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Jornal de Psicanálise

Print version ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.1 no.1 São Paulo May 1966

 

Evolução de uma análise: transferência e contra-transferência

 

 

Milton Zaidan

 

 

I - INTRODUÇÃO

Desde que Freud (1) descobriu que a transferência é o terreno sôbre o qual se processa uma análise e salientou a importância da contra-transferência como o instrumento de que o analista dispõe para sentir a transferência e poder interpretar, têm-se avolumado os trabalhos sôbre o assunto e incrementado o interesse sôbre a natureza do processo analítico.

Nêste trabalho, procura-se descrever a evolução de uma análise através da transferência e mostrar como foi usada a contra-transferência como instrumento da compreensão, sem pretender dar explicações sobre o processo analítico.

 

II - MATERIAL E MÉTODOS

O material usado é a evolução de 12 meses, compreendendo 187 Sessões, da psicanálise de um paciente adulto, num ritmo de 4 sessões semanais, tendo havido interrupção de 20 dias por férias e um número muito pequeno de faltas.

 

III - EVOLUÇÃO

Com a finalidade de facilitar a exposição, são considerados dois períodos:

1º período - Inicialmente, a angústia do paciente foi o desconfôrto frente a uma situação nova, desconhecida para êle. Não sabe o que fazer, não conhece as convenções da análise e do analista. Sente que tem obrigações e quer cumpri-las, mas também se queixa de que sou "mandão", relutando em aceitar a situação, tendo ficado em pé parte da 1º sessão, sentando-se a seguir, o que fez até a 8º sessão, quando então passou a se deitar. Está ansioso pela análise, mas o impacto com o desconhecido torna-o cuidadoso. Na transferência eu estou idealizado, depositando em mim tôdas as usas esperânças de cura. A idealização incrementa-se progressivamente. Seu ego e super-ego são sentidos como fracos e impotentes frente às solicitações do id, guloso e insaciável, pois usa excessivamente a cisão ("splitting") e a identificação projetiva como mecanismos de defesas mas, ao mesmo tempo em que quer usar o ego e o super-ego do analista, teme a dependência. A idealização incrementa sua inveja de mim e temores persecutórios, não podendo inúmeras vezes receber as interpretações, não entendendo ou não as escutando. Como defesa contra sua angústia de esvaziamento e temor de perder sua individualidade, entrou em "acting out", competindo em várias situações com amigos ou desconhecidos. A seguir, suas angústias se modificam, sentindo-me acusador, tendo que me aplacar, rendendo-me homenagens a todo instante. Sentindo-me voraz, frente a um reajuste de honorários, reage com sintoma orgânico (diarréia), culpando-me e atacando-me com excrementos, esvaziando-se, tentando assim livrar-se dos objetos internos maus, o que ocorre para empobrecer seu ego.

Na contra-transferência, paralelamente às angústias descritas, no início senti desconfôrto, frente ao paciente novo e desconhecido, e um desejo grande de ajudá-lo, muitas vezes fazendo interpretações longas. Quis ser "bom", entendendo tudo o que se passava e imediatamente. A seguir, notei uma inibição em fazer perguntas, explorando sua mente, inibição essa desencadeada pelo temor de o paciente sentir-se explorado e dependente. Quando me observava reclamando ou acusando, eu me sentia culpado de estar atacando-o com interpretações. Também foi desagradável para mim a situação de não ser entendido, sentindo-me incompetente, com o que visava diminuir minha inveja.

2º Período - Nesta fase, predominou seu temor à minha voracidade (projeção de sua gula em mim) à qual procurava aplacar falando tudo o que lhe ocorresse, passando a fazer extensos relatórios de sua vida cotidiana. Em conseqüência, surgiram temores de ter-se esvaziado e sensação de extrema dependência, principalmente de capacidades do ego que estavam tôdas projetadas. Sentia que sabia o que era certo e errado, mas mesmo sabendo não conseguia controlar seus impulsos e cometia falhas. Este dar tudo mascarava seu temor de ser roubado em todos seus conteúdos, em consequência do uso excessivo que fazia de identificações projetivas, com o objetivo de controlar os objetos maus e roubar os objetos bons externos. Além disso, quando êle, falando "tudo" (mas em dar afeto), sentia que dava tudo, defendia-se de sentimentos positivos, pois, não se ligando afetivamente, não temia a separação.

Do ponto de vista contratransferencial, as palavras ditas pelo paciente, sem afeto, causaram-me um certo desagrado em que havia mescla de sentimentos de incompetência e de afastamento do paciente, que eu sentia desligado da análise e de mim, não tomando conhecimento das interpretações e persistindo nos seus relatórios. Após a compreensão do que ocorria na contra-transferência, foi possível livrar-me do sentimento de desagrado e então interpretar.

 

IV - COMENTÁRIOS

A impossibilidade de se comunicar na íntegra dados e material do paciente dificulta transmitir convicção. Êste trabalho não tem outra pretensão senão a de acrescentar um dado confirmatório a fato já conhecido e demonstrado, qual seja, o de que o instrumento que permite ao analista a compreensão psicológica do paciente é a contratransferência. No início da era psicanalítica (2), a contratransferência era vista como prejudicial ao trabalho analítico.

É preciso que fique claro o seguinte: os sentimentos surgidos no analista em consequência da presença e atuação do paciente (por atuação compreende-se o material fornecido pelo paciente através de meios de comunicação verbal ou não verbal) devem ser captados e entendidos, após o que elabora-se a interpretação. O que prejudica são as consequências de ou não serem captados ou não serem entendidos os sentimentos do analista, isto é, inibições, bloqueios, atuações extra-analíticas.

 

BIBLIOGRAFIA

1 - Freud, S. - Interpretation of Dreams. Standard Edition 4-5, Hogarth, London.         [ Links ]

2 - Freud, S. - Observations on Transference Love. Standard Edition 12, Hogarth, London.         [ Links ]

 

 

Exceptos da Revista "PSYCHOANALYTIC FORUM"

"Interpretei que ela sentia sua amizade por outras pessoas e tôdas as suas atividades, andar, falar, comer e mesmo pensar como um ato hostil contra mim e por isso que tinha de impedi-las. Quasi que imediatamente ela se tornou capaz de pensar para colaborar melhor...

Hebert Rosenfeld, M. D.

"A necessidade de o Paciente Atuar durante a Análise".

"Tem sido fato surpreendente e alarmante que muitas vítimas dos campos de concentração sofram mais de efeitos posteriores no presente do que sofreram cinco, dez ou quinze anos atrás."

Klaus D. Hoppe, M. D.

"Psychodynamics of Concentration Camp victims".

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