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Jornal de Psicanálise

versão impressa ISSN 0103-5835

J. psicanal. v.39 n.70 São Paulo jun. 2006

 

JORNADAS PESQUISA E UNIVERSIDADE — SPBSP

 

A pesquisa psicanalítica1

 

Psychoanalytic research

 

La investigación psicoanalítica

 

 

Alfredo Naffah Neto*

Psicanalista, Professor Titular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, no Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo consiste numa discussão sobre a relação interna que existe entre pesquisa e psicanálise. Descreve duas modalidades de pesquisa psicanalítica: a pesquisa-escuta, pesquisa clínica por excelência, e a pesquisa-investigação, que se debruça sobre problemas teóricos e/ou metodológicos psicanalíticos. Descreve ainda um terceiro tipo de pesquisa, que é aquela que tem a psicanálise como tema, sem ser propriamente uma pesquisa psicanalítica. Em seguida, procura caracterizar as duas primeiras modalidades de pesquisa em sua relação dialética. Por fim, discute as dificuldades inerentes a ambas.

Palavras-chave: Pesquisa-escuta, Pesquisa-investigação, Problemas de pesquisa, Metodologia psicanalítica.


ABSTRACT

This article discusses the internal relationship between research and psychoanalysis. It describes two kinds of psychoanalytic research: the listening-research, which is excellently clinical research, and the investigative-research, that deals with theoretical and/or methodological psychoanalytic issues. It also describes a third kind of research, one that deals with psychoanalysis as a theme, without being properly psychoanalytical research. It then tries to characterize the first two kinds of research in their dialectic relationship. Finally, it discusses the difficulties that are proper to them.

Keywords: Listening-research, Investigative-research, Research problems, Psychoanalytical methodology.


RESUMEN

Este artículo consiste en una discusión sobre la relación interna que existe entre investigación y psicoanálisis. Describe dos modalidades de investigación psicoanalítica: la investigación-escucha, investigación clínica por excelencia, y la investigación que se centra en problemas teóricos y/o metodológicos psicoanalíticos. Describe además un tercer tipo de investigación, aquella que tiene el psicoanálisis como tema, sin ser propiamente una investigación psicoanalítica. Enseguida, procura caracterizar las dos primeras modalidades de investigación en su relación dialéctica. Por último, discute las dificultades inherentes a ambas.

Palabras-clave: Investigación-escucha, Investigación, Problemas de investigación, Metodología psicoanalítica.


 

 

Falar em pesquisa em psicanálise é quase um pleonasmo, já que o termo psicanálise já implica, por si só, o termo pesquisa. Dito de outra forma, quando praticamos psicanálise, estamos sempre fazendo pesquisa; caso contrário, não estamos praticando psicanálise.

Quando, como analista, sento-me atrás de um divã, à escuta de um analisando qualquer, estou pesquisando. Para tanto, utilizo-me de uma ferramenta básica de pesquisa denominada atenção flutuante; é somente por ela e através dela que posso, junto às associações livres do analisando, ter acesso a qualquer sentido do que está ocorrendo ali2 (vide nota pg. seguinte). Nesse acontecimento clínico, as ferramentas teóricas estão sempre à margem, numa suspensão virtual que não as torna competentes para nada em si mesmas ou, melhor dizendo, que as torna incompetentes para tudo, salvo quando são literalmente arrancadas dessa suspensão virtual por algum sentido emergente, que delas se utiliza para tomar forma, no espaço intersubjetivo da transferência-contratransferência.

