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Jornal de Psicanálise

Print version ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.39 no.71 São Paulo Dec. 2006

 

ENTREVISTA

 

Psicanálise: investigação e cura

 

Psychoanalysis: investigation and cure

 

Psicoanálisis: investigación y cura

 

 

Luis Carlos Menezes

 

 

No dia 2 de dezembro de 2006 o Corpo Editorial deste Jornal recebeu Luis Carlos Menezes para uma entrevista sobre o tema: "Psicanálise: investigação e cura". Menezes é o atual presidente da Sociedade Brasileira de Psicanálise e durante sua gestão tem incentivado, de maneira exemplar, uma ampla discussão sobre os caminhos da investigação em psicanálise. Leitor perspicaz da obra de Freud, Menezes tem contribuído para o aprofundamento de diferentes temas freudianos, através de seminários, conferências e de vários trabalhos publicados, entre os quais se destaca o livro Fundamentos de uma clínica freudiana, da editora Casa do Psicólogo.

O Jornal agradece a Menezes por esta entrevista.

Jornal: Com o tema "Psicanálise: investigação e cura" o presente número do JP pretende homenagear os cento e cinqüenta anos de nascimento de Freud a partir da discussão do célebre verbete que ele escreveu para a Enciclopédia Britânica no qual define a psicanálise como um procedimento para investigação do inconsciente, um método para tratamento das doenças nervosas e ao mesmo tempo uma nova disciplina científica. Comentando este verbete Freud asseverou em 1926: "O futuro provavelmente atribuirá muito mais importância à psicanálise como ciência do inconsciente do que como procedimento terapêutico". Que conseqüências poderemos tirar deste comentário de Freud? Considerando que você é estudioso da obra de Freud e que vem contribuindo de maneira expressiva para o estudo de Freud em nosso Instituto, como vê a atualidade da clínica freudiana?

Menezes: Não acho muito fácil definir o que seja uma clínica freudiana no momento atual. Minha tendência é achar que a clínica psicanalítica precisa ter, de alguma forma, algo a ver com a descoberta freudiana. A psicanálise é a descoberta de Freud nas diferentes formas que foi assumindo. E, nela, há uma tensão constante, um paradoxo, que a expressão ciência do inconsciente que você acaba de mencionar testemunha bem. Refiro-me ao paradoxo ao qual sempre nos referimos e que se encontra na conjunção de formulações conceituais de valor universal, próprias de uma ciência, com uma prática em que o inconsciente só faz sentido em formas fugazes e singulares de manifestação. Há uma espécie de desafio, um humor profundo na imensidão e no absurdo da proposta: "ciência do inconsciente".

Convivemos o tempo todo, em psicanálise, com a tensão entre os dois termos desta expressão: a psicanálise tem que ir se constituindo num movimento de organização do pensamento para o analista que tenta falar ou escrever sobre uma determinada situação clínica. Para isto, ele terá que se situar no contexto de discursos partilhados por uma comunidade analítica dada; as comunidades de referência são historicamente constituídas e estão em movimento. De toda maneira, o que ele dirá, como elaboração "científica", será expressão de uma maneira de pensar de um analista bem particular. É importante este modo próprio, em primeira pessoa, com que cada analista pensa, fala e escreve, qualquer que seja a sua rede de referências.

Ora, a criação da psicanálise por parte de Freud é, ao mesmo tempo, uma obra formidável — na extensão, na complexidade, na profundidade das formulações, nas inovações que ela vai apresentando — e a obra de um único homem. Psicanálise, até certo ponto, é um assunto de Freud e poderia ter ficado nisto. Mas quando Freud começou a se reunir com outros profissionais interessados por sua invenção — a psicanálise —, quando começou a ser procurado por Jung, Ferenczi, Jones, Abraham, etc. e passou a discutir com eles, suas idéias e a prática que inventara começaram a ser partilhadas. A partir daí começa a se desenvolver a psicanálise como campo de saber referido a uma prática específica. Ora, o modo como cada um se apropria desta prática traz uma marca pessoal. Assim Ferenczi pensa e trabalha privilegiando eixos próprios de interesse, que não coincidem totalmente com os de Freud; então a palavra "clínica freudiana" nos confronta de saída com esse problema. A clínica de Ferenczi era freudiana?

Cem anos depois, a psicanálise continua refém do mesmo paradoxo próprio de uma "ciência do inconsciente", na tensão entre o singular e o universal, e por ser, ao mesmo tempo, um saber que se produz em uma comunidade de analistas que falam e que pensam dirigindo-se uns aos outros dentro das particularidades de seu próprio modo pessoal de pensar e de falar a partir da sua clínica. Então, a rigor, a única psicanálise freudiana foi aquela feita e pensada por Freud e, por outro lado, não há nenhuma psicanálise que não seja freudiana na medida em que, mesmo em gérmen, toda forma de psicanálise estará em diálogo com a obra de Freud, ainda que contradizendo-o ou dizendo de outras maneiras (as releituras). Mas, claro, sabemos que perguntar sobre a psicanálise freudiana faz sentido em referência ao nome de autores posteriores a ele, e cujas obras podem estar mais imediatamente presentes no modo de um determinado analista pensar a sua clínica, obras que fizeram escola.

É assim que se trabalha em psicanálise: não há um manual em que estejam recenseados procedimentos para a investigação do inconsciente como prática terapêutica. Em toda a obra de Freud, já que estamos começando por ele, encontramos pouquíssimos artigos "técnicos"; basicamente, alguns textos datados de 1912-1914, época em que a prática da psicanálise estava começando a se difundir e que médicos, tendo lido um ou outro livro, decidiam pô-la em prática. Nestes artigos, Freud mostra-se muito reservado em ser prescritivo, ressaltando as particularidades de cada pessoa que se ponha na posição de analista, assim como de cada situação clínica: "A extrema diversidade das constelações psíquicas, a plasticidade de todos os processos desta ordem, o número importante de fatores determinantes, se opõem a uma mecanização da técnica e fazem que um procedimento ordinariamente vantajoso pode, às vezes, ser inoperante, enquanto um método geralmente defeituoso alcança o resultado desejado" (Freud em "O início do tratamento", 1913. Grifo meu).

Jornal: Reconhecendo o apreço que, desde sua chegada à nossa Sociedade, você vem dispensando ao Jornal de Psicanálise, qual a principal função que atribui a ele? Qual a importância dele para a formação do analista? Como você vem pensando a escrita da clínica? Considerando especialmente a nossa Sociedade, o que você pensa da comunicação entre as diferentes escolas? É importante esta comunicação? Ela é possível?

Menezes: O Jornal é um órgão do Instituto que tem uma função que pode ser relacionada com o que acabei de dizer, qual seja, a de abrir e relançar questões, desestabilizar um pouco pensamentos que se tornaram hábitos, favorecendo novas formas de pensar a psicanálise assim como nossas práticas institucionais.

