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Jornal de Psicanálise

versão impressa ISSN 0103-5835

J. psicanal. v.39 n.71 São Paulo dez. 2006

 

REFLEXÕES SOBRE O TEMA

 

A clínica psicanalítica a partir de Melanie Klein. O que isto pode significar?1

 

The psychoanalytic practice after Melanie Klein. What this means?

 

La clínica psicoanalítica con base en Melanie Klein. Qué puede eso significar?

 

 

Luís Claudio Figueiredo*

Psicanalista; professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Professor da Universidade de São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

No presente trabalho procura-se identificar alguns aspectos do legado kleiniano para a clínica psicanalítica contemporânea. Parte-se da hipótese de que a era das escolas se encerrou, mas que algumas descobertas e elaborações de Melanie Klein e seus seguidores passaram a se integrar ao pensamento e à prática da psicanálise, independentemente das diferenciações e divergências internas a esta disciplina. Dois temas merecerão um exame aprofundado: o conceito de phantasia inconsciente e a problemática edípica. Quanto ao primeiro, vai-se enfatizar o seu caráter de imaginação criativa, já presente no termo alemão Phantasie; quanto ao segundo, serão contempladas as questões relativas às relações triangulares, suas elaborações e efeitos nos planos emocional, cognitivo e ético, bem como a questão das defesas contra a triangulação (rejeição, recusa e recalcamento).

Palavras-chave: Clínica psicanalítica contemporânea, Phantasia inconsciente, Situação edípica e Édipo precoce.


ABSTRACT

In the present paper two aspects of the kleinian thought are identified as possible basis to the contemporary psychoanalytic practice. The concept of unconscious phantasy and the questions around the oedipal situation, along their transformations, evolutions and aspects, are examined, including the early Oedipus complex. Both of these themes can be conceived as a solid and useful ground for psychoanalysts of non-kleinian orientations.

Keywords: Contemporary psychoanalytic practice, Unconscious phantasy, Oedipal situation and early Oedipus complex.


RESUMEN

En el presente trabajo, se hace un esfuerzo para identificar algunos razgos del legado kleiniano para la clínica psicoanalítica contemporánea, aunque el psicoanalista no estea filiado a la escuela de Melanie Klein. Dos temas serán objetos de un detenido examen: el concepto de phantasia inconsciente y las cuestiones relativas a la situación edípica, lo que incluye el Édipo precoce.

Palabras clave: Clínica psicoanalítica contemporánea, Phantasia inconsciente, Situación edípica y Édipo precoce.


 

 

Considerações preliminares

Encerrada a era das escolas, os psicanalistas hoje em dia dispõem de um impressionante conjunto de experiências clínicas e elaborações teóricas diversificadas e, de certa forma, divergentes. Parece ter-se realizado plenamente a interpretação de Michel Foucault: Freud fundou um campo de diferenciações e a obra freudiana não se limita a seus escritos, mas estende-se às inúmeras decorrências destes trabalhos, fecundando e mobilizando as práticas e teorias psicanalíticas mais variadas. Alguns autores, no contexto desta aparente dispersão, procurarão o "terreno comum" — os "invariáveis" — seja no plano dos conceitos, seja nos temas centrais, seja no Método. Pensamos, ao contrário, nas vantagens de respeitar este campo assim diversificado, e atravessá-lo, fazendo ligações, costurando e recortando conforme as exigências do trabalho analítico em sua extraordinária singularidade. Para a execução desta estratégia, a posição de M. Klein, diante de Freud e de outros pós-freudianos (e não nos referimos apenas àqueles que mais obviamente lhe são devedores, como Bion e Winnicott), nos parece especial.

Não é preciso ser "kleiniano", até porque acreditamos ser necessário efetivamente encerrar a era das escolas, para reconhecer na obra de Melanie Klein o alcance que lhe estamos atribuindo. Não será, portanto, como porta-voz oficial de algum "kleinismo" que o presente trabalho está sendo escrito, mantendo-se aqui a mesma posição em que redigimos, com Elisa Maria de Ulhoa Cintra, o livro Melanie Klein: Estilo e pensamento (Cintra e Figueiredo, 2003).

Na verdade, instados a falar sobre Melanie Klein, achamos de melhor alvitre tratar da clínica psicanalítica a partir de Klein. Ou seja, não se pretende falar sobre ou no lugar desta autora, mas falar a partir dela, tal como suas idéias e propostas teórico-clínicas podem comparecer em uma prática analítica, independentemente de uma estrita observância escolástica; não haverá, também, a pretensão de oferecer de sua obra uma visão sistemática e panorâmica, o que se procurou fazer no livro acima mencionado.

A realização da presente tarefa nos obriga a selecionar, dentre inúmeros aspectos igualmente relevantes, alguns temas especialmente determinantes dos rumos que a clínica psicanalítica tomou, ou pôde tomar, a partir de Melanie Klein. Escolhemos o da "phantasia inconsciente" e o da "situação edípica", o que inclui o "Édipo precoce".

 

A phantasia inconsciente e o caráter da "metapsicologia kleiniana"

O que é, que função tem, como se situa e quais as vicissitudes da phantasia inconsciente?

Começaremos tentando responder a estas questões e para tal, além dos trabalhos de Melanie Klein, contamos com o texto básico de Susan Isaacs (1952), bem como nos valeremos de alguns trabalhos mais recentes (Daniel, 1992, Segal, 1964 e Spillius, 2001). O trabalho de Isaacs é um modelo de escrita psicanalítica, de pesquisa e elaboração de conceitos.

Phantasias inconscientes são, para início de conversa, os correlatos subjetivos das pulsões. Mais precisamente falando, são os representantes psíquicos das pulsões; mas são, igualmente, os representantes psíquicos dos mecanismos do ego (não só os de defesa, mas também os constitutivos, como a introjeção), embora não se confundam com eles. Elas compõem a dimensão subjetiva de todos os processos psicofísicos e, nesta medida, se constituem no conteúdo básico da vida mental, do chamado mundo interno. Há sempre uma camada de phantasias inconscientes operando ao longo de qualquer atividade somática e psíquica dos seres humanos.

Em uma definição abrangente, diríamos que as phantasias inconscientes são os representantes psíquicos de impulsos, necessidades e seus estímulos internos (como a fome), sensações, sentimentos, afetos, tendências, desejos, processos corporais fisiológicos (como os de nutrição e excreção), mecanismos mentais, comportamentos, idéias, falas e intenções. Nada do que ocorre no corpo e na mente deixa de estar, de alguma forma, associado a esta atividade inconsciente e criativa de fantasiar, uma imaginação radical, no sentido de Castoriadis (1975)2, que dá sentido e valor afetivo a tudo que se faz e a tudo que nos acontece. A "criatividade original", tal como concebida por Winnicott, é uma herdeira direta da criatividade própria da phantasia inconsciente3.

A noção de "continuidade genética", tal como proposta por Susan Isaacs no texto acima referido, nos autoriza a afirmar que as phantasias inconscientes atestam o poder imaginativo do corpo (o termo é nosso) "na direção de" e "em resposta a" ambientes e seus objetos, bem como a transição desta produção fantasística, estreitamente associada aos acontecimentos e processos somáticos, às operações mentais mais desenvolvidas. Por exemplo, há uma linha contínua que vai do "agarrar" do bebê (e até mesmo do feto) até o "compreender" mais abstrato do cientista ou filósofo (para ambos serve o termo inglês to grasp). Como veremos adiante, uma interpretação percorre nos dois sentidos a via que vai do soma à psique e da psique ao soma, e isto é possível porque as phantasias inconscientes fazem a mediação e a passagem. A dimensão "metaforizante" de uma interpretação psicanalítica4 deve-se, justamente, ao fato de que nela ocorre uma trans-posição de sentido ao longo do contínuo coberto pela phantasia inconsciente.

