SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.1 número1A introjeção do analista como objeto bom na evolução da análise índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Jornal de Psicanálise

versión impresa ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.1 no.1 São Paulo mayo 1966

 

Considerações sôbre a metodologia psicanalítica - "estudos de revisão-notas iniciais"

 

 

David Ramos

 

 

No concêrto geral da Cultura, a Psicanálise pode e deve participar do intercâmbio entre as Ciências.

Tôda Ciência tende para a universalização de conceitos, através de seus responsáveis. O físico nuclear procura explicações para uma determinada classe de fenômenos de uma forma; o psicanalista, em outra faixa de conhecimentos, o faz de outro modo. A generalização é contudo, consequência necessária e inevitável. O raciocínio de cada um é treinado em determinado sentido, porém, sempre invade áreas além de seus limites, levando consigo valores, posições e conceitos.

A Ciência está sempre em função das ciências e, do relacionamento entre elas, sejam exatas ou não, biológicas ou culturais, há inevitavelmente um mútuo aproveitamento. Não se trata apenas de uma troca estática de informações. Resulta dêste intercâmbio, um todo dinâmico de amplas e múltiplas interferências e influências. Mesmo porque a verbalização ou comunicação dos conhecimentos jamais é conseguida de forma total. Além da comunicação verbal através da linguagem conceitual, sempre haverá uma comunicação irracional, imponderável e imperceptivel atuando na mente do ser humano e contribuindo para a origem de novas implicações.

Mesmo que se admita uma realidade científica independente da consciência, uma Ciência não é independente de outras porque, necessariamente, seus postulados são elaborados no íntimo do observador. Isto é o que caracteriza o dinamismo da interdependência. Os achados de uma Ciência, ao serem comunicados de consciência para consciência, necessariamente são adaptados, modificados e condicionados. É um característico geral da Cultura. Quando êstes processos tornam-se demasiadamente intensos, a realidade pode ser perdida de vista. O afastamento da realidade geralmente traduz o receio de enfrentá-la. Para o conhecimento consciente, por vêzes a realidade pode parecer desordem de valores. Poderá ser simplesmente mêdo de enfrentar a linguagem indeterminada, paradoxal e intemporal das modificações da realidade.

O grande problema da Cultura em geral e da Cultura Científica em particular é o de reaproximar o homem da realidade do "aqui e agora" porque ela jamais é estática, una e eterna. Acompanha enfim modificações regressivas da realidade.

 

MÉTODO E CRÍTICA

Os críticos da Psicanálise dizem que doutrina não é método e que lhe falta êste último. Argumentam: várias são as interpretações dadas por vários analistas diante de um mesmo material; tôdas elas são condicionadas pela problemática inconsciente do analista, mesmo que fique exclusivamente lidando com angústias, fantasias e defesas, na transferência. Prosseguem: a análise é conduzida apesar da neutralidade formal do analista. Concluem: não há objetividade científica na Psicanálise. A realidade do paciente fica distante. Cria-se uma mentalidade psicanalítica.

 

OBJETIVIDADE CIENTÍFICA

Será preciso caracterizar-se bem o que é objetividade científica nas ciências do espírito e em particular na Psicanálise. Nesta, a objetividade é o profundamente subjetivo e paradoxalmente quanto mais subjetivo mais objetivo. Mas pergunta-se: a objetividade científica não deve ser una e universal? E na Psicanálise, a objetividade não estará desta forma destinada a pluralizar-se? O próprio "método" psicanalítico, no qual o observador participa emocionalmente do fenômeno, parece mostrar uma individualização. Cada analista de certo modo é seu próprio método. Haveria enfim um ecletismo metodológico. E esta pluralidade de métodos, não será a negação dos característicos de objetividade científica?

 

FÍSICA E MICROFÍSICA

As modernas concepções do fenômeno infra-atômico podem fornecer indicações preciosas em relação ao problema metodológico e critério de objetividade científica.

Tomar as descobertas da Física moderna como "modelo direto" não é cientificamente válido, mas é possível inferir alguns ensinamentos, captar as formulações filosóficas resultantes destas conquistas e fazer da Filosofia um porta-voz da Ciência no campo do Conhecimento.

A Microfísica atual tem demonstrado que ao observar fenômenos infra-atômicos, o observador interfere diretamente no mesmo. Esta interferência se dá não somente no que respeita às inferências da observação. O observador interfere dentro do fenômeno, modificando-o ao observá-lo com seu instrumental. Ao que tudo indica, o observador pode permanecer insensível quando observa fenômenos macrofísicos, o mesmo não acontecendo nos infra-atômicos. O mundo grande seria assim regido pelo "princípio da causalidade" enquanto o pequeno o seria pelo "princípio da indeterminação". Dois princípios portanto nos fenômenos físicos.