Tem pois a ver com a própria razão de ser da vida associativa dos analistas. Eu disse antes que a obra de Freud poderia ter-se mantido como algo exclusivamente dele, como é exclusivamente de Shakespeare a obra de Shakespeare, paralelo bem aproximado porque a obra de Freud é de difícil classificação: não sendo propriamente literária, poderia ser considerada — no início — como o devaneio científico de um homem. Foi o fato de ter despertado o interesse de outros homens que se puseram a pôr em prática o tratamento que ele inventou e a discutir entre si que deu origem às associações de psicanalistas, onde é cultivada a prática e a produção de saber desta, a cada vez relançada "ciência do inconsciente". É nessa audição e troca que a ciência do inconsciente se produz, se faz e se desfaz sem cessar, quaisquer que sejam as linguagens e modelos teóricos privilegiados.

O Jornal de Psicanálise foi criado para favorecer isto no Instituto, lugar por excelência desta troca entre analistas, aonde vêm pessoas que estão se desenvolvendo na psicanálise, e que encontram ali certa verticalidade, na ficção parcial "dos que sabem" e "dos que não sabem". Esta verticalidade torna-se bem relativa quando se está discutindo um caso, situação ou idéia clínica, quando se trabalha em busca da fala fecunda, da fala que ao tocar aquele que expõe o caso produz "ciência do inconsciente". Ciência que não está em nenhum lugar predeterminado. Daí a importância do Jornal como um lugar propício para se falar dos des-funcionamentos da instituição, permitindo tocar nos pontos cegos desta, como pontos onde não há análise, não há avanços, não há produção de diálogos fecundos, desta "ciência do inconsciente". Esta se produz para em seguida se desfazer e logo prosseguir, qualquer que seja a referência predominante.

Mas há desfuncionamentos nas instituições: toda instituição tem por função estabilizar, normativizar, ordenar, e há sempre algum grau de contradição entre uma instituição com suas normas e a psicanálise. A vocação de toda instituição tende para a busca da estabilidade. Ela quer regularidade, constância e normas e isto é resistência à análise, desde que se tenha presente que a resistência faz parte da análise. Não há análise sem resistência. O trabalho que permite fazer avançar as análises de nossos pacientes é da mesma natureza do que pode fazer avançar a instituição, e vice-versa.

O Jornal de Psicanálise, ao propiciar a escrita de colegas que, quando escrevem, trabalham questões que os está realmente preocupando, tem uma função preciosa de renovação do pensamento na instituição e sobre a instituição. Uma instituição psicanalítica poderia, teoricamente, cristalizar-se em algo que fosse pura resistência à análise, caso triunfasse uma preocupação excessiva pela estabilidade, pela regularidade, pela ordem. O Jornal, em condições assim, ficaria tedioso e pouco útil para os leitores. Felizmente, não é este o clima dominante em nossa Sociedade e o Jornal não tem parado de relançar questões e desestabilizar maneiras fixas de ver, abrindo para a discussão pontos de eventual imobilização institucional. Tem estado na boa direção ao ter presente que a "ciência do inconsciente" sucumbiria se em algum momento a resistência, o apego à estabilidade, à permanência do mesmo, não cedesse para que algo do inconsciente venha dar algum sinal, surpreendendo.

Jornal: Quando você retornou de sua formação na França o que o levou a se estabelecer em São Paulo? O que o atraiu em nossa Sociedade? E como a define hoje? Tomando como referência seu percurso de formação institucional, quais as contribuições que sua escuta e olhar psicanalíticos trouxeram ou poderiam trazer à instituição que hoje preside?

Menezes: Eu fiquei em São Paulo por razões pessoais, familiares.

Com relação a contribuições à Sociedade, o que damos e recebemos no dia-a-dia, não podemos saber. Não acho que tenha uma contribuição pessoal de destaque, participo como os demais colegas e com meu jeito de participar.

Leda: Estava pensando no grupo de estudo de Freud ("Dialogando com Freud") e também na mudança do currículo do Instituto.

Menezes: Com relação à reforma do currículo, não tive nenhuma participação porque eu era Membro Associado na época.

Quanto ao grupo de Freud, vou aproveitar para retomar um ponto que ficou pendente sobre o diálogo entre as escolas e o caráter freudiano das descobertas psicanalíticas e da própria psicanálise. Sabemos o que aconteceu cada vez que ocorreram avanços e desenvolvimentos interessantes na psicanálise. Há Melanie Klein, que a partir do trabalho com crianças e psicóticos, desenvolveu formulações teóricas e técnicas muito significativas e originais. Surgiram, também, outros psicanalistas de grande porte que foram se destacando no desenvolvimento da psicanálise. Bion sem dúvida e Winnicott. Houve Lacan e vários outros analistas importantes, na França.

Cada avanço resultou num movimento de desestabilização fecundo nos modos de se pensar em psicanálise mas tendeu a dar origem, num tempo posterior, a uma formalização instituída destes avanços no que chamamos de "escola". Este segundo tempo era um tempo de codificação, de reestabilização e, portanto, um momento resistencial. O radicalmente novo tendia a cristalizar-se e tentar impor-se sobre o restante movido pelo prestígio dos aportes novos, amortecendo neste movimento o susto salutar da novidade. A queixa constante de Freud para com os inovadores era que, no entusiasmo de suas propostas, acabavam tomando a parte pelo todo do pensamento analítico.

O natural seria pensarmos que o progresso vai do que veio antes para o que veio depois, como aprofundamento e correção de perspectiva em relação ao que veio antes. O que veio antes é a obra de Freud. Um fato inesperado mas, ao menos até agora, incontornável, a meu ver, é a persistente atualidade desta obra como um todo e a possibilidade de pô-la em tensão com os desenvolvimentos que a seguiram, de uma forma que resulta produtiva, renovadora para o pensamento clínico. Isto não acontece quando a inovação dispensa de levar em conta e de dialogar seriamente com o que veio antes, com o que já foi pensado numa rica multiplicidade de perspectivas.

O surpreendente vigor da obra de Freud talvez se deva ao inacabamento persistente que a permeia, com tantos pensamentos em esboço, à riqueza de observações, de intuições, assim como à capacidade que tem de se autodesestabilizar, por vezes no interior de um mesmo texto ou ao longo da construção de diferentes modelos e perspectivas.

Tomemos o exemplo do traumatismo de nascimento que Otto Rank propõe, em dado momento (anos 20), como estando na origem de qualquer problemática clínica, passando a ser o norte, o ponto de chegada inevitável de qualquer análise. Em Inibição, sintoma e angústia, escrito pouco depois de livro de Rank, Freud aproveita as idéias do autor sobre este "traumatismo", pondo-o como protótipo biológico da angústia, mas se movimenta e circula numa grande diversidade de questões. Não deixa margem para que a prática psicanalítica fique reduzida e toda ela orientada para a busca do traumatismo do nascimento — é isso que Freud chama tomar a parte pelo todo, parte que se reorganiza, forma um sistema fechado auto-suficiente, pobre, restrito, porque dispensa, sem mais, uma complexidade de idéias, com grande poder de discriminação necessária para pensar a diversidade dos problemas e as sutilezas que se apresentam na clínica psicanalítica. Se retomarmos a expressão de uma "ciência do inconsciente" como essa construção angustiante e precária e o movimento de estabilizar como movimento de resistência (ciência), no momento em que Melanie Klein traz desenvolvimentos que causam desestabilização, criando-se conflitos institucionais, surge quem diga que estes "não estão certos", que não são psicanálise porque não se coadunam com vários pontos "intocáveis" da obra de Freud, da "ciência" freudiana. O grande debate do início dos anos 40, na Sociedade Britânica, é o ponto alto desta reação.

