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Jornal de Psicanálise

Print version ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.39 no.71 São Paulo Dec. 2006

 

REFLEXÕES SOBRE O TEMA

 

Pierre Fédida e a atualidade dos modelos freudianos: evolução da teoria e prática psicanalítica1

 

Pierre Fédida and currant freudian models: evolution of theory and practice in psychoanalysis

 

Pierre Fédida y la actualidad de los modelos freudianos: evolución de la teoría y de la práctica

 

 

Sandra Lorenzon Schaffa*

Membro Efetivo e Analista Didata da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A autora traça uma linha de reflexão diante do problema da evolução da teoria e prática psicanalíticas baseada na experiência freudiana considerada, não como um corpus teórico sistemático, mas como um texto que se oferece para o analista como oportunidade de se deixar interrogar a partir de sua análise e de sua clínica. Desse ponto de vista, a descoberta da teoria pelo analista decorre de uma disposição freudiana frente ao conhecimento: realizar um trabalho, não só de elaboração (Verarbeitung), mas de perlaboração (Durcharbeitung). Reconhece na obra de Pierre Fédida um caminho de exploração do poder heurístico da situação analítica como recurso de ampliação da especificação técnica da psicanálise. Pierre Fédida não se restringe à estabilidade dos conceitos metapsicológicos, dirige-se a uma avaliação dos recursos de plasticidade dos modelos que a clínica psicanalítica pode desenvolver. Explorando o terreno das patologias que exibem características de uma função do negativo, interessa-se pela negatividade do sintoma considerando-o a partir das operações psíquicas elementares (identificação, projeção, transferência) implicadas na composição (intrinsecamente teórica) do sintoma. A discussão de um fragmento clínico, um exemplo de reação terapêutica negativa, serve como ocasião para apreciar o trabalho transferencial do sintoma onde sua função negativa envolve a possibilidade de desenvolvimento técnico. A legibilidade das marcas sedimentadas a partir da formação do sintoma deve-se à condição encontrada pelo analista de se deixar transformar pela ação negativa do sintoma. A reação terapêutica negativa traz em seu bojo a questão da negatividade pela qual se constitui o interlocutor das transferências na situação analítica (Fédida) e reencontra o ponto de vista freudiano de que o psíquico só é observável dentro de uma visão metapsicológica que concede linguagem ao sintoma.

Palavras-chave: Reação terapêutica negativa, Formação de sintoma, Perlaboração, Teoria psicanalítica, Progresso terapêutico.


ABSTRACT

The paper reflects on the evolutionary problem of psychoanalytical theory and practice based on Freudian experience considered, not as a systematic theoretical corpus, but as a text offering the analyst an opportunity to be interrogated from his personal analytic experience and clinical practice. From this point of view, the unveiling of the theory by the analyst departs from a Freudian disposition regarding knowledge: the analytical theory as a result of working, not only working-over (Verarbeitung), but working-through (Durcharbeitung). Pierre Fédida's work is recognized as a fertile path (Weg) for exploring the heuristic power of the analytic situation as a resource of amplification of technical psychoanalytic specification which does not restrain itself to the stability of metapsychological concepts but leads to flexible psychoanalytic clinical models. Exploring the pathologies showing characteristics of the negative function, Fédida is interested in the symptom's negativity, considering it from the perspective of elementary psychic operations (identification, projection, transference) in constituting (intrinsically theoretical) the symptom. The discussion of a clinical fragment, an example of a negative therapeutic reaction, demonstrates the symptom's transferential work where its function of negativity is a possibility of technical expansion. Due to the analyst's condition of allowing herself to be transformed by the negative action of the symptom in transference, the access to legibility (readability) of sedimented marks might arise from symptom formation. The negative therapeutic reaction brings the issue of negativity which constitutes the transference's interlocutor (Fédida) in the analytic situation and is consistent with Freud's view that the psychic is not observable unless by a metapsychological vision which delivers to the symptom the condition of language.

Keywords: Negative therapeutic reaction, Symptom formation, Working-trough, Psychoanalytical theory, Therapeutic progress.


RESUMEN

La autora apunta una línea de reflexión ante el problema de la evolución de la teoría y práctica psicoanalíticas basada en la experiencia freudiana, la cual considera, no como un cuerpo teórico sistemático, sino como un texto que se ofrece al analista como oportunidad de dejarse interrogar a partir de su análisis y de su clínica. Desde este punto de vista, el descubrimiento de la teoría por parte del analista resulta de una disposición freudiana ante el conocimiento: realizar un trabajo, no sólo de elaboración (Verarbeitung), sino de perlaboración (Durcharbeitung). Reconoce en la obra de Pierre Fédida un camino de exploración del poder heurístico de la situación analítica como recurso de ampliación de la especificación técnica del psicoanálisis. Pierre Fédida no se restringe a la estabilidad de los conceptos metapsicológicos, sino también se dirige a una evaluación de los recursos de plasticidad de los modelos que la clínica psicoanalítica puede desarrollar. Explorando el terreno de las patologías que exhiben características de una función de lo negativo, se interesa por la negatividad del síntoma considerándolo a partir de las operaciones psíquicas elementales (identificación, proyección, transferencia) involucradas en la composición (intrinsecamente teórica) del síntoma. La discusión de un fragmento clínico, un ejemplo de reacción terapéutica negativa, se presenta como una oportunidad para apreciar el trabajo transferencial del síntoma donde su función negativa envuelve la posibilidad de desarrollo técnico. La legibilidad de las marcas sedimentadas a partir de la formación del síntoma se debe a la condición encontrada por el analista de dejarse transformar por la acción negativa del síntoma. La reacción terapéutica negativa trae en su seno la cuestión de la negatividad por medio de la cual se constituye el interlocutor de las transferencias en la situación analítica (Fédida) y reencuentra el punto de vista freudiano de que lo psíquico sólo es observable dentro de una visión metapsicológica que concede lenguaje al síntoma.

Palabras clave: Reacción Terapéutica Negativa, Formación de Síntoma, Perlaboración, Teoría Psicoanalítica, Progreso Terapéutico.


 

 

Ocupar a posição de sustentar custe o que custe as exigências doutrinais sem jamais as enrijecer, e sobretudo sem jamais constituí-las em formação de caráter (teórico) ou em sistema de pensamento, é certamente a aposta maior do ofício impossível do analista.

Fédida

Esquema:

1) O enrijecimento do teórico

2) A teoria como processo que tem origem no sintoma

3) Processo analítico: um exemplo de reação terapêutica negativa como progresso terapêutico

4) Da negatividade que permite a leitura do sintoma na transferência.