Ao contrário das fantasias tais como concebidas por Freud em sua principal linha de pensamento (cf. Spillius, 2001)5, as phantasias inconscientes6 em Melanie Klein não dependem de representação, nem de recalcamento (como as fantasias de desejo), embora incorporem e possam incluir representações e recalcamentos. Ao ganhar caráter de representação, podem, por exemplo, receber o status de realidade e transformar-se em crenças, inconscientes ou conscientes (Britton, 1995). Nesta condição, também podem, sob o efeito do recalcamento, justamente quando este incide nas primeiras representações das phantasias inconscientes, com conseqüências inadmissíveis pelo ego7, converter-se em sintomas neuróticos, bem como em inúmeras outras expressões físicas, comportamentais e psíquicas associadas ao caráter neurótico.

Para Freud, como observa E. Spillius (2001), embora pudesse haver fantasias que fossem sempre inconscientes, desde o início ("unconscious all along", como as "fantasias originais" supostas por ele em alguns momentos, de origem filogenética), a posição central e mais assumida é de que a maioria das fantasias tenham sido representações conscientes (idéias) e pré-conscientes antes de serem recalcadas (quando os desejos e demais urgências pulsionais são interditados), e transformadas em expressões disfarçadas do desejo, objetos de interpretação.

Já no terreno kleiniano, Susan Isaacs (1952, pp. 114-115) alinhava entre as encarnações de phantasias inconscientes as perturbações e fobias alimentares e excretórias em crianças pequenas, os "maus hábitos", tiques e cacoetes, rabugices, explosões de mau humor, desafios à autoridade etc., em crianças maiores; e ainda os sintomas histéricos de conversão, dores de cabeça, suscetibilidade a catarros, dismenorréia e outras alterações psicossomáticas. Mas também as características de personalidade correntes como o estilo, o tom de voz, a postura corporal, o modo de andar, de apertar a mão, a expressão facial, a caligrafia estão a elas associadas. Da mesma forma, as atitudes da pessoa frente ao tempo, à pontualidade, ao dinheiro e posses de bens etc. se correlacionam a conjuntos de phantasias inconscientes. Em parte, elas emanam, em parte, evocam, mas sempre comparecem como os representantes psíquicos de tudo aquilo que, vindo do corpo, se projeta para o campo do sentido e, vindo da mente, se retroprojeta no corpo, seus processos e mecanismos e seus comportamentos. Nas phantasias inconscientes encontram-se a origem de todas as ocorrências psicossomáticas, com seus valores afetivos e significados profundos. A ênfase kleiniana, como diz Spillius, é em seu caráter imaginativo, e não defensivo (em resposta à falta do objeto). Phantasias inconscientes são o estofo dos conteúdos inconscientes primários e referem-se à "produtividade" da unidade somatopsíquico. Nesta medida, situam-se em um plano de abstração diferente e mais profundo do que qualquer fantasia — inconsciente ou consciente — que possa ser acessada e ter uma existência fenomênica reconhecível.

Embora o recalcamento das phantasias inconscientes (quando transformadas em crenças) produza adoecimentos neuróticos, os problemas mais sérios com a phantasia inconsciente são devidos a defesas muito mais primitivas que o recalcamento e que atacam ou neutralizam, justamente, esta capacidade imaginativa, vale dizer, atacam o psiquismo enquanto tal. Tais mecanismos podem ser identificados em suas operações. Eles:

(a) Produzem inibição e empobrecimento das phantasias inconscientes, com prejuízos para a curiosidade e a aprendizagem, por exemplo, bem como o empobrecimento afetivo de todo o âmbito da experiência, pois são as phantasias que dão sentido e valor afetivo às experiências de que são correlatas. O corpo biológico e comportamental não é inviabilizado — embora isto possa ocorrer, no extremo dos pacientes psicossomáticos e seus adoecimentos —, mas a qualidade da vida psíquica é reduzida a quase nada, e daí decorrem, por exemplo, grandes dificuldades no "aprender". "Aprender" supõe, entre outras coisas, uma antecipação de sentido que se torna impossível na ausência do phantasiar inconsciente. Sem ele, não restarão nem interesse nem capacidade para fazer novas ligações e o "impulso epistemofílico" fica esvaziado e enfraquecido. Mais adiante, retornaremos a esta questão, tentando sugerir as razões de ser deste ataque ao phantasiar e identificando os mecanismos aí implicados. Desde já, cabe assinalar que se trata de um ataque à pulsionalidade — e às phantasias que lhe são correlatas — que não se confunde com o recalcamento e que parece ser muito mais nocivo: o resultado são os indivíduos incapazes de sonhar, como os "normopatas" e os pacientes do pensamento concreto.

Passemos adiante, descrevendo brevemente outras formas primitivas de lidar com as phantasias inconscientes. Outros mecanismos de defesa muito comprometedores:

(b) Produzem "enquistamento", isto é, um isolamento das phantasias, pela via das cisões e dissociações, mantendo-as nas formas mais primitivas e onipotentes, que se conservam intactas, ao invés de entrarem em interação com os objetos externos e as experiências, podendo ser por estas moduladas e transformadas. Temos, então, um mundo interno e um mundo externo separados e não mais mediados pelas phantasias inconscientes e elas produzirão efeitos muito perturbadores. Por exemplo, podem manter-se indestrutíveis em uma atividade autônoma e impermeável, em um universo esquizóide. Um mundo de devaneios correndo em paralelo ao que se mantém em um mínimo contato com a experiência e, muito provavelmente, prejudicando-a.

Mas, associados especularmente aos enquistamentos, outros mecanismos de defesa primitivos:

(c) Expelem as phantasias inconscientes, fazendo-as invadir e inundar, sem controle, o campo das experiências conscientes, produzindo alucinações e delírios, em um universo paranóide. Dizem alguns (Green, 2003) que se trataria de um transbordamento afetivo ou pulsional (débordements), mas seria certamente mais correto falar em extravasamento das phantasias inconscientes, o que inclui todos os seus elementos (impulsos, necessidades, sensações, afetos, representações, palavras etc). É este conjunto heterogêneo (e não apenas os afetos) o que invade a consciência, o comportamento (nas atuações) e o próprio corpo, em certos casos de adoecimentos psicossomáticos8.

Mais adiante, veremos as razões de ser destas operações e os mecanismos por elas responsáveis.

O hibridismo epistemológico

O conceito de "phantasia inconsciente" rompe com a distinção freudiana entre a metapsicologia e a fenomenologia da clínica. No pensamento de Melanie Klein, estes dois planos estão conjugados, o que pode levar um purista a torcer o nariz, mas que, bem ao contrário de um equívoco, corresponde a uma das mais revolucionárias contribuições da autora para a teoria e para a clínica. Não é que não exista uma metapsicologia em Melanie Klein, como às vezes se afirma, mas ela se enraíza na observação clínica muito mais fortemente que a freudiana e, ao mesmo tempo, oferece à clínica um maior alcance teórico. Trata-se, no nosso entender, de um conceito que encarna o que de mais próprio existe em uma epistemologia psicanalítica, o seu caráter híbrido. Na verdade, este conceito de "phantasia inconsciente" apenas desenvolve a problemática epistemológica já presente no conceito de "pulsão", em Freud, mas o faz com a vantagem de estabelecer as mediações entre planos — como "soma" e "psique", por exemplo, "inconsciente" e "consciência", e assim por diante — e não apenas indicar o lugar das passagens. O conceito, desta forma, engloba uma heterogeneidade de elementos que podem existir ou ser pensados em níveis muito distintos, desde os mais sensoriais até os mais abstratos.