Podemos aqui retornar à primeira pergunta, se era possível o debate entre diferentes correntes. Ele se torna impossível, como bem sabemos, no momento em que se transforma em embate pessoal: este será sempre violentamente passional, mas inútil. Às vezes, é preciso mais de uma geração para ultrapassar esses momentos, e para que se possa tirar proveito, recuperada a serenidade, destas inestimáveis contribuições. Lacan tornou-se um fenômeno de grande escala, aglutinando muitas pessoas em torno dele, em Paris, nos anos 60 e 70. No final, no auge da popularidade, por um momento o autor falou mais alto, ao dizer, irado, que sua obra estava perdida para "aquela geração". Já Winnicott não permitiu que isso acontecesse. Hoje há quem se diga winnicottiano, mas durante muito tempo não houve "winnicottianos" e ele se orgulhava disto. Por vezes, os "chefes", pela exacerbação de suas "falhas narcísicas", estimulam as idealizações e a formação de grupos fechados em torno de um sistema de idéias. Narcisismo é sempre coesão, unicidade, com exclusão do diferente, e por isso é resistencial. Em todo movimento narcísico, o pólo que resiste ao inconsciente é o Eu. Ali se torna impossível o debate, às vezes, até o convívio, quando uns querem eliminar os outros.

Felizmente, estamos em um momento da história da psicanálise na nossa Sociedade, especialmente em São Paulo, em que predomina o pluralismo e vamos aprendendo — é sempre mais fácil falar do que fazer — a conviver na diversidade de culturas psicanalíticas. A condição para que este convívio seja viável e produtivo é que ninguém se considere dono exclusivo de virtudes diferenciadoras, como a da seriedade e da profundidade em relação à psicanálise e à instituição, considerando os demais como ficando aquém disto. A modéstia e um certo humor em relação a si mesmo e suas idéias são seguramente ingredientes valiosos em um psicanalista; indicam, a meu ver, liberdade interior e sinceridade, pois são condizentes com o que realmente conseguimos e com o que não conseguimos no desafio desta profissão "impossível".

Esse é o verdadeiro pluralismo, que respeitemos as opções dos outros colegas. Alcançar um certo respeito e até uma curiosidade pelas opções do colega requer um certo esforço, contínuo, difícil, mas este tipo de desafio é o mesmo que nos é exigido junto a um paciente, na prática da psicanálise. Recentemente, no Rio, entrei numa sala em que havia um pequeno grupo, coordenado por um psicanalista americano e uma colega apresentando material clínico. Por sorte, entrei na sala certa: todos participamos bastante de uma discussão que, para além do caso, nos confrontava com diferentes maneiras de ver o timing das intervenções e concepções distintas sobre o que era favorável ou desfavorável num processo analítico. Houve disponibilidade entre os participantes para se ouvirem e irem formulando suas divergências e concordâncias.

Alice: No último congresso internacional no Rio também havia uma mesa com um junguiano, Marcio Giovannetti e Sonia Abadi. Foi muito interessante.

Menezes: Houve muito disso nos anos 80, época em que voltei para o Brasil. Promoviam-se com freqüência mesas com kleinianos, bionianos, freudianos e lacanianos. O ideal seria que nestas mesas os participantes não estivessem assim classificados, porque o rótulo já trazia um apelo narcísico negativo para cada um ficar em seu lugar e "defendê-lo". Foi nesta época e neste contexto que se formou o grupo Freud, rebento do Projeto Freud, que fora uma iniciativa do Junqueira (Departamento Científico), do Gimenez e do Luiz Meyer. O grupo se constituiu e passou a funcionar espontaneamente nesta ocasião.

Estamos, na SBPSP, estabelecendo acordos de intercâmbio regulares, anuais, com outras Sociedades, com encontros dos quais participarão colegas de ambas as Sociedades, todos tendo em comum apenas o fato de terem decidido participar para conversar sobre um material clínico e sobre psicanálise. Ou seja, sem convidados ou pessoas em posição de supervisor. Com isto, quem quiser participar vai encontrar-se ao lado de pessoas sem saber a que linha referencial cada uma pertence, sem cartas marcadas; cada um poderá aproveitar do encontro de forma isenta, sem prevenção, aproveitando do que lhe pareça interessante. Em maio de 2007, iniciaremos nossos encontros anuais com colegas da Sociedade Psicanalítica de Paris, no segundo semestre, vamos dar início ao intercâmbio com colegas da Associação Psicanalítica Argentina.

A reunião no Rio, em novembro (2006), em que entrei porque tinha um americano e entrei porque sou habituado a uma idéia pouco animadora sobre a psicanálise dos Estados Unidos — com o agravante que ele se chamava Bush... —, foi muito boa, o colega americano foi formulando suas idéias, assim como foi possível irmos formulando as nossas, de forma fundamentada em termos metapsicológicos. O preconceito foi para o espaço... apenas analistas discutindo sobre psicanálise com base num caso clínico e com idéias que podiam ir avançando à medida que conversávamos.

Beatriz: No final, nem parecia americano...

Menezes: Era totalmente americano e, no entanto, era psicanalista!

Beatriz: Várias vezes saiu publicado um artigo onde você se referiu a uma discussão, entre Luiz Carlos Junqueira, Luis Meyer e você, onde havia um pouco dessas cartas marcadas.

Menezes: Em 1985 apresentei, em reunião científica da Sociedade, um trabalho chamado "A histeria e o feminino, um caso clínico". Pouco tempo depois o Deodato Azambuja, então presidente da Sociedade, nos fez uma proposta para que fizéssemos, os três, um trabalho em conjunto, que seria o "relatório" da Sociedade para o Congresso Brasileiro — na época havia só quatro Sociedades e na abertura cada uma apresentava um trabalho "oficial" sobre o tema. O tema daquele congresso era "Novos avanços na psicanálise". O Deodato considerou que a discussão entre as escolas representava, naquele momento, um grande desafio e um avanço na psicanálise e propôs que nos reuníssemos, o Junqueira, o Luiz Meyer e eu, e trabalhássemos durante um semestre, tomando como referência o trabalho que eu tinha apresentado, trabalho que tinha a marca de uma cultura psicanalítica diferente da dominante na Sociedade (psicanálise da França), e que instaurássemos um debate em que o Junqueira representaria uma visão bioniana e o Luiz a kleiniana.

Veja que o que foi proposto consistia neste falar entre analistas a que me referi antes como uma dimensão constitutiva, desde os inícios, do pensamento psicanalítico que se faz, em última análise, sempre na forma de enunciados na primeira pessoa do singular, e não em enunciados impessoais sobre a realidade das coisas, como no discurso científico convencional.

Começamos nossas reuniões semanais, todas as segundas mas de um modo em que o pessoal de cada um estava de tal forma implicado, que ficou convencionado que os encontros se fariam rotativamente na casa dos três, e isto foi seguido à risca ao longo de todo o semestre. Apresentou-se como algo natural e inquestionável, absolutamente necessário, o fato de ser a cada vez na casa de um de nós. A casa de Junqueira era a bioniana, a minha casa era a franco-freudiana e a casa de Meyer era a kleiniana. Trabalhávamos muito por escrito, escrevendo nossa argumentação em numerosas páginas, em que prolongávamos a conversa da segunda e que nutriam o seu prosseguimento na segunda seguinte. Quando chegou o final do semestre, não queríamos parar, tal era a animação. Mas a realidade exigia que produzíssemos o "relatório" para o congresso que se avizinhava e o que saiu, comparado à vitalidade das conversas e a tudo que tínhamos escrito, nos pareceu bem acanhado. Ficou a experiência.