 

O enrijecimento do teórico

Refletir sobre a evolução da teoria e prática psicanalítica a partir da experiência freudiana é avaliar a nossa própria posição frente a uma obra que, sabemos, recebeu de seu autor uma elaboração histórica fundadora. O corpus freudiano não se constitui, contudo, num sistema teórico, ao menos não para o psicanalista que, despojado de vocação acadêmica, se deixa interrogar pelo texto teórico a partir de sua clínica e de sua própria análise. A descoberta da teoria pelo analista decorre não apenas de um trabalho de elaboração, mas de perlaboração.

Essa posição, ou essa disposição, frente ao conhecimento pode ser reconhecida como uma marca originária do espírito freudiano tal como nos lembraram Sara e César Botella, considerando a frase lapidar do desejo freudiano confessado a Fliess ao se referir ao sonho da manhã de julho de 1895 em Bellevue, o sonho da psicanálise. Escreveu Freud então: "Você acredita que, no dia 12 de junho de 1900, haverá nesta casa uma placa de mármore com esta inscrição: `Foi nesta casa que em 24 de julho de 1985 o mistério do sonho foi revelado ao doutor Sigmund Freud'? Até agora, tenho pouca esperança" (Freud, 1896/1956, p. 28)2. Esses autores sublinham a utilização por Freud de dois termos empregados na sonhada inscrição:

(...) um é a palavra revelação, não isenta de uma certa conotação de sagrado, em vez e no lugar de "descoberta", que é a palavra de uso apropriado nas ciências; o outro, inseparável do primeiro, é o caráter iminentemente passivo do indivíduo que, ao invés de se apresentar como um cientista, não é considerado aqui o artesão da descoberta mas como aquele a quem é concedida a revelação (Botella & Botella, 2001/2003, p. 437).

Sara e César Botella põem em evidência o que caberia reconhecer como uma marca de origem do sujeito da descoberta psicanalítica: a aceitação do estado regressivo em que o ego se dispõe no caminho do acesso ao conhecimento de seu objeto (os processos inconscientes) designando assim a condição que dá especificidade ao procedimento de investigação. Freud mesmo explicitou essa posição: "A psicanálise restituiu ao sonho a significação que lhe era outrora, nos tempos antigos, atribuída. Ela não se remete à sagacidade do intérprete do sonho mas, em grande parte, transfere a tarefa ao próprio sonhador, pedindo-lhe que associe aos diferentes elementos do sonho" (Freud, 1923/1985a, pp. 57-8).

A novidade radical do procedimento descoberto é também destacada por Laplanche: "O que vem em primeiro lugar é um procedimento de exploração absolutamente novo, revelando um campo do ser (`processos anímicos'), processos aos quais antes praticamente nada poderia dar acesso" (Laplanche, 2001/2003, p. 358). Para este autor, o que especifica o procedimento é: sua novidade. Laplanche é afirmativo ao reivindicar a originalidade do campo que aí se inaugura:

(...) a novidade radical do inconsciente freudiano vem do fato de que ele não proporciona um suplemento de significação ao nosso universo consciente; ele não é um novo sentido que se poderia atribuir a fenômenos já conhecidos. Ele não é um código e, menos ainda, uma nova teoria. Como outro campo do ser, ele se revela nas falhas do inconsciente. Apesar de todas as tentativas de aproximação, ele não tem nada a ver com o que os poetas (românticos) ou os filósofos (Schopenhauer) designam pelo mesmo nome (Laplanche, 2001/2003, p. 358).

A obra de Freud, escreveu Pontalis, coloca-nos numa situação epistemológica inédita: "Toda sua ciência tem por terra natal, se não por fronteiras, uma experiência muito singular, irredutível a qualquer outra, progressiva e nunca terminada, que assemelha a psicanálise à iniciação (por mais hostilidade que se demonstre a qualquer recurso aos prestígios do incomunicável)" (Pontalis, 1972, p. 11).

Mas, se o saber teórico que nos diz respeito assemelha-se a uma iniciação, alcança-se por uma revelação do pensamento pelo próprio trabalho da análise, esse mesmo saber teórico não se pode furtar à sustentação de uma base doutrinal exigida pela sua transmissão. A transmissão da psicanálise deve passar por uma comunidade e pelas condições institucionais de seu funcionamento: o texto teórico mantém o compromisso de servir a uma objetividade necessária à comunicação entre os analistas. Eis-nos aqui diante de um paradoxo intrínseco à formação analítica: essa condição de objetividade, necessária a nossa existência comunitária, implica o risco de levar a teoria a sofrer efeitos de sedimentação, a um adoecimento do teórico3.

Comemorando a entrada do milênio, a Revista Francesa de Psicanálise dedicou um número ao diagnóstico da situação da psicanálise contemporânea. Para André Green, que dirigiu o número, a dita "crise da psicanálise contemporânea" deveria ser compreendida como uma crise do entendimento psicanalítico:

Participamos do intercâmbio geral com uma mistura de cortesia e complacência diante daquilo em relação a que, com freqüência, permanecemos alheios ou, no melhor dos casos, continuamos céticos quanto à validade das bases sobre as quais constroem seus raciocínios. Porque, no fundo, não partilhamos mais os princípios de um entendimento comum (Green, 2001/2003, p. 477).

Essa mesma impressão é partilhada por vários dos autores que participaram desse volume: Bollas, Laplanche, Pontalis, Botella, Diatkine, entre outros, a partir de desenvolvimentos singulares, reconhecem um estado atual de depressão de nossa faculdade criativa, estado que Bollas classificou de "ossificação da idéia psicanalítica" (Bollas, 2001/2003, p. 280), ou seja, perda da essencial condição de transformação do pensamento que, resistindo à sua essencial inclinação, psicanalítica, tenderia ao que Laplanche chamou de uma psicossíntese. Considerando a originalidade da vocação de nossa disciplina, escreve Laplanche: "É somente num movimento à contracorrente que a psicanálise encontra toda a sua especificidade: o movimento de análise, isto é, da dissolução das sínteses previamente admitidas pelo sujeito" (Laplanche, 2001/2003, p. 362).

No famoso verbete "Psicanálise e teoria da libido" para o Léxico de ciência sexual de Max Marcuse, a Enciclopédia da sexologia humana enquanto ciência da natureza e da cultura, já referido antes, Freud, como sabemos, introduziu o sentido do termo psicanálise pela tríplice definição: procedimento de investigação, método de tratamento fundado nessa investigação e concepções adquiridas por esse meio4. Se a definição freudiana sugere a primazia do procedimento, a exposição dentro da qual a situa ao longo do mesmo artigo recorre à gênese da descoberta no método catártico para explicitar a sua definição, demarcando sua especificidade num momento preciso, momento que Freud considerou "a passagem para a psicanálise". Conta Freud que, ao se demarcar de Janet e de Breuer (e dos pressupostos de cada um, incapacidade constitucional ou psíquica na origem do sintoma), atribuiu a etiologia do sintoma a uma operação psíquica de defesa. A partir de então, nessa passagem, o procedimento analítico surge ao mesmo tempo e na medida em que se concebe a teoria (metapsicológica) da "defesa".

