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Jornal de Psicanálise

versão impressa ISSN 0103-5835

J. psicanal. v.39 n.70 São Paulo jun. 2006

 

TRADUÇÃO

 

Os homens não querem se curar — resistências na psicanálise

 

Men don’t want to recover — resistance in psychoanalysis

 

Los hombres no quieren curarse — resistencias en el psicoanálisis

 

 

Catherine Chabert*

Professora de Psicologia Clínica e de Psicopatologia, Université René Descartes (Paris-5)
Membro titular da Association Psychanalytique de France (APF)

 

 


RESUMO

A autora se propõe a analisar as diferentes emergências da noção de resistência em Freud e no processo analítico. O lugar e a função do fantasma e da psicossexualidade são analisados dentro da situação transferencial, principalmente a partir do fantasma "Bate-se numa criança". Uma atenção particular é dada à reação terapêutica negativa e à perlaboração, testemunhando dois destinos aparentemente contraditórios do tratamento, ambos ligados à pregnância da representação de perda do objeto e dos afetos que lhe são associados.

Palavras-chave: Resistência, Fantasma, Afeto, Transferência, Reação terapêutica negativa, Passividade,"Criança batida".


ABSTRACT

The author aims to examine the different aspects of resistance in Freud as well as along the analytic process. The place and function of fantasy and psychosexuality are analyzed in the transference situation, making use primarily of the fantasy presented in "A child is spanked". Special attention is paid to the negative therapeutic reaction as well as to enactment, giving evidence of two apparently contradictory destinations of the treatment, linked to the significance of representing the loss of both the object and associated affects.

Keywords: Resistance, Fantasy, Affection, Transference, Negative therapeutic reaction, Passivity, "Spanked child".


RESUMEN

La autora se propone analizar las diferentes nociones emergentes de resistencia en Freud y en el proceso analítico. El lugar y la función del fantasma y de la psicosexualidad son analizados dentro de la situación transferencial, principalmente a partir del fantasma "Pegan a un niño". Atención particular es dada a la reacción terapéutica negativa y a la perlaboración, que atestiguan dos destinos aparentemente contradictorios del tratamiento, ambos vinculados a la preponderancia de la representación de pérdida del objeto y de los afectos que le son asociados.

Palabras-clave: Resistencia, Fantasma, Afecto, Transferencia, Reacción terapéutica negativa, Pasividad,"Niño pegado".


 

 

— Quando os senhores tiverem encontrado as interpretações corretas, uma nova tarefa lhes será apresentada. Os senhores precisarão esperar o momento oportuno para comunicar sua interpretação ao paciente...
— Como reconheceremos a cada vez o momento oportuno?
— É uma questão de tato. (...) a regra é esperar que ele (o paciente) esteja suficientemente próximo para que, sob a condução da interpretação proposta pelos senhores, ele não tenha mais do que alguns poucos passos a dar...
— Creio que jamais aprenderei isso. E depois que, na interpretação, eu tiver obedecido a essas precauções, que devo fazer então?
— Então, os senhores farão uma descoberta para a qual não estão preparados.
— Que seria?
— Que os senhores menosprezaram seu paciente, que, absolutamente, não têm o direito de contar nem com a sua ajuda nem com a sua docilidade, que ele está prestes a ser um obstáculo ao trabalho comum apresentando todas as dificuldades possíveis, em suma: sobretudo, que ele não quer se curar.

Freud, 1926

A noção de resistência em Freud

 

Invenção precoce ou descoberta imediata, a idéia de resistência se inscreve logo entre as proposições mais perturbadoras, mais subversivas, da psicanálise; que ela seja parte integrante do processo analítico e um de seus motores essenciais, isso já não é tão fácil de se admitir; mas que ela seria, além disso, um componente fundador na própria construção do aparelho psíquico: as duas tópicas não são concebidas em um sistema de oposição de forças que se combatem umas às outras? Se a emergência da resistência no tratamento é, de certa forma, favorecida pelo método, este não a fabrica. A resistência, que Freud chama bem cedo de "a força de repulsão", impõe logo um estudo sutil de suas relações com o inconsciente e o recalcado. É a mesma força que, na origem, ordenou o recalcamento das representações patogênicas e é a mesma força que se ativa, no tratamento, para impedir seu surgimento.

Mais tarde, como seu destino segue passo a passo o percurso de Freud, ligando-se, de maneira impressionante, a cada etapa, a cada reviravolta, a cada movimento de sua obra (como se, em nenhum momento, ela pudesse ser negligenciada ou esquecida), a resistência é sustentada, depois de 1920, pelo gozo masoquista e pela influência desligadora da pulsão de morte. Mas, prenda-se ela ao recalcamento ou à dor, ela está aí, sempre, posto que encontra sua origem e se alimenta na intimidade da vida psíquica.

Ela está aí desde a hipnose, este método ideal para suprimi-la, mesmo se Freud reconhece que de fato, a anulação hipnótica da resistência só é eficaz superficialmente. E, aliás, se a renúncia à hipnose constitui em alguns aspectos a certidão de nascimento do método analítico, não é justamente porque as resistências aí não têm lugar e porque o hipnotizado só consente "pequenos sacrifícios"?

Sem resistência, não há análise: a histeria está aí para testemunhar e mostrar, no crisol da sedução, a atualização das forças de repulsão, a serviço do recalcamento do qual Freud nos diz que ele é "demonstrado pelo fato inegável da resistência". Este modelo oferece um cenário da ação analítica entre o paciente e o analista que deixa surgir uma certa violência: "É necessário", escreve Freud a Fliess em 1897, "desenterrar o caráter infantil do paciente". Este, até aqui "leal e bom", torna-se de repente "grosseiro, falso, revoltado, simulador" : é necessário então "dobrá-lo", "jogar-lhe na cara a interpretação" para que a resistência torne-se algo objetivo e tangível. Este enfrentamento inicial numa relação de forças brutais será mais tarde abandonado por uma paciência infinita, por uma espera determinada e por uma tolerância a toda prova, mas, por ora, a luta contra a resistência toma o aspecto de uma conquista.

Este procedimento, diretamente ligado ao tratamento analítico da histeria, não conteria uma cena de sugestão, de sedução entre um pai/analista ao mesmo tempo excitante e constrangedor e uma criança/paciente que resiste e se recusa a ceder? Será que já não encontramos aí os germes do que, bem mais tarde (1919), produzirá o surgimento, essencial, do fantasma "Bate-se numa criança", manifestando através de uma cena de espancamento, e graças aos preciosos mecanismos da reversão em seu contrário, o desejo de amor e sua satisfação?

