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Jornal de Psicanálise

Print version ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.41 no.74 São Paulo June 2008

 

REFLEXÕES SOBRE O TEMA

 

Relações entre a análise de formação e o instituto1

 

Relations between training analysis and the institute

 

Relaciones entre el análisis de formación y el instituto

 

 

Mario Gomberoff*

Membro e analista de criança da Associação Psicanalítica Chilena

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A análise didática é diferente da comum, que exige liberdade para a recíproca escolha de ambos os participantes, seu início e término. Na didática, o candidato é previamente selecionado e deve escolher entre os didatas, até o extremo de ser às vezes levado a interromper uma análise para retomá-la com outro didata. Postula-se a necessidade de que o Instituto se dedique a ensinar psicanálise e avaliar de forma mais rigorosa sua docência e deixe a análise a critério do analista e do candidato, abolindo-se a classe dos didatas. A serviço da instituição e tendo seu poder ostentado pelos didatas, interessa à análise didática assim se manter. Com sua idealização, identificação narcísica mútua e seu caráter de fetiche, cumpre ela a tarefa de manter os standards mínimos com mais exatidão, o que a torna mais conservadora e, paradoxalmente, transgressora, uma vez que é a que mais preserva a psicanálise de possíveis inovações. Isso à custa dos candidatos, que devem cercear sua escolha e sua liberdade, submetendo-se à instituição através de seu representante, o analista didata, que também deve fazer o mesmo.

Palavras-chave: Análise didática, Fetiche, Idealização, Instituição.


ABSTRACT

Training analysis is different from a personal analysis since it demands freedom from both participants to initiate and finish it and to choose each other. In training analysis, the candidate is previously selected by other persons and must choose among training analysts leading to the interruption of an analysis in order to initiate other one with the training analyst. It is postulated that the Institute’s should dedicate itself to the teaching of psychoanalysis and to rigorous evaluation of its teaching members, while analysis should be left for the analysts and candidates criteria, thus abolishing training analysis. In the service of the Institute and the ostensible power of the training analysts, training analysis maintains itself inaltered. With its idealizations, mutual narcissistic identifications and its characteristic fetish, it fulfills its aims of maintaining the minimum standards with more precision becoming very conservative and, paradoxically transgressing, since it preserves psychoanalysis from any possible innovation. All this at the expense of the candidates who must restrict their choices and freedom, submitting to the institution by means of their representative, the training analyst, who shall also do the same.

Keywords: Training analysis, Fetiche, Idealization, Institution.


RESUMEN

El análisis didáctico es diferente del común que exige libertad para la recíproca elección de ambos participantes, su inicio y término. En el didáctico, el candidato es previamente seleccionado por otras personas y debe elegir entre los didactas, llegando al extremo de, a veces, interrumpir un análisis para reiniciarlo con otro didacta. Se plantea la necesidad de que el Instituto se dedique a enseñar psicoanálisis y a evaluar de forma más rigurosa su docencia y deje el análisis al criterio de analistas y candidatos, aboliendo desde luego, la clase de los didactas. Se señala que el análisis didáctico está al servicio de la institución cuyo poder lo ostentan los didactas y que ella está interesada en mantenerse tal como está. El análisis didáctico con su idealización, identificación narcisista mutua y su carácter de fetiche, cumple en ser aquel que mantiene los standards mínimos con más exactitud, lo que lo hace más conservador y, paradojalmente, trasgresor. Así es el que preserva más el psicoanálisis de posibles innovaciones. Lo anterior es a costa de los candidatos que deben recortar su diversidad, su libertad y someterse a la institución, lo que se hace a través de su representante, el analista didacta, que también debe hacer lo mismo.

Palabras clave: Análisis didático, Fetiche, Idealización, Institución.


 

 

Há vários anos venho refletindo sobre a análise de formação (Gomberoff 1999, 2002, 2006, 2007). Que essa análise seja emblemática para os institutos e que todos os analistas a tenham experimentado, certos de sua utilidade, faz com que a postura crítica com que a abordo seja difícil, dolorosa e arrisque o rechaço prematuro dos colegas. Acredito, porém, que nosso ofício inclui também a análise da nossa instituição, cuja estrutura depende em grande parte disso.