O sentido que a "observação do sintoma" toma desde então é o de uma operação psíquica que não mais poderia ser deduzida de sua apresentação fenomenológica. Escreve Freud: "O autor dessas linhas rejeitou essa explicação (dos `estados hipnóides') e pensou reconhecer que uma representação torna-se patogênica desde que seu conteúdo se opõe às tendências dominantes da vida psíquica, se bem que suscita uma defesa psíquica" (Freud, 1923/1985a, p. 53). Esse nexo entre teoria e procedimento dá seu lastro à definição do novo procedimento interpretativo definido pelo artigo para a Enciclopédia.

A psicanálise, como "arte da interpretação", desenvolver-se-á em torno deste ponto nodal: a idéia psicanalítica da determinação do sintoma numa operação psíquica de defesa que caberá ao procedimento artístico revelar. A interpretação dos atos falhos, dos sonhos, dará uma vasta abrangência a esse ponto de vista pelo qual a lógica da operação do sintoma foi reconhecida. "Os atos falhos e atos fortuitos devem ser compreendidos como os sintomas dos neuróticos" (Freud, 1923/1985a, p. 56). Ainda no mesmo artigo, resumindo sua obra maior, A interpretação dos sonhos:

Valeria a pena penetrar mais adiante na elucidação dos sonhos, pois o trabalho analítico mostrou que a dinâmica da formação do sonho é a mesma que a da formação do sintoma. Em ambos reconhecemos um antagonismo de duas tendências, uma inconsciente, geralmente recalcada, que visa a satisfação — realização de desejo —, e outra pertencendo verdadeiramente ao eu consciente, que recusa e recalca, e reconhecemos como resultado desse conflito uma formação de compromisso — o sonho, o sintoma — na qual as duas tendências encontraram uma expressão imperfeita. A significação teórica dessa concordância salta aos olhos. Como o sonho não é um fenômeno patológico, essa concordância fornece a prova de que os mecanismos psíquicos que produzem os sintomas mórbidos estão igualmente presentes na vida psíquica normal e anormal, e que os resultados da investigação sobre as neuroses e as doenças mentais não podem deixar de ter importância para a psique sã (Freud, 1923/1985, p. 59).

Essa conexão entre teoria dinâmica e procedimento leva Freud a reconhecer que:

(...) o caráter de desconhecido, o estranho, o absurdo do sonho manifesto são por um lado a conseqüência da transposição dos pensamentos do sonho em um outro modo de expressão que é preciso qualificar de arcaico, mas, por outro, o efeito de uma instância de limitação e de recusa crítica, que mesmo durante o sonho não é jamais abolida. Não temos dificuldade de supor que "a censura do sonho", que tornamos responsável num alto grau pela deformação dos pensamentos do sonho em sonho manifesto, é uma exteriorização das mesmas forças psíquicas que ao longo do dia tinha sido mantida de lado, recalcada, a moção inconsciente de desejo (Freud, 1923/1985a, p. 59).

Se nos estendemos na apreciação no artigo do qual se destaca a clássica definição da psicanálise foi para sublinhar a conexão entre procedimento e teoria aí proclamada por Freud. No entanto, é na intimidade do texto freudiano, e ainda mais em seus momentos de maior alcance especulativo, que essa conexão afirma-se com toda sua eloqüência. Não nos deixamos de espantar diante do prodígio desse pensamento capaz de debruçar-se sobre as formações originárias da cultura, sem abandonar o seu fundamento clínico: pensamento cuja construção enraíza-se na investigação do sintoma como mostram Totem e tabu: Algumas concordâncias entre a vida psíquica dos selvagens e a dos neuróticos, Psicologia das massas e análise do eu, Moisés e o monoteísmo, defrontando-nos com a espantosa possibilidade de reconstrução psicopatológica de modelos clínicos que Freud derivou da observação metapsicológica dos sintomas5.

Se é possível reconhecer no próprio movimento do pensamento de Freud uma conexão entre teoria e prática tal como que se poderia descrever através do aforisma de Pontalis: "A teoria é o inconsciente da prática", em outros momentos, encontramos formulações de Freud em que a teoria hierarquiza-se na direção de uma doutrina. No mesmo artigo de enciclopédia citado, deparamo-nos com a postulação de pilares da teoria analítica:

Os pilares da teoria analítica — a aceitação de processos psíquicos inconscientes, o reconhecimento da doutrina da resistência e do recalcamento, a consideração da sexualidade e do complexo de Édipo — são conteúdos principais da psicanálise e os fundamentos de sua teoria e quem não está em condições de subscrevê-los não deveria contar-se entre os psicanalistas (Freud, 1923/1985a, p. 65).

Em seu trabalho sobre "Técnica psicanalítica e metapsicologia" apresentado no Colóquio de Aix-en-Provence de 1984, Pierre Fédida parte da consideração do estatuto da metapsicologia distanciando-se de uma atitude filosófica em relação à obra de Freud e do reconhecimento de que é uma atividade que se engendra a partir da clínica. Escreve: "A psicanálise reencontra a articulação platônica entre a techné e a epistemé (entre técnica e saber) e se desenvolve, de fato, como uma epistemologia não-filosófica ao mesmo tempo que é técnica" (Fédida, 1985, p. 46). Sem deixar de levar em conta que a própria expressão metapsicologia sofreu um longo desgaste e uma excessiva generalização até os nossos dias, conduz-nos a rever a sua especificidade na obra freudiana, assim como as condições de sua generalidade operatória frente aos modelos que produz.

Não nos esqueçamos de que a hostilidade de Freud em relação à filosofia é uma reserva contra esse fato, de que falta ao filósofo a freqüentação dos pacientes: falta ao filósofo um contato com o sintoma, do qual Freud nos diz que é o ponto de partida da observação. (...) A produção de um modelo ou a produção de um conceito na metapsicologia dispõe de um recurso de plasticidade e, portanto, de transformação que excluirá que se a compare a uma abstração filosófica,

afirmou certa vez (Fédida, 1995a, p. 95).

