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Jornal de Psicanálise

versión impresa ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.1 no.1 São Paulo mayo 1966

 

Indicações da psicanálise e de outras formas de psicoterapia(1)

 

 

Luiz de Almeida Prado Galvão

 

 

Adotarei por roteiro quatro tópicos sucessivos que devem ser sempre lembrados pelo médico: 1º) A importância do diagnóstico; 2º) Quando indicar a psicanálise ou outra psicoterapia?; 3º) Como indicar?; 4º) A quem indicar? (escolha do terapeuta). Examinemos então cada um dêstes itens na ordem em que foram enunciados.

1º) Fundamentalmente qualquer terapêutica depende do diagnóstico, O princípio que defende neste item é de que a conclusão diagnóstica deve estar apoiada em uma observação integral, em que se dê tanta importância ao físico, como à parte psicológica. Lembremo-nos de que uma paralisia pode ser sintoma de uma conversão histérica, assim como o tumor cerebral pode inicialmente se evidenciar por manifestações de tipo obsessivo, aparentando ser uma desordem primariamente emocional. Apesar da receptividade bem maior nos dias de hoje para com a Psicanálise, os médicos ainda estão subordinados a uma formação tradicional que não admitia concepções psicológicas em medicina. No próprio campo das moléstias mentais a Psiquiatria clássica seguiu rigidamente uma concepção organicista, preocupando-se em encontrar um substrato anatômico para as explicações etiopatogênicas. Com efeito, para que um paciente tenha a indicação médica de submeter-se à psicanálise ou outra psicoterapia, é necessário que esteja sendo assistido por um profissional com sólidos conhecimentos do que se pode chamar a base psicológica na medicina. A nosso ver, a base psicológica verdadeira da medicina foi trazida pela Psicanálise.

O diálogo médico-paciente tem que ser ampliado. O médico foi instruído na sua formação clínica tradicional a seguir um determinado roteiro neste diálogo. A tônica desta orientação é o físico, ficando todavia de fora a pessoa do paciente, sua personalidade, sua vida emocional.(2). O médico deve estar verdadeiramente interessado num diálogo informal com seu paciente, estando receptivo a conhecê-lo como pessoa, nas suas relações humanas (o próprio comportamento do paciente diante do médico no momento da entrevista, é um elemento precioso para o profissional bem elucidado nos problemas da psicodinâmica).

Com esta abertura maior na observação do paciente, o médico então surpreenderá aqueles casos onde o emocional está exigindo abordagem terapêutica adequada. Como princípio geral, nesta questão de diagnóstico, posso dizer que será de extrema utilidade uma conclusão, mesmo grosseira, feita pelo médico não psiquiatra. Um diagnóstico provisório que poderá ser melhor avaliado posteriormente, se necessário, pelo psiquiatra, com orientação não exclusivamente organicista.

2º) Sempre que o diagnóstico médico evidenciar perturbações de natureza psíquica, estamos seguramente diante de alguém que necessita psicoterapia, psicanalítica, ou outra. Se ficar evidente o caráter crônico ou progressivo das perturbações psíquicas, então o paciente requer a assistência de um psicoterapeuta para se submeter a uma determinada forma de psicoterapia. Entretanto, não são as perturbações e motivos manifestados transitoriamente, num momento crítico (luto, abandono), as que devem levar o médico a indicar um tratamento psicoterápico. A cronicidade, com evolução ou não, é que permite solucionar os pacientes a serem encaminhados ao psicoterapeuta. O que corrobora para se distinguir, entre os pacientes, aqueles que devem se submeter a uma determinada psicoterapia sistematizada é a evidência de que a pessoa considerada esteja sofrendo, ou prejudicada, ou impossibilitada de uma realização mais plena, ou causando sofrimentos ou prejuízos a outrem. Excluidos êstes casos, salientamos que o médico deve atuar sempre psicoterapicamente com seus clientes, nas enfermidades, de modo geral (compreensão, respeito, serenidade e firmeza podem e devem caminhar juntas). Em relação aos casos que devem submeter-se à psicoterapia, ou seja, as neuroses (em tôdas as suas variedades), perversões, os assim chamados estados psicosomáticos de forma geral, delinquência, as psicoses, a interrogação que se impõe nêste momento é qual à forma de psicoterapia a ser escolhida. Façamos agora algumas considerações, sinteticamente, sôbre o tratamento psicanalítico, comparando-o, num plano geral, com outras modalidades de psicoterapia. Importa aqui apenas sublinhar que o tratamento psicanalítico, que tem, como essência de sua técnica a análise da transferência, tem como objetivo fundamental proporcionar ao paciente uma compreensão, uma visão mais ampla de si mesmo (insight). Outros tratamentos psicoterápicos (psicoterapia de apoio, de orientação, procedimentos sugestivos, pedagógicos, as diversas modalidades de psicoterapia associada à hipnose, etc.), diferem da psicanálise porque, ou não têm como finalidade trazer este "insight", ou porque seus métodos não permitem esta aquisição. Ora, é certo que apenas a conquista daquele "insight" é que assegura uma mudança estrutural da personalidade do enfêrmo e é portanto a única a oferecer possibilidade de modificações profundas e permanentes nos distúrbios psíquicos. Pode-se perguntar: mas a psicanálise pode ser aplicada em qualquer caso? Devo dizer, de modo geral, que são suscetíveis de tratamento psicanalítico todos os casos de distúrbios psíquicos antes mencionados; os resultados obtidos sofrem muitas variações, quer pela gravidade dos distúrbios, quer pelo tempo de duração, quer pelas características pessoais de cada paciente, quer pela capacidade técnica do psicanalista. Podemos dizer que a evolução da psicanálise como terapêutica vem ampliando seu alcance; assim, por exemplo, as psicoses, a partir das investigações de M. Klein e seus colaboradores passaram a ser abordadas psicanaliticamente, e o tratamento de psicóticos vem apresentando resultados bastante animadores. Um fator a ser levado em conta é a idade do paciente; como regra, temos que pessoas mais jovens são mais atingíveis pelo tratamento psicanalítico; ao meu ver, o que vai restringir a indicação da psicanálise é a flexibilidade da personalidade em questão. Outro aspecto digno de atenção é o nível de inteligência; não é exequível o tratamento psicanalítico para aqueles que apresentam um deficit intelectual pronunciado (oligofrênicos, lesões cerebrais, etc.).

