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Jornal de Psicanálise

versión impresa ISSN 0103-5835

J. psicanal. v.40 n.73 São Paulo dic. 2007

 

REFLEXÕES SOBRE O TEMA

 

A interpretação do ponto de vista da Teoria dos Campos: sua eficácia e sua idealização1

 

Interpretation according to Multiple Fields Theory: its effectiveness and its idealization

 

La interpretación desde el punto de vista de la Teoría de los Campos: su eficacia e idealización

 

 

Leda Herrmann*

Membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo
Presidente do Centro de Estudos da Teoria dos Campos

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A Teoria dos Campos considera a interpretação como a operação própria ao método psicanalítico de ruptura de campo, residindo aí sua eficácia. Na psicanálise pós-freudiana fixou-se na forma idealizada e restrita da fala explicativa do analista, referida principalmente à denúncia da relação transferencial. Esta concepção de interpretação é criticada pela Teoria dos Campos porque limita as possibilidades de surgimento de sentidos, ou novas auto-representações, por parte do paciente.

Palavras-chave: Interpretação psicanalítica, Ruptura de campo, Método da Psicanálise, Teoria dos Campos, Fabio Herrmann.


ABSTRACT

Psychoanalytic interpretation is considered by Multiple Fields Theory as the proper action of the psychoanalytic method of field rupture that implies its effectiveness. An idealization form of the psychoanalytic interpretation took place in the pos-Freudian psychoanalysis, which considers just the analyst explanatory sentence that points out mainly the transference from the patient. Such conception of psychoanalytic interpretation is criticized by Multiple Fields Theory because it restrains the possibility of the arising of new meanings, or different self presentations for the patient.

Keywords: Psychoanalytic interpretation, Field rupture, Psychoanalytic method, Multiple Fields Theory, Fabio Herrmann.


RESUMEN

La Teoría de los Campos considera la interpretación como la operación propia del método psicoanalítico de ruptura de campo, basándose en esto su eficacia. En el psicoanálisis post-freudiano se fijó en la forma idealizada y restricta del discurso explicativo del analista, referido principalmente a la denuncia de la relación transferencial. Esta concepción de interpretación es criticada por la Teoría de los Campos porque limita las posibilidades de emergencia de sentidos o nuevas auto representaciones por parte del paciente.

Palabras clave: Interpretación psicoanalítica, Ruptura de campo, Método del Psicoanálisis, Teoría de los Campos, Fabio Herrmann.


 

 

Na Teoria dos Campos não é possível pensar o problema da interpretação dissociado do tema do método psicanalítico.

A Teoria dos Campos, pela obra de Fabio Herrmann, procedeu a um rigoroso estudo do método interpretativo da Psicanálise, método que se escondeu nos procedimentos de seu fazer clínico.

As perguntas a que esse trabalho de desvelamento do método responde são:

1) Por que a Psicanálise funciona, ou cura?

2) Se a eficácia da ação terapêutica da Psicanálise está presente seja qual for a orientação teórica ou manejos técnicos do analista, a que ela se deve?

O argumento, resumidamente, desenvolvido por Fabio é o seguinte:

As regras operatórias do jogo psicanalítico como setting, teorias, escolas não são responsáveis pela eficácia da ação terapêutica da Psicanálise. As regras estruturantes do fazer analítico — o método, no sentido etimológico de meta hodós (caminho para além de) — é que são responsáveis pela eficácia terapêutica da Psicanálise. E, por favor, não confundir método com técnica, como, por exemplo, a técnica de solicitar livre associação. Aqui começamos a adentrar o problema da interpretação. Nesse trabalho de desvelamento do método, Fabio foi encontrar a proveniência dessas regras estruturantes do fazer analítico na especificidade do diálogo em uma sessão de análise.

Descreve o diálogo analítico como a escuta descentrada do analista que procura sentidos outros para o tema trazido pelo paciente. Responder ao assunto proposto com um outro é manter-se no tema emocional trazido pelo paciente. É nesse jogo do par analítico que encontra as regras puras da prática interpretativa. Isto é, a escuta descentrada leva à desestabilização da auto-representação presente do paciente, rompendo o campo em que ela se assentava e criando um momento lógico de ausência de representação, a expectativa de trânsito (de uma representação para outra), provocando como fenômeno um vórtice ou redemoinho de auto-representações possíveis daquele paciente, até que uma outra se imponha.