A força de repulsão, compreendida de início como uma pressão contra, como movimento bruto, procura uma forma, procura um rosto, ela procura se encarnar: se, de fato, sai da pulsão, ela reclama um objeto de desejo.

A etapa seguinte, a da descoberta e do reconhecimento da transferência, conduz mais longe ainda: por que, pergunta Freud, na análise, é a transferência que opõe a mais forte das resistências enquanto, em outras situações, ela pode ser considerada como um agente curativo maior? É que a resistência imprime sua marca em toda e qualquer idéia, em todo e qualquer ato do paciente suscetíveis de oferecer um compromisso entre as forças que vão em direção à cura e aquelas que a ela se opõem. É aí, precisamente nesse ponto de encontro, que surge a transferência: "Toda vez que um elemento do complexo infantil se remete à pessoa do médico, a transferência tem lugar, fornece a idéia seguinte e se manifesta sob a forma de uma resistência". A personificação inerente à transferência no deslocamento de imagens e de afetos permite, de certa forma, a encarnação da resistência através do jogo flutuante das identificações.

Podemos nos admirar e mesmo nos insurgir contra a necessidade dessa encarnação: talvez seja para domesticar aquilo que assusta no desconhecido da resistência, na sua violência às vezes selvagem, que lhe são atribuídas as representações humanas, e, entre estas, as mais familiares, o pai, a mãe. Mas talvez também seja para assinalar o poder dessas representações, ou ao menos sua força de atração, que a resistência convoca, justamente, essas imagens: se, primeiramente, Freud localiza as resistências essencialmente na figura do pai, no seio do complexo cujo centro ele ocupa, através da revolta e do desafio, do "não" ao seu poder e à ameaça que ele profere, a mãe também, sempre presente em sua sombra, poderia impedir os movimentos de investimento, poderia barrar toda e qualquer via de mudança.

 

Resistência no processo analítico

Sejam quais forem suas inclinações identificatórias, as resistências atuam sempre em cenas ao mesmo tempo semelhantes e diferentes: semelhantes com relação ao fato de que os dois atores principais são, evidentemente, o paciente e o analista; diferentes com relação ao fato de que o fantasma ou os fantasmas que as orquestram aparecem em versões plurais, nas variações dos movimentos pulsionais e em representações que lhes dizem respeito.

Por seus efeitos contraditórios, a ambivalência provoca inevitavelmente a oscilação entre uma representação positiva do analista, confiável, orientada, sem dúvida, para e pela autoconservação, e uma representação negativa, inquietante, estranha, trazida pela sexualidade: o amor ao ódio ou o ódio ao amor, conforme os casos, procuram as palavras para falar do prazer ou do desprazer de estar ali, para traduzir a espera e a recusa, para testemunhar a dupla busca de excitação e apaziguamento. Entre os dois, o combate é suspenso porque a vitória de um ou de outro acarreta um risco de perda: o medo de perder o amor do objeto ameaça se a inflação autoconservadora se erige contra os elementos eróticos; o medo de perder a contenção do eu se torna invasivo se a chama amorosa queima na paixão transferencial. De um lado, o fechamento narcísico abriga uma resistência principal, o núcleo endurecido da luta contra os efeitos da análise; de outro, a sombra da dependência, apesar do pavor que seus estados engendram, vagueia na atração irreprimível em direção ao outro, em direção ao que ele oferece como potencialidades de sedução, como promessa de retorno à infância, a seus desejos, a seus prazeres, a sua dor.

Lugar e função do fantasma

O infantil não se submete, nos lembra André Beestchen (2000), e o fantasma permanece, "na imediatez de uma cena infinitamente convocável, o lugar de resistência de uma atividade infantil que não renuncia nem a seus prazeres, nem a seus objetos". Mesmo que ele se desvie da realidade, o fantasma permanece aberto ao mundo; ele apresenta, também, a qualidade de certos produtos psíquicos de ser, ao mesmo tempo, o mais secreto, o mais íntimo e de estar à espera de endereçamento e de reconhecimento. Ele se faz representar numa cena clandestina, ele deve sua invenção e sua infiltração à astúcia e sua resistência se esconde em sua enigmática satisfação. Esta se torna tributária da realização alucinatória da representação inconsciente, mas o fantasma solicita também o pensamento e o monopólio impondo-lhe o percurso curto de um alívio precipitado: ele provoca, então, uma encenação a serviço da grandeza do eu, que preserva seu narcisismo e alimenta a resistência por sua insistência repetitiva.

A obrigação de encarnar as resistências pode então ser mais aproximada: para além das cenas que lhes emprestam forma, elas se combinam a favor ou contra os fantasmas originais, se admitimos que eles constituem o pedestal comum a todas as produções fantasmáticas. Fomentando uma aliança com a transferência, as resistências do eu empurram para o recalcamento, operando contra a emergência e o desdobramento do fantasma no tratamento. As resistências do isso, ao contrário, trabalham contra o recalcamento e impulsionam a realização do desejo através da sua atuação, tomando emprestado o caminho curto da compulsão à repetição, contribuindo assim para substituir a ação pela rememoração. Essa configuração conflitual é efetivamente propícia a uma inflação transferencial, que agrava as resistências num sistema circular, no seio do qual transferência e resistência caminham juntas.

De repente, uma suspeita inquietante aparece: a análise curaria fantasmas? Visaria ela sua supressão assim como a dos sintomas ou de toda e qualquer formação de compromisso? Em outras palavras, o desligamento do paciente em relação a seus objetos originais de amor, sua renúncia ao desejo de ocupar um lugar primordial, central, sobre a cena fantasmática, sobre a cena analítica, e isso para ocupar um outro lugar, desconhecido — pois, como ressalta Michel de M'Uzan (1978), a cura pela análise não permite voltar a um estado de saúde anterior —, enfim, essas renúncias implicariam o abandono dos fantasmas? O medo de perder os fantasmas se esconde atrás das resistências que alimentam o recalcamento e a compulsão à repetição, ele poderia ser uma tradução, uma manifestação, da angústia de perder o amor por parte dos objetos e, em função desse perigo, a análise se constituiria numa ameaça maior. Se o fantasma encontra sua fonte e seu desencadeamento numa atração egóica, ele não permanece menos aberto ao outro, à espera de seu olhar, à espera de sua reação, à espera de sua atenção e de sua excitação. Sua emergência e sua colocação em palavras, sua comunicação implicam, inelutavelmente, na sua atualização na sessão, em função da força alucinatória que o engendra: a experiência analítica poderia ser insidiosamente acusada de provocar o desaparecimento dos fantasmas por meio de sua atualização, ela despojaria os homens de suas riquezas ocultas e os conduziria para o caminho da impotência. É sem dúvida o que J.-B. Pontalis chama de "a besteira do inconsciente" que cria essa perturbação e nos confronta, escreve ele, "com uma exigência sem medida, insaciável, que reclama o que lhe é devido, obstinadamente: a exigência dolorosa do apaixonado despótico querendo a posse exclusiva do objeto amado, a do animal predador que se recusa a deixar sua presa, a da criança agarrada a seu sofrimento por não ser mais Sua Majestade imaginariamente todo-poderosa, que escolheria, raivosamente, antes destruir tudo do que ser deposta" (1997, p. 105).