A distinção entre abstração metapsicológica e abstração filosófica é a base de outra distinção, entre posição doutrinal e doutrinária com respeito à teoria. A posição doutrinal assumida por Fédida com relação ao legado freudiano se nos apresenta através de uma preocupação que não se atém à estabilidade dos conceitos mas à modalidade de pensamento que os engendrou. Para avaliar a condição potencial de transformação do teórico, considera a mutação que o pensamento sofreu a partir de Freud rompendo com o sentido que lhe acordou a cultura ocidental. O pensamento ganha no campo psicanalítico uma natureza distinta da que lhe é reconhecida no terreno da filosofia e que admite as possibilidades plásticas compatíveis com atividade teórica do analista. Como analisa Fédida:

A psicanálise freudiana descobre o pensamento em um Umweg do desejo: trate-se da onipotência do pensamento, dos pensamentos do sonho, da transmissão, transferência de pensamento, etc., percebemos que a palavra mesma "pensamento" sofreu aí uma mutação que a reinstaura no uso popular de seu emprego antes de assegurar-lhe as significações metapsicológicas inerentes a seus modelos de funcionamento psíquico. E quanto ao estatuto desses modelos, assim como das suas condições de transformabilidade, o que podemos imediatamente supor está estreitamente correlacionado ao modo pelo qual se concebe a teoria quanto à psicanálise. Por ora, lembremos somente que Sexualtheorie assim como Traumtheorie são expressões que nelas comportam operações de transformação autorizadas pela idéia de teoria: da teoria sexual à teoria da sexualidade ou da teoria (psicológica, religiosa, somática) do sonho ao sonho como teoria (Fédida, 1985, pp. 45-46).

O teórico na psicanálise alimenta-se de uma atividade fantasmática e seus modelos submetem-se a critérios de transformação radicalmente diferentes do que se daria no terreno da física ou das matemáticas e é através deles que se põe à prova a técnica do tratamento. A metapsicologia, tal como também mostra Laplanche no artigo citado, é um movimento de pensar à "Contracorrente", o pensamento analítico vai no sentido da "dissolução das sínteses" procuradas pelo pensamento filosófico. De um ponto de vista psicanalítico, a síntese corresponde a uma formação, a um sintoma, tal como foi diagnosticada quando Freud (1914-1915/1986b), rejeitando o inconsciente concebível pelos filósofos, formulou a ousada analogia entre pensamento filosófico e pensamento esquizofrênico.

Essa reflexão que se desenvolve a partir da distinção entre as expressões doutrinário, doutrinal, para enfrentar a especificidade da teoria psicanalítica conduz à proposição, citada na epígrafe deste trabalho: "... sustentar custe o que custe as exigências doutrinais sem jamais as enrijecer, e sobretudo sem jamais constituí-las em formação de caráter (teórico) ou em sistema de pensamento" (Fédida, 1984, p. 48).

Fédida evoca a expressão de Freud: "Parece que analisar seja o terceiro desses ofícios impossíveis nos quais se possa estar certo de um sucesso insuficiente. Os dois outros, conhecidos há muito mais tempo, são educar e governar" (Freud, 1937/1985b, p. 263). Objetando ao caráter radical da proposição freudiana, com humor, escreveu Pontalis:

Para mim a psicanálise não se apresenta como um "ofício impossível" — se fosse esse o caso, eu já teria desistido há muito tempo —, mas como um ofício difícil (com todas as reservas que implica o emprego da palavra ofício, pronta a logo se desviar para a palavra profissão, como hoje se pode constatar e deplorar). E essa dificuldade já suscita o questionamento (Pontalis, 2001/2003, pp. 272-273).

De fato, a substituição de impossibilidade pela idéia de dificuldade nos leva ao cerne da nossa questão: reconhecer o movimento constitutivo da obra freudiana na sua relação com a dificuldade.

O procedimento freudiano avançou através de sucessivas transformações fazendo do obstáculo a alavanca de seu progresso técnico, Assim se deu com a descoberta da transferência, a "cruz" freudiana promovida à arena onde a neurose infantil, tomando corpo, faz-se condição técnica, "razão para rememorar". Também o enfrentamento freudiano da compulsão à repetição colocar-se-á como ponto nodal da elaboração freudiana onde a transferência será também reconhecida como isso (das Es), que transborda os limites da arena construída pelo representável (Schaffa, 2006). Pierre Fédida reconhece na extensão ilimitada da clínica psicanalítica a ocasião de ampliação dos modelos que a metapsicologia freudiana é capaz de engendrar. Explorando o terreno das patologias que exibem configurações características de uma função do negativo, as anorexias, as adições, interessa-se pela negatividade manifestada pelo sintoma — como uma função terapêutica negativa —, mas "como uma função terapêutica que será negativa em função da sua `estrutura transferencial'" constituindo-se, a partir "da necessidade para o analista de se deixar modificar e transformar pelo dialeto do sintoma" (Fédida, 1995b, p. 217), numa nova alavanca do progresso terapêutico. A negatividade da reação terapêutica negativa, mais do que uma reação negativa, será reconhecida como terapêutica!

 

A teoria como processo que tem sua origem no sintoma

Abordar o tema proposto: "A evolução da teoria e prática psicanalítica. Da experiência de Freud aos nossos dias" levou- nos, de início, a refletir sobre o sentido de evolução no âmbito do texto freudiano. O texto de 1919, Wege der psychoanalytyschen therapie, traduzido pela Standard Edition por Lines of advance in psychoanalytic therapy, recebeu inicialmente em português uma versão influenciada pela Standard: "Linhas de avanço na terapia psicanalítica", sendo substituída na tradução de Paulo César Souza por "Caminhos da terapia analítica", mais próxima do original. A formulação de Freud,"caminhos", mais precisamente exprime o sentido em que poderíamos conceber a evolução da teoria e prática.

Acompanhar6 Pierre Fédida reconhecendo no movimento de seu pensamento um dos caminhos que nos parecem fortemente fecundos de exploração do poder heurístico da situação analítica, buscando ao longo de sua obra uma ampliação da especificação técnica da psicanálise7: "A metapsicologia é uma atividade que se engendra a partir da clínica" (Fédida, 1995a, p. 99).

Exemplificaremos apenas a partir da discussão de um fragmento clínico uma das linhas não menos essenciais de sua reflexão, aquela que se desenvolve a partir da colocação de Freud: "O ponto de partida da observação permanecerá sempre o sintoma" (Fédida, 1995b, p. 213).

Tomar o ponto de partida do sintoma será reter esta idéia psicopatológica: "O sintoma revela ao mesmo tempo um funcionamento deficitário orgânico-psíquico e a produção de formas autoterapêuticas admitidas a título de tentativa de cura" (Fédida, 1995b, p. 213). Fédida encontra no debate de Freud com Bleuler8, e ainda com Charcot ou Jung, a marca distintiva da perspectiva metapsicológica freudiana. Enquanto os interlocutores de Freud aderiam a interpretações positivas dos sintomas, para Freud configurava-se um ponto de vista — metapsicológico — que fez da observação a ocasião da possibilidade de descoberta do negativo do sintoma.