Pelas considerações até agora feitas, poderíamos chegar à conclusão de que a psicanálise gozaria de uma proeminência tal sobre as demais formas de psicoterapia, que estas poderiam ser desprezadas. Esta todavia não é a verdade. Não podemos prescindir dos outros métodos psicoterápicos, por razões diversas, que irei rapidamente abordar agora. Existem casos onde os distúrbios emocionais devem ser aliviados com certa urgência, e a psicanálise, como sabemos, pela essência e finalidade de sua técnica não pode se responsabilizar pelos resultados que reclamam pressa (Ex: vômitos incoercíveis, iminência de suicídio, colite ulcerativa grave, etc.). Também nem sempre a escolha da terapêutica está subordinada ao que pode, teoricamente, ser melhor; fatores os mais diversos devem ser levados em conta na compreensão do problema: a psicanálise é um tratamento dispendioso, o que vem a se constituir num fator de restrição; outras vezes a pessoa necessitada reside num meio onde não haja psicanalistas; há ainda a se considerar a escassez de psicanalistas (profissionais cujo treinamento requer muito tempo, situação esta com tendência a ser minorada). Preocupado com esta situação é que o psicanalista Franz Alexander, de renome internacional, fez adaptações no tratamento psicanalítico instituindo a psicoterapia breve, a ser feita por psicanalistas, e cuja discussão foge aos limites de nosso tema. A psicoterapia de grupo, que tem interessado aos psicanalistas, é uma terapêutica promissora, podendo atender a um maior número de casos. Cabe ao médico lançar mão dos recursos terapêuticos que forem possíveis a fim de ajudar o paciente a encontrar alívio de qualquer maneira para seu sofrimento. Não deve haver uma conduta perfeccionista.

Deixei propositadamente para agora uma indicação da psicanálise como terapêutica, que tenho como absoluta: é a psicanálise didática, a que se deve submeter o futuro profissional. Pela análise didática, o candidato pode conhecer de maneira inigualável os fenômenos da dinâmica psíquica como concebe a doutrina psicanalítica; pode aprender a técnica analítica mediante a experiência pessoal e irá adquirir a capacidade emocional básica necessária para o desempenho desta missão terapêutica. Dêstes três objetivos o mais importante é o último, como é fácil de se depreender.