Uma das possibilidades que se descortinam a partir deste conceito é a de fazermos a ligação entre as duas tópicas freudianas sob a dominância da segunda. Poderíamos dizer que as phantasias inconscientes mantêm uma estreita vinculação com as instâncias da segunda tópica: haveria phantasias inconscientes do id e suas pulsões; phantasias inconscientes do ego e seus mecanismos; e phantasias inconscientes do superego, e suas ameaças, interdições e prescrições. No entanto, mais importante do que distribuir as phantasias entre as instâncias, interessa-nos mostrar como elas as articulam de uma forma inovadora, tornando-se, assim, a principal unidade da vida somatopsíquica, uma unidade em que pulsões e afetos, sensações e representações, mecanismos e tendências etc. encontram-se reunidos. Além disso, uma das instâncias, o superego, adquire um outro estatuto: ele mesmo se torna claramente um objeto interno da phantasia, como, aliás, todos os outros objetos internos. Na verdade, todas as phantasias inconscientes ligam-se aos chamados objetos internos duplamente: estes são "objetos" da e na phantasia e a própria phantasia pode ser concebida como uma espécie de "objeto"9. A "desobjetalização", processo de desinvestimento promovido pela pulsão de morte, segundo A. Green (2003), ataca os objetos internos da e na phantasia inconsciente, vale dizer, ataca as phantasias inconscientes, inibindo-as e destruindo-as em sua capacidade criativa e objetalizante.

Por outro lado, as phantasias inconscientes fazem contato com a primeira tópica e com a distinção entre os processos primários e os secundários, entre o inconsciente e o sistema pré-consciente-consciência. De certa forma, corresponderia a uma revalorização do lugar e das funções do "pré-consciente". Elas podem ocorrer simultaneamente e desconhecer o tempo e a contradição, operando de forma caótica, tumultuada, avassaladora. Mas, como já se projetam para o campo do sentido e são aptas à passagem para a palavra e outras formas de expressão e simbolização, acabam estando sujeitas igualmente às leis e condições de funcionamento dos processos secundários. Nunca serão apenas submetidas a uma das lógicas, mesmo que uma delas possa prevalecer em um dado momento. As descrições freudianas dos dois campos e suas lógicas não se perdem, mas enfatiza-se a passagem, a mistura, a instabilidade. Complica-se, portanto, o panorama concebido por Freud, excessivamente racionalista para o gosto de Melanie Klein.

Outra mediação proporcionada pelo conceito de phantasia inconsciente se dá entre o "mundo interno" e o "mundo externo" (o "dentro" e o "fora"), estejam eles funcionando em paralelo ou em interação. Embora as phantasias inconscientes sejam os próprios conteúdos básicos do mundo interno, como vimos, não há contato, não há percepção, não há aprendizagem, não há experiência com os objetos externos que não sejam antecipados e enquadrados pelo fantasiar. O pensamento "objetivo" não se desenvolve contra a phantasia inconsciente, mas a partir dela e das antecipações de sentido que ela proporciona (Segal, 1964). As phantasias inconscientes são pensamentos em estado embrionário e sem elas nenhum pensamento pode ser desenvolvido.

Por outro lado, as experiências com os objetos externos são decisivas para a modulação e transformação das phantasias inconscientes, como veremos mais à frente. O mundo de "fora" nos chega por esta via que, por sua vez, se modifica de acordo com o que é experimentado. Pela ênfase na relação do mundo interno e seus objetos com as phantasias inconscientes, perde-se freqüentemente a capacidade de reconhecer nelas uma função mediadora entre o "dentro" e o "fora". Seria necessário dizer que elas estão "dentro", mas ao mesmo tempo, estão "entre" estas duas esferas. Coube a Winnicott (1951,1960, 1971), com sua concepção dos fenômenos e objetos transicionais, estabelecer mais claramente esta posição entre o objeto subjetivo (um objeto interno) e os objetos objetivos. O que, contudo, nem sempre é percebido é que os elementos transicionais encarnam e realizam precisamente uma das funções das phantasias inconscientes, estas entidades híbridas entre tantas esferas e, no caso, entre as do sujeito e as do objeto. Mas, como sabemos pelo mesmo Winnicott, a força dos elementos transicionais deve-se, em primeira instância, à força dos objetos subjetivos, vale dizer, de um objeto criado pelo bebê a partir de suas experiências com o ambiente. Na tese que estamos desenvolvendo, a capacidade criativa postulada por Winnicott é uma herdeira direta, posto que modificada, das phantasias inconscientes de Melanie Klein em seu caráter primordialmente imaginativo. Cremos que, além da dívida mais óbvia e assumida em relação à posição depressiva e à fase do concern, nem a criatividade primária nem os fenômenos transicionais postulados por Winnicott seriam possíveis sem a tradição kleiniana e, em particular seu conceito de phantasia inconsciente.

Sem este conceito, igualmente, os processos de identificação projetiva e identificação introjetiva e as "comunicações entre inconscientes" ficariam inexplicados. Tal mecanismo, inicialmente concebido como defesa (Klein, 1946), desde Bion (1962) alcançou o estatuto de forma primordial de comunicação. Não há mágica nenhuma: experiências corporais ou psíquicas "produzem" em um sujeito phantasias inconscientes e são elas que, pela via de uma outra phantasia inconsciente — associada ao mecanismo de ex-cisão — evocam em outros sujeitos suas próprias phantasias inconscientes, mescladas às do primeiro sujeito e introjetadas pelo segundo. O que se verifica, em uma rêverie, por exemplo, é justamente este amálgama de phantasias inconscientes que, expressas e simbolizadas pelo segundo sujeito — a mãe ou o analista —, podem ser interpretadas e devolvidas ao indivíduo — o bebê ou o paciente. Intuição e empatia adquirem, desde então, uma possibilidade de existência natural, sem relação a qualquer exoterismo: trata-se de trabalho feito a partir de, pelo menos, dois complexos somatopsíquicos em um nível profundo de funcionamento10.

As incidências e desdobramentos teóricos do conceito de phantasia inconsciente são inúmeros: o protomental, os elementos b e os processos a (como os sonhos e as rêveries), bem como os elementos a em Bion, dependem, para fazer sentido, do conceito de phantasia inconsciente com o seu notável hibridismo e heterogeneidade, e que reúne o mais somático e sensorial a uma possibilidade embrionária de sentido. Segal (1964) também mostra que a noção bioniana de pré-concepção deriva do conceito de phantasia inconsciente, no caso, em sua forma mais primitiva. Da mesma forma, o "irrepresentável" dos Botella (2002), e as chamadas "memórias corporais" dos ferenczianos referem-se aos elementos de uma das pontas do contínuo coberto pelo conceito. Assim, o irrepresentável, embora possa resistir à representação, tende para ela e pode, em última instância, alcançá-la pela via, por exemplo, do trabalho em duplo, da atividade alucinatória do analista, da sua capacidade de dar figurabilidade aos elementos "irrepresentáveis" do e pelo paciente11. Tudo que diz respeito às passagens do corpo à mente e da mente ao corpo depende do conceito de phantasia inconsciente. Mesmo quando a base sensorial predomina, quando predominam tendências e processos fisiológicos, necessidades nuas e cruas, há sempre uma possibilidade de expressão e simbolização, embora estas possam estar bloqueadas. Os sonhos, os jogos e brincadeiras, as encenações dramáticas, os objetos transicionais, as narrativas etc. fazem parte da cadeia de transformação, e cada uma destas formas e modalidades simbolizantes tem a sua eficácia subjetivante e terapêutica: ao permitir que as phantasias inconscientes se expressem, se articulem e sejam simbolizadas, confere-se ao sujeito uma ampliação na capacidade de fazer contato, processar e comunicar-se em um nível profundo. Mais que isto, é a partir destas expressões simbólicas que as phantasias inconscientes podem ser moduladas, sublimadas e postas em mais estreita interação com as experiências do sujeito com seus objetos externos, o que inclui, principalmente, outros sujeitos.