Em novembro de 1993, na XI das Journées Occitannes de Psychanalyse dedicadas ao trabalho do negativo, Fédida, menos interessado pelas expressões reconhecíveis como de negação no pensamento freudiano (recalcamento, pulsão de morte, castração), situou seu ponto de vista a partir da consideração de operações psíquicas elementares (transferência, identificação, projeção) na origem da relação com o outro. Tomou-as como expressões de uma operação que só poderiam ser interrogadas de um ponto de vista analítico, isto é da perspectiva da regressão e da transferência (e não através do recurso a uma operação lógica de natureza dialética como caberia ao raciocínio filosófico).

Buscou no trabalho de Freud sobre "O tratamento psíquico" essa idéia:

Na análise o sintoma constitui ao mesmo tempo uma organização transferencial potente que só se pode revelar através da transferência, e representa alguma coisa da ordem de uma teoria de si mesmo ou de um eu, ou teoria do funcionamento psíquico ou ainda teoria, se preferirmos, do funcionamento somático (Fédida, 1995b, p. 216).

Sublinhou a idéia de uma estrutura teórica do sintoma reconhecendo uma fecundidade a ser amplamente explorada: "É manifestamente o autocratismo de personalidades psiquicamente tão diferentes que se opõe à regularidade do sucesso terapêutico. É à `magia da palavra' que Freud confia os meios de tentar despertar no doente os estados e as condições psíquicas próprias ao tratamento e à cura". Freud reconhece que "as palavras são os instrumentos mais importantes de influência que uma pessoa procura exercer sobre uma outra". Concebe-se que sejam "bons meios para provocar modificações psíquicas naquele a quem se dirigem" e portanto "a magia das palavras pode eliminar os fenômenos mórbidos, em particular aqueles que têm seu fundamento nos estados psíquicos" (Freud, 1890/1984, p. 12)

A crença autocrática inerente ao sintoma na condição de cura autogerada pensada por Freud em 1890 supõe aos olhos de Fédida as mesmas condições de engendramento sintomático e de insistente resistência à ação do analista que mais tarde será reconhecida como reação terapêutica negativa. O analista trabalha per via de levare, insistia Freud, lembrando Leonardo. Essa recomendação sustenta-se numa negatividade que não desconhece a condição de que o psiquismo sofre de um excesso, não de uma falta. De um excesso de presença na origem de uma catástrofe no momento da constituição auto-erótica da vida psíquica, catástrofe que só pode ser reconstituída a partir de uma escuta que se constitua como atividade de memória regrediente tal como Freud a formulou na Interpretação dos sonhos.

Tomar a perspectiva do sintoma é tomar o partido da teoria da sexualidade tal como Freud a colocou, como fundamento metapsicológico do sintoma, com a preocupação de não perder o nexo intrínseco entre essa questão e o cuidado técnico de — a partir da referência ao sexual (tal como nos colocam os Três ensaios sobre a teoria da sexualidade) — abandonar as categorias interpessoais na abordagem da transferência.

Como Luis Carlos Menezes, no prefácio do livro que Pierre Fédida publicou no Brasil reunindo alguns de seus trabalhos aqui desenvolvidos: Nome, figura e memória: A linguagem na situação analítica, define a perspectiva do autor:

A preocupação teórica de Fédida em destituir a noção de terceiro ausente ou do sítio do estrangeiro, de qualquer representação espacial, antropomórfica como a do lugar do morto, do modelo da mãe e do bebê, da continência de uma concavidade, do espaço da transferência, ou mesmo da representação de "alguém" ausente ou de "um estrangeiro", é o que o leva a uma teoria dos "lugares". Esta preocupação pode ser entendida como vontade de se opor ao que considera como "excesso de subjetivismo antropomorfo e humanizador" de que sofre a psicanálise contemporânea (Menezes, 1991, p.10)9.

Pressupor uma "estrutura teórica do sintoma" (Fédida, 199b, p. 227) para abordar a situação analítica é partir das formas sintomáticas remontando a lugares de fixação da neurose infantil. Fédida define o interlocutor das transferências a partir de lugares a que só a inteligência do sintoma (corpo estrangeiro) por seu caráter radicalmente estranho ao eu dá acesso exigindo da escuta o abandono das formas pessoais que possam norteá-la. Esse abandono de referências correspondente a um sítio estrangeiro favorável à constituição do interlocutor do infantil que o sintoma conserva enquanto marcas das impressões excitantes precoces que transbordam os limites do eu.

É considerar que o psíquico não é diretamente observável ou apreensível através das significações dos fenômenos tal como um fenomenólogo as poderia acolher. É a condição estrangeira do sintoma — que Freud considerou corpo estrangeiro — que instaura o lugar, o sítio em que o analista se faz interlocutor das transferências (no plural, tal como na Interpretação dos sonhos Freud as designou (Freud, 1899-1900). Essa perspectiva levará Fédida a desenvolver uma teoria dos lugares — lugares de interlocução das transferências (no plural), lugar(es) de um enigmático saber sobre si. A situação analítica é a condição de revelação de uma obra teórica singular: "a obra teórica em potência da identidade de si mesmo" (Fédida, 1995b, p. 264).

 

Processo analítico: um exemplo de reação terapêutica negativa como progresso terapêutico

Paulo queixa-se insistentemente de seu eterno vazio. A não-realização de seus projetos é uma constante. O tom amargo de sua queixa intensifica-se frente a qualquer assinalamento de elementos dissonantes em sua fala que possam indicar o reconhecimento de sua implicação desejante. O círculo feroz da reação terapêutica negativa mantém-se cerrado pela obsessão em fazer constatar seu fracasso, sua insignificância, pelo negativismo que não pode ser contrariado. Minha fala também se deve esvaziar, impotente em recolher algum fragmento que represente um interesse seu (de que certos indícios em sua fala, entretanto, me fazem suspeitar) que nos permitisse encontrar a saída da câmara melancólica na qual estamos encerrados, condenados a permanecer (em estagnação). Minhas intervenções quando o atingem, agravam seu amargor. Atropelam-no (a expressão é dele), submetendo-o a uma exibição (narcisista) que só exacerba raiva e humilhação. Um órgão psíquico sensível, irritável, dá imagem à transferência nesse momento da análise. Quase-metáfora, a psique-órgão é o recurso somático de escoamento da angústia. As queixas reiteradas de perturbações do aparelho digestivo me dão conta de que são expulsas as chances de que algo de nosso diálogo possa ter sido digerido. Contudo, sim. Nada que viesse dos elementos representacionais da fala, mas a partir mesmo do aprofundamento do círculo vicioso: o vetor do processo de esvaziamento tende, não a zero, mas a abaixo de zero. À medida que o tempo passa, a desesperança aumenta. Atados sim, quem? A quem? Inútil (e falso) pensar em ataques do analisando à minha capacidade de pensar (mesmo constatando que meu funcionamento analítico encontra-se comprometido), aliás como falar de funcionamento mental, de pensamento, quando este sofreu uma mutação em órgão corporal? Não se trata de imputar ao analisando déficits de função metabólica. A evocação do órgão retira a possibilidade de aceitar que a transferência possa ser representada em termos de uma relação pessoal.