De forma análoga, quando recolho as minhas experiências clínicas e as utilizo criativamente para elucidar ou problematizar questões teóricas, psicopatológicas ou técnicas, também estou fazendo pesquisa, o que significa dizer que, através desse caminho, chegarei a algum sentido novo, capaz de produzir alguma transformação no cabedal de conhecimentos acumulados até então. Só que, para essas atividades, utilizo-me, não mais de atenção flutuante, mas de raciocínios indutivos e dedutivos, característicos do pensamento lógico-formal, ainda que, muitas vezes, em função do próprio caráter enigmático desse tipo de pesquisa, a lógica aristotélica apareça — em algum nível — maculada e desconstruída pela presença do pensamento paradoxal. Winnicott usa e abusa desse tipo de pensamento; por exemplo, quando nos diz que, na constituição do assim chamado objeto subjetivo, o bebê cria o objeto que encontra. Isso significa dizer que o objeto é encontrado disponível no ambiente e, ao mesmo tempo, criado pelo bebê, residindo aí o seu caráter paradoxal (Winnicott, 1988). Também Bion é um mestre do pensamento paradoxal, haja vista a própria idéia de o analista tornar-se O, sem se perder de si mesmo (Bion, 1993).

Assim, até o momento, temos, pelo menos, dois sentidos diferentes que o termo pesquisa assume no trabalho psicanalítico. O primeiro deles é o da pesquisa-escuta, pesquisa clínica por excelência, no interior da qual a atenção flutuante do analista e as associações livres do analisando contribuem para a produção de sentido, graças à concorrência de processos inconscientes: o que Thomas Ogden veio a chamar de terceiro analítico (Ogden, 1996). O segundo, o da pesquisa-investigação, pesquisa teórico-metodológica, responsável em última instância pelo crescimento e aperfeiçoamento da disciplina psicanalítica, que complementa a pesquisa clínica e lhe dá suporte, recebendo dela, ao mesmo tempo, o embasamento para o seu trabalho construtivo. Temos, pois, aí, duas formas de pesquisa que se complementam, se alternam e se negam numa espécie de dialética interminável, na qual nenhuma síntese é definitiva.

Evidentemente, a pesquisa-escuta comporta também um nível de investigação, mas esta não é levada a cabo através de uma postura ativa, seletiva e racional da consciência, como aquela que se debruça sobre a investigação de problemas teóricos e metodológicos psicanalíticos. Na pesquisa-escuta domina sempre uma posição mais passiva de se deixar afetar pelo outro, numa forma de atenção não-seletiva: a atenção flutuante, sem memória e sem desejo. E mesmo quando extrapola o trabalho de consultório e se debruça sobre objetos outros — uma biografia, uma obra de arte — a pesquisa-escuta implica, de forma análoga, uma atitude passiva de se deixar impregnar pelo outro, tanto corporal quanto espiritualmente, para depois destilar das marcas desse encontro os ingredientes necessários à formulação do conhecimento buscado. Nesses casos, por não poder contar com as informações dadas pela associação livre que a sessão analítica propicia, o trabalho torna-se ainda mais complexo, tendo que utilizar todos os signos/sinais disponíveis, centrais ou marginais.

A pesquisa-escuta pode vir a ganhar forma escrita como um trabalho isolado — como no relato de um caso clínico ou na interpretação psicanalítica de uma obra de arte — sem necessariamente ter que esquadrinhar e problematizar o campo psicanalítico em questão. Isso significa dizer: sem necessariamente ter que se desdobrar no que denominei pesquisa-investigação3 .

Diferentemente da pesquisa-escuta, a pesquisa-investigação, propriamente dita, implica o desejo do pesquisador e pressupõe esquadrinhamento do campo de conhecimento, formulação e seleção de problemas teórico-metodológicos, bem como a sua investigação rigorosamente planejada, tarefas que, no todo, extrapolam o mero relato escrito da pesquisa-escuta. Como salienta Luís Claudio Figueiredo, ela surge sempre a partir de uma demanda do objeto de investigação, mobilizadora do desejo do investigador.