Neste particular, avulta a importância das palavras, mesmo que nem sempre precisem ser usadas palavras para os processos de expressão e simbolização. Edna O'Shaughnessy (1983) chama a atenção para o tema. Colocar em palavras é uma atividade do ego, que se enriquece e adquire maiores poderes de reflexão, favorece a ampliação da rede associativa e do poder sintético do sujeito, dando relevo ao que é falado e narrado, e, principalmente, impõe-lhe uma quebra de onipotência. Uma phantasia inconsciente posta em palavras, sob o império da semântica e da sintaxe, já foi submetida a uma transformação decisiva e não permanece intata e intratável. Por outro lado, qualquer phantasia inconsciente ao ser posta em palavras — ou mesmo ao ser representada e simbolizada por qualquer outro meio — já não é "a mesma de antes". Só podemos acessá-las por meio de palavras, mas devemos estar cientes de que, ao fazê-lo, já procedemos a uma transformação e que jamais teremos como fazer contato com elas em si mesmas. Entretanto, é preciso que as palavras sejam justas e precisas. A isso voltaremos logo adiante. Ainda neste item, é importante que se observe que, mesmo quando uma phantasia inconsciente é de algum modo posta em palavras, nem por isso ela se dissolve e perde sua natureza. Ou seja, mesmo falada e interpretada, a phantasia inconsciente continua operando e produzindo efeitos. Assim, ao falar e escutar, nem se fala nem se escuta "tudo" o que há para ser considerado no plano das phantasias inconscientes. Por exemplo, identificações projetivas continuarão produzindo seus efeitos entrelaçados às palavras e demais simbolizações, às vezes confirmando-as, às vezes suplementando-as e às vezes contradizendo-as. As palavras que escuto, além da semântica e da sintaxe, têm estilo, ritmo, timbre, intensidades etc. e é mediante todas estas dimensões que as phantasias inconscientes estarão sendo postas em circulação.

Antes de encerrarmos este tópico, vale a pena ressaltar que o caráter híbrido do conceito de phantasia inconsciente não apenas lhe garante a posição de unidade somatopsíquica capaz de estabelecer pontes e mediações, como liberta o pensamento psicanalítico do império das dicotomias e dualidades sem prejuízo da discriminação entre elementos. Ao invés de pensarmos que os representantes das pulsões são, por exemplo, de um lado, os afetos e, de outro, as representações, a partir de Melanie Klein a função de representar, tanto as pulsões, quanto todos os elementos somatopsíquicos, é desempenhada pela phantasia inconsciente, que reúne uma variedade de dimensões e componentes: afetos, representações, sensações, necessidades, sentimentos, tendências etc., tudo amalgamado em entidades heterogêneas12.Como dissemos no início, o purismo epistemológico torce o nariz, mas cremos que esta natureza da metapsicologia kleiniana faz justiça à complexidade ontológica do que interessa à psicanálise pensar.

Vicissitudes

Como sabemos, a possibilidade de passagem à representação e à simbolização inscrita nas phantasias inconscientes não garante muita coisa, pois elas são muito vulneráveis às operações defensivas. Algumas vicissitudes nestas passagens já foram estudadas quando falamos de inibição e empobrecimento, de dissociação e enquistamento e de transbordamento e evacuação. Podemos pensar estas vicissitudes a partir de uma noção de contínuo que vai do mais somático e silencioso ao mais mental, expressivo e sublimado. Em diferentes pontos deste contínuo podem ocorrer interrupções e problemas.

Uma impossibilidade bastante radical nas passagens ao símbolo é a que cria buracos negros no psiquismo, áreas de não-simbolização e de elementos não-representáveis (como na psicose branca descrita por Donnet e Green [1973], e os psiquismos traumatizados descritos por Botella e Botella [2002]) em que a phantasia inconsciente está silenciada e silenciosa. A este silêncio se associa uma experiência traumática, seja como causa (o trauma que emudece), seja como conseqüência, pois o enfraquecimento de sua potência imaginativa torna o sujeito menos apto a lidar com o que o afeta vindo de fora ou de dentro do corpo.

Indo um passo além no contínuo, encontramos a "equação simbólica" conceituada por Hanna Segal (1957). Mais adiante, deparamo-nos com a transformação de objetos transicionais em fetiches, tal como descrito por Winnicott (1960). Estes fenômenos mostram como a onipotência da phantasia inconsciente pode levar a melhor. Na equação simbólica, o pareamento entre uma phantasia auto-erótica e tocar um violino, sob a dominância da phantasia inconsciente onipotente (é o exemplo clássico), impede que o tocar violino ocorra em público: ao invés de ele simbolizar a phantasia, é ela que invade o campo da consciência e do comportamento, perturbando-a e inibindo-o. O sujeito não pode tocar violino, exatamente como não pode tocar em seu pênis e masturbar-se diante de uma platéia. O violino é o pênis, ao invés de representá-lo. Já no caso relatado por Winnicott (1960), uma corda que servia como objeto transicional, permitindo a separação entre o garoto e sua mãe, e, ao mesmo tempo, mantendo a união simbólica entre eles, converte-se em fetiche quando começa a servir para impedir de forma onipotente a separação e para manter uma "união real" imaginária, ocupando, na realidade, o espaço vazio, o intervalo. É o que Winnicott denomina "denial of separation"13 (1960, p. 156). O objeto transicional — no caso uma corda — transforma-se em uma coisa em si, um fetiche, e dá lugar a uma perversão. Nos dois casos, o psicótico de H. Segal e o jovem perverso de D. Winnicott, o que poderia ser símbolo transforma-se em coisa sob a dominância de uma phantasia inconsciente onipotente.

Implicações clínicas

Um efeito clínico importante do conceito que estamos examinando é o questionamento de uma separação muito nítida entre interpretação e construção. Interpretar e construir — no sentido freudiano dos termos — encontram-se aqui conjugados. Há sempre uma phantasia inconsciente a ser interpretada, mas há sempre um trabalho de transformação e construção a ser efetivado. Descoberta e criação estão combinadas e talvez toda intervenção analítica tenha o caráter de uma "invenção", o que nela reúne estes dois aspectos. Como foi dito acima, embora não tenhamos contato com as phantasias senão a partir de suas representações e simbolizações, é preciso que as palavras sejam justas e precisas, vale dizer, interpretem com propriedade as phantasias inconscientes subjacentes, as desvelem. E é necessário que elas sejam bem interpretadas, embora neste processo haja simultaneamente construção e transformação.

Em geral, deveríamos evitar os extremos: a "tradução simultânea" e os "enxertos", como dizia Lacan da técnica kleiniana de análise de crianças pequenas, em que palavras são colocadas na boca da criança para que se faça contato com suas phantasias e angústias. No entanto, é inegável que em alguns momentos cabem intervenções que parecem se aproximar de um dos extremos. A realidade, porém, é que, mesmo nestes casos, haverá sempre uma mistura de interpretação e construção nas intervenções analíticas, o que coloca um problema ético: o quanto do paciente pode emergir destas intervenções analíticas? Mas não se trata de favorecer esta mescla, mas de reconhecer seu caráter inevitável. Seria desejável, certamente, que em uma intervenção interpretativa pudéssemos estar absolutamente seguros de estamos trabalhando "per via de levare", deixando as construções para situações especiais, ou deixando-as apenas a cargo do paciente. A clínica a partir de Klein não assume esta visão ingênua e dispõe-se a correr os riscos de conjugar a "via de levare" com a "via de porre", até porque não há outra forma de trabalhar14.