Ingênuo pensar que o impasse, por outro lado, seria ultrapassado através daquilo que pudesse ser conscientemente evocado dos meus afetos em relação ao paciente como numa espécie de auto-análise. Ou, ironizando como Pontalis, ao "fazer-me plenamente consciente de meu inconsciente" (Pontalis, 1975, p.74).

Pois foi a lembrança do título de um artigo deste autor que me ocorreu inesperadamente numa sessão em que, silenciosa, acompanhava Paulo em suas escavações (mais do que associações) intermináveis, num terreno onde qualquer idéia que pudesse brotar parecia destinada a degradar-se em dejeto: "O morto e o vivo entrelaçados", pensei (sem entender, nada disse). O título, criado por Pontalis, naquela circunstância, não se ligava a nenhuma lembrança do texto, que nem sequer estava certa de ter de fato lido. Não me vinha como idéia, mas como figura. Nessa seqüência ouço o analisando dizendo, mais uma vez, que não sabia o que fazia ali, que não fazia mesmo sentido continuar a análise. Digo-lhe, então: "Sim, faz sentido: nem tocamos ainda o fundo (de um poço?, de um esgoto?, de um túmulo?)". Paulo parece desconcertado (surpreso?), algo se movimentara ali, penso. Rompera-se o círculo cruel?

Alcançando o auge da crise contratransferencial, a relação em que se mantinha a dupla atada por um gozo sadomasoquista rompe-se dando lugar à possibilidade de recuperação da situação analítica, instaurada por sua essencial dissimetria (Herrmann, 2001; Fédida, 1978/2004). A criação de um intervalo (Fédida, 1977) capaz de sustentar a dimensão de luto inerente à fala analítica permite um movimento em direção à realização da perda desse objeto (primário de amor-ódio) embalsamado pelo estado de estagnação do diálogo analítico.

No dia seguinte, ao chegar Paulo diz (de imediato, o que é surpreendente com relação ao ritmo arrastado habitual de sua fala) que retomara um quadro que estava abandonado (há anos, momento em que desistira da atividade artística). Passa a descrever cuidadosamente as linhas, as manchas, o percurso e o ritmo das pinceladas a configurar o que dificilmente um olhar desavisado reconheceria na tela: "Auto-retrato: um homem morto ou adormecido", diz.

Sim, algo se movimentara na sessão anterior, o morto fora tocado desde que um intervalo, uma condição disruptiva da atenção analítica criou uma condição onde a palavra pôde ser ouvida no limite ou, como diz Menezes (2006), nas bordas do automatismo de repetição: "Nas condições em que a repetição apresenta-se como puro automatismo, refratária ao poder da palavra em criar lugares e temporalidades, isto é, rememoração, temos, numa análise, que permanecer ainda no terreno da linguagem, não temos outro".Cabe à negatividade do sintoma dispor do ponto de vista capaz de nesse momento reconstituir o dispositivo analítico como corpo estrangeiro necessário à condição estrangeira do paciente e do analista. "O sintoma em sua negatividade comanda um ponto de vista que é constitutivo do dispositivo analítico: ele é o corpo estrangeiro necessário à condição estrangeira do paciente e do analista. Ele é essa mudança evolucionista que exprime num indivíduo doente que abre o ponto de fuga de toda construção em análise" (Fédida, 1995b, p. 215). Graças a ele, e não apesar dele, realiza-se o milagre (Arendt, 1954/1997) dessa mutação evolucionista que é possível considerar um progresso terapêutico.

Fédida encontra na reação terapêutica negativa a natureza e a função do processo. Ela é o que de mais íntimo pertence à teoria do sintoma, opondo-se aos ideais de cura (progresso) sustentados pelo analista, dá acesso a um processo transferencial intrapsíquico. "Como se o sintoma comportasse um objeto psíquico interno reativado a partir do momento em que o analista estaria prestes a abandonar o seu lugar e que consiste em sustentar a neutralidade?" (Fédida, 1995b, p. 216).

É preciso que a insistência do sintoma chegue a um paroxismo em que os ideais de cura sustentados pela analista sejam abandonados, e que a angústia possa ser utilizada em contato com o material psíquico dentro do qual o sintoma constrói a sua escavação: a angústia na contratransferência serve assim à análise ultrapassando a resistência.

Se a fala analítica tem a potência de despertar o morto isso só poderia ser entendido numa extensão metapsicológica: um morto só pode ser despertado pelo trabalho de luto / sonho. A supressão que é responsável pelas lacunas da memória humana foi figurada por Freud como um assassinato. Esta idéia, que está na base de A interpretação dos sonhos, toma seu porte mais desafiador em O homem Moisés e a religião monoteísta. A transferência exige essa visão da memória que, no seu essencial anacronismo, só pode ser recuperada através de restos, lacunas, produtos sintomáticos, de uma violência originária10.

Tocar o morto é enfrentar a violência que o esquecimento opera. A repetição na transferência atualiza processos de supressão, mutilação que só se podem dimensionar nas proporções de um crime de morte. O processo de deformação tratado na Interpretação dos sonhos na base do trabalho do sonho é repensado no seu Homem Moisés radicalmente ao enfrentar o problema da verdade histórica. "Passa-se com a deformação de um texto o mesmo que com um assassinato. A dificuldade não é executar o ato, mas eliminar os traços" (Freud, 1939/1986a, p.114).

O morto é passível de despertar no espaço de um sonho.

O sintoma, escreveu Fédida, a negatividade do sintoma, não será, portanto, somente uma expressão deficitária (não se trata de acentuar unicamente o déficit do sintoma), mas o modo pelo qual o sintoma engaja em si próprio um processo que tenta pôr em obra o psíquico como terapêutico. Pode-se ver na obra freudiana: temos a impressão às vezes de que tudo está demolido, tudo está devastado, tudo está destruído pela doença psíquica. Percebemos que o que está em trabalho é extremamente vivo e que a vida psíquica do sintoma é de um certo modo uma tentativa para reanimar o que estava aparentemente morto ou que se poderia crer destruído (Fédida, 1995b, p. 215).

Ou então no espaço de uma sessão: a memória suprimida da linguagem pode ser despertada pela fala analítica quando esta alcança uma condição plástica tal como a da palavra no sonho. Freud apresentou-nos essa capacidade figural da palavra na Interpretação dos sonhos.