Jornal: Qual a contribuição ou papel de nossa instituição no cenário psicanalítico brasileiro? Há algo que dê unidade ou que possa caracterizar uma psicanálise brasileira, ou melhor, qual seria a identidade da psicanálise brasileira?

Menezes: Em relação à participação da Sociedade no cenário brasileiro e latino-americano, ela tem tido uma participação significativa, em colaboração com a ABP e as outras Sociedades. Neste último ano, procuramos intervir no sentido de dar maior representatividade e maior peso político à representação latino-americana no Conselho Diretor da IPA. Uma moção nossa (brasileira) acabou sendo aprovada por unanimidade em Lima (2006), estabelecendo que os representantes latino-americanos deverão trabalhar de forma articulada entre si, assim como com os dirigentes da FEPAL (Federação Latino-Americana de Psicanálise) e das Sociedades, que no Brasil dispõem da ABP (Associação Brasileira de Psicanálise) como órgão integrador (temos hoje doze Sociedades no Brasil e vinte e sete em toda a América Latina). Esperamos que as posições de nosso continente, nos pontos de convergência, se façam ainda mais presentes, influenciando positivamente os destinos da psicanálise na IPA e na América Latina.

Os europeus têm funcionado de uma forma muito eficiente e organizada. Seus delegados, mesmo tendo divergências, conversam com freqüência, acompanhando e avançando nas questões que debatem com os presidentes das Sociedades e com suas diretorias. As questões vão sendo processadas. Quando eles chegam para a reunião do Conselho Diretor ("Board"), uma por semestre, já vão com posições amadurecidas, consolidadas e com uma boa retaguarda nas lideranças societárias. É nesta direção que queremos evoluir, ainda mais que observamos mais convergência na América Latina, mas ainda insuficiente integração orgânica. Esperemos que a moção de Lima e a disposição dos dirigentes da FEPAL e das Sociedades para reforçar a integração em nossa "região" não tardem em dar bons resultados.

Ainda mais que estamos num momento em que o presidente da IPA é brasileiro. Note-se que este tem sido um dos mais ativos e hábeis presidentes que a IPA já teve, num período histórico em que urge prosseguir o processo de modernização e de democratização da Associação Internacional. Este vem restituindo vitalidade para um organismo que já esteve colonizado por bem poucos, assim como por certos pólos de poder nacional dos grandes centros por meio de sufocantes burocracias anônimas. Há cerca de duas décadas as atas das reuniões dos que ali mandavam eram secretas, assim como as decisões tomadas. Há um bom tempo os dirigentes (presidente, secretário, tesoureiro e sete representantes por continente) têm sido eleitos por voto universal e secreto. Em 2007, temos eleições.

Há resistências nesta evolução, uma mega-instituição mais do que qualquer outra tende à estabilidade. O desejável é ver a IPA ir se transformando numa sociedade democrática, quem sabe um dia com uma instância com a participação das Sociedades, deixando definitivamente para trás o tempo, não tão distante, em que foi uma entidade misteriosa, secreta, distante dos membros e de suas Sociedades, que enviam anualmente mais de dois milhões de dólares por ano para o funcionamento e os programas da Associação Internacional. As Sociedades recolhem e enviam o pagamento de seus membros, mas não têm qualquer poder instituído na IPA, porque não existem nos estatutos, embora na prática isto venha mudando. Nos estatutos existem apenas membros individuais, não as Sociedades. São cerca de onze mil membros e quatro mil candidatos, ou seja, cerca de quinze mil psicanalistas ligados, em todo o mundo, a esta Associação. Ainda são insuficientemente representativas as estruturas de participação, de decisão e de poder nesta grande Associação de Psicanalistas.

Por ser uma Sociedade que tem enorme anseio em querer progredir e avançar, a participação da SBPSP, que tenho acompanhado de perto, é grande. Esta Sociedade tem peso político e qualidade científica muito visível. Colegas nossos são freqüentemente chamados em diferentes cidades, Fortaleza, Brasília, Rio, Porto Alegre, Recife, etc.; é uma Sociedade que deu origem a duas Sociedades, a de Brasília e a de Ribeirão Preto.

A política de aproximação com outras Sociedades pode ser menos acanhada. Podemos ocupar mais espaço, não no sentido expansionista, e sim ao estarmos mais presentes trabalhando na medida do possível com colegas de outras Sociedades, o que nos permitirá conhecê-los melhor e conhecer-nos melhor.

Note-se que a APA tem um acordo de intercâmbio semelhante ao que vamos agora começar com a SPP, desde 1997, com a Sociedade Italiana, com a Sociedade Uruguaia e, há cerca de quinze anos, com a Sociedade Britânica. Em todo este tempo, psicanalistas ingleses e franceses vêm encontrando-se regularmente, em seus países, para discutir, com base em material clínico, problemáticas e desafios da psicanálise.

Alice: Aqui começou com Ferrari.

Menezes: Sim, e isto é muito bom. São encontros em torno da obra e da pessoa de um analista. Tem havido encontros muito bons, o último grande, internacional foi em São Paulo, o próximo será em Roma, no ano que vem, em torno da inspiração clínica do pensamento de Bion. Já os acordos de intercâmbio a que estou me referindo são acordos entre Sociedades, sem referência a priori a autores. São iniciativas que vão na mesma direção, com esta diferença. Uns não excluem os outros. Há muitas modalidades de encontros científicos interessantes.

Falou-se sobre a psicanálise brasileira. Eu não sei se há hoje uma característica especial, bem definida, da psicanálise no Brasil. Não tivemos ainda analistas de renome internacional, o que não quer dizer que não tenhamos uma boa psicanálise.

Tivemos o Fabio Herrmann, que acabamos de perder, que teve grande importância. Nós todos trabalhamos muito. Em uma reunião recente sobre um caso clínico (discussão do relatório de um candidato), fiquei encantado com a qualidade da discussão. Um primor. Havia quarenta e cinco colegas presentes, muitos candidatos, e um número muito significativo de intervenções da melhor qualidade. Dizer que já temos uma escola brasileira de psicanálise parece-me um pouco cedo. Não temos estrelas, mas é visível que temos um caldo de cultura psicanalítico promissor e as pessoas que vêm de visita ficam bem impressionadas pela qualidade dos casos apresentados e das discussões em reunião científica.

Para isso, são importantes estes contatos regulares com as outras Sociedades, para irmos sentindo o que temos em comum, vendo o que conseguimos avançar e pensar na troca com colegas de outros horizontes, e o que temos de particular. Isolados, corremos o risco das megalomanias compensatórias, o que não é bom. O bom é ir vendo que podemos abrir a boca e falar, e que se não estamos dizendo nada de genial também não estamos dizendo nenhuma bobagem; ora, não vejo ninguém dizendo nada de genial neste momento em psicanálise. É sem dúvida o que veremos nas ocasiões de trocas com colegas ingleses, franceses, americanos ou de outros países latino-americanos. Fabio tinha a preocupação que perdêssemos nossos "complexos", como analistas de países subdesenvolvidos. Acho que estamos perto disto.