Como Fabio explica, em uma conferência de 89, recentemente publicada pela revista IDE (Herrmann, 2006), o sentido de toda relação humana (intra ou intersubjetiva) é determinado por um campo, da mesma forma que uma conversa entre amigos só faz sentido dentro de seu assunto — uma troca de opiniões sobre os rumos do país tem como assunto a política nacional, por exemplo. O Campo Psicanalítico, no entanto, comporta um diálogo extravagante, comporta um diálogo cujo campo é sempre outro, diferente do que o paciente acreditava haver. Comporta o que apontei acima, a escuta descentrada do analista. O analista apreende o paciente pelo que diz e como o diz, naquilo que lhe é comunicado, e ao pé da letra, no entanto desrespeita o assunto que estava tratando, escuta-o em outro campo. O analista está atento para os sentidos outros que aquela fala contém, e não se fixa no assunto proposto como diálogo pelo paciente. Citando Fabio nessa conferência sobre Freud e o método psicanalítico de 89: “Aqui, neste novo campo, as palavras proferidas perdem sua fixidez, o analisando vê-se com nova representação insuspeitada, é surpreendentemente outro para si próprio. Ao efeito de choque entre os campos chamo Ruptura de Campo” (Herrmann, 2006, p. 103).

É assim que Fabio define o método da Psicanálise, como ruptura de campo.

E a interpretação? Resumidamente podemos dizer que a interpretação é o processo pelo qual analista e paciente chegam à ruptura de campo, é o processo que põe em ação o método da Psicanálise. Para a Teoria dos Campos a interpretação é o próprio movimento de ruptura de campo.

 

Um sucinto exemplo clínico

Em algumas sessões, uma paciente, com alguns anos de análise, volta repetidamente à queixa de ter-se apaixonado repentinamente por um homem muito mais velho e atraente para as moças que a acompanhavam na viagem em que o conheceu. Ao mesmo tempo que ele a elogiava e queria sua companhia constante, criticava-a, dizendo-lhe ter um QI de 110, uma inteligência média de seu ponto de vista, o que a fazia sentir-se burra, coisa que havia muito não lhe acontecia. Na família, um clã de mulheres, o pai sempre exerceu o papel de provedor econômico, mas permanecendo afetivamente ausente, só conseguindo conversar sobre assuntos de seu próprio interesse. Nessas ocasiões fui introduzindo pequenos toques apontando o estranhamento da paciente ao ver-se a eleita, ao ver-se eleita por um homem que exercia atração entre suas companheiras de viagem. Esses toques tiveram, como primeiro efeito, surpreender a paciente com o espanto de representar-se, também, como a escolhida e não só a burra. Finalmente, em uma sessão, quando volta ao tema, o mesmo toque interpretativo, acrescido do comentário de ver-se eleita por esse homem mais velho e muito cobiçado naquele conjunto de moças, possibilita-lhe considerar o egoísmo desse homem e, aos poucos, relacioná-lo ao egoísmo do pai que só consegue falar de si, não dando atenção aos assuntos ou pedidos da filha — queixas que percorrem a análise dessa moça desde seu início. Começa a romper-se o campo da impossibilidade do olhar masculino amoroso, podendo a paciente representar-se conflitiva e simultaneamente admirada e menosprezada pelo quase namorado, tão mais velho que ela, quase como o pai.

Até aqui trabalhei a definição de interpretação na Teoria dos Campos como a propriedade intrínseca ao método psicanalítico Dessa forma, penso ter abordado, também, o primeiro tema proposto por este artigo, o poder da interpretação, ou seja, sua eficácia. Adentremos o outro, sua idealização, expondo um pouco mais dos desenvolvimentos, na obra de Fabio, sobre a interpretação psicanalítica, ou, como prefere chamá-la, sobre o método interpretativo da Psicanálise.

Na Psicanálise a interpretação passou a ser confundida com a fala explicativa do analista ao seu paciente. Isto é, os textos técnicos psicanalíticos tendem a considerar a interpretação como uma espécie de aplicação de uma particularização da teoria que se mostra no material do paciente, sem considerá-la mais acuradamente. São palavras de Fabio em um velho texto de 83:

Quer dizer, a interpretação é como o garfo: todos o usam, ensinam-nos desde a infância as boas maneiras de usá-lo, reconhece-se a classe do cidadão por seu emprego apropriado, mas raramente alguém pára a pensar como é que é feito. E no entanto é a interpretação, ainda como o garfo, que nos traz comida à boca (Herrmann, 1999a, p. 122).