3º) Ao indicar um tratamento psicoterápico, o médico deve ter em conta que a tradição cultural que nos alcança até os dias de hoje em relação às doenças mentais é a mais desfavorável possível; o doente mental já foi considerado como possuído pelo demônio, e, até Pinel, vivia encarcerado. Temos que vencer sempre o preconceito estabelecido, até mesmo nos casos de distúrbios menos severos. Assim a indicação terapêutica pode ferir suscetibilidades e gerar angústias; em casos de pacientes que estejam convencidos de que são portadores de enfermidades de natureza predominantemente orgânica, a perplexidade, diante do diagnóstico e da indicação terapêutica, pode ser imensa e provocar irritabilidade. Às vezes a resistência será dos familiares. A resistência a que me refiro neste momento é apenas a resistência consciente do paciente, e não aquela, de natureza inconsciente, que ocorre naturalmente em relação a tômadas as pessoas, e que são vencidas no decorrer do processo psicanalítico. Tal resistência, mobilizada contra qualquer psicoterapia a ser indicada, pode ser dirimida pela própria atitude do médico, não apenas pela atitude dêste, de respeito e interesse pelo paciente, como também pelas explicações que deve dar; portanto o médico deve estar em condições de fornecer ao paciente esclarecimentos gerais sôbre o tratamento que lhe indica, e, sempre que possível, fazer chegar ao psicoterapeuta as informações que fundamentaram a sua indicação terapêutica. Outro lembrete importante é de que o médico deve respeitar a decisão do paciente quanto a submeter-se ou não à psicoterapia: estimular, sem coagir, é um ponto importante a ser observado (exceção feita a psicóticos, que, com o juízo de realidade muito comprometido, não estão em condições de agir por si mesmos).

4º) O terapeuta a quem se indica deve ser obviamente um profissional preparado adequadamente na sua técnica. Nos dias de hoje, já não se pode aceitar que qualquer pessoa esteja capacitada a praticar um tratamento psicoterápico; a psicoterapia científica deve se apoiar em princípios científicos estudados e sistematizados. O psicoterapeuta deve dominar sua técnica e ser dotado de aspectos de caráter que evidenciem certas qualidades básicas, como sejam, honestidade, sensibilidade, e aptidão real para a carreira que escolheu. No que tange ao tratamento psicanalítico, deverá ser um psicanalista, ou seja, o profissional que fez um treinamento especial; dizemos isto porque tal campo se presta a muita confusão; é comum dizer-se que tal psicanalista é ortodoxo, referindo-se a um profissional treinado, insinuando-se de que se trata de alguém com uma orientação rígida, conservadora, impermeável as contribuições de outras procedências; assim, indica-se para outro "psicanalista", apontado como eclético e progressista, mas que na verdade não teve treinamento necessário que o habilita realmente para aquela situação emocional e que o torna apto ao verdadeiro progresso científico, sem mistificações.

Concluindo, o que precisamos ter em mente é que há necessidade premente de aumentarmos o número de psicoterapeutas, quer psicanalistas ou não, com boa formação científica e, sobretudo, lançar-nos à ingente tarefa da higiene mental, promovendo com tôdas as nossas forças a profilaxia dos distúrbios psíquicos; devemos nos esforçar para que tôdas as crianças venham a ter melhores condições para vencerem as etapas de seu desenvolvimento psicológico, que passou a ser tão bem compreendido depois das descobertas verdadeiramente geniais de Freud.

 

BIBLIOGRAFIA

1 - Alexander, Franz e French, Thomas M. - . Terapeutica Psicoanalitica. Trad. de Luis Fabricant - Ed. Paidos - Buenos Aires - 1956.         [ Links ]

2 - Kubie, Lawrence S. - Psicoanalisis - Aspectos Practicos y Teoricos - Trad. de S. Ramirez e R. de Ramirez Ed. Nova - Buenos Aires - 1951.         [ Links ]

3 - Marcondes, Durval - A medicina e a Psicologia - Livr. Martins - Editora - São Paulo - 1951.         [ Links ]

5 - Strachey, James - The Nature of Therapeutic Action in Psycho Analysis - Int. Journal Psycho-Anal. Vol.XV 1934.         [ Links ]

 

- NOTICIÁRIO -

- Promovida pelo Instituto de Psicanálise da Sociedade Brasileira de Psicanálise a formação de psicanalistas de crianças, procurando assim preencher uma lacuna em nosso meio, desde 1965 o Instituto conta com a contribuição da Dra. Arminda Aberastury, psicanalista didata, especialista de crianças, trabalhando em Buenos Aires, e conosco mensalmente, como convidada, Membro da Associação Psicanalítica Argentina.

- Dr. Bernardo Blay Neto, Professor da Universidade Católica de São Bento, vem ministrando curso de psicoterapia (teórico e prático), cadeira do Curso de Psicologia daquela Universidade.

- A Dra. Arminda Aberastury estará em São Paulo no dia 4 do junho p.f. prosseguindo em seus trabalhos sobre análise de crianças.

 

 

(1) Resumo da aula para o curso sobre Fundamentos de Psicanálise, organizado pela Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, para o Departamento Científico do Centro Acadêmico Oswaldo Cruz, da Faculdade de Medicina da USP, em 1962.
(2) A Faculdade de Medicina da Santa Casa, em São Paulo, recentemente fundada, conta com um curso de Psicologia, regido pela Profa. Virginia Leone Bicudo, cujos frutos provavelmente sanarãoesta lacuna, dando um exemplo a ser seguido.

(continua)

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