Como as análises se prolongavam demasiadamente, a critério do analista didata, há tempos mudamos em nosso grupo sua regulamentação: deve ser iniciada antes dos seminários teóricos e finalizada quando da primeira supervisão. Essa análise é praticada com um analista didata. Pode começar antes e terminar depois do regulamentado, desde que haja acordo entre analista e analisando, sem ingerência institucional. Ocorre que, atualmente, existem postulantes à formação que solicitam hora para a data mais próxima ao início dos seminários e finalizam a analise pouco depois de completar sua primeira supervisão. Tal prática revela que esses candidatos querem somente cumprir o requisito exigido da análise didática. Não estão interessados em iniciar nem em completar verdadeiramente sua análise. No entanto, há analistas didatas que disso participam.

Igualmente a descoberto fica um desvio que frisa a diferença entre a análise habitual e a análise didática, já que nesta é eliminado um de seus postulados fundamentais: a liberdade de fazê-la ou não. Em muitas ocasiões, exige ela de candidatos que, previamente à sua postulação, iniciaram uma análise com um analista não didata, que a interrompam para reiniciá-la com outro que tenha a função didática; ou que, já tendo finalizado uma análise, devam repeti-la no lapso fixado pelo Instituto, ainda que o analista anterior fosse didata.

O analista didata, de outro ponto de vista, aceita a tarefa encomendada pela instituição de analisar candidatos para os quais, anteriormente, já tinham sido escolhidas outras pessoas, acatando essa intromissão na sua própria autonomia. Sua gestão será um encargo de um terceiro participante, fundamentalmente interessado nas metas docentes, que define seu início e fim. Ambos os integrantes se submetem à organização.

Parece estranho que exista algum empenho em demonstrar que tal análise seja igual e, mesmo, que sua qualidade supere a habitual. Trata-se de uma exigência cujo propósito é produzir uma estrutura grupal com as características de nossas associações e, além do mais, contribuir para que elas se mantenham sem mudanças. O custo deve ser pago pelos candidatos e didatas que fazem essas análises cativas e com isso arriscam-se a destruir sua genuína capacidade analítica. Apesar disso, essas análises — que carecem das características indispensáveis para satisfazer qualquer teoria de técnica que as examine — continuam sendo oferecidas e anunciadas aos postulantes como sendo da mais alta qualidade.

O acima assinalado coloca em dúvida o didático dessa análise que, em muitos aspectos, é contraditório com o que se ensina nas supervisões. E, no entanto, essa análise é destacada como o pilar fundamental da formação.

Praticá-la com as incongruências que aponto somente pode se entender quando se opera sustentado em mecanismos de renegação, como assinala Meyer (2003) — que a qualifica de fetiche da psicanálise —, e quando sua idealização a coloca em lugares que a mantém incólume a qualquer tipo de críticas. Em que pese a necessidade freqüente de reanálises posteriores ou da busca de tratamentos com profissionais de outras escolas, essa análise continua sendo, parafraseando Freud, não somente ouro, senão platina para a instituição.

Os analistas que têm a função didática constituem a camada mais apreciada, mais invejada e a de maior poder nos grupos psicanalíticos. Geralmente, a autogeração do grupo é a variável mais importante na sua nomeação, com as evidentes conseqüências políticas de concentração de poder e rivalidades grupais. A maioria não tem muita notoriedade e isola-se na confidencialidade e no anonimato, não mostrando o que fazem. Os candidatos buscam aqueles que são afins a alguma escola a seguir, geralmente, a predominante no grupo, em seu afã de aprendê-la, mantendo assim uma continuidade teórica que, se não ocorre, é interpretada como um “acting out” rebelde, que necessita de mais análise.