Jornal: Como você vê a clínica contemporânea? Há, como propõe Júlia Kristeva, "novas doenças da alma"?

Menezes: Eu a vejo muito presente nas falas dos trabalhos analíticos, talvez mais do que na minha clínica. O que vejo são novas realidades. Lembro uma paciente cujo perfil tem a ver com as condições atuais do sistema econômico e produtivo. Era uma executiva de sucesso, de uma grande firma internacional, consciente de que sua atividade profissional fora toda movida pela preocupação em afirmar-se aos olhos da família e dos outros em geral, dos outros anônimos, como compensação para uma incerteza narcísica básica. Ela o via com clareza quando me procurou, dizendo: "Viajo, vou para o Japão, para grandes capitais do mundo, sou trasladada do aeroporto para um grande hotel, todos iguais; lá eu fico e quando termino sou trasladada para o aeroporto e faço horas de viagem apertada num avião; essa é minha vida, mas eu queria ter marido, amor, filhos". Diz que há quinze anos levava esta vida, pensando que as pessoas deviam ficar impressionadas com estas grandes e freqüentes viagens e com o prestígio das firmas em que trabalhava. Seu namorado, europeu, também era um executivo das multinacionais e vivia nas diferentes capitais européias. São pessoas globalizadas, pegas nesse mundo da economia altamente internacionalizada. Não sei se são piores ou melhores, mas o fato é que ela não tinha hora, vida própria, trabalhava até as três da manhã, e no dia seguinte tudo recomeçava, onde quer que estivesse.

Ela não queria mais isso, estava com trinta e seis anos, queria sair da firma dela, mas isto era visto simplesmente como um suicídio porque o cargo que tinha era importantíssimo, de causar inveja em qualquer um. Ora, em algum país da Europa, há pouco tempo, manifestou ao namorado, superexecutivo, o desejo de casar e ter filhos, num momento em que ela tinha renunciado a um emprego. O namorado ficou apavorado com esta idéia um tanto absurda a seu ver, e caiu fora. Foi um abalo enorme para ela, só que, como boa executiva, limitou-se a uma implosão silenciosa.

Ela colocou o tailleur e foi em frente para o novo emprego "importantíssimo" em que estava quando me procurou. Ela veio buscar análise por isso: queria viver e o tempo estava passando e não estava vivendo a vida que queria. Ficou um tempo em análise e nesse tempo reencontrou um amigo de Londres, também deste universo. Eram velhos amigos e ela foi visitá-lo em Londres; deu liga entre eles. Ele tinha abandonado as atividades em empresas e trabalhava numa pequena loja. Ao voltar destas (curtas) férias em Londres ficou sonhando que algo "rolasse" entre eles, mas morria de medo de querer isto, porque não sabia como seria, se ela tinha alguma chance, se ele não se esquivaria. Mas, happy end, acabou dando certo, depois de muita tortura "curtida" na análise. Ele veio visitá-la e ela preparou com requintes de detalhes o passeio que faria com ele. Deram-se muito bem; era tudo o que ela queria. Omito muitos momentos analiticamente significativos que me ocorrem, formações sintomáticas, etc. O fato é que ela pediu demissão de seu trabalho e foi para Londres viver com ele.

Eu tenho dificuldades com este assunto das "novas doenças da alma". Não vejo nada mais diferente de um caso clínico que outro caso clínico em análise. Ao mesmo tempo, há tipicidades, porque comparamos os casos.

Fala-se também, com pertinência, das rarefações do compromisso com o outro através de mediações culturalmente assimiladas e integradas que o sustentem, que o inspirem, que o simbolizem e o instaurem.. O medo da minha paciente cujo namorado vivia na Inglaterra era: será que havia um compromisso com os sentimentos, com os afetos, com o outro? Não podia dizer uma coisa para o outro e dali a dez minutos desdizer o que tinha dito. Pode-se desfazer o compromisso com o outro, mas isto implica dor. Ela ia sozinha fazer supermercado, à noite no sábado, e as lágrimas corriam dos olhos, sem ela saber por quê. Esta análise serviu para ela poder saber o quanto tinha sido machucada pelo namorado que caiu fora (a implosão silenciosa) quando ela lhe propôs casarem, terem filhos e formar uma família. Ora, isto implicava compromissos afetivos profundos e de longuíssimo prazo — filhos!!

Tudo isto só adquiriu pleno significado dentro da análise porque ela não tinha registro do que tinha se quebrado nela no "não" asséptico do primeiro namorado. Na microcultura em que viviam, não havia lugar, registro, para que tomasse corpo o sentimento doloroso diante do "não" vindo de um lugar oco, ali onde ela esperava a resposta de um homem ao seu desejo, aos seus projetos com ele. Não era só porque ele não queria, mas porque parecia que não cabia ela querer.

Mas as coisas na análise são complicadas. Além das referências da cultura empresarial hiperdinâmica, havia as familiares... "desde a infância". Os pais dela — de origem alemã — em nome do respeito à privacidade nunca perguntavam nada. Ela queria reencontrar carne, vida. Cada um tinha liberdade, mas era uma liberdade estratosférica, no espaço, no vazio, onde o vínculo com o outro ficava demasiado discreto. Um dia, durante a análise, os pais foram buscá-la no aeroporto e ela, além da mala, levava consigo uma caixa enorme, que tiveram dificuldade para acomodar no carro. Os pais, sempre muito respeitosos, nada perguntaram sobre o estranho volume, que era um presente para eles. Ela lhes disse, irada e com humor: "Não vão perguntar nada sobre esta caixa? Deviam, pois tem o cadáver de uma pessoa que eu matei e cortei em pedaços. Trouxe para vocês me ajudarem a dar um fim nisto".

A prática psicanalítica por sua própria natureza vai a contracorrente de qualquer cultura do descompromisso. Quando um analista aceita um analisando, se dispõe a ir muito longe com ele, a acompanhá-lo para o que der e vier no processo de análise. Além de acompanhá-lo em seus labirintos, em seus impasses, será fiel também na preservação do compromisso de estar ali, esperando por ele, nos horários e dias combinados. Nisto, nossa prática está, de fato, totalmente a contracorrente desta característica, exacerbada em certos meios, a do descompromisso, a do que acontece sem acontecer.

Existem realidades culturais que estão em transformação e em que medida elas induzem a novas patologias, depressões, patologia do vazio, borderline, aumento de distúrbios alimentares, pânicos, não estou em condições de dizer. Sei que dessas patologias se falava muito nos anos 70 e, mesmo, décadas antes. A chamada síndrome do pânico foi descrita minuciosamente pela primeira vez por Freud em artigo de 1895 sob o nome de neurose de angústia. Sua teoria, neste artigo, era que esta decorria de um excesso de excitação e insuficiência de representações psíquicas para dar um sentido, para "ligá-la". O que chamaríamos hoje de simbolização. Nenhuma delas apareceu agora.

