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Jornal de Psicanálise

versión impresa ISSN 0103-5835

J. psicanal. v.40 n.73 São Paulo dic. 2007

 

EDITORIAL

 

O analista no exercício de seu ofício está condenado a interpretar. Interpreta a fala, o silêncio, o sonho. As fantasias, as angústias, os atos. Interpreta na e a transferência; interpreta também as resistências. Diríamos mesmo que a interpretação está no coração do trabalho do analista.

Neste número do Jornal convidamos nossos colaboradores de diferentes abordagens a refletir sobre a arte da interpretação através de diálogos com a Teoria dos Campos. Moveu-nos não apenas considerar a interpretação o punto vivo do trabalho analítico, mas o desejo de colocar em movimento a idéia original proposta por Fabio Herrmann da interpretação como ruptura de campo. Esta idéia, como o autor admite, originou-se de questões que a clínica lhe impunha.

A interpretação, a arte da interpretação, para a Teoria dos Campos, é o próprio método da psicanálise em ação. E por isso mesmo é anterior e condição da teoria, não ao contrário, como muitas vezes se pensa.

Pode parecer, num primeiro momento, que o trabalho do analista se torne mais difícil diante das exigências que o método impõe, ou que tal forma de pensar, mais crítica e sofisticada, possa tolher o analista. No entanto, é por estar firmemente ancorado pelo método que o analista fica livre para tecer, descoser, refazer as costuras analíticas, abrindo espaços que vão se transformando e se sucedendo, tendo em vista que a construção é ficcional.

Outra conseqüência é a compreensão de situações cotidianas, tão comuns a todos nós, analistas ou não, às quais o método pode ser estendido, no que a Teoria dos Campos nomeou clínica extensa. Uma “simples” experiência como passar por uma cirurgia, ou experimentar sentimentos de despeito, tão corriqueira quanto humana, pode ser absorvida, talvez, de outras formas eventualmente menos sofridas ou traumáticas.

Já dentro de nossos consultórios, esta forma de pensar e de instrumentar o ofício de analista pavimenta o caminho para o efeito-surpresa apanhar não apenas o analisando, importante como já dizia Freud, mas também o analista, como apontam alguns de nossos colaboradores, os efeitos “shocks”, e que Fabio Herrmann convencionou chamar de ato falho a dois.

Perguntarmo-nos sobre o lugar que o método psicanalítico ocupa, e não apenas no paradigma emergente das ciências, a partir da experiência clínica, é a questão a que estes artigos aqui publicados procuram responder. Os efeitos da nítida e firme demarcação deste lugar — outra conseqüência desta forma de pensar — podem se constituir na abertura para aquilo que uma de nossas autoras designou como “hospedeiras do estranhamento”, inerente à reapropriação do corpo individual e social do paciente, inaugurando tempo-espaço para singularidades.

A interpretação psicanalítica como arte, tema deste número, foi contemplada em todos os artigos — quer abordassem a clínica de consultório quer a clínica do mundo, da psique do real. Alguns trabalhando a arte da interpretação de dentro da Teoria dos Campos, outros a abordando por referenciais diferentes. Mas o foco pretendido de estabelecer diálogos com a Teoria dos Campos dá o tom — como tom musical — do número. Isto fica muito presente na interlocução estabelecida entre os participantes do debate. Tendo como referência alguns trechos de textos de Fabio Herrmann, selecionados previamente, a conversa entretida pôde estabelecer relações de ordem teórica e epistemológica entre concepções distintas da interpretação psicanalítica e os caminhos que apontaram para construções teóricas. Podemos afirmar que o ponto comum nessa troca dialogal está na consideração de que o rumo da teorização que vai privilegiar teorias sobre o sujeito está mais propenso a se tornar letra morta do que o que toma em consideração a ação do método psicanalítico, inventado por Freud, e definido por Fabio como ruptura de campo.

Agrupar as contribuições recebidas em seções foi a solução por nós encontrada para distinguir, no tom geral, especificidades de execução da arte da interpretação. Nesse sentido é paradigmática a seção dedicada à publicação dos trabalhos apresentados na Jornada da Teoria dos Campos de agosto de 2007, evento realizado em parceria do CETEC (Centro de Estudos da Teoria dos Campos) com a SBPSP (Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo).

Somos gratos aos nossos colaboradores e ao mesmo tempo desejosos de nossos leitores.

 

Leda Maria Codeço Barone
Editora

Leda Herrmann
Editora convidada

Alice Paes de Barros Arruda
Co-editora

Alexandre Horta e Silva
Ana Maria Loffredo
Ana Maria Vieira Rosenzvaig
Beatriz Helena Peres Stucchi
Iliana Horta Warchavchik
Marta Úrsula Lambrecht
Corpo Editorial

 

Algumas linhas da Editora Convidada

Para mim foi uma honra participar da editoria deste número do Jornal que homenageia Fabio. O Jornal de Psicanálise sempre morou em seu coração. Era com muito carinho que ele cuidava dos artigos que lhe eram encomendados, e ultimamente preparados durante nossas viagens de férias, geralmente em sítios nevados, depois de uma prazerosa manhã de esqui, prazer que escorria à tarde para o laptop de plantão. Foi longo o percurso de Fabio pelo Jornal, iniciado com o artigo “Reflexões de menoridade”, preparado em 1975, ainda candidato, e publicado em 1976, chegando até este número. Foi por causa dessa relação amorosa de Fabio com o Jornal que escolhi os dois artigos ora publicados. “Interpretações”, texto inédito, trabalha o tema na perspectiva ficcional de um panorama possível para a interpretação em psicanálise. “Teoria dos Campos, uma pequena história” foi o último texto que escreveu, já gravemente doente. Não teve tempo para terminá-lo em vida, mas, como observo no posfácio, ele está completo em sua incompletude. Não tive dúvidas de escolher o Jornal como o periódico científico em que deveria aparecer.

Sugeri a republicação da entrevista concedida por Fabio ao Jornal, em 2000, pois nas respostas às entrevistadoras, de certa forma, estão expostos os fundamentos teórico-filosóficos de seu pensamento psicanalítico, não referidos nas obras escritas. No costumeiro jeito gaiato, Fabio nos revela seu percurso na formação psicanalítica, confessando tê-la realizado mais intensamente anos antes de seu ingresso no Instituto como candidato.

Finalmente quero agradecer aos colegas do Corpo Editorial. Agradecer o convite que muito me comoveu, ao clima de camaradagem sempre presente nas reuniões de trabalho e à oportunidade de encontrar novos amigos.

 

Leda Herrmann
Dezembro de 2007

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