Nosso único recurso volta então a nos rebelar contra esses pensamentos sub-reptícios e suas redes sutis: é com essa intenção que eu vou tentar me dedicar agora voltando, uma vez mais, a um dos fantasmas entre os mais conhecidos da psicanálise, não apenas porque Freud se dedicou longamente ao estudo de sua formação, mas sem dúvida também porque ele se encontra na origem de tantas produções humanas que correria o risco de se tornar familiar, se não mobilizasse forças de repulsão na medida de sua atração.

"Bate-se numa criança"

"Bate-se numa criança. Contribuição ao conhecimento da gênese das perversões sexuais" é publicado em 1919, num período que articula os dois grandes movimentos da obra freudiana: o texto propõe, de início, ainda que implicitamente, considerar o fantasma "Bate-se numa criança" como uma das traduções entre as mais vivazes do fantasma de sedução e expõe, além disso, desenvolvimentos paradigmáticos sobre a fabricação desse fantasma como produto psíquico e como produto da análise; ao mesmo tempo, coloca em cena as representações "infantis" do masoquismo, anunciando as reviravoltas que virão, antes da publicação de Além do princípio do prazer (1920), antecipando a ligação escandalosa entre o amor e a punição, entre a excitação e a dor.

Se estou voltando a esse fantasma, ainda uma vez, é sem dúvida, primeiro, porque ele se abre num movimento intrínseco ao tratamento e à transferência, mas é, sobretudo, porque suas diferentes fases apontam para produções psíquicas cujo estatuto difere, o que permite desfazer-se de uma concepção geral dos fantasmas, massiva e bastante compacta. Essa dialética, reconhecível durante a análise e exclusivamente nessa situação, testemunha a possibilidade de o paciente se apropriar de um acontecimento psíquico excitante, no interior da cena analítica, graças à construção de um fantasma cujo conteúdo exclui o analista, na aparência: somente na aparência, pois é a ele que o paciente se dirige e é a ele, de fato, que o paciente procura seduzir, mesmo se esse desejo é, aqui e agora, recalcado. A passagem da lembrança imprecisa e indiferente de uma primeira cena, banal, simplesmente observada, numa indiferença anônima ("Bate-se numa criança"), para a criação da segunda, precisa e excitante ("Sou batida1 por meu pai"), na qual o autor do fantasma ocupa o lugar da criança que apanha e da qual se torna herói, depende de um movimento essencial: o paciente constrói e dá forma, ativamente, com representações, ao que ele acreditou experimentar passivamente. Não se trata aqui de uma rememoração, menos ainda de uma significação "mutativa", mas de uma mudança de posição que libera o desejo que aí se escondia: o enunciado "Ele me bate, ele me ama, ele me bate" desenterra, sob o conteúdo manifesto do fantasma, uma convicção essencial: "Ele só ama a mim!". No entanto, para que essa mudança se inicie, é necessário que a ação sedutora, aquela que engendrou outrora a excitação da criança e que se repete hoje na análise, seja de início reconhecida como vinda do outro, em reação a ele: a posição passiva permite ao paciente aceitar os efeitos da análise, o efeito do analista nele. A assunção do papel passivo, na segunda fase de "Bate-se numa criança", aquela que enuncia na sua versão feminina "Eu sou batida por meu pai", poderia testemunhar essa apropriação pela representação e sua função consoladora: ela condensa o amor do pai e seu interdito, ela reúne o desejo de seduzir e a punição que a realização desse desejo pede ; em outras palavras, ela anuncia o compromisso que permite ao eu, graças à construção do fantasma, satisfazer as exigências do isso e as do supereu, igualmente constrangedoras. Nessa perspectiva, podemos compreender e entender o surgimento, o desenvolvimento e a resolução do fantasma como porta-voz de um movimento fundamental da análise, como a via de abertura de posições identificatórias em movimento: a mudança de lugar na cena do fantasma reflete a mudança de posição na cena interior. Ele representa uma esperança formidável que permite aceitar o paradoxo ou a contradição entre a passividade imposta pela excitação e a atividade de representação que ordena seu tratamento, quer dizer, na análise, o reconhecimento dos desejos e de sua fonte pulsional, de um lado, e a realização do trabalho que ela reclama, de todas as maneiras, de outro.

Passividade e resistência

É bem em termos de movimentos identificatórios que se coloca a questão das ligações entre a passividade e a resistência: elas se apóiam na diferença dos sexos, essencialmente pelo que ela oferece em figuras e em imagens da passividade e de seu contrário, a atividade, que os batalhões mais fortes da resistência podem, às vezes, massivamente investir. A passividade constitui o motor do tratamento e da cura e ao mesmo tempo ela mobiliza uma resistência maior por causa dos elementos eróticos que implica, por causa também das representações mortíferas que induz. Aí mesmo se tramam as versões plurais dos fantasmas originais que destinam, todos eles, uma posição passiva ao sujeito: cena primitiva, sedução, castração, retorno ao ventre materno, tantas construções para colocar em cena a criança seduzida e frustrada, a criança em sofrimento, transbordada por agitações perturbadoras, ao mesmo tempo determinadas por essas produções e contidas por elas.

É para conservar esses tesouros preciosos, para preservar sua vivacidade, para manter intata a promessa de realização dos desejos que eles abrigam para além da tela dolorosa que os esconde e que os protege, que se desencadeiam as resistências? Elas tomam emprestadas da transferência as vozes, se encarnam na sedução e no temor do analista, fiéis, nisso, a uma figura poderosa de pai pela excitação que ela gera na sua força atrativa e sua repressão, procurando desesperadamente na repetição uma satisfação da demanda de amor e sua insuportável realização.