A sessão com Paulo vai ao encontro desse pensamento freudiano:

(...) os desejos que se apresentam nos sonhos não são sempre desejos atuais. Eles podem ser desejos desfalecidos, prescritos, recobertos e recalcados, aos quais nós devemos atribuir contudo, pelo simples fato de sua emergência no sonho, uma espécie de existência prosseguida. Eles não são mortos como os defuntos segundo o conceito que deles temos, mas como as sombras da Odisséia que, desde que beberam o sangue, despertam para uma certa vida (Freud, 1899-1900/2003, p. 289).

Mas a evocação do morto, assim como a evocação do órgão11, só cabem se referidas às categorias metapsicológicas de um espaço virtual, subversivamente irredutível a qualquer realização através de um modelo de relação interpessoal, e sim de um modelo de aparelho psíquico em ponto morto.

A carta 52, de 6-12-1896 — que "marca a passagem entre hipóteses relativas ao aparelho psíquico tais como são traçadas no Esboço e as concepções expostas no cap. VII de A interpretação dos sonhos e que serão retomadas mais tarde em Além do princípio de prazer e, em 1925, em "Nota sobre o bloco mágico" (...)"12 —, traz essa referência a uma extensão do órgão ao aparelho13. Colocar-se em uma tal perspectiva (perspectiva de um órgão/aparelho) é aceitar a "presença de um anacronismo" na abordagem do sintoma. O arcaico do sintoma (por sua determinação sexual), radicalmente estranho às realizações do eu, "só pode", escreve Freud a Wilhelm Fliess, "ser colocado na conta de uma outra pessoa, mas sobretudo em conta desse outro personagem pré-histórico, inolvidável, que a ninguém se pode igualar" (Freud, 1896/1956a, p.159).

A perspectiva do órgão como "zona erógena" tal como nos mostram os Três ensaios sobre a teoria sexual é a perspectiva de uma pulsão parcial que dele emana inscrevendo-se num registro que serve à imaginação clínica para que se abstenha da realização numa dimensão objetivada. A perspectiva do morto é a de uma imobilização que se significa, não no nível de uma pessoa, mas de um aparelho. Assim é possível entender a teoria de Bion de "attacks on linking"14: impedimento do trabalho associativo no qual se sustenta atividade de representação.

O impensável do que está em jogo na estagnação contratransferencial só poderia ser imaginado através de um modelo abstrato como se:

(...) o aparelho psíquico exigisse, para se manter em estado de movimento, exercer seu domínio diretamente sobre o aparelho psíquico do outro, e não sobre a pessoa (...). Trata-se (aí) de curto-circuitar a possibilidade de uma atividade representativa, uma atividade de pensamentos autônomos. (...) A visada é impedir no outro isso que falha em si; a constituição e o desenvolvimento de um espaço psíquico, de um "aposento seu", onde o sujeito poderia se encontrar frente a outros objetos além do objeto primário ao qual se sente inexoravelmente ligado (Pontalis, 1975, p. 80).

No fragmento apresentado, uma "câmara melancólica" de captura cede a uma posição onde a contratransferência alcança a condição em que a palavra ganha um "aposento seu". A contratransferência referida como posição só poderia então ser demarcada a posteriori, implicando necessariamente o trabalho de perlaboração e ruptura do estado de estagnação de linguagem.

No caso de Paulo o sintoma do negativismo, concebido como uma função terapêutica negativa, é negativo "em razão da sua própria estrutura transferencial. (...) E a natureza do processo analítico não se poderia quase, com efeito, conceber sem esse negativo terapêutico que comporta, entre outras, a necessidade para o analista de se deixar modificar e transformar pelo dialeto do sintoma" (Fédida, 1995b, p. 217).

O estado de objeto fusional na contratransferência não cabe nas dimensões de uma relação. Evidencia um excesso de presença vivido traumaticamente — "atropelamento" —, questionando a modalidade de presença (continência) exigida nessas condições. O sofrimento de Paulo dá o testemunho desse excesso. Um trabalho anterior, escrito com Alan Meyer, "Restituição da metáfora: o poder da fala na análise" (Meyer & Schaffa, 2005), aborda a questão da continência entendida como condição de linguagem da fala, ou seja, como metáfora:

É necessária uma revolução em nossa disposição intencional de linguagem para alcançar a condição própria do diálogo analítico afastando-nos da intensidade que nos força à crença no conteúdo da fala. Os passos dessa revolução, instaurada por Freud, e avançada por Ferenczi, são retomados por Fédida. Levam este autor, a partir da clínica dos casos-limite, a reconhecer uma destruição do fundamento auto-erótico que tece a ligação entre coisa e palavra: "as coisas não alimentam mais sensorialmente as palavras e essas não dispõem assim de uma capacidade de metáfora".

 

Da negatividade que permite a leitura do sintoma na transferência

O fragmento de análise apresentado testemunha uma condição crítica na contratransferência a partir da qual é possível acompanhar um movimento de desinstauração-reinstauração da situação analítica. A condição de dissimetria que é essencial à atividade analítica é reconquistada no interior de um processo em que o sintoma instalou-se numa modalidade de reação terapêutica negativa. Reconhecemos, a posteriori, a paralisação contratransferencial como resistência, da parte da analista, em abandonar a óptica contratransferencial (simetrizante) impossibilitada de ultrapassar a excessiva visibilidade manifesta do sintoma, no caso, o reconhecimento da reação terapêutica negativa com ênfase na (re)ação negativa como oposição à ação do analista

Para Fédida, como vimos, a designação de uma estruturação transferencial do sintoma engaja uma negatividade na abordagem da transferência e determina a posição do analista no interior de um processo de constituição de um interlocutor. Sua perspectiva constrói-se a partir de um deslocamento da ênfase para o fator (auto)terapêutico da reação terapêutica negativa onde a negatividade deve ser reconhecida como insistência do sintoma, afirmação do modo singular pelo qual este engaja em si próprio um processo comparável a uma obra terapêutica.

O impasse contratransferencial, atravessado na análise de Paulo, poderia também ser descrito como impedimento de uma abertura ao trabalho de luto, trabalho de perlaboração, contra-investimento mantido pela intensidade das forças transferenciais em jogo na cena analítica.

Tomada no sentido de crise, o trabalho da contratransferência é reconhecido ao mesmo tempo no sentido de uma resistência assim como recurso que sinaliza uma região crítica, obscura, do contato com as camadas informes do psíquico mantido fora do domínio da linguagem. É como trabalho subterrâneo silencioso de escavação que o negativo da reação terapêutica negativa, tal como se exprime no presente, no atual do sintoma, dá lugar ao reconhecimento de sua arquitetura transferencial ao aceder a uma condição de enunciação.