Assim, parece que nos fenômenos da Natureza não há mais sòmente o fato, pois que êste vai sendo modificado pelo observador. O fato não é sòmente o fato, é o observador no fato. De certa forma, o observador é dono do fato.

Isto acontece no mundo material. O que não se poderá dizer no plano psíquico de uma relação humana? São considerações que propiciam uma série imensa de indagações com relação ao conceito de Ciência e "Método Científico".

Diz E. Cannabrava: o próprio método científico adquire cada vez mais, plasticidade e sutilezas, impregna-se de qualidades pessoais do observador e põe em jôgo as molas ocultas da fantasia e da imaginação embora controladas pela experiência. Mesmo nos mais rigorosos métodos da Física, seria possível lobrigar uma pequena margem de indeterminação da imprecisão do irracional.

Escreveu Freud: ... a determinação psicológica de uma teoria não exclui sua correção científica.

Com tais orientações não concordam contudo aqueles que abusando do racionalismo científico, consideram real tão sòmente o algebricamente possível, "cristalizando o preconceito de que as idéias claras e evidentes são as únicas aceitáveis, com aversão ao mistério, à bruma do irracional, à experiência lírica e às criações do inconsciente".

 

MÉTODO PSICANALÍTICO

A Psicanálise não é apenas um procedimento terapêutico ou uma interpretação simbólica do homem. Não atuando em absoluto num vácuo histórico, passa a ser mais uma contribuição para a "Teoria do Conhecimento". Talvez a mais importante e profunda porque até Freud, as diversas teorias do conhecimento eram formuladas independentemente do lado emocional profundo. Passou a ser assim o próprio processo dialético do Ser. É enfim uma personalidade a serviço de um método.

O problema fundamental do pensamento psicanalítico moderno é sua metódica. Há necessidade de uma reavaliação da posição científica da Psicanálise como2método2, por parte daqueles que aceitam que ela não tem pretensões a ser uma Filosofia acabada. De sua solução depende a necessária reformulação da teoria psicanalítica, que, sem dúvida, vem sofrendo as pressões decorrentes do impacto das conquistas de outras ciências.

É necessário agasalhar-se a possibilidade de uma pluralidade de metodológica, inclusive no domínio das ciências da Natureza, admitindo-a como científica. É a orientação da Ciência moderna.

Não é possível forçar o critério de objetividade científica tradicional na Psicanálise. Objetividade científica nem sempre é una e universal. A Psicanálise propicia a base para a reformulação do método nas ciências do espírito quando une a individualização à imaginação criadora. É impossível estudar-se o fenômeno psicológico profundo em "si mesmo"; somente é possível fazê-lo em relação ao observador (na transferência), pois êles só se completam com a observação.

A Psicanálise está muito mais próxima destas modernas concepções do que qualquer outra ciência quando admite a interferência do observador (analista) no fenômeno do paciente (transferência). O analista não cria a transferência. Ela se dá quando o observador surge.

Há um "método" psicanalítico cientificamente válido dentro das modernas concepções de método. É sem dúvida um método menos normativo. O que lhe falta é uma formulação exata. A ausência de uma conceituação filosófica da Ciência Psicanalítica tem dado a falsa idéia de que ela não é Ciência e que não quer comércio algum com os fatos. Já é tempo de reformular esta posição, pois a teoria psicanalítica se elabora a partir da experiência analítica e existe porque confirmada pela experiência como qualquer outra Ciência.

 

A IMPORTÂNCIA DO ANALISTA

Admitindo-se a impossibilidade de uma observação estática, a idéia de neutralidade do analista fica completamente afastada. Admitindo-se que o fato é também o observador no fato, é possível suspeitar que o analista, muito mais do que pensa, atua na modificação do fenômeno psicológico do paciente. O analista assume assim, uma extraordinária importância para o paciente. Deixa de ser importante apenas como técnica no uso da transferência. Dentro desta linha de pensamento, o analista modifica o fenômeno psicológico do paciente, não apenas ao lidar com suas angústias, fantasias e defesas, na transferência, mas também modificando-o com outros instrumentos existentes no trabalho analítico e postos em jogo indiretamente: personalidade, caráter, biotipo, cultura, sexo e contratransferência.

Considerando-se que o fenômeno observado é modificado diversamente de observador para observador, de acôrdo com o instrumental empregado, êste mesmo instrumental passa a ter muita importância. As "totalidades" do analista adquirem assim cada vez mais, maior importância.

Este é necessariamente o caminho que a pesquisa psicanalítica deverá seguir doravante, para melhor compreensão da mente humana.

 

O QUE SE PRETENDE

O que aí está, sugere que a introspecção filosófica poderá levar ao aperfeiçoamento do instrumental do observador - no caso do analista.

Embora a realidade do paciente jamais possa ser atingida em tôda sua pureza, é claro que quanto maior conhecimento houver do instrumento e de sua aplicação pelo observador, tanto mais fielmente aquela realidade poderá ser compreendida.

Muito do que tem sido escrito ou analisado na transferência talvez venha a sê-lo na faixa da contratransferência e na contraidentificações do analista. Claro que não se pretende com isto conhecer o fenômeno observado através da reação do observador, direta ou intuitivamente.

A reavaliação da contratransferência (no sentido que ficou dito), e das totalidades do analista, como instrumentos válidos na pesquisa psicanalítica, tanto quanto o aperfeiçoamento da técnica, condicionara o futuro progresso da Psicanálise. O progresso e o futuro da Psicanálise estão dentro do analista. Talvez haja necessidade de filosofar um pouco e fazer alguma introspecção.

Os próprios psicanalistas têm contribuído para que as críticas ao método psicanalítico tomem feição de validade quando, procurando negá-las ou provar o contrário, se esquecem de mostrar que há muito tempo, antecipadamente mesmo, a Psicanálise emprega preceitos metodológicos modernos. As críticas à Psicanálise pareceriam válidas se examinadas apenas sob o ponto de vista de uma metódica tradicional, porém, jamais à luz de novos critérios. Não há entretanto, a necessidade de que o psicanalista rompa com sua técnica tradicional. Técnica não é método, é apenas um instrumento do método. As modificações técnicas virão com o tempo e como consequência de uma necessária revisão metodológica.

"Se algumas vezes entramos em seara alheia, descrevendo fenômenos que pertencem ao domínio da física, é que, em primeiro lugar, tais deduções dos físicos, mesmo dos mais abstratos e teóricos, de certo modo afetam convicções e interpretações de todos nós, mesmo que dos biologistas que se ocupam de fenômenos em escala macroscópica. ... As novas concepções de anti-matéria, de partículas com energia negativa seguindo trajetoria do futuro para o presente, quando tudo em tôrno parece continuar a rotina presenciada por Adão e Eva ou aquela vigente desde que a humanidade e seus companheiros da escala zoológica desceram da Arca de Noé, cria situações de perplexidade que só pode ser descrita em têrmos de "Credo quia absurdum"......." São palavras de M. Rocha e Silva.

Não interessa tanto assim, saber porque razões emocionais profundas Platão elaborou sua Filosofia . Interessa isto sim continuar desenvolvendo esforços na elaboração de "uma teoria da subjetividade sem cair no subjetivismo."

 

BIBLIOGRAFIA

1 - Baranger, Willy - Relatório Oficial do 2º Congresso Psicanalítico Latino-Americano: Métodos de Objetivação Psicanalítica - 1958        [ Links ]

2 - Brooglie, Louis - Physique e Microphysique - "Colletion Sciences d'au Jourd'hui" Editions Albim Michel - Paris 1947        [ Links ]

3 - Cannabrava, Euryalo - Seis Temas do Espírito Moderno - Coleção Estudos e Documentos - Vol. 11 - São Paulo Brasil.         [ Links ]

4 - Freud, Sigmund - El Analisis Profano - Trad. Luiz Lopes Ballesteros y de Torres - Buenos Aires - Argentina - 1943.         [ Links ]

5 - Garaudy, Roger - Sôbre o Fundamento da Moral - Revista Civilização Brasileira - Ano 1 nº 4 - Setembro 1965.         [ Links ]

6 - Klein, Melanie - The Origins of Transference. - Int. Journal of Psycho-Analysis - Vol.XXXIII - 1952 Part IV.         [ Links ]

7 - Rocha E Silva, M - Lógica da Invenção - Livraria São José - São Paulo - Brasil - 1965        [ Links ]

 

 

Exceptos da Revista "Psychoanalytic Forum"

"... certas pessoas com particular base fisiológica e psicológica, quando em situações intoleráveis de impasse... nas quais não podem lutar e das quais não podem escapar morrem repentinamente".

Leon J. Saul, M.D.

"Sudden Death at Impasse".

"... O acidente fatal está muitas vezes ligado significativamente com dois fatores... atividade impulsiva... novas responsabilidades e produz uma situação de crise".

Norman Tabachnick, M.D.

Robert E. Litman, M.D.

"Character and Life Circunstance in Fatal Accident".

Creative Commons License