Algumas tornaram-se mais freqüentes? É possível. Ou, como uma explicação que vi na tese de Nora Miguelez recentemente, corresponderiam a entidades clínicas induzidas pelos novos sistemas classificatórios da psiquiatria atual? Pode ser. A verificar. O fato é que há números inteiros de revistas dedicados à clínica do vazio, às patologias "as if" (Helen Deutsch), à descrição do falso-self, nos anos 50, 60. Falava-se também bastante da anorexia mental. A clínica é variada e não tenho mais elementos. Muitas referências clínicas clássicas, sejam de Freud, Ferenczi, Melanie Klein, Bion, Lacan, todos os grandes autores, seguramente oferecem elementos que permanecem de grande valia para nosso trabalho clínico.

Jornal: Na Revista de Psicanálise da Associação Psicanalítica Argentina, de 1973, José Bleger censura a prática política nas instituições psicanalíticas nos seguintes termos: "Escolham a política. Abandonem a psicanálise". O que pensa deste anátema?

Menezes: É muito importante trabalhar na política institucional com o intuito de criar condições para desestabilizar núcleos mais resistentes à possibilidade do psicanalista ser em sua singularidade.

São núcleos de poder que tendem a abolir as singularidades; pior do que isso, eles podem criar um clima institucional que influi sobre o modo como o analista trabalha com seu paciente. Se na instituição predominarem núcleos de poder muito rígidos, estes poderão induzir uma atitude de poder dos analistas com seus pacientes, junto aos quais acabam por mostrar-se mais comprometidos com o sistema teórico-ideológico cristalizado no núcleo de poder institucional que com os inesperados e com as particularidades de cada análise.

A problemática narcísica sempre tem a ver com questões de poder e as questões institucionais passam por questões de poder e de saber. É nefasto um sistema referencial, que não podemos nem chamar de teoria, algo como uma montagem teórica rigidificada que passe a ter uma função de ideal na instituição ou sobre parte dela. Será esmagadora para a liberdade de iniciativa, para a originalidade de pensamento e de linguagem indispensáveis para a prática da psicanálise.

Cada um tem sua maneira de falar e é preciso preservá-la. Quando Pontalis se queixa da força de atração, do efeito Lacan, é que as pessoas ficavam muito encantadas com ele. Lacan disse coisas importantíssimas, muitas delas não foram consideradas até hoje em muitos meios; por outro lado, tinha um poder de sedução fenomenal e as pessoas se deixavam conquistar. Pontalis faz, num livrinho autobiográfico, um paralelo iconoclasta e brincalhão, entre Lacan em seus seminários dos anos 60 e um hipnotizador da época que atraía muita gente para seus espetáculos no teatro Olympia, um teatro bem popular de Paris.

Alice: Ele menciona isso na entrevista que traduzi para um número do Jornal.

Menezes: Ele voltou a falar? Então ficou mesmo marcado. O título do livro a que me referia é O amor dos começos. Ele escreve também ali, falo de memória e num apanhado de conjunto, que sua dívida com Lacan, tanto pessoal — ele foi analisando de Lacan — como teórica, era imensa. Mas o retorno a Freud do Lacan, escreve ele, era a ida a Lacan sem retorno. E avança a idéia de que toda questão de poder seja quiçá uma questão de linguagem. Junto a Lacan ele temia perder a sua linguagem, o seu jeito de falar, de escrever, até o seu jeito de ser. Essas capturas acontecem rapidamente.

A coisa mais importante nas instituições é evitar ou pelos menos lutar contra esses efeitos; nesse sentido Bleger foi alguém que, pelo que sei, nunca se calou.

Jornal: Num capítulo de seu livro Fundamentos de uma clínica freudiana, em contraposição às "várias psicanálises" você enfatiza a importância da unidade do campo psicanalítico como "campo heterogêneo que incita os psicanalistas a conviverem com as obscuridades, as ambigüidades, as conceituações que seu objeto exige". Em que medida esta afirmação, de certa forma unicista, poderia ser considerada um amálgama que afastaria o temor de uma ruptura institucional? Ou em que medida ela expressaria a idéia de que algo garante a unidade da psicanálise? E neste caso, o que seria?

Menezes: A idéia era evitar que no debate sobre as escolas se "tomasse a parte pelo todo" como pretexto resistencial. Aconteceu-me ter em supervisão colegas que, ao terem que se haver com dificuldades pessoais maiores que o habitual em seu trabalho clínico, alegavam que o problema que estava havendo era de sermos "de linhas diferentes". Situações em que este argumento não me convenceu. Eu acompanhava pessoas em supervisão de "outras tendências", com linguagens diferentes das que me eram mais habituais para falar de suas sessões e de seu paciente, e isto não me impedia de perceber o trabalho do analisando com o analista, assim como as eventuais dificuldades para que pudéssemos falar delas. As "linhas" eram evocadas de forma defensiva, para não ter que se haver com dificuldades pessoais.

No debate eu defendia este "unicismo", mas interessado pela preservação da heterogeneidade de nosso campo. Um campo heterogênio, cheio de restos e de obscuridades, problemático e no qual as dificuldades não tinham que ser escamoteadas, nem contornadas sob o pretexto de ser de "outra linha": tinham que ser interrogadas, tinham que pôr o nosso pensamento em tensão produtiva.

Havia um debate entre os que diziam que existiam várias psicanálises, bastante freqüente na época, e eu me coloquei, de fato, francamente e muito insistentemente defendendo a posição contrária. A pergunta era e é: "Em que bases você pode afirmar que esta intervenção, este ato, este processo é psicanalítico?".

Não dá para perder a referência ao inconsciente. Podemos usar outras palavras além de inconsciente. Freud nunca encontrou o inconsciente como a América foi "descoberta", ele usou esta palavra para dar conta de certas coisas. Encontrou a resistência, isto sim, o analista encontra a resistência e isto era uma das três coisas que caracterizava o campo da psicanálise — a sexualidade infantil, a resistência e a transferência. Eu vejo a unidade da psicanálise nesta tensão — própria de "uma ciência do inconsciente" —, e, sempre que essa tensão operar e não houver o triunfo resistencial da "ciência" sobre a "não-ciência" ou "o inconsciente", estaremos num momento fecundo.

Neste sentido, é extraordinário que depois de alguns colegas terem entrevistado postulantes nos processos de seleção (participei de muitos, tanto no Sedes como aqui na Sociedade), colegas com percursos pessoais muito distintos na vida e na psicanálise, ao se reunirem, têm uma sólida convergência de opiniões favoráveis ou desfavoráveis à grande maioria dos entrevistados. Aí está a "unicidade" na prática: se não fossem psicanalistas, não creio que encontrassem esta mesma sintonia.

É na experiência prática dos contatos com os colegas que eu vejo "uma única" psicanálise e o cuidado para não se usar a multiplicidade de uma forma defensiva, onde uma das defesas seria a clivagem. Se um colega me interpela sobre alguma coisa que digo, que me é útil para pensar o meu trabalho, eu tenho que poder dar conta em algum momento, falar, explicar-me sobre aquilo que penso, com a condição de encontrar disponibilidade interior para isto no outro.

Marta: Há uma parte na pergunta em questão que diz respeito a um possível fantasma de ameaça ou temor da ruptura institucional. O que você tem a dizer sobre isto?