Consideremos agora a implicação do conceito em termos dos objetivos da análise. De um ponto de vista kleiniano, a diferença entre "normalidade" e patologia reside nas formas dominantes de lidar com as phantasias inconscientes, a "normalidade" consistindo em admitir, expressar, simbolizar e transformar estes elementos em contato com a experiência, e as patologias caracterizando-se pela operação de mecanismos de defesa contra elas. Não se coloca jamais a idéia de aboli-las. Assim, o "teste de realidade" não poderia ser concebido como um confronto entre fantasia e percepção, dado que não haveria percepção alguma sem que estejam operando phantasias inconscientes. O que se espera é que elas possam ir sendo processadas e o termo "processamento da realidade" parece muito mais cabível, desde que se entenda que se trata de um processamento da e na phantasia15.

Assim sendo, alguns dos objetivos mais centrais da atividade clínico-analítica podem ser expressos da seguinte forma: desinibição, expressão e simbolização das phantasias inconscientes de forma a garantir o enriquecimento da experiência e da interação entre "mundo interno" e "mundo externo" (instalando ou ampliando a capacidade de "aprender com a experiência" [Bion, 1962]). Espera-se que as phantasias transformadas percam seu caráter onipotente e possam entrelaçar-se às experiência de vida do sujeito. Trata-se, enfim, da criação e da ampliação da capacidade para pensar (containing), para admitir e processar as phantasias inconscientes, sem que nenhuma noção médica de cura e saúde se imponha.

Passemos agora ao segundo tema selecionado. Como se verá, porém, ele nos permitirá retornar às phantasias inconscientes, trazendo novas elaborações a respeito delas.

 

A noção de "Édipo precoce" e a "situação edípica" a partir de M. Klein

Para início de conversa, percebamos que, segundo Melanie Klein, a relação narcísico-dual que o bebê estabelece com seu objeto primário — a mãe e, mais particularmente, o "seio" da mãe, representando a principal fonte de gratificação — está longe de ser uma relação idílica pura. Se, de um lado, as experiências de satisfação estão associadas a phantasias inconscientes de plenitude, há, ao mesmo tempo, phantasias de outra ordem associadas a outros momentos. Melanie Klein não alimenta ilusões e é, na esteira de Freud, uma pensadora do mal-estar. As relações narcísico-duais comportam frustrações e conhecem limites. O "não-mãe" (a mãe má, o pai, o mundo) é permanentemente o horizonte inevitável do objeto primário, e a indiferenciação característica das relações narcísico-duais não é nunca absoluta: uma diferenciação está desde sempre se insinuando, mesmo que reduzida pelos mais eficientes cuidados e adaptações do ambiente. Seja porque é impossível atender perfeitamente a voracidade infantil, seja porque as pulsões hostis dirigidas para fora colorem os objetos e são em seguida introjetadas junto com o leite, os carinhos e cuidados maternos, seja porque entre o homem e seu mundo e seus objetos há sempre inadequação — em qualquer idade e em todas as circunstâncias —, os primórdios phantasiosos da "cena primária" estão inscritos no psiquismo desde o início. A isto chamaremos de "situação edípica", aproveitando o termo usado por Melanie Klein em 1926 e desde o início associado às experiências de impedimentos a uma gratificação plena, às privações (deprivations). No começo, ela é apenas uma phantasia inconsciente nebulosa: há outras fontes e alvos de prazer para a mãe, correlatas às suas ausências, às faltas e insuficiências do objeto (sentidas ou imaginadas) e aos incômodos, pavores e dores daí decorrentes. Ou seja, o "outro do outro", como diz Green (2003), o não-mãe, como objeto e como fonte libidinal da mãe, phantasiado e "percebido" — mas sempre é phantasiado antes e mais do que percebido — faz parte da realidade psíquica em formação.

Nesta medida, há uma situação triangular precoce e incipiente, pouco nítida, como "limite da bem-aventurança"; mas ela é, também, uma condição de possibilidade: é uma condição da relação diádica (contra a atração fusional), e uma sustentação e viabilização da onipotência narcísica primordial da unidade mãe-bebê. Esta função do "terceiro", o pai, como condição do "segundo" e do "primeiro" em sua união primordial foi bem apreciada por Winnicott. O "pai" dá sustentação à mãe e à dupla para que a mãe dê sustentação ao bebê. Mas é claro que este mesmo terceiro elemento mal percebido, mal delimitado, já figura como uma ameaça a esta relação: é o ingrediente decisivo da cena primária original phantasiada, derivada das privações (desde as mais precoces "dores de barriga", até o desmame, o treinamento de hábitos higiênicos, etc.). A isso retornaremos mais adiante.

Nas próximas páginas acompanharemos, em grandes linhas, as evoluções possíveis desta situação edípica primordial e para tanto contamos com trabalhos de Melanie Klein (1926, 1945), e também com os de Boswell (2001), Britton (1985, 1988), Hinshelwood (1994) e O'Shaughnessy (1988). Nestas companhias, trataremos das formas da "situação edípica".

Formas da "situação edípica"

Não podemos confundir a situação edípica, tal como a estamos definindo, com uma de suas formas, como, por exemplo, a sua manifestação cabal nas condições consideradas por Freud no complexo de Édipo. Comecemos assinalando que há formas constitutivas e estruturantes (como a phantasia inconsciente do "outro do outro") e formas defensivas, como as fantasias neuróticas edipianas, por exemplo, em que são idealizadas as relações privilegiadas do filho (ou filha) com um dos membros do casal parental, em detrimento do terceiro elemento do triângulo16.

Convém, igualmente, levar em conta que há formas manifestas (a situação edípica como phantasia inconsciente expressa, representada e transformável) e formas invisíveis, em que a situação edípica é recusada ou rejeitada.

Dito isto, passemos então a acompanhar em traços largos as transformações da situação edípica desde uma phantasia inconsciente primária até as suas formas no complexo de Édipo precoce, e mais além.

O que pode ser caracterizado como uma "boa evolução" da situação edípica, quais seus elementos e qual sua dinâmica?

Como sair da onipotência narcísica e das figuras combinadas e confundidas onipotentes, tais como dispostas na phantasia inconsciente? Segundo esta phantasia inconsciente, constitui-se a cena primária em que mãe e não-mãe (o "outro" e o "outro do outro") unem-se em um intercurso contínuo e violento. A violência é aí projetada a partir da força da voracidade do bebê e da resposta emocional à privação. Na cena primária primordial fantasiada cria-se o objeto todo-poderoso, protetor absoluto e terrorífico, detentor de todos os atributos e capacidades, o interior da mãe com um pênis interno. Não é preciso, absolutamente, que haja uma percepção do coito entre a mãe e um homem. O objeto combinado na phantasia inconsciente é um objeto completo e auto-suficiente. Uma mãe narcisista e auto-erótica, por exemplo, oferece uma base experiencial perfeita para alimentar tal phantasia; mas, em qualquer circunstância, a dependência absoluta do bebê e as falhas inevitáveis do objeto primário poderão gerar esta quimera. Diga-se de passagem, a internalização deste objeto fantasiado/experimentado está na origem do "superego primitivo", uma instância de poder, proteção, controle e submetimento inigualável. Mais adiante voltaremos ao assunto.

A primeira organização viável das relações objetais envolve as cisões constitutivas da posição esquizoparanóide. Quando bom e mau, próximo e distante, etc., tornam-se modos primitivos de separar e organizar a experiência com os objetos, é possível separar a mãe boa da mãe má, ou a mãe boa do "pai" mau, ou, inversamente, o "pai" bom da mãe má. Criam-se, assim duas relações duais (Green), uma com o outro e a outra com o "outro do outro"; estamos na ante-sala da triangulação, uma primeira estruturação da situação edípica em que o complexo de Édipo precoce ainda não se configurou. Nela, o desenho triangular não aparece e a situação edípica se mantém invisível, posto que anunciada. Pacientes borderline tendem a permanecer nesta condição (Figueiredo, 2006) pela recusa em aceitar esta triangulação incipiente.