Todo psicanalista que orienta dissertações e teses em psicanálise, em programas de pós-graduação, sabe que o aluno traz geralmente, como problema de pesquisa, algum tema bastante implicado na sua vida emocional e que se gasta bastante tempo nessa tarefa inicial de discriminar o sujeito e o objeto da pesquisa (que vêm bastante misturados). É essa implicação, entretanto, que mobiliza o desejo do pesquisador e o impulsiona rumo à investigação, como, aliás, já salientara Freud, ao falar sobre o surgimento da pulsão de saber ou de investigar, na criança entre os três e cinco anos (Freud, 1905/1976a)4. Isso, entretanto, muitas vezes, torna os prazos acadêmicos (instituídos para a consecução desses trabalhos) exíguos, insuficientes. Mas como convencer os órgãos doadores de bolsas de estudo — como CAPES, CNPQ, FAPESP — dessa singularidade da pesquisa psicanalítica, que a diferencia de todas as outras?

Há, ainda, um terceiro tipo de pesquisa que envolve a psicanálise, mas que não utiliza a pesquisa-escuta psicanalítica — no seu sentido mais amplo — como ferramenta de trabalho. Trata-se de pesquisas em: filosofia (epistemologia) ou história da psicanálise, bem como pesquisas que relacionam a psicanálise a processos sociais e/ou culturais, geralmente levadas a cabo por filósofos, historiadores, sociólogos, antropólogos ou psicólogos (não, necessariamente, psicanalistas). São, na verdade, pesquisas fundamentais — que investigam os fundamentos ou pesquisas interdisciplinares, bastante importantes, na medida em que podem questionar, colocar em xeque e rever os próprios alicerces sobre os quais a psicanálise se assenta, ou as formações sociais/culturais com as quais se articula. Isso, entretanto, não as torna pesquisas-psicanalíticas, stricto sensu, já que não trabalham numa relação interna com a clínica, esta dimensão inalienável da pesquisa em psicanálise5.

Todas essas questões situam a pesquisa psicanalítica numa vertente muito diferente da de várias outras disciplinas. A medicina, por exemplo, tem seu campo de pesquisas calcado em outras ciências, como a bioquímica, cujos resultados obtidos — sempre passíveis de replicação experimental — podem ser transformados em proveito da clínica médica, cujo espaço — de aplicação dos achados científicos — não se confunde, por princípio, com o de pesquisa. De forma análoga, a psicologia experimental constrói a sua ciência no laboratório, revertendo as suas descobertas para a clínica da terapia comportamental. Aí, também, as descobertas são todas construídas experimentalmente e passíveis de replicação científica.

Na psicanálise nada é passível de replicação, ou seja, um mesmo acontecimento não se produz nunca mais do que uma vez, uma vez que ele nunca pode ser reduzido a componentes invariantes e abstratos, passíveis de controle e replicação experimental6. Nesse sentido, se a psicanálise se propõe como ciência, só pode se definir como uma ciência do singular. Por motivos análogos, aí o campo de pesquisa e o campo de aplicação não se distinguem um do outro, recobrindo-se sempre, pois cada sessão analítica implica sempre uma suspensão de tudo o que já existe e o reinício de todo o processo. "Sem memória, sem desejo", como propunha Bion.

Mas, é possível uma ciência do singular? Ou seja, uma ciência não se define sempre pela busca de regularidades, passíveis de serem transformadas em leis gerais e universais?

Contra esse argumento, poder-se-ia argumentar sempre que a ciência psicanalítica é repleta de universais: "complexo de Édipo", "inveja do pênis", "leis do inconsciente" etc. etc. Mas essa afirmação, embora correta, não é muito conclusiva, na medida em que esses universais, como conceituações de certos acontecimentos observados, apenas os situam dentro de categorias explicativas gerais e abstratas, pouco competentes para definir, a priori, a singularidade da coreografia que domina essas dinâmicas, enquanto tal. Ou seja, "complexo de Édipo", "elementos b", "falso self", "posição depressiva", "objeto a", mais do que leis universais, constituem metáforas interpretantes, cuja escolha, em cada momento, implica tanto a escuta do psicanalista/pesquisador, quanto a singularidade da técnica empregada. Pois, para o analista competente, são sempre os acontecimentos clínicos, a forma como se apresentam, que podem dar a direção da escolha de algumas dessas ferramentas conceituais, capazes de evocar em algum nível — a realidade psíquica em questão, conceituando o, até então, informe e situando-o dentro de uma categoria conceitual. Entre esta categorização — geral e abstrata, mas que situa o acontecimento dentro do corpo teórico — e a produção de uma interpretação — que tece o sentido do acontecimento com as cores singulares que o caracterizam — há um longo trabalho de elaboração, que se processa, em grande parte, em nível inconsciente e pré-consciente7.

