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Jornal de Psicanálise

Print version ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.1 no.1 São Paulo May 1966

 

Comunicação extra-verbal e mecanismos de defesa

 

 

Oscar Rezende de Lima

 

 

Apontar relações entre comunicação extra-verbal e mecanismos de defesa é o que se pretende.

Cinco minutos depois de começar a sessão do dia 22, a paciente Léa mantinha-se imóvel e muda, e o terapeuta sentia-se desanimado, ao mesmo tempo em que se lembrava de haver a paciente permanecido em imobilidade e silêncio também completos e prolongados numa das sessões anteriores.

Mantendo-se calada, imóvel, a paciente procurava inconscientemente comunicar-se com o terapeuta sem fazer uso de palavras, como se evidenciou no decorrer da sessão.

Em sessão anterior, estimulado pelo silêncio e pela imobilidade da paciente, o terapeuta fantasiara e, nessa sessão do dia 22, sob influência de estímulo igual, novamente fantasiava ser uma das"feras do Negev", soldados sujeitos a duro treinamento e capazes de lutar nas condições excepcionalmente adversas, que naquele deserto deparam.

Na elaboração dessas fantasias o que se foi evidenciando é, resumidamente, o que se expõe a seguir.

A paciente sentia-se muito frustrada pelo terapeuta, porque êste não lhe satisfazia os anseios de receber manifestações de carinho, amor; porque procedia - segundo palavras por ela empregadas - só como médico e não como homem.

Tal frustração a paciente não podia suportar, sem se enraivecer e sem atacar a si mesma, ao terapeuta e às comunicações verbais entre ambos. De si mesma dizia estar prestes a morrer, e já com aparência de morta. Do terapeuta dizia que era um deserto. Das comunicações entre ambos dizia serem e não haver palavras com que pudesse exteriorizar a vida que nela, paciente, ainda restava.

O propósito desse ataque triplo era eliminar a ansiedade que a paciente sentia, quando frustrada. Morta, não teria desejos, não sofreria frustração e ansiedade. Vendo o terapeuta como um deserto, dêle nada quereria, porque de um deserto nada poderia se desejar. Sem desejo, não seria frustrada e não sofreria ansiedade. Não se comunicando com o terapeuta, dêle não tomaria conhecimento e dêle nada quereria, livrando-se também assim de ser frustrada e de ficar ansiosa.

Acentuando-se êsse ataque, a paciente chegava a interromper suas comunicações verbais com o terapeuta, ficando em silêncio completo e prolongado, como no princípio da sessão do dia 22, já mencionada.

Com a desaparição, na consciência da paciente, do desejo de se comunicar verbalmente com o terapeuta, nela ganhava fôrça e primazia o desejo inconsciente de estabelecer com o terapeuta comunicação extra, pré-verbal.

O que a êle desejava comunicar era a sensação, por ela experimentada no trabalho analítico, de estar num deserto, fôsse em relação ao terapeuta que lhe parecia frustrador como um deserto, fôsse em relação ao seu próprio espírito, a um deserto igualmente comparável, tanto lhe era difícil extrair dêle os elementos necessários para prosseguir a análise.

Desejosa de comunicar ao terapeuta a sensação de estar num deserto, a paciente não recorria a palavras ou expressões mímicas apropriadas para externar aquela sensação, mas procurava, emudecendo e silenciando completamente, fazer de si um deserto para o terapeuta e sôbre êle atuar como sentia atuarem sôbre ela o terapeuta, frustrador, desértico, e o próprio espírito dela, desértico, estéril, donde lhe era difícil extrair o necessário para o prosseguimento da análise.

O que a paciente procurava fazer lembra o que as vêzes os cães fazem ao dono, ao procurarem adverti-lo dalgum ataque inimigo: ameaçam atacá-lo.

Inconscientemente, tentando comunicar-se com o terapeuta por meios pré-verbais, tentando comunicar a êle que se sentia num deserto, a paciente introjetava os objetos que lhe pareciam desérticos e com êles se identificava e, simultaneamente, projetava sua sensação no terapeuta, identificando-o consigo mesma. De par com a tentativa de comunicação pré-verbal havia, portanto, identificação projetiva e introjetiva. A isso, contudo, não se limitava o jôgo de projeções e introjeções. Por que sentia a paciente que o terapeuta era um deserto? Assim sentia, por causa do triplo ataque há pouco descrito: ataque da paciente a si própria, ao terapeuta e às comunicações entre ambos. Para fugir à ansiedade resultante da frustração de desejos por ela experimentados em relação ao terapeuta, esforçava-se a paciente por aniquilar aquêles desejos, por fazê-los desertar dela, por transformar-se a si própria num deserto de desejos. Êsse deserto, a paciente projetava-o no terapeuta. Ao introjetar o terapeuta desértico, o que a paciente fazia era, portanto, uma re-introjeção.

Há que realçar alguns aspectos da tentativa de comunicação extra-verbal que vem de ser descrita.

Um dêles é seu caráter regressivo, por ser em consequência de regressão, provocada por ansiedade ante objetos frustradores, que a paciente abandonava meios verbais de comunicação com o terapeuta e recorria a meios pré-verbais, próprios de fases do desenvolvimento psíquico anteriores àquela em que a criança começa a falar.

Outro aspecto é a sucessão do desejo consciente de comunicação com o terapeuta pelo desejo inconsciente de comunicação com êle, sucessão essa coincidente com a cessação das comunicações verbais com o terapeuta e o aparecimento da tentativa de comunicação pré-verbal com êle.

Outro aspecto ainda é a simultaneidade da tentativa de comunicação pré-verbal com a atuação de mecanismos de defesa, como a identificação projetiva e introjetiva, cujo aparecimento e cuja ação predominante ocorrem normalmente antes de a criança aprender a falar.

 

 

- THE PSYCHOANALYTIC FORUM -

Acaba de sair a nova revista"The Psychoanalytic Forum", contando com a colaboração de psicanalistas americanos e europeus. A revista apresenta trabalhos inéditos e ao mesmo tempo a discussão dos artigos por outros analistas.

A capa de frontespício insere excertos dos artigos contidos no volume 1, número 1:

"Se eu tivesse poderes, eu não permitiria que residentes jovens examinassem ou tratassem de um paciente psicótico, enquanto não tivesse passado vários anos tratando de processo neurótico em uma variedade de situações, sob supervisão intensiva."

Lawrence Kubie, M. D.

"Reflexões sôbre Treinamento."

"O conhecimento dos conflitos ambivalentes de Freud é importante para a compreensão de sua teoria sôbre instinto de morte."

Lawerence J. Friedman, M.D.

"From Gradiva to The Deathg Instinct."

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