As integrações da posição depressiva (que ocorrem depois de alguns meses de idade e antes de um ano) permitem uma experiência de triangulação (R. Britton, 1985, pp. 89 e seguintes), dando lugar ao "complexo de Édipo precoce". O outro (a mãe) e o "outro do outro" (o pai) se diferenciam, e se unificam e integram, cada um vindo a se constituir em uma pessoa total, com aspectos bons e maus. Além disso, podem ser phantasiados e percebidos como não mais combinados e fundidos, mas reunidos um ao outro, seja em termos de uma aliança, seja em termos eróticos. Por sua vez, o self se separa e se reúne ao outro (mãe) e ao outro do outro (pai) em suas relativas separação e reunião.

Na situação edípica madura, e aqui já nos aproximamos do complexo de Édipo freudiano, o que requer um longo período de elaboração da posição depressiva, constitui-se o casal parental fecundo (aliança e erotismo), e benigno, capaz de acolher e sustentar seu filho, funcionando como o bom objeto a ser introjetado. Esta introjeção tem importantes efeitos subjetivos: (a) proporciona uma complexa experiência de exclusão-inclusão, pois o filho está incluído na aliança e excluído da relação erótica; (b) nesta posição, pode experimentar as diferenças de gênero e de gerações, identificando-se com um dos pais e desejando o outro, mas percebendo também que o amor entre os cônjuges é de natureza distinta do que há entre pais e filhos; (c) dá-se, assim, a possibilidade de uma experiência de dependência não-simbiótica e de interdependência com o casal em conjunto e com cada um de seus elementos, o que cria o horizonte da individuação e de uma relativa liberdade; (d) angústias de castração e de culpa emergem claramente, mas podem assumir uma feição muito mais moderada que as angústias de separação e engolfamento da posição esquizoparanóide (veremos isso mais adiante); (e) abrem-se as possibilidades de reparação, dado que as ansiedades e culpas mitigadas podem ser enfrentadas com atos reparatórios — se elas crescerem, contudo, darão ensejo às reparações maníacas; (f) do lugar de terceiro em uma relação, cria-se a possibilidade de observação, simbolização do objeto ausente e de pensamento; o filho aceita o terceiro e aceita-se como sendo ele mesmo o terceiro e esta é a posição determinante para o desenvolvimento das suas capacidades cognitivas e auto-reflexivas, sujeito e objeto de conhecimento; torna-se possível conhecer a realidade — liberar o impulso epistemofílico e as phantasias inconscientes correspondentes — fortalecendo o elo K e modulando os elos L e H (para falarmos a linguagem de Bion, 1962).

Na ausência da triangulação, o conhecimento e o pensamento ficam inibidos e as relações de amor e ódio prevalecem imoderadas, mas isso já é parte do que trataremos mais adiante.

Toda essa evolução bem-sucedida ideal depende, é claro, dos objetos primários, ou seja, da mãe e do "pai", as aspas servindo para lembrar que as funções do pai, a serem recenseadas mais adiante, dizem respeito à boa ocupação do lugar de terceiro (o que vai depender, também, do psiquismo, do comportamento e das falas da mãe). "Pai" será tudo aquilo e todo aquele que puder bem ocupar um lugar de terceiro que já está aberto desde a instauração da situação edípica, muito antes de um complexo de Édipo se manifestar plenamente.

O que pode ser agora caracterizado como uma "má evolução" da situação edípica, quais seus elementos e qual sua dinâmica? Trataremos esquematicamente da questão contemplando duas possibilidades, uma mais grave, outra mais leve.

Comecemos com as figuras onipotentes combinadas, confundidas e esquartejadas (pois são objetos parciais) que se cronificam em uma "cena primária" determinante de ansiedades psicóticas e da introjeção de um superego cruel. Em tais casos, os psiquismos funcionam como os pacientes que Ferenczi caracterizou como sendo apenas id e superego, com um ego inexistente ou muito fraco. As decorrências são: (a) prevalecem as relações diádicas e narcisistas (simbióticas) e monádicas (esquizóides) com a recusa ou a rejeição da relação triangular inscrita na situação edípica incipiente; (b) neste campo, dão-se as experiências radicais de exclusão e de inclusão não-mediadas e intoleráveis; na relação com o aspecto tudo-bom e na relação com o aspecto tudo-mau do objeto combinado e todo-poderoso, ou bem se vive uma inclusão engolfante, ou bem uma exclusão aniquilante, o que incrementa (c) processos de idealização defensiva e de persecutoriedade intensa; (d) nesta condição precária desenvolve-se o que foi chamado de "ódio à realidade", o ataque à curiosidade genuína e ao conhecimento, e instala-se a arrogância defensiva, já que o maior dos sofrimentos parece ser justamente levar em conta as phantasias inconscientes que criam e sustentam uma cena primária intolerável.

Nesta condição, observa-se o que já foi designado como o "Édipo invisível" (E. O'Shaughnessy, 1988). Trata-se da recusa e/ou da rejeição da cena primária intolerável, que é a manifestação em estado bruto da situação edípica, uma phantasia inconsciente primária. Aliás, cabe assinalar que não se trata de fato de "ódio à realidade", recusa ou rejeição, ou negação da realidade ela mesma. Até porque não há como fazer contato direto com ela. Dizer que se trataria de uma negação da "realidade tal como interpretada" já é um avanço, mas não vai ao ponto, pois não especifica a qualidade e a natureza desta interpretação. O que se passa é uma intolerância às phantasias inconscientes que constroem uma cena primária da qual se está completamente excluído ou na qual se é incluído como um dos participantes — identificação com o pai ou com a mãe — e na qual se experimentam as intensidades elevadas de uma interação violenta, confusa. Uma forma de alcançar alguma estabilidade sem ter de enfrentar as agruras da travessia e do enfrentamento pode ser a da construção dos "refúgios psíquicos" (Steiner, 1993), uma organização narcísica da personalidade que protege o sujeito da exclusão e da inclusão devastadoras, livrando-o das grandes oscilações borderline, mas deixando-o aprisionado.

Uma outra possibilidade, bem menos grave, diz respeito às fantasias de incesto, isto é, as fantasias edipianas propriamente ditas (prenhes de rivalidades, inveja e ciúmes ou, no extremo, de indiferença diante de um terceiro elemento amesquinhado e ridículo). Tais fantasias ("minha mãe gosta muito mais de mim que de meu pai", por exemplo) perpetuam-se como defesas (neuróticas) contra as ansiedades psicóticas diante das figuras onipotentes combinadas e produzem tanto phantasias inconscientes homicidas e culposas (em geral, recalcadas), quanto phantasias de reparações maníacas (em geral, atuadas). Nestes casos, o Édipo torna-se "excessivamente visível" em sua forma defensiva (Britton, 1989).

Funções do pai, funções do mundo, funções do "terceiro"

Tentemos recensear agora, brevemente, o que poderia ser uma boa ocupação do lugar de terceiro (instalado na phantasia inconsciente), em oposição à má ocupação da posição de terceiro, uma ausência da "função paterna".

Na ante-sala do Édipo, mas já no contexto de uma situação edípica, o "pai" limita, permite e protege a relação diádica e o narcisismo de origem. Pode não ser um pai, mas um conjunto familiar, uma instituição, que desempenha a função de dar holding à mãe e, mais precisamente, à unidade mãe-bebê. Não fazer isto seria, ao contrário, aparecer como um terceiro invasor e inimigo e em conluio com a mãe na tarefa de excluir e matar o bebê. Aqui se manifestam as formas mais cruentas da inveja.

Em seguida, o "pai" serve como objeto de investimento libidinal da mãe. É melhor que seja de fato um homem, mas pode ser o trabalho da mãe ou qualquer outro interesse dela apaixonante. É preciso que haja investimento erótico dela e nela para que a mãe seja vitalizada e o terceiro seja legitimado. Surgem ciúmes, o que já é uma evolução positiva da inveja anterior, mas estes ciúmes podem ser, em princípio, contidos, transformados e reparados. A ausência do "pai", neste momento, deixa intatas as phantasias inconscientes de uma relação dual-narcisista exclusiva e excludente; os ciúmes que então podem emergir diante da mera possibilidade do rompimento desta relação são, aí sim, insuportáveis.