Há analistas que, stricto sensu, podem se denominar "analistas freudianos", "analistas kleinianos", "winnicottianos" etc. e que, por escolha própria, restringem o seu campo de trabalho ao recorte teórico-metodológico de um único autor (e seus seguidores), e outros como eu que, sem fazer apologia de ecletismo, trabalham no interior de um campo mais abrangente8. Entretanto, mesmo os psicanalistas do primeiro tipo, se não quiserem fazer um trabalho de péssima qualidade, meramente vomitando arcabouços abstratos, "verdades" apriorísticas, em cima de seus analisandos, são obrigados a trabalhar num estado de suspensão teórica, permitindo que as interpretações sejam sempre sugeridas pelos próprios acontecimentos clínicos e tecidas cuidadosamente ao longo da escuta, não emergindo como coelhos tirados de uma cartola de mágico. Portanto, interpretar constitui a tarefa quase impossível de evocar e criar sentido para o que, originalmente, é singular, inominável.

Após todas essas considerações, poderíamos ensaiar algumas definições possíveis para a psicanálise. Se fôssemos seguir as propostas de Bion, por exemplo, ela seria uma ciência das transformações psíquicas, oriundas de O. Mas essa definição, por sua vez, é uma variação do que a psicanálise já designava em Freud, especialmente na primeira tópica: uma espécie de ciência das passagens psíquicas9. E do que se tornou com a segunda tópica: ciência das passagens psíquicas, nas sínteses conjuntivas/disjuntivas de Eros/Tânatos. Que, por sua vez, gerou, com Melanie Klein, uma ciência das trocas interpsíquicas, já que, no pensamento dela, as disjunções de Eros/Tânatos produzem múltiplas clivagens e identificações projetivas e introjetivas, idas e vindas no circuito dentro/fora, necessárias ao trabalho de constituição do aparelho psíquico (Figueiredo & Cintra, 2004). E poderíamos continuar nessa trilha, passando por Winnicott, Lacan e inúmeros outros. Mas o importante, o que gostaria de salientar, é que, em qualquer uma dessas concepções, sempre estão em questão processos únicos, singulares, não passíveis de repetição.

Em psicanálise, tudo o que se repete encontra-se ainda, em algum nível, fora da esfera psíquica ou, pelo menos, fora de uma parte importante dela; assim é o retorno do recalcado em Freud, que volta sempre à procura de representação-palavra, capaz de produzir sua inserção na consciência, ou a compulsão à repetição, também em Freud, buscando insistentemente criar representação para o psiquicamente irrepresentável (Freud, 1920/1976c). Ou, ainda, a regressão a um estado de dependência, em Winnicott, que retorna, inúmeras vezes, a acontecimentos arcaicos congelados no tempo, a fim de constituir psiquicamente o que ficou como lacuna, dadas condições ambientais pouco propícias (Winnicott, 1954/1984). E, mesmo essas repetições, seria errôneo tomá-las como reiterações do mesmo, pois, se algo aí insiste ou retorna, cada nova vez já comporta diferenças com relação à anterior. Eu diria, inclusive, que é justamente pela possibilidade de gerar diferenças, capazes de produzir algo de novo, que essas repetições se fazem, caso contrário nem valeria a pena a energia que se gasta nelas. Mais correto seria, pois, designá-las como repetições diferenciais.

Por isso, todas as tentativas de transformar a psicanálise numa ciência objetiva, mensurável fracassaram e sempre fracassarão. Contudo, ainda resta a questão: é possível uma ciência do singular?