A resistência na análise reclama, no entanto, uma recusa para se apaziguar. O duplo "não" do analista, o "não" à sedução incestuosa, o "não" à demanda de ação específica, centrando novamente o analisando em suas fontes internas, permite justamente desfazer as ligações alienantes do fantasma. Para o analista, trata-se de recusar a ação "direta" em benefício da ação da palavra. Aqui está, sem dúvida, a condição para a instauração do processo analítico, o estabelecimento de uma outra cena que, tomando a formulação de Winnicott, não pertence a ninguém, um entre-dois, um espaço intermediário para os dois parceiros da análise, um lugar de desdobramento para o sonho e para a dor, uma cena para as representações e para os afetos.

Se o "não" à provocação sexual permite representá-la e deslocá-la, se o "não" ao sofrimento apela para a interiorização do recurso ao objeto, é graças à constância do analista, à constância de sua presença em pessoa, como diz Pierre Fédida. Esta presença em pessoa pode, é verdade, ser considerada como indutora de paradoxo: ela é portadora de excitação, é portadora de apaziguamento e, nesse duplo movimento, pode ser identificada com a mãe de Winnicott, "good enough", uma mãe entre-dois, entre o demasiado e o insuficiente, uma mãe que pode ser excitante e que pode também dizer "não". A utilização do objeto (o recurso ou o retorno ao objeto interno em caso de sofrimento) implica que este tenha sido fantasmaticamente destruído e que tenha sobrevivido a essa destruição: essa asserção de Winnicott (1971, p. 131) está bem próxima daquela proposta por Freud (1925a), quando ele enuncia como preliminar à representação do objeto que este, outrora realmente satisfatório, tenha sido perdido. A representação testemunha efetivamente a capacidade de utilizar o objeto e é produto deste, visto que ela pode fazê-lo surgir em sua ausência, visto que pode convocá-lo e fazê-lo viver, mesmo que ele tenha desaparecido perceptivamente.

Se, desde os primórdios, Freud mostrou de que forma o que se diz no tratamento também quer dizer outra coisa, de que maneira a língua pode subverter o sentido, de que maneira o desejo pode estar travestido até nos conteúdos que transportam o objeto, a forma mais eloqüente da comunicação analítica, da qual ele propôs uma leitura perturbadora, aparece em "A negação" (1925a): não somente ela afirma o desejo negando-o, mas se impõe a partir da introjeção e da projeção, como processo originário do pensamento, ela constrói a sustentação do espaço psíquico, desse outro lugar que acolhe a cena interior.

Quais as correspondências, então, entre o "não, essa aí não é minha mãe", "não, não pensei nisso", e o "não" à análise que pode ser entendido, às vezes, por via curta, como "não" à realidade interna, ao inconsciente e… ao fantasma? Haveria na condensação deste "não" um nó essencial, um cruzamento de vozes múltiplas: a força da linguagem, a força da repulsão, portanto, a força da atração, e ainda, o "não" do analista que permite a instauração do próprio processo. A negação poderia reunir, ao mesmo tempo, a recusa, a resistência e a condição do ato analítico. Não constituiria a luta contra a análise uma medida preventiva, um evitamento do que poderia opor-se à convicção do fantasma que não quer conhecer o "não" e recusa toda e qualquer renúncia?

 

A reação terapêutica negativa

O clímax deste "não" e da resistência à análise na análise aparece, sem dúvida, no fenômeno complexo da reação terapêutica negativa. De fato, parece-me que a formulação "Fracasso diante do sucesso", proposta por Freud em 1916, é mais conveniente para dar conta do processo cujo curso lembro aqui rapidamente: primeiramente, o êxito, os efeitos positivos do tratamento e o prazer que dele decorre; depois, com freqüência de forma brutal, a oscilação como num pesadelo, um pesadelo a dois: o analisando vai de mal a pior, o analista, não muito melhor… Quanto à análise? No entanto, na via aberta por Freud a respeito desse fenômeno, podemos descobrir, deste lado do sucesso da análise, a satisfação de desejos incestuosos, que se torna, de repente, ameaçadora: assim, tece-se um laço excessivamente apertado entre o fantasma e sua realização transferencial e a reação violenta de um supereu cuja severidade se amplia à medida da intensidade passional dos desejos. A análise torna-se, então, o agente aterrorizante de uma excitação — ou de um prazer — insuportável e seus efeitos positivos adquirem valor de prova criminal: alguma coisa aconteceu entre o paciente e o analista, alguma coisa que tem a ver, inevitavelmente, com um fato sexual. Novas bases eróticas armam o masoquismo a serviço de resistências particularmente ferozes: estas se apoderam do desprazer ou, pior ainda, da dor e utilizam-na contra a mudança, contra a cura. A dor psíquica, associada à separação e à efração narcísica que ela pode induzir, ocorre quando a excitação, por causa de sua intensidade extrema, transborda as barreiras, submerge os diques e se mantém constantemente sem que ação alguma possa apaziguá-la: é esta situação de aflição e a convicção de sua irreversibilidade que caracterizam a reação terapêutica negativa.

Quando a interpretação e a realização analógica de desejo que ela poderia oferecer provocam uma agravação das resistências, a inflação da compulsão à repetição desencadeia um mal-estar, um desprazer e uma dor intensos: podemos considerar essa travessia como a recusa, a impossibilidade de admitir que uma modificação que traga prazer possa surgir. Para o paciente, a resistência consiste, então, em lutar duramente contra a aparição de todo e qualquer sinal de mudança e se traduz por uma dor psíquica mostrada com a obstinação da desesperança.

A transferência, quando se torna paixão, não conteria o arrancamento necessário dos objetos de amor originários? O deslocamento que ela implica se revela tão mais difícil e doloroso, que o amor e o ódio dirigidos aos primeiros objetos permanecem neles fixados: a transferência é experimentada, então, como uma traição, um abandono desses primeiros objetos e o temor concomitante de ser traído e abandonado por eles. A reação terapêutica negativa significa, nesses momentos extremos, bem precisamente, a recusa em se curar, a rejeição dos benefícios do tratamento, cuja dimensão tóxica, diabólica, ela denuncia a fim de manter, contra tudo e contra todos, as posições sofredoras do masoquismo moral: não se trata, com efeito, de contradizer os objetivos prescritos pelas forças destinais atrás das quais se escondem as injunções tirânicas das figuras parentais. Desta vez, as resistências se encarnam na referência, não somente a um pai sedutor e constrangedor, mas também a uma mãe dominadora, poderosa e ciumenta de seu poder, que não suporta nenhuma partilha, submetendo a criança apenas às suas exigências: qual o prêmio de prazer por essa atração abusiva, senão aquele ligado à crença, talvez precária, mas mesmo assim defendida com tenacidade, de ser indispensável para a mãe e para o analista (porque, como bem o sabemos, a reação terapêutica negativa não faz o analisando fugir; mas, ao contrário, ela o prende excessivamente à análise)? Nessa obstinação "negativa", é necessário entender a recusa de ser amado, uma recusa que pode parecer escandalosa, mas que mostra de forma muito clara a recusa da passividade, se aceitarmos a proposta de Freud segundo a qual a posição passiva é colocada à prova da maneira mais evidente no fato de "ser amado".O fato de que o "ser amado" constitua, para ele, a própria essência da feminilidade e o medo de perder o amor, o equivalente da angústia de castração para o homem, não deixará de nos mergulhar mais ainda na aflição: sim, ser amado pode ser intolerável; sim, o prazer que se liga a essa descoberta ou a esse reconhecimento pode engendrar um extremo desprazer; sim, a renúncia à dor pode ser inadmissível; sim, a idéia de cura pode mobilizar uma luta incessante para não se curar.