De forma geral, uma interpretação psicanalítica mostra que algum conjunto selecionado de falas ou idéias, de comportamentos ou emoções, ou mesmo de fatos sociais, contém também um significado diferente do que parecia manifestar. É daí que vem a expressão usual conteúdo manifesto. Nesse artigo, Fabio continua sua argumentação afirmando que a pergunta simples que nunca se coloca é: como se faz para provar tal afirmação? Pegos de surpresa, nós analistas recorremos a um arsenal de expressões como intuição, vivência emocional, metáfora, teoria. Quer dizer, estamos sustentados pela idéia de que uma intuição de sentido evoca certa vivência emocional no par analítico que encontra nos ditos do paciente uma metáfora de certa teoria canônica, da castração ou do Édipo, por exemplo. Além de não considerar como é feito o garfo, os problemas desta definição são vários. Se explicarmos que a intuição vem da teoria, estamos diante de um caso de tautologia, de petição de princípio, onde a premissa repete-se na conclusão, o cachorro mordendo o próprio rabo, correndo em círculo. Se lhe atribuímos a causa à própria vivência emocional, estamos no reino da nossa praga epistemológica, a sugestão, pois a intuição não resiste à sensação de verdade que a vivência emocional produz. O mais comum é provir a intuição da iminência de uma metáfora que reúna o conjunto das falas do paciente em um sentido traduzível ponto por ponto nos termos de alguma teoria, a que a vivência emocional confere credibilidade e eficácia prática. Mas metáforas não explicam ou provam resultados, são apenas pontos de partida para o conhecimento, pois é a figura de linguagem que designa uma coisa por outra por causa de alguma semelhança de sentido.

Para a Teoria dos Campos, a interpretação não prova nada, nem encontra nenhuma verdade escamoteada, ela apenas cria condições para que surjam, do próprio paciente, sentidos outros do sentido primeiramente intencionado. Isto significa expor ao paciente o sentido de presença de tudo aquilo que mostra ao analista — atos, fatos narrados, emoções em lágrimas ou risos. Sentido de presença não se reduz à variante paranóide do analista de atribuir a si o que o paciente contou a respeito da mulher ou do vizinho. O processo interpretativo apreende a auto-representação presente do paciente em relação ao analista, desvenda a forma em que ele está sendo no momento, quando pensa ser outra coisa. No processo interpretativo o terapeuta parteja com o paciente uma segunda auto-representação que simplesmente colide com a original, não sendo melhor nem pior, nem a única verdadeira, mas uma auto-representação alternativa. Estando-se no campo transferencial a alternativa surgida, se corresponde a um sentido emergente, vincula afeto e representação e induz à ruptura de campo.

Para a Teoria dos Campos, um campo transferencial não é um fenômeno, mas uma rede que implica analista e paciente e que induz o aparecimento de sentidos possíveis para o paciente, sem abrigar indutores concretos de sentidos que só poderiam ser derivados de teorias conhecidas do analista e não do próprio paciente. É o campo transferencial que cria a interação do par analista/analisando, com ou sem diálogo material. Esta concepção leva a sério a força da criação ficcional da transferência na análise, mas não abona a redução da interpretação à tradução da emoção transferencial. Originalmente o conceito freudiano de transferência considerava-a como a repetição de certos padrões emocionais conflituosos estabelecidos com uma figura-chave da infância para outra figura, a do analista, principalmente — emoção certa na hora errada e com alguém que nada tem a ver com ela. Posteriormente a prática clínica impôs novo sentido ao conceito de transferência que a toma, também, como uma específica tradução metafórica onde todas as manifestações do paciente — falas, gestos, silêncios etc. — têm uma dimensão transferencial, ou seja, um segundo sentido, bem escondido ou não, e referido às emoções vividas no aqui e agora da sessão, que o analista deve mostrar ao paciente através da interpretação transferencial. Citando Fabio:

A análise de um paciente não é psicanálise + paciente, um processo sempre igual com diferentes pessoas, senão uma história singular, um campo bem determinado pela história psíquica, capaz de organizar os demais campos que nele ocorram. Assim sendo, cada análise tem um enredo que é a vida do analisando, sob espécie transferencial. Ao analista cabem vários papéis nesse enredo, podendo ser um deles o de tradutor, mas a análise encarnada é como a neurose do paciente: é história viva. Seria um pouco forçado querer desempenhar o papel de príncipe Hamlet, em Macbeth (Herrmann, 1999b, pp. 24-25).