Às vezes — como Fabio Herrmann e a sua Teoria dos Campos — penso que não e que o saber psicanalítico estaria mais próximo do saber artístico, pelo menos na vertente clínica que denominei pesquisa-escuta. O processo de dar sustentação e acolhimento a um analisando, interpretando sintonicamente nos momentos oportunos e, de forma análoga, sabendo calar em outros tantos, supõe algo análogo a pintar um quadro: escolher as tintas, criar os matizes e buscar a harmonia do todo, na paciência das múltiplas pinceladas, na espera da secagem das camadas, a fim de que um sentido pictórico se crie. Algo como pintar um quadro a quatro mãos. Ou uma improvisação musical de jazz, também a quatro mãos. Aí, no âmbito da técnica, tudo é inusitado e singular; exige competência, mas também sensibilidade, presença e, por que não dizer, talento10.

Mas a psicanálise é também a disciplina que pesquisa a formação do inconsciente e as etapas do crescimento humano, desde a completa dependência da infância até a autonomia adulta, através dos múltiplos caminhos e descaminhos pelos quais a vida se faz neurose, perversão, psicose, quadros borderlines etc. Aí, ela está mais próxima de uma ciência humana, ciência não-experimental das transformações ou do devir humano. Mas, incontestavelmente, ciência, envolvendo sistematização de dados e criação conceitual, capazes de dar inteligibilidade às diversidades psíquicas, ainda que — como já salientei — esses conceitos funcionem mais como metáforas para o invisível psíquico, do que como leis. Mas, como já disse Nietzsche, todo conceito — filosófico ou científico — no fundo é uma metáfora, ainda que, na maior parte das vezes, o filósofo ou cientista que o cria e maneja desconheça essa condição (Nietzsche, 1873/1978).

Como, entretanto, conciliar esses dois lados da psicanálise, o artístico e o científico, tão intrinsecamente ligados um ao outro e tão díspares, quando temos em mente a questão da pesquisa, melhor dizendo, quando esta pesquisa exige rigor formal?

Como processar a escrita de sessões — esses processos evanescentes, fugidios, que nos escapam como sonhos ao despertar — quando não se podem fazer anotações durante elas, sem prejudicar a atenção flutuante e a escuta? Quais as implicações de termos que lidar sempre com reconstruções de memória? E como poder utilizar esse material — tão essencial e caro à pesquisa — respeitando, ao mesmo tempo, a ética do sigilo profissional, que nos obriga a mascarar e mascarar e mascarar o caso clínico, até torná-lo irreconhecível?11 E como reunir concepções, por vezes, tão díspares, de uma disciplina que se pluralizou em diferentes escolas, implicando teorias e técnicas que beiram, na sua antinomia, o inconciliável?

Essas são apenas algumas das questões espinhosas que a pesquisa psicanalítica nos propõe, como um desafio a ser enfrentado, percorrido e, em algum nível, equacionado, cada vez que nos pomos em campo. Não penso que, nos programas de pós-graduação universitários, os problemas sejam muito diferentes dos que qualquer psicanalista sério encontra no seu dia-a-dia.

 

Referências

Bion, W. R. (1993). Ultimate reality. In W. R. Bion, Attention and interpretation. (pp 87-91). 3rd ed. London: Karnac.        [ Links ]

Figueiredo, L. C., & Cintra, E. U. (2004). Melanie Klein: Estilo e pensamento. São Paulo: Escuta.         [ Links ]

Freud, S. (1976a). Três ensayos de teoria sexual: La sexualidad infantil: La investigación sexual infantil. In S. Freud, Obras completas (José L. Etcheverry, trad., Vol. 7, pp. 176-179). Buenos Aires: Amorrortu. (Trabalho original publicado em 1905.)         [ Links ]

Freud, S. (1976b). Trabajos sobre metapsicologia. In S. Freud, Obras completas (José L. Etcheverry, trad., Vol. 14, pp. 99-258). Buenos Aires: Amorrortu. (Trabalho original publicado em 1915.)         [ Links ]