Quando, em 1925, Freud lembra os motivos para a hostilidade contra a psicanálise, ele aponta, de início, a defesa psíquica que as "novidades" sempre provocam e a incerteza, a espera ansiosa que as acompanham. E, entre as novidades perturbadoras da psicanálise, ele lembra duas, de fato essenciais já que volta a elas constantemente (e nós também, ainda hoje, como se o "novo" se renovasse ou se repetisse indefinidamente): a parte inconsciente da vida mental, de um lado; a importância do sexual e especialmente a preponderância do complexo de Édipo, do outro lado. O ilogismo e a injustiça da resistência encontram suas origens nos dois princípios básicos da cultura humana que são o domínio das forças naturais e a repressão dos instintos: "O trono da soberania é suportado por escravos acorrentados: dentre esses elementos instintivos domesticados, as pulsões sexuais, no sentido restrito, dominam através de força e violência. Basta que lhes retiremos as correntes, e o trono é derrubado, a soberania cai por terra. A sociedade sabe disso e não quer que se toque no assunto" (Freud, 1925b).

Aceitar a sexualidade e a diferença dos sexos significa aceitar o paradigma da cena primitiva — sua "excelência", como escreveu J-C. Lavie (1997). A parcialidade da personificação das resistências, seja do lado do pai, seja do lado da mãe, persegue o objetivo que consiste em separá-los, sobretudo para não pensá-los juntos: nesse sentido, parece-me que o baluarte mais duro da resistência se situa justamente na recusa da cena primitiva, contra a sexualidade que exclui a criança da cena. As organizações do fantasma, suas composições ordenadas pela potência narcísica do infantil, correriam o risco de serem desfeitas pela análise. As formas de realização que procuram e permitem poderiam, às vezes, ser desalojadas e, pior ainda, as convicções incestuosas que abrigam ver-se-iam desvendadas e expulsas. Longe de pensar que, em verdade, a renúncia é, às vezes, passível de trazer um alívio porque permite o desencadeamento e o deslocamento, agarramo-nos às formações singulares, individuais, dos fantasmas originários e à dor da transferência que constitui o único vínculo aceitável com o outro: um vínculo de sofrimento que repete o da infância, que ocupa todo o território e não deixa lugar para novos objetos, que não permite que se instaure uma sexualidade estrangeira. À semelhança do cenário edípico e da realização incestuosa que desencadeiam o fracasso diante do sucesso, é o sexual, na análise, que se recusa como se recusa a sexualidade parental: a análise não pode ser fecunda, ela deve permanecer estéril; a ausência de efeitos novos percebíveis e a manutenção da dor mostram bem que não há ligação feliz entre o paciente e o analista. E, ao mesmo tempo, se a sexualidade não existe, se ela não tem lugar para existir, então, a sexualidade originária tampouco existe: essa crença mobiliza uma ejeção permanente da cena primitiva, um combate incessante contra sua emergência nas representações que ela pode animar através das palavras, na criação de uma língua íntima, às vezes, comum e singular entre os dois parceiros da análise. Curiosamente, o afeto permanece, porque a resistência mobilizada pelo medo de perder os fantasmas se agarra ao desprazer e à dor, se obstina em mantê-los porque eles constituem a prova manifesta, quase tangível, da ligação indefectível aos primeiros objetos de amor. Esse estado de dependência do eu, preso à armadilha do infantil, corre forte risco, então, de abolir sua insubmissão.

É exatamente essa situação que Freud estigmatiza em 1923 quando ele denuncia, entre os fatores mais ativos da reação terapêutica negativa — mais fortes do que o desafio para o médico, mais fortes que os benefícios da doença, mais fortes até que a inacessibilidade narcísica —, o constrangimento moral e a culpa inconsciente que encontram sua satisfação em estar doente e não querem renunciar à punição que o sofrimento representa: "O sentimento de culpa não se revela como tal", escreve ele, "o paciente não se sente culpado, mas doente". E acrescenta que esse fenômeno não se encontra apenas nos casos extremos, mas também em quase todos os tratamentos de neurose.

 

Perlaboração e dor psíquica

Continuar, perseverar, é essa a idéia dominante de Freud em 1914 (in "Repetir, recordar e elaborar"). Não se contentar com a designação das resistências e com sua interpretação, por mais satisfatória que pareça. "Vocês não percebem imediatamente os efeitos que esperam de sua interpretação?", diz Freud tranqüilizando seus colegas iniciantes: "Não pensem que seu trabalho, que seus esforços se encerram com um fracasso". A fase da perlaboração que segue a identificação das resistências deve vir associativamente, para que o sentido dado encontre seu eco. Há necessidade de uma latência, porque o analisando se debate com aquilo que constitui obstáculo e oposição: o aumento das resistências poderia ser entendido como o "não, nisso eu não havia pensado" retomado mais tarde em "Construções na análise" (1937) e significar que o analista tocou "no ponto". Há um tempo interior que pertence ao paciente porque a ele cabe a tarefa de descobrir o que, aqui e agora, está em causa, através de seus impedimentos, seu apego ao familiar, sua atração pela repetição do mesmo.

Será que o analista está, então, excluído a tal ponto que a ele cabe a obrigação de esperar e somente esperar? Constrangido, de alguma forma, ao confinamento, numa passividade exigida após o esforço de adivinhação, de construção, de proposição de sentido. Inversão dos papéis, então, se considerarmos a interpretação como força, como ataque através do sentido, como ato do analista. Quais relações de força, quais relações de sentido entre ambos? Aquelas mesmas que fazem a trama ou o drama da transferência, que são mais minuciosamente convocadas nessa labuta marcada pela lentidão, pela duração, e como que fixada, colada a uma tópica refratária a todo e qualquer deslocamento.