O dispositivo analítico regula-se por uma condição de linguagem que por vezes fracassa diante de intensidades transferenciais mal toleradas, como no caso descrito, onde moções incestuosas escapando ao regime de ligação a representações de palavra insistiam subterraneamente. O uso crítico (no sentido de crise, sinal crítico da angústia na contransferência) reencontraria no inter (dessa interface) a capacidade de gestação da palavra, impregnada da condição informe do vivido corporal formulada entre representação de coisa e representação de palavra. Palavra-figural: morto-vivo-entrelaçados. Palavra heteróclita que condensa sentidos antinômicos: entrelace-em-gozo-incestuoso-desenlace-de-um-duplo-alucinado. Palavra enlutada15 pela perda do objeto de um desejo de eterno vazio que devolve a transferência ao território da linguagem. A palavra analítica toma consistência em contato com a corporeidade do sintoma. De sua consistência depende a capacidade de sustentação simbólica (continência) que aceita a condição de alteridade da fala ameaçada (projetivamente identificada com o outro atropelador).

A consistência da palavra analítica, por vezes, só pode ser alcançada ao se enraizar no terreno mudo da corporeidade do sintoma formando-se a partir da "condição informe da construção especular" (Fédida, 1978, p. 250). Da corporeidade do sintoma à corporeidade da palavra que dá consistência ao diálogo analítico, a sustentação da situação dependerá de uma negatividade modulada pela condição crítica de um interlocutor que se abstém de respostas contratransferenciais simétricas16.

Sublinhamos essa idéia de Pierre Fédida: "Cada sintoma deveria sempre ser decriptado em sua estrutura própria, em sua manifestação própria, como um conjunto de determinações que constitui por assim dizer a obra do psíquico" (Fédida, 1995b, p. 214). A óptica aqui considerada encontra o psíquico numa condição arcaica que só o caráter estrangeiro do sintoma permite alcançar, ao impor o abandono de nossas referências pautadas por uma visão (interpessoal) de relação. No caso de Paulo, minhas respostas no plano de uma interpretação relacional da transferência eram recebidas como manifestação da presença atropeladora do outro.

A visão (metapsicológica) do sintoma faculta a constituição de um lugar de interlocução tecida num tempo de ausência. A negatividade que a sustenta e possibilita o trabalho analítico depende amplamente da tolerância da angústia que acompanha o despojamento das representações egóicas impeditivas de uma intensa entrega regressiva ao regime associativo e às condições alucinatórias nas quais se forma a fala analítica.

A neutralidade que assegura essencial dissimetria da situação poderia ser considerada como função desse trabalho critico contratransferencial de se abster de respostas simétricas (especulares), como trabalho de luto ou de gestação da palavra. O luto da palavra poderia ser entendido como a aceitação desse intervalo no diálogo onde se perde a complementaridade simétrica de um objeto concebido como um duplo transferencial para encontrar como única sustentação o terreno da linguagem onde a fala se constitui unicamente como alteridade.

Tocar o morto é despertá-lo num lento processo de descongelamento — evocando aqui a metáfora do estado glacial que Freud no seu manuscrito não publicado identificou na conformação da neurose (Freud 1914-1915/1986b) — numa abertura temporal ao trabalho de perlaboração das transferências implicadas pelo tempo (anacrônico) que forma o sintoma.

O trabalho analítico é feito de uma escavação surda num terreno adormecido a que a contratransferência dá acesso. É trabalho de reanimação de um fóssil cuja leitura dá voz ao sintoma. "Tocar o morto é despertá-lo", disse Paulo quando sua fala, saída de seu sono vazio de eternidade, animou-se do desejo nascido da aceitação de uma lei: "Não há objeto do desejo: o homem é que é desejante!" (David-Ménard, 1983, p. 249).

 

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Endereço para correspondência
Sandra Lorenzon Schaffa
R. Cel. Irlandino Sandoval, 122 — Jd. Paulistano
01457-010 São Paulo, SP
Fone: 3031-9215
E-mail: sandralorens@uol.com.br

Recebido em: 30/10/06
Aceito em: 14/12/06

 

 

* Membro Efetivo e Analista Didata da SBPSP.
1 Trabalho apresentado no I Encontro de Clínica Psicanalítica, CAPSA, IPA, Rio de Janeiro, novembro, 2006.
2 A tradução de textos em francês nas Referências deve-se à autora.
3 Essa idéia foi explorada em artigo anterior (Schaffa, 2005).
4 "Psicanálise é o nome: 1) de um procedimento de investigação dos processos psíquicos, que de outro modo são dificilmente acessíveis; 2) de um método de tratamento das perturbações neuróticas, que se fundam sobre essa investigação; 3) de uma série de concepções psicológicas adquiridas por esse meio e que se reúnem progressivamente em uma disciplina científica nova" (Freud, 1985a, p. 51).
5 A estruturação da neurose no caso de Totem e tabu, o descentramento do eu em Psicologia das massas, o estudo sobre a psicose que nos oferece Moisés e o monoteísmo. Para aprofundamento deste ponto de vista, cf. Écrit du Temps, 5, 1984; Marie Moscovici, Le meurtre et la langue, Ed. Metailié, 2002.
6 No sentido em que essa palavra é empregada por Laplanche (1988) em seu "Interpretar (com) Freud": "Nós não seguimos Freud, nós o acompanhamos".
7 Essa elaboração percorre seus trabalhos fundamentais: Crise et contretransfert, O sítio do estrangeiro e, em particular, no tocante à reflexão sobre o estatuto da teoria na psicanálise, seu ensaio "Topiques de la théorie" que faz parte de seu livro L'absence, 1978.
8 Fédida retoma no episódio da discussão entre Freud e Bleuler o ponto de vista freudiano: "O que interessa Freud em Bleuler é o modo pelo qual Bleuler, na Dementia praecox, faz aparecer em toda manifestação positiva os signos negativos que os signos secundários são tentados a `cuidar'" (Fédida, 1995b, p. 217).
9 Também Nathalie Zalsman (2000) focaliza esse problema do apego às formas humanas como modalidade da resistência do lado do analista.
10 Para um desenvolvimento maior dessa idéia, cf. meu ensaio: "O homem freudiano e a loucura da história"(Schaffa, 2006a).
11 "A pulsão é um processo excitante no órgão, e o fim imediato da pulsão consiste em suprimir essa estimulação do órgão" (Freud, 1905/1987, pp. 83-84).
12 La naissance de la psychanalyse, Nota do editor, p. 153.
13 "Os aparelhos que nos inventamos para melhorar ou reforçar nossas funções sensoriais são constituídos do mesmo modo que os próprios órgãos ou que certas partes desses últimos (por exemplo, os óculos, as câmaras fotográficas, as caixas acústicas, etc." (Freud, 1896/1956, p. 154).
14 Tal como faz Pontalis (1975).
15 Expressão de L. C. Menezes.
16 André Green (2003, p. 479) considerou o processo analítico como o de uma "transformação de um aparelho psíquico em aparelho de linguagem".

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