Freud, S. (1976c). Más allá del principio de placer. In S. Freud, Obras completas (José L. Etcheverry, trad., Vol. 18, pp. 01-62). (Trabalho original publicado em 1920.)         [ Links ]

Naffah Neto, A. (2004). A escuta musical como paradigma possível para a escuta psicanalítica. Percurso, 17(33), 53-60.         [ Links ]

Naffah Neto, A. (no prelo). Winnicott: uma psicanálise da experiência humana em seu devir próprio. Natureza humana, São Paulo.         [ Links ]

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Ogden, T. (1996). O terceiro analítico: Trabalhando com fatos clínicos intersubjetivos. In T. Ogden, Os sujeitos da psicanálise (pp. 57-91). São Paulo: Casa do Psicólogo.         [ Links ]

Vero, J. (2003). Alma estrangeira: Pequenas histórias de húngaros no Brasil. São Paulo: Ágora.         [ Links ]

Winnicott, D. W. (1984). Metapsychological and clinical aspects of regression within the psycho-analytical set-up. In D. W. Winnicott, Through paediatrics to psychoanalysis (pp. 277-294). London: Karnac. (Trabalho original publicado em 1954.)        [ Links ]

Winnicott, D. W. (1988). Establishment of relationship with external reality. In D. W. Winnicott, Human nature (pp. 278-294). London: Karnac.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Alfredo Naffah Neto
R. Dr. Alceu de Campos Rodrigues, 309/73 — V. Olímpia
04544-000 São Paulo, SP
Fone: 3045-3082
E-mail: anaffah@giro.com.br

Recebido em: 10/03/06
Aceito em: 10/04/06

 

 