A lição de Freud aparece aí, com sua nota de consolo: não se decepcionem, mais tarde vocês verão. Como um pai diz a seu filho: "Você verá, quando crescer". A ser entendida como promessa, como investimento do futuro, movimento libidinal pleno e não interrupção na primeira constatação de impotência. Não há magia da análise: não existe treinamento do inconsciente pela palavra que o fala, nada de "levanta daí e anda!", coisa que asseguraria o poder da palavra sobre uma psique paralisada por resistências.

Em 1926, no adendo a Inibição, sintoma e angústia, precisamente intitulado: "Modificações em pontos de vista expressos anteriormente", o parágrafo que precede a proposta de Freud sobre a perlaboração é dedicado aos contra-investimentos. Que o contra-investimento seja interno ou externo dependendo de se tratar da neurose ou da histeria, a insistência diz respeito essencialmente à necessidade protetora de ambas, para que se mantenha ativo o processo de recalcamento, a serviço das resistências mobilizadas pelo tratamento. Porque as resistências pressupõem contra-investimentos aos quais o eu permanece tão ligado, que ele se recusa a "desviar sua atenção para as percepções e as representações que procurou evitar ou a reconhecer como suas moções pulsionais que estão em oposição àquelas que lhe são familiares". Esta dupla orientação, esta atenção dada seja às percepções e às representações, seja às moções pulsionais, situa, nitidamente, as mudanças de ponto de vista — chamemo-lhes mudanças — que o esforço terapêutico terá que integrar à experiência, a partir das proposições interpretativas do analista.

É o sentido dado à resistência que permite levantá-la: para que o terceiro termo consiga reunir a rememoração e a repetição, para que a perlaboração e a ancoragem ao fantasma e à lembrança, cujo caminho ela abre, se engajem, certas condições seriam exigidas: o portador, a alavanca, é a transferência; para além disso, a via real seria mostrada pelo processo representativo, através do acesso à linguagem psíquica combinando a força do sentido e as significações, assimilando os sinais da língua aos estados de prazer e de desprazer. A tarefa, árdua, consistiria, sobretudo, na operação de substituição de uma representação por uma outra: são argumentos lógicos que se opõem às resistências do eu, quando elas se tornam conscientes, e é ao eu que são prometidos "as perdas e lucros".

Sobre esse aspecto, no entanto, o ponto de vista econômico não intervém na mudança e D. Widlöcher, principalmente, refuta o interesse de se ligar aos movimentos de investimento e de contra-investimento preferindo-lhes os movimentos de pensamento e a noção de co-pensamento mais precisamente designada na perlaboração. O recurso à pulsão não seria necessário, declara ele em 1980, se remetermos a resistência à mudança a uma tendência fundamental da atividade do pensamento: "A perlaboração opõe a esta repetição uma forma oposta que confronta sempre a atitude nova com a antiga. Ela cria uma nova forma de repetição que se substitui à compulsão primeira" (p. 60). Esta operação do pensamento, transcrita num ato ou numa palavra, tomaria a via traçada pela rememoração e pela repetição, na ocorrência de outras palavras, de outros arranjos de frases, e organizaria novas seqüências, novas articulações, vindo significar a estranheza do inconsciente e do outro na emergência do sentido. Seria um tempo de descoberta, pela análise, de um novo, mesmo que ele não seja mais do que um disfarce de algo repetido, porque as palavras que transportam e vestem o acontecimento, a lembrança, a representação, não são mais, de repente, as mesmas.

E, no entanto, estas palavras se chocam contra novas resistências: a resistência do eu não recobre inteiramente este estado de coisas. Além disso, são as resistências do isso que continuam a se opor ao esforço terapêutico, apesar das louváveis resoluções do eu decidido a se desfazer de seus recalcamentos. São essas resistências do isso que ocupam o analisando e o analista na perlaboração: o isso não pode dizer o que ele quer, porque não constituiu vontade unitária, diz Freud (1923), porque está como que "sob a dominação de mudas, mas poderosas, pulsões de morte que querem o repouso e querem levar ao repouso este Eros perturbador da paz". As resistências do isso — todo mundo concorda — estão sempre ativas no analisando atado a seus contra-investimentos, fascinado pela repetição de seus estereótipos inconscientes. Mas e no analista? Não terminaria ele também, por adormecer em sua decepção, diante do triste futuro de suas palavras? A confrontação com uma repetição reforçada não importaria numa letargia agravada pelo sentimento de impotência, pela lassitude e pela usura de uma paciência indefinida? Contra-investimentos poderiam se estabelecer ou se manter: as resistências do isso mobilizadas no analista encontram e reforçam, então, suas próprias resistências à mudança — com a ameaça de desinvestimento dos movimentos da análise — e suas racionalizações lógicas. Quem pode prever os destinos de nossas esperas?

Não estaria aqui, colocada, mais uma vez, a eterna questão: "quem seduz quem?", e a trama da sedução, quando a perlaboração surge na ligação dos dois parceiros, numa associação que termina por tornar caduca a questão "quem faz o quê?"?. É verdade que a emergência do sentido, produzido conjuntamente pela construção e pelas resistências que o investem, não deve mais, então, ser entendida em suas significações originárias de intrusão traumática, mas como percurso libidinal, encontro "em representações". Porém, este encontro surge também, e sobretudo, na experiência: é ela que condiciona a passagem do recalcado ou da adesão puramente intelectual para uma convicção fundada sobre a experiência vivida. Este aspecto designado por Freud enquanto emprega a palavra "perlaboração" é retomado em um outro contexto por Winnicott em suas Lettres vives, quando ele propõe considerar a experiência como aquilo que melhor se diferencia da representação. Experiência partilhada num campo intermediário, num entre-dois que não coloca a questão do pertencimento a um ou a outro, porque lhe é substituída a idéia de um e de outro, na "criação-reencontros" dos esforços conjugados do analista e do analisando. Uma vez descobertas as forças que alimentam as resistências, não há nada mais a fazer, diz Freud, senão deixar a análise exercer "sua maior influência modificadora".

Eis então o modelo ideal da perlaboração: aquela que permite o deslocamento do mesmo e de outra coisa, aquela que permite que o mesmo perca seu peso de repetição e ganhe sua dimensão de outra coisa, aquela que descobre o prazer de aceitar esse contra o qual não podemos nada, ou seja, as marcas do outro em si próprio. A perlaboração que permite ao passado se transformar em lembrança ou em história, e à repetição se transformar em sentido ou em desejo.