Menezes: Na nossa Sociedade? Não, eu não tenho esse medo. Acho que na nossa Sociedade ninguém quer romper. Tem uma coisa boa de fundo. Talvez as pessoas saibam, em algum lugar, que, se elas cindirem, no dia seguinte começarão as brigas no grupo que cindiu. Vão ficar muito felizes durante uma semana em lua-de-mel e depois vai começar, devagarzinho, a lua-de-fel. Melhor uma grande Sociedade pluralista. O monoteísmo é mais opressivo que o politeísmo, nos ensinou Nietzsche.

Leda: É importante poder conviver com as diferenças.

Menezes: Diferenças sempre existirão porque a maneira como você vai entender o pensamento de Fabio não vai ser a mesma maneira da Alice, se a referência for o Fabio ou outro autor ao qual vai se referir naquele momento. Os lacanianos brigam muito entre si para saber qual é "o Lacan certo".

Leda: Nesse sentido, segundo Fabio — seria importante lembrar a proposta dele —, se estamos trabalhando com o método psicanalítico, a teoria não é o ponto de partida, mas de chegada ou de construção. As teorias vão sendo construídas na clínica, junto com os pacientes.Nesse sentido é importante ler todos os autores, ter contato com o pensamento clínico dos diversos autores.

Menezes: Isso está dentro das perspectivas de Freud e das coisas que eu disse aqui. Vocês fizeram uma pergunta na qual mencionaram a expressão "ciência do inconsciente". Eu nunca me detive nela, por nada poderia imaginar que ela surgiria aqui, mas peguei-a entre tantas outras coisas e comecei a usá-la, ludicamente, ao flagrar o paradoxo que está nela, entre um saber que se constitui como discurso geral sobre as coisas (ciência) e um... inconsciente, fugaz, radicalmente singular, disruptivo, que surge como emergência (no duplo sentido, eventualmente); tensão, pois, entre o estabilizado e o desestabilizado, o desestabilizador. Se me der na telha de usar isto algum dia, é provável que saia amortecido, meio requentado. Teve valor ao surgir no contexto desta conversa.

Alice: Ou como reverberou em você a idéia da ciência do inconsciente.

Menezes: Você citou várias coisas e eu nem fiquei no conjunto da formulação, mas esta oposição foi operando e produzindo um efeito. É diferente se eu viesse com a idéia de que o importante é o método, como eu vejo por vezes colegas repetindo o Fabio; o lugar do avanço em análise se torna facilmente sintoma, ponto de impasse. Lacan é impressionantemente disruptivo. O discurso de Lacan é muito fino, refiro-me aos seminários, aquela fala requintada, ele vai ao miolo das coisas, desestabiliza, é um pensamento muito agudo e produz aberturas para o inconsciente, rompendo com áreas estabilizadas da "ciência psicanalítica" da forma a mais fecunda. No entanto, pode ir sendo apropriado coletivamente de forma reestabilizada, uniformizada. Ele é um crítico, como o Fabio foi um crítico o tempo todo. Mas, quando a crítica, o humor, "a sacada da hora", se transforma em sistema...

Alice: O próprio Fabio acusava isso.

Menezes: Acusava, mas isto não impede que coisas assim tendam a acontecer. O Fabio teve essa capacidade crítica. Mas se você fica falando em método, ruptura de campo, e não pode dizer nada sem usar a palavra "método", as coisas começam a patinar. Quando a gente tem um jeito de pensar, nunca consegue dizer uma coisa com as mesmas palavras. O "paradoxo" que resolveu nos acompanhar nesta entrevista ("ciência do inconsciente") é contemplado na potência crítica dos autores. O próprio Freud, que, segundo D. Ornston, "zomba sutilmente de seus grandes modelos" e persuade justamente "porque nunca parece tomar uma mesma perspectiva por muito tempo"...

A produção teórica regida pela ansiedade narcísica busca constantemente a coesão, a unidade, a aderência por parte dos outros, sem esta margem de humor, que sempre encontramos no Fabio conferencista e no Fabio escritor. Uma das coisas boas para se guardar de Fabio é, antes de mais nada, o humor. Uma certa liberdade interior é condição para o humor, sabemos bem disto.

Jornal: Que outras questões, referentes à clínica, você gostaria de colocar ainda?

Menezes: É nosso desejo — há uma ansiedade em relação a este assunto na Sociedade — abrir uma discussão em 2007, uma discussão que esperamos seja profunda e radical, sobre a análise do analista em nosso sistema de formação.

Todos os analistas estão de acordo que viver uma análise é a condição principal para que alguém exerça o ofício de analista. Ferenczi foi sublinhando cada vez mais, na medida em que encontrava regressões severas nas análises de seus pacientes, que o analista precisava poder "funcionar", em momentos críticos e decisivos, de acordo com possibilidades que ele só podia alcançar pela própria análise. Daí a sua insistência crescente em que o analista levasse o mais longe possível a própria análise.

A dificuldade é que há uma contradição entre uma análise para valer de quem se torna analista e a presença da instituição que quer ter garantias a respeito desta.

Durante muito tempo, o analista didata decidia, a partir da análise, sobre as etapas que o seu analisando ia percorrendo no Instituto de formação. Esta prática, pela qual a instituição buscava garantias sobre a análise do analista, foi, durante décadas, bastante contestada, pois, ao querer garantir-se desta maneira, a instituição interferia no processo analítico, provavelmente inviabilizando-o. Esta prática foi sendo abandonada. Mas fica a pergunta: que coisas podem ser modificadas no sentido de a análise do analista sofrer o mínimo possível dos artefatos introduzidos nela pela presença da instituição, com suas normas regulamentares, por definição, extra ou antianalíticas?

Há hoje um debate no mundo inteiro sobre este assunto dentro das instâncias dirigentes da IPA, associação à qual estamos vinculados. Este debate, naturalmente, vem acompanhado de luta política pela disputa de posições de poder dentro desta megainstituição, de tradição fortemente oligárquica, onde predomina o tráfico de relações de "amizade" em detrimento de instâncias democraticamente representativas, ou seja, constituídas por mecanismos eleitorais. Houve um progresso importante nas últimas duas décadas com a instituição da eleição direta para presidente, secretário e tesoureiro da IPA e dos sete representantes por continente. É até onde foi possível ir até o momento.

Quanto ao debate sobre a análise de formação, os integrantes da Diretoria da IPA, o chamado "Board" (um pouco mais de duas dezenas de pessoas), chegou a um acordo laborioso no recente congresso que se realizou no Rio de Janeiro, ao reconhecer outros dois "modelos", além do assim chamado modelo Eitingon (nome do primeiro diretor da Policlínica de Berlim, criado em 1920). É como foram batizadas as normas para a "análise didática" que, pelo que sei, foram estabelecidas na forma atual lá pelos anos 70 ou algo assim, e que têm como pivô de sua definição a freqüência semanal de sessões: mínimo de quatro. Seria interessante se pudéssemos saber em que contexto de política interna da IPA foram criadas.

O outro "modelo" reconhecido foi o francês. Embora tenham sido estabelecidos no início dos anos 70 na Associação Psicanalítica da França (APF) sob a liderança de Laplanche e Pontalis, os princípios por eles adotados sobre a análise do analista somente agora, trinta e cinco anos depois, foram oficialmente reconhecidos sob o nome de modelo francês. Na verdade foram sendo paulatinamente adotados também pela outra Sociedade, bem maior em tamanho, a Sociedade Psicanalítica de Paris (SPP). Em que consiste: na abolição da prática da análise sob controle institucional, assim como da figura do analista didata.