* Psicanalista, Professor Titular da PUC-SP, no Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica, autor de vários artigos e livros sobre psicanálise e música, principalmente.
1 Essa é uma revisão ampliada do texto apresentado numa mesa-redonda, ocorrida na Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, no dia 15 de outubro de 2005 e intitulada: "Psicanálise, pesquisa e universidade". Desta mesa participaram, também, como expositores: Luís Claudio Figueiredo e Sandra L. Schaffa, tendo sido a coordenação de Fabio Herrmann e a mediação de Magda Khouri.
2 Há, sem dúvida, situações absolutamente singulares em que essa atenção é de outra índole: quando estamos tratando de borderlines ou psicóticos, em acontecimentos do tipo que Winnicott denominou regressão a um estado de dependência. Isso porque, nessas condições de extrema fragilidade, o paciente necessita unicamente de holding para experienciar — via transferência — acontecimentos que ficaram dissociados do self verdadeiro, ao longo de sua história, por falta de condições ambientais adequadas. Nessas situações, a pesquisa cede lugar a uma sustentação e a um acolhimento silenciosos, já que — como salienta Winnicott — aí não se trata mais de desvendar ou interpretar nada. Em casos assim, em que a presença é o que mais importa, a atenção flutuante pode atrapalhar, na medida em que dela fazem parte momentos de recolhimento e até mesmo de alheamento do analista, em sua busca flutuante, ao sabor das múltiplas redes associativas que emergem (Naffah Neto, no prelo).
3 Relatos escritos de casos clínicos, por exemplo, são muito utilizados em supervisão ou como trabalho de conclusão em cursos de formação psicanalítica (geralmente, para mostrar que o aluno em questão foi competente na condução do caso que acompanhou). Interpretações psicanalíticas de biografias, obras de arte etc. podem ser utilizadas, por exemplo, na apresentação de livros ou em textos incluídos em programas de teatro, ópera, artes plásticas etc. Nesses casos, a função desses escritos não é problematizar o campo psicanalítico, mas meramente apresentar o caso clínico ou a obra de arte (de uma forma mais complexa).
4 Sobre essa questão da implicação do tema de pesquisa em questões emocionais do pesquisador, lembro-me aqui, à guisa de exemplo, de uma orientanda minha, Judith Vero, cuja dissertação de mestrado estudou a imigração de judeus húngaros para São Paulo, no período pós-guerra, os conflitos que essa geração trouxe consigo, o quanto os elaborou e o quanto os delegou às gerações que a sucederam. Foi, posteriormente, publicada sob o título: Alma estrangeira — pequenas histórias de húngaros no Brasil. É evidente que essa pesquisa estava diretamente implicada com questões ligadas à identidade judaica da orientanda, originária de uma família judia que se fizera cristã, como forma de se livrar do preconceito anti-semita, no novo país. Por questões outras (ligadas à escolha profissional dela própria) a pesquisa desenvolveu-se numa perspectiva junguiana (o que exigiu a ajuda de um co-orientador), mas poderia ser um exemplo típico de pesquisa psicanalítica, num curso de pós-graduação.
5 Isso é bastante diferente, por exemplo, de pesquisas que se processam numa articulação psicanálise/cultura, mas que utilizam a clínica como instrumento de pesquisa. Um exemplo desse último tipo são as pesquisas que venho desenvolvendo a partir da articulação escuta psicanalítica/escuta musical utilizando, principalmente, a ópera como paradigma de escuta musical (Naffah Neto, 2004).
6 Na psicologia experimental, por exemplo, qualquer acontecimento complexo envolvendo um indivíduo e seu meio — para ser alvo de controle experimental — necessita passar por vários recortes e abstrações. Recortar desse conjunto um comportamento, por exemplo, constitui a primeira operação; abstrair todas as variações possíveis desse "comportamento", através de uma definição operacional, constitui a segunda operação. Recortar e isolar do meio os estímulos responsáveis pelo aumento/diminuição da freqüência desse comportamento, a terceira operação. E assim, é graças a esses recortes/abstrações, capazes de produzir artificialmente invariâncias, que um controle experimental pode ser realizado.
7 Quando tomamos, por exemplo, a formulação das contingências de reforço do comportamento operante, em Skinner, como parâmetro de lei científica e a comparamos com a descrição da dinâmica do complexo de Édipo, em Freud, podemos ver duas produções de conhecimento que operam de forma completamente distinta. A primeira descreve operações capazes de produzir aumentos ou diminuições da freqüência de um comportamento, sob dadas condições experimentais controladas. A segunda descreve uma dinâmica geral pela qual deveria passar todo ser humano, ao longo do seu desenvolvimento; ou seja, não temos mais algo do tipo: dado a... segue-se b. E, quando se tenta algum raciocínio desse tipo, chega-se a formulações vagas que, sem as singularidades de cada caso, tornam-se fórmulas vazias. É a diferença entre operarmos com variáveis selecionadas e controladas ou com a complexidade da vida, sem seleção e sem controle.
8 No meu caso, por exemplo, esse campo parte de Freud e caminha na tradição de Ferenczi, desembocando, finalmente, em Winnicott. Mas inclui contribuições de todo o Middle Group inglês, como também algumas de Klein e Bion.
9 O processo central, nuclear, desse sistema é o mecanismo através do qual uma representação passa para o sistema inconsciente, cindindo-se da palavra que a designa e tornando-se representação-coisa, ou pode, novamente, passar para o pré-consciente, associando-se a outra representação-palavra (Freud, 1915/1976b). (Tradução do autor.)
10 E, quando se trata de interpretar biografias, obras de arte etc., eu diria que o talento tem que ser de igual tamanho, se não superior, pois — conforme já salientei — aí não se pode contar com nenhum processo de associação livre. Pressupõe enfrentar o objeto de estudo às escuras, perscrutando, nos documentos disponíveis, aquilo que possa orientar a pesquisa de forma análoga à associação livre.
11 Nos cursos de pós-graduação universitários, os atuais Conselhos de Ética exigem, caso não se queira usar de todos esses disfarces, um consentimento por escrito do analisando, dizendo que permite a utilização do seu material clínico para fins de pesquisa. É inegável, entretanto, que isso pode trazer grandes constrangimentos tanto para o analista, quanto para o analisando, em função do sigilo normalmente contratado no início da análise.

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