Mais adiante, o "pai" — um companheiro da mãe — funciona como parceiro de um casal parental fecundo e benigno. Nesta condição, instala-se efetivamente a dialética de exclusão e inclusão simultâneas, com as conquistas emocionais e psíquicas já mencionadas. Se a mãe carecer — no plano da phantasia inconsciente — de uma inserção em alguma aliança fecunda, as fantasias edipianas tenderão a se manifestar e a ser recalcadas neuroticamente.

Vale assinalar que, na condição de parceiro, o pai também comparece como modelo identificatório de "terceiridade" liberando as relações objetais para formas de desenvolvimento salutares nos eixos do amor, do ódio e do conhecimento. Esta função de modelo identificatório, embora seja mais evidente em meninos, não é desprezível para a constituição psíquica da mulher. Será, igualmente, nesta condição que a superação do Édipo deixará como herança uma internalização de ideais, valores, interdições etc., vale dizer, os elementos do superego.

Finalmente, deve-se observar que apenas nesta triangulação bem instituída as relações de confiança podem emergir e se firmar. A confiança na mãe e a confiança no pai, mais que isso, a confiança no "casal", como protótipo da confiança nas instituições, dependem da elaboração da situação edípica. Por outro lado, será a introjeção do casal como objeto bom e criativo que cria as condições para a confiança em si, como primeiro, segundo ou terceiro em uma relação amorosa e cognitiva17.

As formas evolutivas da situação edípica em Melanie Klein, como se vê, incidem nos desenvolvimentos emocionais, cognitivos e éticos. O respeito à alteridade e a confiança nos outros e em si são os principais ganhos destes processos e da boa resolução do complexo de Édipo, vale dizer, dependem fundamentalmente da boa ocupação do lugar de terceiro.

 

A clínica psicanalítica a partir de Melanie Klein

Muitas observações já foram sendo feitas ao longo do texto sobre as implicações e derivações clínicas das noções de phantasia inconsciente e situação edípica. A seguir, retomaremos com a maior brevidade a elas, dando-lhes uma feição um pouco mais organizada.

No que concerne ao primeiro conceito, acreditamos que a complexa clínica de W. R. Bion é a que mais tira partido das contribuições kleinianas. Podemos identificar em Bion (1962, 1965, 1970) três modelos clínicos em interação, embora ele mesmo não se expresse nestes termos: uma clínica da continência, uma clínica do confronto e uma clínica do vazio.

A primeira está comprometida com uma função de receber, conter e transformar phantasias inconscientes, o que exige a mobilização das phantasias do próprio analista, e, em decorrência, de suas rêveries; todas as suas idéias sobre continente e contido, elementos b e função a,sobre as transformações etc. caminham nesta direção.

A segunda destina-se a estabelecer um limite firme para as phantasias, estabelecendo-se o analista no terreno das experiências compartilhadas para dali impor à produção fantasística (ou fantástica) uma exigência de trabalho. É importante que se perceba que o confronto não se dá entre a phantasia inconsciente do paciente e a realidade, representada supostamente pelo analista. O analista não é o guardião da realidade e o suporte da verdade. O confronto deve ocorrer entre as formas de expressão e simbolização da phantasia e os mecanismos de defesa do paciente, refratários a admiti-las, expressá-las e simbolizá-las. A função analítica não é confrontar, mas constituir o campo do confronto intrapsíquico, vale dizer, situar-se no terreno das próprias phantasias e seus conflitos com o ego do paciente.

Finalmente, a "terceira clínica" — a mais nitidamente bioniana — tenta lançar o paciente e seu analista em um silêncio e um vazio de imagens — para fora, portanto, dos espaços mentais saturados — e na direção do inesperado e desconhecido. Esta terceira clínica, certamente, contrapõe-se à escola kleiniana dos inícios e às suas técnicas de interpretação excessivas e muito impregnadas de imagens. No entanto, esta crítica ativa ao kleinismo não dispensa o conceito de "phantasia inconsciente" e a sua redefinição bioniana, em termos de "pré-concepção". Ao contrário, deixa-a livre das idéias prévias, das imagens feitas, da exuberância imagética, fazendo dela uma espécie de imaginação sem imagens, pura capacidade receptiva, antecipadora, poiética e poética de criação e espera do inesperado. Cabe à negative capability do analista (1970) a tarefa de deixá-lo "sem memória, sem desejo e sem compreensão", confiante no caráter produtivo da imaginação sem imagens, aquela capacidade que em alemão se diz justamente Phantasie. Novamente aqui, cabe-nos recordar a noção de "imaginação radical" de Castoriadis, condição de emergência de toda representação, mas ela mesma aquém do campo representacional18. Esta terceira clínica de Bion torna-se, assim, o melhor antídoto contra as "traduções simultâneas" e os "enxertos" e contra os desvios éticos que emergem da mescla inevitável entre interpretação e construção. Transformar as phantasias inconscientes em puras "estruturas enquadrantes" — nas palavras de A. Green — é o máximo a que pode chegar a clínica psicanalítica em suas funções terapêuticas, embora as duas outras vertentes da clínica de W. Bion continuem indispensáveis.

Já as implicações clínicas da situação edípica, do "Édipo precoce" e das funções do terceiro concentram-se nas diversas funções do terceiro na situação analítica. O terceiro, além de desempenhar todas as "funções paternas" apontadas no item anterior, mostra-se em suas várias figuras: o enquadramento, o manejo e as interpretações (em geral) são terceiros elementos nas relações entre paciente e analista. Qualquer interpretação, aliás, independentemente de seu conteúdo específico, atesta a independência, a autonomia e a capacidade de pensamento do analista, que, ao mesmo tempo que é objeto da transferência, mantém-se como observador do que se passa na situação. Qualquer interpretação estabelece um ângulo novo na relação, um vértice da triangulação. Por isso, alguns pacientes recusam qualquer interpretação exatamente como recusam, ou rejeitam, a triangulação, enquanto outros a dissolvem no já-sabido, tentando reconstituir deste modo a ilusão de dualidade e narcisismo. Assim sendo, como tão bem assinalou R. Caper, a partir de Klein, Bion e Britton, cabe ao analista preservar uma "mente própria", proteger e manter-se fiel aos seus objetos internos, entre os quais a própria teoria psicanalítica. É a afirmação do papel crucial do terceiro em análise. Algumas vezes, o analista deverá estar disponível para uma relação próxima e quase fusional, mas para isso vir a ser terapêutico o lugar do terceiro elemento deverá ser ocupado, seja pelo setting, seja pelos objetos internos do analista, seja por um supervisor. Outras vezes, caberá ao próprio analista ocupar, simultaneamente, este lugar e o lugar de segundo na relação. De uma forma ou de outra, a boa ocupação do lugar de terceiro, escute-se o que se escutar, diga-se o que se disser, é certamente a base e a condição da ação terapêutica do psicanalista.

 

Melanie Klein no panorama da psicanálise contemporânea

Chegamos ao fim deste percurso, sem falar em nome de Melanie Klein, mas a partir dela, e sem qualquer pretensão de representar uma escola kleiniana. Mas é justamente deste lugar que podemos apresentar seu pensamento clínico e o que ele nos oferece e propicia. É a partir dele que se torna possível um resgate da autora, para além de escolas e modismos.

O primeiro aspecto a destacar é a possibilidade de síntese criativa entre a primeira e a segunda tópicas elaboradas por Freud. Esta síntese torna-se capaz de enfrentar os impasses e limitações das três clínicas freudianas, quando vistas em separado: a "clínica da representação", a "clínica das pulsões" (o que inclui a ênfase no irrepresentável) e a "clínica dos mecanismos de defesa". A clínica psicanalítica a partir de Melanie Klein articula estas três vertentes de forma integrada.