Não podemos parar aqui: certamente, é necessário não opor — o risco de categorizar é bastante perigoso — mas associar a esta perlaboração ideal ou idílica outros momentos de tratamento em que esta mesma tarefa se envereda por caminhos difíceis, semelhantes a impasses nos quais poderiam triunfar a repetição, o fechamento narcísico ou a alienação ao outro, em que poderiam se atualizar as resistências do isso naquilo que elas podem receptar de mais violento, mais mortífero, de mais desesperado.

Há, no movimento da perlaboração, uma passividade esperada, uma submissão à impressão do outro em si, aos efeitos de sua palavra ou de seus silêncios, a seu impacto sedutor: ainda é necessário que o encontro seja admitido, que a ação e a paixão que ele anima sejam aceitas, que fosse ao preço de uma fortificação das resistências. O que acontece quando estas tomam as formas agudas de uma dor tão maciça e tão invasora que não sobra mais respiração e que o sopro da análise fica tão enfraquecido que chegamos a temer que ele se apague?

Se seguirmos Freud (1923), podemos nos perguntar se esta persistência da dor não seria sinal de um compromisso com o reconhecimento das percepções internas "mais originais, mais profundas, mais elementares" do que as que provêm do exterior. Este "outra coisa", no escoamento dos processos psíquicos, isto é, o prazer e o desprazer, "outra" quantitativamente e qualitativamente, não requer de forma alguma a distinção entre pré-consciente e consciente: "Mesmo quando elas (as percepções internas) estão ligadas a representações de palavras, não é a estas que elas devem o fato de se tornarem conscientes, elas se tornam diretamente". É a experiência clínica que mostra efetivamente que este "outra coisa" se comporta como uma moção recalcada e desencadeia poderosas forças sem que o eu se dê conta da compulsão que sofre. Como é que este "outra coisa" se torna consciente? "É somente a resistência contra a compulsão, a suspensão da reação da descarga, que torna de imediato este outra coisa consciente sob a forma de desprazer" (grifo meu). O desprazer e sua tradução extrema — seu mais além, a dor — surgem aqui quando começa a luta contra a repetição; é nesse sentido que a dor poderia assinalar a derrocada das resistências do isso. Contra que tais resistências se mobilizam, senão contra as mudanças, possíveis fontes do prazer? A que objetivo elas se dedicam senão ao de descartar as manifestações da novidade, de impedir sua admissão justamente porque ela é gerada pela ligação — transgressiva, é evidente — entre o analista e o analisando?

Será que a dor não encontraria seus fundamentos nos contra-investimentos ameaçados de serem desalojados, será que não constituiria em si um contra-investimento do amor e do ódio na atualidade do tratamento? Surge, então, a luta contra a renúncia a suas ligações originais, a seus primeiros objetos — em sua ação incestuosa especialmente —, cujas marcas de dor permanecem os únicos traços aceitáveis: é preciso manter a dor para não abandonar esta paixão e assim afastar a tristeza comprometida por tal renúncia.

A dor de transferência, por seu recentramento narcísico, traduz um contra-investimento dos movimentos pulsionais, em seus alvos objetais. Enquanto tal, ela poderia se inscrever na dialética da perlaboração da qual ela seria um momento melancólico. Digo melancólico porque o objeto que será perdido permanece subtraído da consciência, porque não identificado, desconhecido. É neste sentido que a perlaboração é uma passagem melancólica, mesmo se o tratamento da perda se aproximar daquele do trabalho de luto, em particular na exigência de retirar a libido de suas conexões com o objeto. Esta tarefa executada em detalhe e com um grande gasto de energia consiste em desligar de sua libido "cada uma das lembranças e das esperas" numa atividade de compromisso da qual Freud se pergunta por que é tão "extraordinariamente dolorosa" …talvez porque "de uma maneira geral […] o homem não abandona com boa vontade uma posição libidinal, mesmo quando um substituto já se apresente" (1915b, p. 265).

Visto que está ligada ao tempo, a perlaboração, tanto quanto a dor, remete às alternâncias da presença e da ausência. A dor, interdita como um contra-investimento da ambivalência da transferência, está inevitavelmente associada à ameaça de perda do amor. Eu pensaria, de boa vontade, que a dor psíquica, nesse momento, encontra a primeira significação que Freud lhe confere, isto é, que ela pode ser entendida como reação à perda da percepção do objeto: ela sinaliza a tomada de consciência dos movimentos de presença e ausência do analista, revelando as marcas do outro-ausente em si, e seu investimento "em desejo" (Freud, 1926a "Angústia, dor e luto"). Este tempo da perlaboração começa a partir dos enunciados interpretativos do analista em seus efeitos de diferenciação e de separação; que estas sejam determinadas pela própria palavra, é coisa que não deveria surpreender se nos ativermos às singulares funções da linguagem: nomear, diferenciar, e então separar.

É nesta esfera — a da presença e da ausência, a da experiência do prazer e do desprazer — que os tempos da perlaboração encontram sua origem. Como o trabalho de luto, eles se comprometem com a passagem da recusa a renunciar, do sofrimento ligado à impossibilidade de descarregar o desejo, em direção ao prazer em si de desejar, o prazer de experimentar, no sentido de se submeter e de aceitar.

 

Afetos e melancolia

Além dos processos representativos que lhes dão forma e imagem, são os afetos, o que se experimenta, "os experimentados" (como propõe Piera Aulagnier, 1989), seu lugar e tratamento que nos ocupam.

São as qualidades do afeto, esta "matéria-prima" da análise, que justificam que a perlaboração não se reduza a uma "elaboração" apoiada por modelos teóricos convencionais. Sem dúvida porque necessariamente subsiste uma imensa parte desconhecida nestas qualidades, a atenção que lhe é dada implica quase totalmente a subjetividade, a ressonância pessoal e seus derivados projetivos e passionais — isto é, a transferência do analista.

Quando são experimentados aqui e agora, os afetos convocam as imagens e as lembranças, convocam sobretudo as palavras: palavras que lhes dão direito de asilo e de reconhecimento. Direito de existência também para essas estrelas errantes, perdidas, em busca de sentido; palavras do analista, palavras do analisando associadas na construção de um passado singular.

O tempo, tão indissociável da perlaboração quanto das transformações qualitativas das energias pulsionais, reúne os afetos e a história: o tempo da infância continua a existir psiquicamente sob a forma do discurso que o diz, naturalmente, e na ressonância afetiva que o acompanha, diz Piera Aulagnier. É necessário, então, encontrar as palavras aptas ao afeto, completa ela, para que persista a ressonância afetiva entre o protótipo da experiência vivida e aquela que se vive no encontro com o analista, para que se descubra a parte infantil que ela transporta consigo. O aleatório do sentido, o caráter ilusório das ligações causais entre o presente, o passado e o futuro, descobrem sua ancoragem e sua razão na afetação das palavras e das coisas, respeitando ou revelando uma adequação suficiente (como a entende Winnicott para a mãe good enough), um encaixe possível entre as representações, os afetos e as palavras.