Ao ser admitido para a formação, é condição que o pretendente esteja e tenha estado em análise há muito tempo (não importando o nível hierárquico, nem a instituição à qual é ligado o seu analista). As entrevistas são centradas em estabelecer se o pretendente viveu e está vivendo um processo analítico no qual esteja ou tenha estado vitalmente implicado. Será então aceito para iniciar a primeira supervisão. As supervisões são por tempo ilimitado e toda a exigência sobre a competência analítica do pretendente admitido são centradas sobre as análises em que ele trabalha como analista e que são seguidas semanalmente por um supervisor. Há uma estrita hierarquia na instituição: não há didatas, porque não há análise didática, mas há os analistas titulares e as supervisões são conduzidas por titulares e avaliadas por um comitê de titulares. Não é raro que sejam recusadas.

O terceiro modelo reconhecido foi o chamado modelo uruguaio. Mais difícil de descrever, valoriza a regressão durante a análise didática, que, no que diz respeito à freqüência, pode ser de três sessões por semana, havendo um cuidado para que os analistas didatas não tenham um excesso de poder na instituição.

O fato é que este reconhecimento de que não há um único modo de considerar a análise do analista na IPA foi um progresso muito grande, pois abre para a possibilidade e é um apelo à responsabilidade em que cada instituição se responsabiliza, com base em sua experiência, em refletir sobre o modo de dar conta do difícil problema da análise do analista em sua relação com a instituição.

Há consenso sobre a necessidade da análise do analista, sobre a prática das supervisões e, naturalmente, sobre a necessidade de estudar em seminários, buscando nos textos a sua raiz e seu alcance para a prática clínica. Nos seminários, nas supervisões, o analista estará sempre, como eu disse no início, falando com outros analistas. E não somente no período de formação mas, eventualmente, a qualquer momento, independente de fase da vida profissional, o psicanalista busca com quem falar de sua clínica. Isso me acontece, eu procuro pessoas para falar. Há colegas da minha idade que também me procuram, dizendo que precisam dar uma arejada em sua clínica.

Freud teria dito que é desejável que a cada cinco anos um analista retome sua análise. Claro que isto não tem sentido tomado ao pé da letra, e sim como algo a ser feito de vez em quando, ao sentir necessidade. Porque análise, sabemos bem disto, não se encomenda. O tempo que conta é o tempo da intimidade de cada um.

A análise didática foi criada para dar segurança à instituição sobre a análise do analista, estando a serviço da busca da estabilidade e das garantias de que toda instituição precisa. Encontra-se mais do lado da "ciência" do que do "inconsciente". O inconsciente é um estranho no ninho em uma instituição. Para esta, seria melhor que não houvesse inconsciente, este atrapalha, não há o que fazer com ele quando se quer organizar as coisas. Sendo único, singular, inesperado, surge onde menos se espera, não é codificável, não é regulamentável, é disruptivo. Como vai se pôr no regulamento do inconsciente... eu ia dizer, do Instituto? Nossa, que lapso! (Esse lapso tem que sair na revista, veio atrapalhar... tem a marca do inconsciente....)

Marta: Nesse sentido Bleger assinalou a controvérsia e disparidade entre o homem psicanalista e o homem político, aí está o anátema. A censura do homem político jamais poderia ser o homem psicanalítico e vice-versa.

Menezes: Nós pegamos isto de outro modo... Eu não conheço o contexto em que isto foi formulado por ele, mas não faz mal, a linguagem permite ir girando. O político é "o homem do castelo" (refiro-me ao Castelo de Kafka). É muito interessante porque essa sua observação permite reafirmar que o político está preocupado com o poder, por definição, buscando uma posição de poder, seja para realizar alguma coisa que ele acha que é boa, para promover alguma coisa estavelmente estabelecida ou modificá-la.

Leda: No mesmo ato ele pode ser ambas as coisas.

Menezes: Se ele for um político que está lutando pelo poder, estará do lado da ciência: defenderá uma psicanálise unicista, no mau sentido, unicista homogênea, ou seja, algo que se possa controlar, que se possa regulamentar. Vai se situar na perspectiva de uma clarificação em que todas as peças se encaixem. O sonho político seria a psicanálise como um saber que fosse o mais ciência possível, sua transmissão sendo feita sob impecável controle de maneira a garantir a "excelência" do formando. É o que chamo de psicanálise por metro, quantas sessões, quanto tempo, se estabelece "quanto". Quanto mais, maior a "excelência" da formação.

Seja como for, há o lado ciência na psicanálise e a instituição tem de ter alguma garantia de que o analista se embrenhou numa análise para valer. Mas como ter uma garantia que alguém se embrenhou numa análise para valer? Tenho ouvido de candidatos: "Nós sabemos quem entra em análise e quem não entra". Eles estão se referindo, suponho, ao processo de análise, não à freqüência de sessões, ou seja, a quem está envolvido com sua análise, e quem está envolvido, pondo a sua vida em jogo ali.

Voltando aos três modelos que a Diretoria da IPA reconheceu no Rio, há quase dois anos, diz-se que cada Sociedade deverá se ater a um deles. São eles: análise didática quatro vezes por semana (Eitingon), análise didática três vezes por semana (uruguaio) e sem análise didática, o analista fazendo a sua análise independentemente da instituição (francês). Dentro desse leque de possibilidades, pode-se imaginar que cada instituição tem a liberdade de construir seu próprio "modelo". A única coisa que pedem — isto é bem razoável — é que o sistema de formação seja solidamente fundamentado. Temos, em nossa Sociedade, uma rica e profunda experiência de formação analítica e de prática da psicanálise. Vamos pensar com base nesta experiência. É para isto que queremos organizar em 2007 um Congresso Interno e abrir uma reflexão de qualidade, que, desejamos, consiga ser profunda e ousada. Pensamos que isto corresponde ao desejo de muitos dentre nós. Talvez, retomando para concluir a expressão ciência do inconsciente, possamos pensar em nossa instituição em maneiras mais flexíveis de tratar a questão da análise do analista em que possam ser levadas em conta situações pessoais, abrindo um pouco mais de espaço para o inconsciente.

Por isto, disse que o inconsciente é difícil porque não dá para regulamentar, não dá para se ter uma norma que o enquadre. É preciso confiar muito na seriedade e na sensibilidade, na competência analítica das pessoas que trabalham. Se uma pessoa teve, por exemplo, doze anos de análise ao chegar para a formação, não se teria que ver de perto se esta pessoa, no momento, está querendo continuar a sua análise, se quer começar outra, ou não? São coisas muito difíceis, mas é com isto que trabalhamos em nossos consultórios; podermos refletir junto sobre tais problemas poderia ser de grande valia para o rigor e a qualidade analítica de nossa instituição e de nossa formação. São coisas que levam anos de maturação, mas não podemos ficar imobilizados pelo medo e pelos tabus

Muito obrigado pela paciência, decididamente não consigo ser sintético quando quero dizer algo que me parece importante.

Jornal: Nós é que agradecemos por esta entrevista.

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