Isso é assim porque a análise didática opera através da identificação narcísica em que o objeto não é procurado pela necessidade, que deveria ser o alívio do sofrimento, senão para ser como ele, para poder analisar e dominar a teoria como se supõe que o analista a domina. Este último não poderá subtrair-se de seu próprio desejo de que seu candidato abrace sua escola e seja, por sua vez, parte de sua descendência clínico-teórica, num deslizamento à síndrome fáustica (Gomberoff, 1999). Ou seja, o didata também instala uma relação narcísica. Conseqüentemente, a sombra do objeto cai no ego de ambos: a dos candidatos no analista e a dos últimos nos primeiros, com seu posterior mútuo empobrecimento. A originalidade, a novidade podem ser sentidas com a culpa pela traição.

Isso, ao final das contas, implica ter territórios ocupados da personalidade. Encontramos-nos com analistas que falam ou que socialmente agem tal como seu analista e que, às vezes, utilizam o enquadre, que sempre é parecido, para focar não só suas supervisões, se não os intercâmbios administrativos em suas associações ou, ainda, nas diversas situações de vida.

Os procedimentos se submetem a standards mínimos (número de sessões por semana, tempo de cada sessão, honorários, etc.). A análise didática é a que mais exige apego a essas normas. As variações, que poderiam ser praticadas em outras análises, são mais difíceis de serem realizadas nas didáticas.

A partir da morte de Freud, que mantinha um controle férreo sobre teoria e técnica, as variações começaram a surgir, até o ponto de requerer, segundo as autoridades, esses standards mínimos, que devem ser acatados de forma especialmente rigorosa nas analises didáticas. Aqueles que as conduzem devem ter características semelhantes que, supõe-se, os habilite para receber o encargo de suas associações. São os que têm maior disposição para submeter-se às normas.

Assim, é justificável dizer que, paradoxalmente, a análise didática, apesar das transgressões assinaladas, é a análise menos original, mais repetida e mais normativa. Podemos supor, então, que ela passa pelas mentes dos candidatos como um rastelo que aplaina, unifica, constituindo um procedimento poderoso que iguala, apara as arestas e vai contra a diversidade.

O estrato social inferior das agrupações é constituído por candidatos que conseguiram ser chamados de “analistas em formação” há pouco tempo. Havia uma tradição — que, felizmente, está terminando — de que eles não podiam participar de congressos e, às vezes, nem mesmo das atividades científicas. Parte disso ainda se mantém, razão pela qual eles desenvolvem atividades paralelas e organizam suas próprias agrupações. O duplo gasto de forças dessa dicotomia, que não tem explicação razoável, antigamente sustentava-se na suposta necessidade de que os candidatos conhecessem o mínimo possível seus analistas ou na presumida imaturidade dos candidatos para informar-se plenamente do saber psicanalítico.

O arbitrarismo de tal estado de coisas não impede sua aceitação pelos candidatos. Defendem e identificam-se com seus didatas, preparando-se para emulá-los no futuro, numa espécie de identificação com o agressor. Assim também há submissão à idéia de que os membros associados ou titulares não didatas que tenham se graduado, a partir de uma carreira de pós-graduação de seis ou sete anos, não têm a capacidade de analisar um candidato, apesar de estarem autorizados para tratar outras pessoas, o que igualmente implica evidente discriminação.

Pareceria estranho que um genuíno postulante a analista não quisesse se analisar e fosse a tanto obrigado por meio da imposição desse procedimento como requisito para sua formação.

Suponhamos que houvessem postulantes que não quisessem se analisar. Caberia a imposição desse requisito? Pode existir análise imposta? Por outro lado, o mero assentimento a esse requisito desde logo significaria a verdadeira aceitação da análise? Como experimentar um procedimento como esse sem estar verdadeiramente de acordo? Tendo muita dificuldade para fazer associação livre, submetendo-se, adaptando-se, fazendo “como se”, com o uso do “self falso”? O mesmo ocorre com o analista didata, que somente poderá suportar tudo isso enganando-se a si mesmo e acreditando que está trabalhando com eficiência.

Suponhamos que tal requisito seja eliminado. