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Jornal de Psicanálise

versión impresa ISSN 0103-5835

J. psicanal. v.39 n.70 São Paulo jun. 2006

 

REFLEXÕES SOBRE O TEMA

 

Sobre o processo de transmissão psicanalítica em um relatório de candidato do Instituto Durval Marcondes" da SBPSP: investigação qualitativa

 

The process of transmission of psychoanalysis considering the case report of a candidate of the institute "Durval Marcondes" of the SBPSP: a qualitative inquiry

 

Sobre el proceso de la transmisión psicoanalítica en un informe de candidato del instituto "Durval Marcondes" del SBPSP: investigación cualitativa

 

 

Alceu Roberto Casseb(1),*; Alfredo Menotti Colucci(2); Ana Maria Rocca Rivarola(3); José Antônio Sanches de Castro(4); Maria Auxiliadora de Athayde Couri(4); Maria José de Albuquerque(4); Maria Luiza de Mattos Fiore(3); Mary Lise Moysés Silveira(3); Regina Maria Leme Lopes de Carvalho(4); Sylvia Salles Godoy de Souza Soares(1)

Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente estudo procura investigar os movimentos contidos na escrita do primeiro relatório, que compreendemos como resultado das influências teóricas e clínicas que o autor recebeu na sua formação analítica. Com a finalidade de formular hipóteses, desenvolvemos um diagrama que permite acompanhar através de signos lingüísticos os movimentos intersubjetivos e, portanto, refletir a análise do texto existente e, dessa forma, fazer correlações com os diversos pares envolvidos na situação psicanalítica: analista/analisando; analista/supervisor; analista/instituição; analista/texto e texto/leitor. A transmissão psicanalítica é sempre por nós entendida como um "processo", de maneira que venha a envolver seus interlocutores pelo "novo" vértice psicanalítico. As bases epistemológicas, que o sujeito do Processo de Transmissão de Psicanálise (PTP) apresenta, precisam estar suficientemente enraizadas em sua personalidade para encontrar alguma ressonância no receptor. Sucintamente, estas bases estão relacionadas a: 1 — Compromisso com a Verdade Emocional; 2 — Relação Dinâmica com o Método Psicanalítico; 3 — Evolução da Comunicação entre os pares possíveis.

Palavras-chave: Formação em psicanálise, Escrita psicanalítica, Relatórios de psicanalistas em formação, Epistemologia, Fenomenologia, Semiótica, Peirce.


ABSTRACT

The present study investigates moments of movement contained in the writing of a first case report, considered as a result of the theoretical and clinical influences that the author received in his analytic training. With the aim of formulating hypotheses, a diagram was developed offering a possible way to follow intersubjective movements through linguistic signs, making a reflective analysis of the text, and therefore making correlations between the different pairs involved in the psychoanalytic situation: analyst/analysand; analyst/supervisor; analyst/institution; analyst/text and analyst/reader. The transmission of psychoanalysis is considered as a "process" engaged by the pairs in the "new" vertex. The epistemological bases for this "Process of Transmission of Psychoanalysis" (PTP) must be well introjected in the personality of the transmitter in order to find receptiveness. These bases are related to: 1 — Commitment with Emotional Truth; 2 — Dynamic Relation with the Psychoanalytic Method; 3 — Evolution of Communication between the possible pairs.

Keywords: Psychoanalytic training, Transmission of psychoanalysis, Case reports, Peirce’s semiotic.


RESUMEN

El presente artículo se propone investigar los movimientos contenidos en la redacción del informe de la primera supervisión de psicoanalistas en formación, que entendemos como resultado de las influencias teóricas y clínicas que el autor recibió durante la formación psicoanalítica. Con la finalidad de formular hipótesis, desarrollamos un diagrama que permite acompañar, a través de signos lingüísticos, los movimientos ínter-subjetivos y, por lo tanto, permite reflejar el análisis del texto existente. De esta forma, se pueden hacer correlaciones con los diversos pares involucrados en la situación psicoanalítica: analista/analizado; analista/supervisor; analista/institución; analista/texto y texto/lector. Entendemos la transmisión psicoanalítica como un "proceso" que va introduciendo a sus interlocutores en el "nuevo" vértice psicoanalítico. Las bases epistemológicas, que el sujeto del Proceso de Transmisión del Psicoanálisis (PTP) presenta, deben estar suficientemente arraigadas en su personalidad para poder encontrar alguna resonancia en el receptor. Sucintamente, estas bases están relacionadas con: 1 — Compromiso con la Verdad Emocional; 2 — Relación Dinámica con el Método Psicoanalítico; 3 — Evolución de la Comunicación entre los diferentes pares posibles.

Palabras-clave: Formación en Psicoanálisis, Redacción psicoanalítica, Informe de psicoanalistas en formación, Epistemología, Fenomenología, Semiótica, Peirce.


 

 

Introdução

Chapter 3 commences a stylized description of emotional experience, realizations, in which I have participated, that form the stimulus for the whole of this book. By "stylized" I mean that it is consciously sophisticated because the falsification that is introduced by such a method of presentation is immeasurably less than the falsification produced by any others, including so called mechanical recordings. These last have the truth that pertains to a photograph, but the making of such a record, despite a superficial accuracy of result, has forced the falsification further back -that is into the session itself. The photograph of the fountain of truth may be well enough, but it is of the fountain after it has been muddied by the photographer and his apparatus; in any case the problem of interpreting the photograph remains. The falsification by the recording is the greater because it gives verisimilitude to what has already been falsified.1

Bion (1962, xi)

Esta pesquisa originou-se das discussões dos membros do laboratório de transmissão da SBPSP que estuda o Processo de Transmissão da Psicanálise. Preocupa-nos conhecer o modelo de transmissão na SBPSP, bem como de outras Sociedades. As contribuições de especialistas e psicanalistas sobre o tema — transmissão de conhecimento — a partir de diferentes vértices, como por exemplo pedagogia, filosofia, estética e ética, possibilitaram desenvolver a presente investigação. Procuramos acompanhar a narrativa do candidato, formulando hipóteses que indicam movimentos de aproximação, distanciamento ou indiferença relacionados ao processo de transmissão da psicanálise.

A transmissão da psicanálise está comprometida com o currículo dos cursos do Instituto de Psicanálise, sistema de avaliação dos candidatos, supervisão e a cultura ideológica da instituição sobre formação. A pergunta: "Que psicanalista queremos formar?" está sempre presente e sujeita a constantes modificações, o que torna relevante a presente investigação.

Vários aspectos se apresentam quando se propõe conhecer e avaliar um processo2. Estamos no campo da mobilidade, da mudança, do vir-a-ser. A pergunta poderia ser: "Como uma pessoa que não era veio a ser psicanalista?". Por quais procedimentos? O que determina a mudança? O que de verdade ocorre e o que é que faz mudar?

Em princípio, podemos pensar um processo de influências, de transmissões, de novas percepções e suas elaborações que conduzem para novos paradigmas que chamamos de psicanálise. Entretanto, se já é difícil escrever a respeito da experiência com pacientes em análise, mais difícil é investigar o processo de transmissão a partir da escrita. Pensamos em estudar o primeiro relatório, pois este denota um momento importante na formação do psicanalista: sua primeira publicação na e para a instituição, que é uma avaliação e, ao mesmo tempo, um acompanhamento do desenvolvimento do vir-a-ser psicanalista.

Esse documento apresenta elementos diretamente relacionados à formação curricular do candidato. Dessa forma, o modelo institucional impregna esse trabalho através das ideologias e teorias pessoais ou grupais somadas ao resultado da transferência e contratransferência com o analista e o supervisor do candidato. De acordo com o regulamento do Instituto esse relato deve ser o seguimento de uma análise de paciente adulto feita com quatro ou mais sessões por semana, sob a supervisão de analista didata, no mínimo de oitenta horas.

Não pretendemos olhar o relatório sob a ótica de um supervisor, ou seja, no vértice da clínica. Neste sentido, procuramos permanecer distante de nossas concepções teórico-clínicas, o que exigiu do grupo e, de cada um em particular, um treino constante. Nosso interesse centrou-se única e exclusivamente na ocorrência ou não do Processo de Transmissão Psicanalítico (PTP).

O PTP envolve uma complexidade de fatores que procuramos correlacionar com outras áreas de conhecimentos que constituem muitas das vicissitudes epistemológicas envolvidas no Processo de Transmissão Psicanalítico (PTP).

A seguir desenvolvemos alguns temas que compõem procedimentos de transmissão de experiências clínicas psicanalíticas:

Por ser um ato de "educação":

Precisamos reconhecer que a educação é sempre uma experiência profundamente humana, visa uma aprendizagem, aquisição de um saber que é a inserção na cultura. Rezende (1990) propõe três momentos para o tema da pesquisa em educação.

1. Constatação da realidade

2. Compreender a realidade constatada nas suas inter-relações.

3. Procurar como as contradições e possibilidades podem ser exploradas, em vista de outra realidade histórica, julgada preferível pelos sujeitos e para eles.

Procuramos, ao estudar o primeiro relatório, estes aspectos da "educação" recebida e publicada. Toda a reflexão sobre o trabalho clínico constitui a busca desta outra realidade histórica, julgada preferível pelos sujeitos.

Por incluir o ato de criação:

O potencial criativo do candidato deve ser objeto de transformações no PTP. Procuramos detectá-lo e acompanhar sua importância na transmissão do trabalho com os conceitos psicanalíticos descritos, nos seus diferentes momentos de realização. O relatório traz diferentes vértices estéticos: no estilo de escrita, na vinheta e/ou sessão escolhida e na nuança da teoria elegida. No dizer de Umberto Eco: "A estética deve realmente interessar-se mais pelos modos de dizer do que pelo que é dito" (Eco, 1968, p. 109).

Essa questão nos interessa particularmente no sentido de que a forma do dizer vai nos revelar a capacidade criativa do analista em transmitir o Processo Analítico.

Para Segal (1993) a arte não é só uma comunicação interna, é também uma comunicação com os outros, e grande parte do trabalho consiste em criar novos meios de comunicação.

Por apresentar um caráter lingüístico:

Melsohn (Sister & Taffarel, 1996) parte da consideração de que no dito há sempre uma tentativa de expressão simbólica e conseqüentemente de uma forma, de uma concepção. A forma é sempre uma criação, uma organização da experiência. Estar atento aos diversos elementos que compõem uma comunicação de seu paciente, de seu mundo emocional e da interação destes é tarefa do analista clínico quando em contato com seu paciente. Tomar posse desta experiência e apresentá-la ao supervisor constitui uma reedição das linguagens existentes. A partir desta reedição e agregando um sem-número de outras versões, o candidato escreve seu relatório. Nestes processos dinâmicos de transformações, agregações e subtrações, procura-se acompanhar o PTP na linguagem. Neste processo, cada nuança de linguagem tem seu lugar, como nos ensina Melsohn (Sister & Taffarel, 1996, p. 215): "(...) para mim, a interpretação feliz é aquela que une o poder musical, encantatório e mágico da palavra com um significado...".

Por ser um documento escrito:

Franco Filho (2001, p. 4) discorre sobre a escrita em psicanálise. Ele nos diz que "(...) escrever implica sofrimento, prazer, parceria e paixão...".

Transmitimos usando diversos veículos. Em nosso meio o ato de escrever é parte importante da construção de nossa identidade; veremos que além de ser uma atribuição institucional é um exercício psíquico fundamental. O legado que recebemos dos psicanalistas que nos precederam inclui a determinação, não só de fazer psicanálise, mas também de comunicá-la para a cultura na qual vivemos (Franco Filho, 2001).

Por conter um senso ético:

Partimos do pressuposto de que a eticidade é um dos atributos básicos no Processo de Transmissão da Psicanálise, escrever só tem sentido se for na direção da verdade. A eticidade, ou condição de "ser ético", significa que a pessoa tem capacidade de percepção dos conflitos entre "o que o coração diz e o que a cabeça pensa", podendo percorrer o caminho entre a razão e a emoção, posicionando-se onde considere mais adequado. A ética é dinâmica e abrangente, fundamentando-se em três requisitos: 1 — percepção dos conflitos (consciência), 2 — autonomia e 3 — coerência (Cohen & Segre, 1995).

Por conter um vértice semiótico:

Para ser científica, a semiótica precisa, segundo Peirce, tomar os signos que são fenomenologicamente infinitos em seu contexto de sentido e experiência (Silveira, 2001). Para tanto, Peirce insiste no caráter experimental que a forma diagramática propicia e, excluindo uma intuição compulsória, recoloca o papel de nossas deliberações para levar adiante a tarefa de representar o real:

Imaginamos casos, colocamos diagramas mentais diante dos olhos de nossa mente e multiplicamos aqueles casos, até que se forme um hábito de esperar que tenha lugar o caso que foi visto como sendo o resultado em todos os diagramas. Apelar a tal hábito é muito diferente do que apelar para qualquer instinto imediato de racionalidade. [...] um hábito é involuntariamente formado a partir da consideração de diagramas, cujo processo, quando aprovado deliberadamente, torna-se um raciocínio indutivo (CP 2.170)3.

A independência dos fatos face à razão exclui qualquer forma de determinismo na ordem do pensamento, mas confere a esse último propósito uma transcendente razão de ser: atribuir ao ser inteligente um lugar no universo fenomenológico, transformando um mero jogo de forças brutas num lugar de experiências e de crescimento (Silveira, 2001).

O relatório do primeiro "caso" clínico é um relato que pode ser visto sob a semiótica fenomenológica. Desse modo, o presente trabalho utilizou-se desse vértice por entender que a semiologia (sêmis = sinais – signos) fenomenológica refere-se ao estudo dos planos possíveis da apreensão do fenômeno. Na sua variável peirciana, relaciona-se ao contexto lingüístico dinâmico que envolve a inter-relação da percepção interna e externa, ou seja, com as estruturas intrapsíquicas. Isto reflete a função triádica do signo (to mean), que é expressar seu objeto para uma mente que o interpreta.

Por o texto escrito conter um vértice estruturalista:

Um texto como o primeiro relatório não é apresentado sem muitas elaborações. Assim, o sentido é construído através de elementos nem sempre homogêneos de mesma relevância, consecutivos ou hierárquicos, mas sempre em função das "ancoragens" resultantes da habilidade do candidato em leitura, de seu aprendizado e de seus conhecimentos. O próprio autor encontra-se diante de seu texto como um leitor preso em uma teia de significados e de significantes que se combinam, se estranham, divergem e complementam num processo quase ininterrupto de produção de sentidos. Pietraróia (1996) cita Chico Buarque:

A linguagem conduz a história. Parece uma construção poética. Parece uma palavra que você escolhe e de repente encontra uma rima lá adiante. Você não havia previsto, a primeira palavra aparece solta, mas a segunda já parece um jogo de armar. Uma estranha combinação entre acaso e intencionalidade. Sendo que não havia de início essa intencionalidade.4

Essas contribuições nos forneceram subsídios para alicerçar aquilo que ao longo do presente estudo chamaremos de Unidades de Sentido (US).

 

Método

Uma palavra nova, que designa um fenômeno novo, deve ser imediatamente transferida às séries antigas, para tentar projetar nelas um novo esclarecimento. Assim deve ser com todas as palavras nascidas do desenvolvimento técnico e científico.
Elas têm de ser "experimentadas", mesmo que seja a título de metáforas, em todos os outros campos do pensamento.

Morin (2003, p. 57)

Nosso trabalho propõe considerações e hipóteses a partir da análise de conteúdo da escrita do relatório, em que procuramos construir um "instrumento" para embasar o método qualitativo de investigação e, dessa forma, levantar uma hipótese abdutiva5 (vide nota pg. seguinte) que através do primeiro relatório possibilita estudar algumas variações comprometidas com a Transmissão da Psicanálise.

Num primeiro momento, através de um estudo-piloto, construímos um instrumento — o diagrama, "concebido como um lugar construído pela mente para observar suas próprias construções e sobre elas fazer experimento" (Silveira, 2001, p. 268). Para tanto, debruçamo-nos sobre o relatório numa primeira leitura como para admirá-lo. A segunda leitura, em uma posição semiótica, permitiu a divisão do relatório em partes para serem estudadas. Com essas partes, que chamamos de Unidades de Sentido6 destacamos o seu tema, que denominamos Eixo Temático, e, encontrando o Fato Fenomênico e Psicanalítico7 do autor e do leitor, montou-se o diagrama. O processo investigativo do relatório foi adquirindo validade pela leitura coletiva. Partimos da hipótese de que a investigação do essencial, devidamente avaliada pelo grupo, poderá ter a força da generalização.

Dessa forma, o diagrama permite ser um instrumento na captação dos fatos fenomenológicos e psicanalíticos na narrativa do relatório. Há um espectro de transição que vai do fato clínico ao fato clínico psicanalítico. Para afinar este "instrumento", realizamos o estudo-piloto de um relatório, selecionado ao acaso, que permitiu a familiaridade com o diagrama pelos participantes do grupo de trabalho.

No terceiro passo, foi selecionado aleatoriamente outro relatório e, obtido o consentimento do autor (desconhecido pelo grupo), iniciamos o uso do diagrama, que, segundo Peirce, é concebido como um instrumento que nos permite experimentar os hábitos para os compreender uma vez que reflete a natureza semiótica das relações contidas nele.

O diagrama é um instrumento que se relaciona conosco de uma forma dinâmica, ou seja, por conter os espaços em branco nos convida ao trabalho de preenchê-lo. A convivência com o diagrama nos faz adquirir o hábito de trabalharmos no vértice fenomenológico e psicanalítico, para através dessa visão binocular alcançarmos uma comunicação tridimensional, no sentido de terceiridade de Peirce. Este autor nos convida à construção do raciocínio abdutivo e depois do indutivo. Nesse sentido, elaboramos o diagrama abaixo, que conduz à apreensão do Processo de Transmissão da Psicanálise (PTP) no relatório selecionado.

Quadro 1. Modelo do Diagrama

 

Legenda: constituído o PTP; não constituído o PTP; 0 neutralidade

 

Resultados

O diagrama é uma grade que contém os elementos do relatório que, quando completo, possibilita uma aproximação ao padrão de movimento do PTP. Trata-se de uma proposta metodológica de pesquisa qualitativa. O grupo de leitores do relatório, composto por 10 (dez) psicanalistas, debruçou-se por cinco anos desde a busca de um método que fosse possível operacionalizá-lo. Cada Unidade de Sentido revela um movimento do Processo de Transmissão de Psicanálise. Ao percorrermos as Unidades de Sentido construímos o padrão do PTP no relatório.

O relatório foi dividido em 120 parágrafos e, por exemplo, a Unidade de Sentido 4 foi construída pelos parágrafos de 9 a 11. As três Unidades de Sentido escolhidas no quadro 2 foram selecionadas, dentre o total de 32 identificadas no relatório, por indicarem um padrão de movimento na dupla analítica.

A seguir, apresentamos a descrição de três Unidades de Sentido: uma "constituinte ao PTP", outra "não constituinte ao PTP" e a última "indiferente".

Quadro 2. Diagrama de três Unidades de Sentido

 

 

Padrão Constituído (Favorável) a PTP

Vejamos uma Unidade de Sentido que caracterizou um padrão no início do relatório como sendo uma comunicação favorável → a aquisições no PTP (Processo de Transmissão Psicanalítico). O colega candidato assinala:

US 4

§9. Agora, me pergunto: O que ela queria? Qual a função da dúvida? O que estava condensado aí?

§10. Os relacionamentos com os namorados pareciam sempre muito conturbados, fixados numa relação sado-masoquista8 na qual, ora ela, ora o parceiro ficavam enlouquecidos e prisioneiros da angústia, do medo e do ódio. Os embates de superioridade, inferioridade e domínio também estavam presentes.

§11. O que me levou a escolher este caso?

Nós destacamos estes elementos semióticos:

1 — Trata-se em essência de uma reflexão do analista.

2 — Indica inquietações sobre seus critérios para aceitar um paciente.

3 — Existe uma descrição de uma correlação teórico-clínica (teorias saturadas?).

4. Indagações sobre sua apreensão de fenômenos na paciente e em si mesmo.

5. Indiretamente indica uma tentativa de configurar a relação analítica.

6. Um certo desejo de discutir novos conceitos (função da dúvida).

7. Um questionamento sobre sua práxis.

A partir desses elementos rotulamos esta Unidade de Sentido como sendo essencialmente relacionada a formulações sobre a concepção da função analítica (vide diagrama). Depreendemos que o/a colega questiona suas concepções do que faz ou virá a fazer dentro da sala.

Também verificamos que o fato fenomênico que se sobressai tem a ver com o avaliar a situação psicanalítica (vide diagrama) e, desta forma, o que o autor pretendeu nos comunicar como um fato psicanalítico foi sua perplexidade frente à formação do vínculo que contém muitos elementos frustrantes. Lendo o texto em grupo, depois de discutirmos, verificamos que o fato fenomênico para o leitor (nosso grupo), e utilizando as noções de construção do texto que Pietraróia9 nos apresenta, é o mesmo que o autor propôs, ou seja, uma diagnose da situação psicanalítica. Da mesma forma para o grupo, o que fica subjacente nesta Unidade de Sentido são as teorias saturadas10 e o questionamento que o autor faz sobre elas, quase que declarando seu interesse de realizar melhor estas premissas teóricas. Franco Filho (2000)11 lembra que quando escrevemos vivemos uma revisão com nossas paixões e com nosso vértice de observação, revendo (pré-) concepções. Aquele que quer comunicar sua experiência também brinda o leitor com aquisições do novo. Um novo olhar, um novo conceito, ou apenas uma nova arquitetação de conceitos "acomodados" desenvolve-se a partir do potencial criativo do candidato. A imaginação e a diferença do devaneio típico necessitam de algum abandono da onipotência e de certo enfrentamento da posição depressiva. Isto torna a imaginação mais rica e complexa do que um devaneio de satisfação de desejo. A diferença entre fantasia e imaginação é o grau de negação da realidade.

Observando a relação entre o que notamos ser a escrita do autor e o que depreendemos da discussão, pudemos formular que se trata de um exercício com o não-saber. Como esta comunicação está sintônica na leitura do autor e do leitor; trata de forma coerente fato e objeto e transmite a aquisição de experiência psicanalítica, ou seja, nossa ênfase recai sobre a escrita e não sobre a qualidade do trabalho clínico-psicanalítico. Munidos destes elementos pensamos que se trata de um movimento, na escrita, que indica progressão no Processo de Transmissão Psicanalítica (PTP).

Nossa impressão desta Unidade de Sentido é que o colega refletiu sobre suas (pré-) concepções da sua práxis como psicoterapeuta. Da posição "confortável" daquele que acolhe o sofrimento do paciente, para uma nova posição, induzida pela Formação Psicanalítica, onde o questionamento de aspectos negativos pode ser orientador para o curso do trabalho clínico. Nossa hipótese12 caminha em direção de que ao escrever ele refletiu e reviu os comemorativos fundamentais que ocorrem dentro da sala. É o analista preparando-se em sua formação para a construção de um texto que fará o seu trabalho adquirir uma dimensão pública.

Padrão Neutro13 a PTP

US 17

§78. No momento seguinte, trata-me com indiferença: é uma "déspota". Isso me despertava ódio, desentendimento e perplexidade.

§79. Para mim, a indiferença é uma forma de comunicação por meio de identificação projetiva. M busca inserir em mim o estado de ansiedade que é incapaz de dar conta. Entretanto, a minha tentativa de ser um continente para seus estados parece ser suficiente. Penso que, ao sentir-me "útil", é capturada pelo sentimento de inveja. Uso o adjetivo útil como uma representação possível de um "pênis dentro da mãe". A indiferença seria uma forma de sufocar esses seus sentimentos de inveja. Era um círculo vicioso difícil de lidar.

§80. Lembro Bion que faz algumas referências ao elo de ligação entre paciente e analista:

"... precisarei me reportar às características inatas e ao papel que desempenham na produção de ataques do bebê a tudo que o ligue ao seio, ou seja,...agressão e inveja primárias. A gravidade desses ataques é incrementada se a mãe demonstra... falta de receptividade...

§81. Esses pontos levam-me a considerar... sendo o elo de ligação a capacidade do analista de introjetar as identificações projetivas do paciente...

De um lado está a disposição inata do paciente à destrutividade... De outro lado, o ambiente, que na pior das hipóteses nega ao paciente o uso dos mecanismos de cisão e identificação projetiva".

§81. Esses pontos levam-me a considerar também a minha condição de ter (ou não ter) sido continente para essas emoções de M, ou seja, para ajudá-la a pensar esses seus estados de mente.

§82. Como faria para não atuar numa relação sádica? Não sou anjo como seus anjos da biblioteca. E se fosse, talvez não servisse: tenho um consultório usado por outras pessoas, tenho um pai que morre...

Elementos semióticos:

1 — Descrição da pouca possibilidade de acolher conteúdos da paciente.

2 — Tentativa explicativa teórica destas vivências acomodando a posição do terapeuta.

3 — Busca respaldo em uma autoridade para neutralizar a atmosfera emocional.

4 — Reflexões do analista e reações contratransferenciais.

Verificamos que há um desencontro entre as necessidades emocionais, que reage de maneira fortemente emocional. A turbulência emocional é neutralizada pela evocação de respaldo teórico. Entende a provocação como: "A indiferença seria uma forma de sufocar esses seus sentimentos de inveja. Era um círculo difícil de lidar". Depreendemos que, neste momento, se formaram duas individualidades distintas.

Frente à carga emocional que toma a mente do analista, este tenta se apoiar em colagens teóricas para criar uma proteção da desorganização que acontece. Mas, também, reconhece que foi pouco continente para a intensidade das emoções vividas na relação. "Como faria para não atuar numa relação sádica?" Poderíamos conjecturar que ocorreu uma paralisação do processo psicanalítico no nível da primeiridade (Peirce), impedindo a evolução para outras formas, a secundaridade e a terceiridade14, em outras palavras, um processo ocorrendo na "clínica do negativo" e na falta de rêverie. Lauro F. B. Silveira sugere que haveria uma degenerescência da terceiridade, dado o domínio que exerce a paciente como "outro". O que parece prevalecer é o outro como elemento de secundaridade, impedindo ao analista a disponibilidade afetiva de acolher a paciente.

No parágrafo 81, podemos observar a capacidade de apreensão do fenômeno em questão: a pouca disponibilidade emocional para os conteúdos negativos da paciente, o que dificulta a progressão da relação dual.

No § 82 a linguagem de ação e seu desejo de ser reconhecido como individualidade pela paciente apresentam-se como solução.

Há uma certa tentativa reflexiva sobre o fenômeno que se organiza como sistema não-defensivo promovendo no leitor uma reação de espera e por isso preferimos caracterizar esta US como não promovendo interesse nem aversão frente ao comunicado psicanalítico. Assim, nós a chamamos de Neutro (0). A analogia é com um quadro decorativo: faz parte do ambiente, mas não é arte. Do ponto de vista fenomenológico podemos dizer que a neutralidade decorreria da situação de uma terceiridade que só se mantém degeneradamente.

Um outro ponto que podemos sublinhar é a relação ética que se estabelece em particular nessa relação analítica. Como estabelecer uma relação que permita que as individualidades se expressem? Um recorte do adendo sobre ética (Cohen & Segre, 1995) esclarecerá melhor este ponto:

A Ética Social é resultado da interação dos subjetivismos individuais que buscam um ajuste com a realidade necessária que é o convívio social. A enorme diferença entre Ética e Moral é que, para que a moral funcione, ela deve ser imposta, enquanto que a ética para ser atuante deve ser apreendida pelo indivíduo, vinda de seu interior. A moral é imposta, a ética é percebida. Dessa forma, podemos pensar a moral e a ética como funções mentais diferentes: a moral como função do Super ego e a ética uma função do Ego ou Self. Por conseguinte, um indivíduo será ético quando puder entender e interpretar o código de ética15, além de atuar de acordo com os princípios por ele mesmo propostos. O princípio fundamental da ética deve passar pelo respeito ao ser humano como um sujeito atuante e autônomo.

O analista, " dificultando" o trânsito emocional com seu analisando, perde a capacidade de manter e se organizar com o método da psicanálise e o processo tende a paralisar. Quando isso é comunicado apenas no vértice da paralisia, sem a elaboração desses elementos, chamamos de PTP neutro. Em outras palavras, há nesta US uma certa apreensão do fenômeno e dificuldade de elaboração secundária e, com isso, dificuldades para ações éticas.

Padrão não constituído o PTP

U 23

§98. Relato, apenas, algumas sessões posteriores ou contíguas à separação de M com o namorado, que chamarei de Oto. Foco aspectos de sua relação com os pais, com as figuras masculinas e femininas, as parcas tentativas de reparações, sua desesperança e o fim de nossa análise.

PAIS

M- Preciso dos livros para sobreviver. É minha torre de marfim.

Se não eu seria um suicida em potencial

Com os pais que tenho para agüentar...

M- Meus pais vieram em casa no meu aniversário. Todos meus amigos e Oto estavam também. Foi um alívio a hora que foram embora. Eu queria me livrar deles, eles se metem em tudo. Eu lembro bem de quando era pequena: meus pais tomavam os meus amigos e de meu irmão. Eu acho que esse foi um dos motivos porque procurei uma atividade e uma língua diferente. Assim não tinham como se intrometer.

M- Pensei que quando meu pai morrer não vou sentir. Não tenho pai. Só vou perder a idéia de pai.

- Bem, talvez isso aponte, em parte, ao seu não sentir da outra sessão com referência a meu pai.

M- Mas eu não posso contar com ele. Liguei para ele me ajudar em uns investimentos. Ele não podia, tinha outros assuntos a tratar. Eu me virei, meu irmão me ajudou. E ainda meu pai tem que competir com ele.

É incrível meu pai, quanta inveja. Ninguém pode ter nada a não ser através dele.

- O que posso ver é que você diz que não tem pai. Você se vê sem pais. É uma referência à sua pessoa.

M- como assim?

-É dentro de você.

M- Mas ele não ajuda. Minha mãe também me irritou. Contou que teve um sonho com Oto em que batia nele.

Veja, continua a idéia de não ter pai e não ter mãe. Por algum motivo. Não pode reconhecer neles, algum cuidado com você.

Silêncio

M- Fico pensando na Cristina (sua amiga), no casamento dela. Tantos anos com o mesmo homem. É um tédio.

- Você não acha que tem de denegrir os casamentos?

M- Mas, eu acho que é assim.

É bom sentir-se solteira.

M- Eu só posso me defender. Meus pais vieram em casa. Eu ia arrumar prateleiras e minha mãe acabou me xingando de incompetente. Por isso, sou assim. Me tratam agressivamente.

M- Para que preciso de pai e mãe assim? A minha orientadora me quer bem, cuida de mim, oferece comidas que gosto.

-Não dá para ficar com metade de sua mãe.

M- E daí? Prefiro ficar sem.

Embora tenhamos desmembrado o parágrafo 98 em 4 subunidades, aqui o consideraremos como a US23 para mostrar a não-constituição do PTP.

Elementos semióticos:

1. Descrição de fatos seqüenciais onde a paciente é sentida como inviabilizando a relação analítica

2. Relato em que as comunicações confirmam a inviabilidade do processo analítico.

3. Seqüências de intervenções que não promovem campo comum.

4. Descrição de tentativas do analista de se apoiar em teorias fora do campo de trabalho.

5. Descrição, aceitação e impasse.

Nesta US23 podemos salientar os desencontros das emoções presentes na relação analítica. Freud descreveu esta condição como Reação Terapêutica Negativa e Bion, como presença de Ataque ao Vínculo que impede a organização de um espaço estável e seguro para a construção de um processo analítico.

Na leitura desta US observamos que o Autor vivencia ataque à relação analítica e assim sua pouca experiência para mantê-la. Entendemos esta incontinência na relação como produzindo impasse no processo, não unindo a dupla. A analisanda insiste que pode ficar só: "E daí? Prefiro ficar sem".

Compreendemos a sinceridade e o senso ético do candidato ao se colocar e assumir suas dificuldades no manejo da presente relação analítica. Nossa intenção não é verificar a evolução do caso, mas a capacidade de transmitir suas vivências.

A seqüência semiótica que levantamos indica que estes fenômenos são tratados gerando um esmorecimento de esperança de se verem as súplicas da paciente, assim como o anseio por experiência do autor. O clima da escuta do relatório, entre as inquietações do analista para com sua paciente, produz nos leitores (nosso grupo) uma não-constituição do PTP, dado que ficamos com a sensação de que nesta US a psicanálise vai sendo "desconstruída" a cada movimento de frustração relatado pelo analista.

 

Discussão dos resultados

A demonstração matemática não está (...) mais restrita a questões de intuição do que qualquer outra espécie de raciocínio. Com efeito, a álgebra lógica prova conclusivamente que a matemática se estende a todo o domínio da lógica formal;
e qualquer teoria do conhecimento que não possa se ajustar a esse fato deve ser abandonada. Podemos colher todas as vantagens que se supõe os matemáticos derivarem da intuição, simplesmente fazendo suposições gerais de casos individuais.

Peirce (19; 3.92)

Nesta parte de nossa comunicação procuraremos fazer correlações entre o que depreendemos do diagrama, fruto de nossa discussão "semiótica"16, e algumas formulações acerca dos diversos vértices que estão contidos no processo de formação e que são comunicados no relatório, que também foi fruto de nossas "hipóteses psicanalíticas".

O movimento do Processo de Transmissão Psicanalítica no relatório analisado pode ser visualizado no gráfico abaixo.

Gráfico 1. Evolução das US no PTP no relatório investigado

 

 

Conforme observamos na distribuição das Unidades de Sentido, a maioria utiliza conceitos 0 (Indiferente). Em contrapartida, os conceitos constituintes ou não ao PTP aparecem em proporções semelhantes. Observamos, assim, que há consistência do movimento percorrido no eixo do relatório por as Unidades de Sentido serem Indiferentes em relação ao PTP. Em outras palavras, o relatório tem movimento de transmissão no começo e no término e no seu conjunto predominou indeferido, isto é, o PTP não se mostrou sustentável.

Os conceitos psicanalíticos são realizados na mente do analista, e, sendo o processo psicanalítico alcançado pelo encontro, vínculo e sintonia no par, determina que entre: teoria-clínica, leitor-autor, paciente-analista nasçam as transformações que produzem transmissão.

A psicanálise em suas dimensões terapêutica, estética e científica, e por se relacionar com a verdade e com o não-saber, concentra no vínculo as variáveis descritas acima, que transformadas geram transmissão.

A apresentação do relatório é importante por marcar a passagem para outro plano epistemológico. O relatório mostra as vicissitudes da passagem dos paradigmas psicológicos ou médicos do candidato para o paradigma psicanalítico. O diagrama permite verificar se houve ou não as mudanças de paradigma. Um outro aspecto de interesse é que a construção do diagrama exercita a reflexão sobre a relação analítica. Assim, mesmo um trabalho divergente entre autor e leitor ← é útil ao aprendizado, se considerarmos que permitirá uma reflexão das dificuldades presente no par denunciadas na grade.

Quando examinamos o material clínico individualmente, por cada participante do grupo, houve uma convergência de percepções, porém, quando se construía o diagrama a compreensão do material adquiria nova dimensão. Podia-se ver se a relação analítica estava ou não sendo útil para produzir uma transformação no par analítico, ou seja, se permitia ou não ocorrer o Processo de Transmissão da Psicanálise.

 

Considerações finais

O estudo nos permitiu investigar os movimentos contidos na escrita de um primeiro relatório selecionado aleatoriamente, suas vicissitudes com relação às modificações do pensamento que o Autor produziu a partir do que lhe foi transmitido em sua formação.

Com base na escrita deste relatório selecionado, desenvolvemos um diagrama, preenchido a partir da análise de partes do texto, chamadas de Unidades de Sentido. O diagrama possibilitou, por meio de Fatos Fenomênicos (semiótica de Peirce) e Fatos Psicanalíticos, tanto do Autor como dos leitores, que convergissem para uma comunicação tridimensional, ou seja, uma interpretação do fenômeno observado.

Os conceitos inerentes às Unidades de Sentido foram categorizados: "Constituinte ao PTP → , "Não constituinte ao PTP" ← ou "Neutralidade" (0). O movimento percorrido no eixo do gráfico que expressa as unidades de sentido em relação ao PTP revelou, de modo geral, a prevalência do padrão Neutro, o que indicou a não-sustentação do PTP no relatório. Pode-se afirmar que os conceitos Constituintes ou não ao PTP apareceram de modo mais restrito.

A relevância dessa análise está na possibilidade de se ultrapassar uma leitura psicanalítica, pelo alcance de uma visão múltipla do nosso objeto de estudo — relatório —, para o considerarmos como parte da formação psicanalítica e, portanto, instrumento de Transmissão da Psicanálise. O relatório pode caracterizar a passagem do candidato de um plano epistemológico, essencialmente clínico-psicológico ou médico, para o alcance do paradigma psicanalítico.

Nesse sentido, os conceitos psicanalíticos presentes na mente do analista e o processo psicanalítico determinam que as transformações que são produzidas no candidato e a transmissão psicanalítica surgem com base no tripé da formação. O percurso da formação pode ser observado nas relações teoria-clínica, leitor-autor, paciente-analista, aspectos estes verificados pelo preenchimento do diagrama. Em suma, o diagrama apresenta-se como um instrumento de captação dos Fatos Fenomenológicos e Psicanalíticos oferecendo um perfil da formação do candidato pela narrativa do relatório bem como o momento da instituição formadora.

Ressaltamos o valor da realização de pesquisas interdisciplinares. Deixamos nossos agradecimentos aos colaboradores, profissionais advindos das diversas áreas, e a todos que de alguma forma contribuíram para que a pesquisa alçasse o atual estágio. Consideramos que esta pesquisa adquire um sentido preliminar que certamente poderá ser aperfeiçoado em estudos futuros.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Alfredo Menotti Colucci
R. Benjamin Pereira de Souza, 226 — Somenzari
17506-140 Marília, SP
Fone: (14) 3433-2698
E-mail: acolucci@terra.com.br

Recebido em: 18/10/05
Aceito em: 09/03/06

 

 

* (1) Membro Efetivo da SBPSP; (2) Membro Efetivo e Analista Didata da SBPSP; (3) Membros Associados da SBPSP; (4) Do Instituto de Psicanálise da SBPSP.
1 O capítulo 3 inicia uma descrição estilizada de experiências emocionais, realizações nas quais eu participei, que formam o estímulo para o todo deste livro. Por "estilizado" eu quero significar que ela é conscientemente sofisticada porque a falsificação que é introduzida por tal método de apresentação é imensuravelmente menor do que a falsificação produzida por quaisquer outros, incluindo os assim chamados registros mecânicos. Estes últimos têm a verdade pertinente à fotografia, mas um tal registro, a despeito de uma superficial acuracidade de resultado, forçou [aumentou] a falsificação ainda mais longe -isto é: dentro da própria sessão. A fotografia da fonte da verdade pode ser suficientemente boa, mas ela é da fonte depois de ela ter sido turvada pelo fotógrafo e seu aparato; de qualquer modo, o problema de interpretar a fotografia permanece. A falsificação por registro é maior porque dá verossimilhança àquilo que já foi anteriormente falsificado. (Nossa versão livre para o português, feita a partir da edição em inglês. É nossa também a tradução de trechos em língua estrangeira assim constando nas Referências.)
2 Segundo Houaiss (2001, p.157): "Processo, s.m.1, ação continuada, andamento, 2. método, procedimento".
3 A referência, assim anotada, segue uma convenção universalmente aceita para citar the Collected Papers of Charles S. Peirce. CP constitui-se na abreviatura de Collected Papers e é seguido do número do volume (de 1 a 8) e, após um ponto, do(s) número(s) do(s) parágrafo (s). No presente artigo as referências a tal obra se farão em conformidade com esta convenção.
4 Trecho da entrevista «Vou te contar o que está acontecendo», dada por Chico Buarque ao jornal Folha de S. Paulo, 02/12/1995.
5 Peirce apresenta abdução como um dos três tipos de raciocínio, sendo os outros dois a dedução e a indução. Enquanto a dedução prova que algo deve ser (inferência necessária) e a indução prova que algo realmente é (inferência experimental), a abdução prova que algo pode ser (inferência hipotética). A dedução parte de certas hipóteses (premissas) e retira delas de modo necessário o que nelas se encontra implicitamente suposto, a saber, a conclusão. Mas a dedução deixa em aberto a verdade das premissas. A indução, por seu lado, consiste em verificar uma teoria mediante a experimentação. O que a indução faz é apenas comprovar uma teoria avançada de antemão para explicar certos fenômenos. A indução consiste em partir de uma teoria, dela deduzir predições de fenômenos e observar esses fenômenos a fim de ver quão de perto concordam com a teoria. A abdução, por fim, é o método de formação de novas hipóteses explicativas. Trata-se do único tipo de raciocínio capaz de engendrar novos conhecimentos. As premissas da dedução e as teorias supostas pela indução são de natureza hipotético-explicativa, a sua criação deve-se à abdução. (Fidalgo, 2005).      
6 Unidade de Sentido ou unidade de significação diz respeito a certos recortes semânticos, como por exemplo o tema que se destaca do texto analisado, segundo os critérios relativos à teoria que orienta a leitura do material (Bardin, 1977, pp. 104-5). O objeto psicanalítico, segundo Bion, é expressado pela fórmula: ± Y (µ) (ε) (φ). A letra Y refere-se ao fator crescimento mental, podendo ser este positivo ou negativo (±). µ (um) representa o caráter inato da personalidade. ε (épsilon) é o elemento não-saturado da pré-concepção, φ (psi). (Bianchedi, Grinberg e Sor, 1973, p. 133).
7 A palavra francesa fait (fato) tem diversas definições dicionarizadas. O primeiro sentido da palavra — e mais genérico — é o de "aquilo que aconteceu, aquilo que teve lugar", sem qualquer especificação quanto a localização ou forma. O segundo sentido — e mais restrito — está ligado à relação entre fato e realidade: um fato é "o que efetivamente existe, o que pertence ao domínio do real". O primeiro sentido amplia a área em que o fenômeno se dá, que não é necessariamente o da realidade concreta: por exemplo, um fato pode ter acontecido, ter tido lugar, no campo da subjetividade — ou seja, na realidade psíquica —, que é o domínio da psicanálise. Contudo, mesmo em psicanálise verificamos que o termo fato é freqüentemente utilizado em seu sentido restrito, relacionado ao real, em detrimento de seu significado genérico, que, entretanto, parece-me mais apropriado à natureza dos fenômenos da realidade psíquica. Os fatos clínicos psicanalíticos — tanto observáveis repetidamente como os que se manifestam apenas em ocasiões isoladas — são o reflexo de uma organização apresentando certa permanência num paciente específico — ou seja, de sua estrutura psíquica (Quinodoz, 1992).
8 Mantivemos erros de português como publicados.
9 Características que devem obrigatoriamente fundamentar uma estrutura narrativa: a) sucessão de acontecimentos advindos num tempo t e depois t+n, sendo marcada por uma tensão entre o estado inicial e o estado final da narrativa; b) unidade temática, ou seja, pelo menos um ator-sujeito individual ou coletivo, sujeito ou paciente de uma transformação enfocada pela narrativa; c) predicados transformados, pois uma narração pode e deve ser lida como a transformação de um estado em outro; d) processo que assegure a integração entre as unidades e a transformação referida no item anterior; e) causalidade narrativa na qual impõe-se uma ordem causal e, por isso, diferenciando-se de uma simples seqüência de acontecimentos; f) avaliação final, pois buscamos compreender os fatos a partir de um ato de julgamento, elemento que os mantém unidos, e não apenas encadeados (Pietraróia, 1996).
10 Denominamo-las assim por apresentarem mais um teor superficial que quase impede sua utilização no contexto do relato. Atender para o caráter huis-clos (a portas fechadas) destas pré-teorias que fazem emergir dificuldades para o acolhimento dos elementos emocionais da analisanda. Apesar disto, existem indicações de que o analista em formação procura incluir uma outra visão frente a suas pré-concepções.
11 A verdade da escrita constitui o último elo de um processo de pensamento que, segundo Bion, se inicia no acolhimento das pré-concepções, passa pelas concepções e conceitos, chega ao julgamento e raciocínio e desemboca na publicação (Franco Filho, 2000).
12 Abdutiva.
13 Por Neutro denominamos a ausência de aquisições que possam produzir movimentos na PTP.
14 Na primeiridade não lidamos com o Existir, mas com o Ser. Instala-se pelo olhar e no desvio deste pelo olhar o rosto. O tônus energético é nele mesmo. Nesse universo não há pares valorativos: nem verdade, nem mentira. Green conceitua-o como regido pelas leis do processo primário. Na secundaridade se instala a rêverie que destacamos com um olhar dinâmico. Ela existe à medida que ambos os parceiros participam do processo. Na terceiridade supera-se a dicotomia e os binômios: integração/desintegração. Valoriza-se o terceiro da semiótica de Peirce.
15 Não se trata de código de ética de classes, mas de disponibilização pessoal de valores.
16 Como descrito acima, trata-se de não olhar o relato escrito como material clínico, mas como comunicação de transmissão psicanalítica.

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