É aí que o sentido vivo, encarnado, da transferência se ajusta. O que se experimenta não depende sempre e somente de uma descarga, mas dá conta da experiência vivida da análise com os movimentos que ela mobiliza: o risco, se esses movimentos não forem apreendidos como tais, se não encontrarem imagens, se não encontrarem palavras, é que eles voltem ao analisando com um objetivo de não receber, que eles permaneçam letra morta, repetindo uma desqualificação essencial de uma subjetividade que espera ser reconhecida, admitida, respeitada inteiramente como valor inteiro.

É para sustentar a qualidade viva e a força do sentido que insisto nas qualidades dos afetos, na sua convergência para a construção e para a perlaboração. As palavras aptas para dizer o afeto seriam as palavras "justas", passíveis da dar corpo à interpretação. Seriam aquelas cujo eco vivo tocaria o sensível no caos das resistências do isso, aquelas que confeririam carne ao verbo, como François Gantheret (1994) evocou a propósito do traço. Com o necessário apelo ao tempo, ao período que condiciona a passagem do quantitativo ao qualitativo. É esta passagem que caracteriza também a perlaboração: as palavras "justas" estão ali para acolher as massas pulsionais e seu fluxo repetitivo e contínuo: o instantâneo do enunciado, designação, corte na trama discursiva e embarque, se as palavras acertarem em cheio no alvo, na longa travessia das resistências.

A tarefa da perlaboração permitiria a passagem da melancolia ao luto. Graças à regressão narcísica, o ataque contra o eu-sujeito mascara, na melancolia, o ataque contra o objeto. A associação dos dois textos de 1915 — "Luto e melancolia", "Pulsões e destinos das pulsões" — permite propor esta construção: no princípio, uma escolha de objeto muito marcada narcisicamente gera o ódio com relação ao objeto que excita. Este ódio combate a passividade (o ser-excitado) e o que ela implica em termos de experiências, principalmente "o ser-amado", a forma "mais bem-acabada", diz Freud, da passividade. Se a decepção surgir, e com ela a ferida aberta do desamor, o ódio contra o objeto será reforçado: reconduzido contra a própria pessoa pela regressão narcísica e pela inversão pulsional, ele sustenta o movimento melancólico e alimenta a atividade sádica contra o eu.

Resumindo, o movimento melancólico constituiria uma das vias de desvio da passividade, contra o ser-amado, o ser-excitado, contra o objeto e finalmente contra o próprio sujeito. Ao mesmo tempo, quando aparece no tratamento, este movimento melancólico oferece "uma oportunidade privilegiada de fazer valer e aparecer a ambivalência das relações de amor", pois "os fatores que ocasionam a melancolia transbordam, em geral, num caso bem definido, da perda pela morte, e englobam todas as situações […] através das quais pode ser inscrita na relação uma oposição de amar e odiar ou ser reforçada uma ambivalência já presente" (1915b, p. 272).

As palavras encontradas/criadas na análise surgem para dizer da distância enfim reconhecida entre o adulto e a criança; elas mostram também uma outra distância, ligada à primeira, a da presença e da ausência, distância na qual se amarram as potencialidades de representação. Isto supõe que a perda do objeto seja admitida, isto mostra certamente a capacidade do sujeito de manter a presença do outro viva nele próprio; isto também atesta a capacidade do sujeito de se representar vivo no pensamento do outro.

Talvez seja aqui que o momento melancólico encontre seu fim. Não é o próprio Freud que lembra que o objeto do trabalho da melancolia é análogo ao do luto? Que ele se fundamenta aparentemente na mesma situação econômica e nas mesmas tendências?

Podemos pensar que a diferença equivale, então, à força narcísica infinitamente mais dominante no processo melancólico e ao enfraquecimento que ela traz para a dialética das identificações com o objeto perdido. Este permanece enigmático e difícil de circunscrever: se ele conserva uma parte tão grande de desconhecido, não é porque ele se situa confusamente num espaço mal delimitado e que, ao esmagar o sujeito, ele mistura ou arromba as fronteiras? Neste contexto, a "confusão" melancólica coloca de outra maneira a problemática da perda do objeto: trata-se, com efeito, diz Freud, de ser levado pelo mesmo destino que o objeto destruído, a menos que se escolha dele se desfazer, se os benefícios narcísicos assegurados pela vida se mostrarem mais fortes. A ambivalência melancólica não diz respeito somente à luta entre o amor e o ódio, ela envolve forças extremas no combate entre a vida e a morte. Quando o fim da melancolia se impõe, é a vida que sai ganhando. A vida, logo, a libido, logo, a atividade. Mas Freud enuncia uma outra condição para esta vitória: é preciso que o investimento libidinal ameaçado abandone o objeto e se retire para o lugar do eu de onde ele havia partido. Depois da regressão inerente ao processo melancólico, o conflito deve ocorrer entre uma parte do eu e a instância crítica: é pela interiorização da luta entre as duas partes oponentes, atualizada no dilaceramento melancólico, que a solução surge e se representa no aparelho psíquico. Este movimento implica que a parte libidinal, a parte daquilo que está vivo, consiga domesticar a parte do que está morto, graças ao desencantamento narcísico permitido pela aceitação da passividade. Se a parte libidinal vence, é porque o eu acolhe a excitação, aceita a marca do outro muito mais do que dos seus desvios mortíferos. Isto supõe, na relação transferencial, que para além dos representantes-representações os afetos possam ser convocados, experimentados, reconhecidos, identificados: é deixado lugar, então, à passividade para o que ela vem dizer sobre o ser-excitado, ser-afetado, ser-amado.

 

Referências2

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Tradução de Leda Maria Codeço Barone
Revisão da tradução por Ana Maria Cesar Moreira

Recebido em: 15/03/06
Aceito em: 20/04/06

 

 

* Professora de Psicologia Clínica e de Psicopatologia, Université René Descartes (Paris-5). Membro titular da Association Psychanalytique de France (APF).
1 A correção gramatical exigiria outro verbo, transitivo direto, para dar vez à voz passiva (por exemplo, espancar); optamos, no entanto, por manter o incorreto bater, mais adequado ao significado. (N. da T.).
2 Optamos por não traduzir as referências. (N. da T.).

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