Com ela, ou a partir dela, podemos também empreender a superação de alguns mitos da origem: o mito da origem plena, da indiferenciação e do idílio — tal como pode ser entendido de algumas posições de Winnicott — e o mito da origem como falta e pura diferença — tal como se depreende do pensamento de Lacan. Não é de estranhar que, no silêncio que se criou em torno de Melanie Klein, Winnicott e Lacan tendam a crescer, mas também a revelar seus limites e unilateralidades e, ainda, a ensejar perspectivas de aproximações e combinações. Resgatar Melanie Klein pode ainda ser a melhor maneira de nos mantermos freudianos, sem abrir mão de tudo que veio depois dela no complexo universo psicanalítico. De certa forma, ela pode nos ser de grande auxílio justamente na superação da era das escolas, cujas sobrevivências anacrônicas ainda existem em um certo lacanismo e winnicottismo renitentes, com suas profissões de fé antikleinianas. E isso não é pouco.

Mas talvez o aspecto mais decisivo para a clínica contemporânea tenha sido o redimensionamento da noção de fantasia, gerando o conceito de phantasia inconsciente com sua incrível capacidade de mediações. O alcance da escuta se amplia, bem como se incrementa o alcance das interpretações e demais dispositivos analíticos quando dispomos de um conceito que atravessa a unidade somatopsíquica em suas diversas formas de articulação, e em seus diferentes níveis de desenvolvimento. Os cuidados a neuróticos, psicóticos, perversos, borderline, compulsivos, psicossomáticos etc. podem encontrar em Melanie Klein e no seu conceito de phantasia inconsciente uma base consistente. Sem que precisemos descartar todas as extraordinárias elaborações teórico-clínicas — inclusive as não-kleinianas e antikleinianas — que povoam nossa história de pouco mais de cem anos. E isso é bastante, mesmo que não seja suficiente.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Luís Claudio Figueiredo
R. Alcides Pertiga, 65 — C. César
05413-100 São Paulo, SP
Fones: 3083-3731 / 3086-4016
E-mail: lclaudio@netpoint.com.br

Recebido em: 10/11/06
Aceito em: 14/12/06

 

 

* Psicanalista; professor da PUC-SP e da USP; agradeço a Pedro Henrique Bernardes Rondon e a Elisa Maria Ulhoa Cintra pelas revisões e correções; agradeço ainda a Alfredo Naffah Neto, Marion Minerbo, Nelson Coelho Junior, Mauro Meiches, Daniel Delouya , Maria Elena Salles de Brito e a Elias Rocha Barros pelas leituras, críticas e sugestões.
1 Palestra na Formação Freudiana, Rio de Janeiro, em dezembro de 2006; uma parte destas idéias foi inicialmente apresentada em simpósio organizado pelo Departamento Formação em Psicanálise, no Instituto Sedes Sapientiae, São Paulo.
2 Para Castoriadis, a psyché é essencialmente uma capacidade de phantasiar (phantasmatization), de criar, algo que Freud descobre e encobre. Quanto a Klein, Castoriadis tem as seguintes palavras: "Assim, mesmo Melanie Klein, que, no entanto, concedeu às formações fantasiosas (phantasmatiques) uma importância decisiva,... acaba fazendo das fantasias, como o assinalam J. Laplanche e J.-B. Pontalis, percepções falsas". (grifos nossos). De fato, nem sempre ela foi clara em suas afirmações, mas é indiscutível que até então ninguém estivera mais próxima à noção de "imaginação radical" do que ela com seu conceito de "phantasia inconsciente". Vale lembrar que o termo alemão Phantasie, de onde vem o hábito de grafar em inglês phantasy, entre os kleinianos, significa imaginação (cf. Britton, 2003).
3 Apontar esta herança não significa ignorar as diferenças. Sobre esta questão retornaremos mais adiante. Podemos antecipar, contudo, dizendo que a noção de "imaginação radical", contemplada na nota anterior, guarda grande proximidade com a idéia de uma "criatividade original", tal como concebida por Winnicott.
4 Isto não quer dizer que interpretações psicanalíticas sejam metáforas; certamente, não são analogias ou sinonímias; o que as caracteriza é a capacidade de fazer o sentido circular, o psiquismo trabalhar e alcançar novas posições; ao falar em "dimensão metaforizante", procuramos enfatizar os processos de trans-posição que levam, por exemplo, da escuta de um conflito cognitivo ou moral do paciente adulto à interpretação em termos de processos corporais muito primitivos e infantis. Todas as interpretações da transferência comportam este caráter trans-positivo em que o "aqui e agora" é trans-posto para o passado, e vice-versa.
5 E. Spillius mostra como, ao lado desta linha principal, já em Freud encontramos o embrião de uma outra concepção de fantasia, mais próxima ao conceito kleiniano, a de uma fantasia originária proveniente de uma herança filogenética.
6 A diferença na grafia tenta dar mais visibilidade a esta diferença conceitual; "fantasia" pode ser devaneio, ilusão e evasão, mas "phantasia"(Phantasie ou phantasy) diz respeito à imaginação como atividade psíquica essencial, sendo a própria realidade psíquica (cf Britton, 2003).
7 EComo assinala Britton (1995), transformadas em crenças, as phantasias passam a ter conseqüências, algumas das quais intoleráveis e contra as quais o ego se defende.
8 Há somatizações também devidas à inibição das fantasias, como parece ser o caso nos pacientes estudados pela escola de Paris; este é o caso tratado no item (a) logo acima.
9 O mesmo é verdadeiro da phantasia quando transformada em crença, como observa Britton (1995). A dor da perda por este objeto pode ser tão difícil quanto a de qualquer outra perda, sendo mais fácil recusá-la ou recalcá-la do que fazer efetivamente o luto por ela.
10 Do entrejogo de phantasias inconscientes, provavelmente, é que se irão constituir e ser introjetadas as matrizes que organizarão a vida mental do sujeito. Dificilmente se poderá saber o peso da imaginação radical dos dois envolvidos nos resultados do processo.
11 Ou seja, a imaginação radical do analista (Castoriadis) está preservada e é posta a serviço da análise. Nos nossos termos, dizemos que as phantasias inconscientes do analista estão em plena operação.
12 Cremos que, se perdêssemos a discriminação entre tais elementos, também perderíamos o caráter heterogêneo da phantasia inconsciente. Assim, tanto é importante aceitar estas associações quanto assinalar as distintas naturezas de seus componentes. Alguns deles, por exemplo, são mais facilmente expressos e simbolizados, enquanto outros parecem muito mais primitivos e resistentes.
13 A Verleugnung freudiana ora foi traduzida como denial, ora como disavowal: o garoto sabia e não sabia da separação.
14 A solução do problema ético deve ser procurada na dialética da implicação e da reserva, conforme sugerido em outra parte (Figueiredo, 2000).
15 A distinção entre teste e processamento de realidade nos parece importante e foi adotada em um outro trabalho (Figueiredo, 2006).
16 Neste caso, a triangulação não é totalmente ignorada ou recusada, mas o terceiro elemento é depreciado e reduzido em sua potencial rivalidade.
17 Embora Melanie Klein não tenha dedicado à confiança a mesma atenção de Balint e Winnicott (cf. Figueiredo, no prelo), há menções a esta noção em seus escritos. Mas o que aqui está sendo acentuado é que seu pensamento oferece excelentes bases para uma compreensão psicanalítica bastante integrada em torno deste tema.
18 A "criatividade originária", segundo Winnicott, também corresponde a uma potência imaginativa destituída de formas prévias, puro vazio e virtualidade (Naffah Neto, comunicação pessoal).

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