quanto o sofrimento psíquico apresentado pelo sujeito em situação de desamparo podem desembocar num quadro de esgotamento profissional ou, em outras palavras, na síndrome de burnout. Nessa perspectiva, podemos inferir que, ao longo do processo de esgotamento, o sujeito gradualmente acumula feridas impressas pelos efeitos da precarização, pela falta de sustentação do ambiente e pela desvalorização de si. A reunião dessas feridas ao longo do tempo culmina em diversos tipos de sofrimentos perpassados pela impotência e pela insuficiência que ultrapassam a capacidade de suportar, levando ao adoecimento ou à desistência da vida laboral.

Para finalizar, é importante considerar que saúde e trabalho não devem ser dissociados, posto que representam uma dimensão fundamental na vida de qualquer profissional, garantindo qualidade de vida e produção. Portanto, com base no que foi exposto, é possível afirmar que o adoecimento do professor pode provocar impactos negativos tanto no processo de ensino-aprendizagem como também aos cofres públicos, na medida em que o adoecimento colabora para o aumento significativo de faltas, afastamentos temporários e permanentes, contribuindo, assim, para a elevação do déficit de profissionais nesse segmento.

 

Considerações finais

Burnout na educação não é apenas uma questão individual, é também uma questão conjuntural. Isso significa que o processo de precarização dos laços nas relações de trabalho pode repercutir na saúde docente, instaurando uma situação de vulnerabilidade capaz não só de impactar o fazer e o ser docente mas, sobretudo, de revelar um mal-estar que se manifesta de forma silenciosa. Tal padecimento acaba sendo denunciado a partir do adoecimento. Nesse contexto, faz-se necessário repensar a importância das políticas públicas de amparo à atividade docente, tendo em vista, principalmente, que o cuidado com a saúde do professor não deve ser desvinculado dos efeitos provocados pela adesão às práticas neoliberais. A gradual retirada das redes de proteção do Estado contribui para que os professores convivam com a incerteza de seus ganhos, com as condições precárias das instituições de ensino, com a desestabilização da posição assumida e com salários não reajustados. É desse modo que a precarização das relações de trabalho pode levar o professor a perder a crença em si e na possibilidade de ser reconhecido pelo exercício em sua profissão, tornando-o vulnerável ao adoecimento e sujeito a pressões constantes por melhor desempenho na ausência de suportes socialmente disponíveis para que esse processo ocorra.

 

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Recebido em 20 de março de 2020
Aceito para publicação em 04 de dezembro de 2020

 

 

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