Nesse mesmo texto Fabio argumenta que as análises de Freud retratavam o paciente, enquanto os nossos relatos clínicos de análise têm a cara da Psicanálise. Os historiais clínico de Freud mostram a análise como um experimento histórico em que ele adentrava e partilhava do enredo psíquico dos pacientes, entrava no campo transferencial promovendo cura. Para a Teoria dos Campos experimento histórico é o sentido forte da noção de neurose de transferência. Retomando novamente as palavras de Fabio:

Ao discutir os detalhes do sonho do Homem dos Lobos, as peripécias da dívida não paga do Homem dos Ratos, os lances da história amorosa do Caso Dora, já estava interpretando transferencialmente, sem a necessidade de dizer: “o Senhor (ou a Senhora) sente que eu…”. Tomando ao pé da letra essa atitude fundadora da clínica psicanalítica, a Teoria dos Campos propõe que o processo de construção da sentença interpretativa, e não sua comunicação ao paciente, constitui a verdadeira interpretação, sendo aquela apenas um momento posterior e às vezes prescindível dentro do trabalho analítico. E mais, que as teorias envolvidas nessa construção fazem parte do campo transferencial — ou ele só age sobre o paciente? —, e sobretudo que a teoria que serve de eixo para uma interpretação, dure esta quanto dure, de um curto instante até a análise inteira, nunca está acima da interpretação, não é um cidadão acima de qualquer suspeita (Herrmann, 2006, p. 25).

Como princípio técnico a Teria dos Campos considera a interpretação um processo e uma arte, arte da interpretação, que diz respeito aos leves toques emocionais em ação suave e contínua e pequenos assinalamentos de sentido, levados à condição de grandes responsáveis pelo efeito psicanalítico. Como um processo interpretativo artístico, permite o suave dedilhar da alma do paciente, como o dedilhar de um instrumento musical. É um agarrar-se às fantasias do paciente para acompanhá-las enquanto presentações mutáveis do desejo do paciente. A ação interpretativa requerida por parte do analista dá-se ou em seu silêncio, ou em pequenos toques interpretativos como a repetição de algo que o paciente disse, mesmo que seja simplesmente o destaque de uma palavra proferida. Muito desse processo interpretativo passa-se na escuta do analista; no entanto, a ação interpretativa supõe a participação do paciente, como a produção de um ato falho a dois, pois a interpretação sempre culmina na revelação de outro sentido para a fala do paciente, como se o primeiro sentido fosse sempre uma palavra equivocada. Nesse processo a dois de agarrar-se às fantasias do paciente, interpretação não se identifica com a fala do analista. Com ela confundida, torna-se explicação que, por fazer um chamamento ao racional, tanto de paciente como de analista, retira-os desse embate de agarrar-se às fantasias. Portanto a Teoria dos Campos não reduz a interpretação à argumentação racional do analista nem às sentenças conclusivas por ele proferidas sobre o material do paciente — a estas chama de sentenças interpretativas. No processo interpretativo o lugar da sentença interpretativa não pode ser anterior à ruptura de campo, mas uma explicação, um epígono do processo que já aconteceu.

Concluindo. Para a Teoria dos Campos há um equívoco no tratamento que a Psicanálise tem dado à interpretação. A interpretação psicanalítica concebida como a sentença interpretativa que denuncia a relação transferencial — ou seja, o privilégio quase absoluto dado à interpretação transferencial na clínica —, por não poder desatrelar-se de prévias concepções teóricas, tanto constitui a idealização da interpretação, como engessa a própria clínica na sua possibilidade heurística de descoberta de novos campos do sentido humano, outros inconscientes. Mas isto já é uma outra história.

 

Referências

Herrmann, F. (1999a). A psicanálise, a psicanálise e as demais psicoterapias em face do absurdo. Jornal de Psicanálise, 32(58/59), 93-132. (Trabalho original publicado em 1983. Título original: A psicanálise, a psicanálise e as demais psicoterapias em face do absurdo.)        [ Links ]

Herrmann, F. (1999b). A psique e o eu. São Paulo: HePsyché.        [ Links ]

Herrmann, F. (2006). Freud e o método psicanalítico. IDE, 29(43), 102-107.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Leda Herrmann
R. Agrário de Souza, 106 — Jd. Paulistano
01445-010 São Paulo, SP
Fone: (11) 3088-8123
E-mail: herrmannfl@globo.com

Recebido em: 17/09/2007
Aceito em: 23/10/2007

 

 

1 Uma versão deste artigo foi apresentada na mesa-redonda “O poder da interpretação em psicanálise: sua eficácia e sua idealização”, do XXI Congresso Brasileiro de Psicanálise, Porto Alegre, maio de 2007.
* Membro da SBPSP. Presidente do CETEC (Centro de Estudos da Teoria dos Campos). Doutora em Psicologia Clínica pela PUCSP.

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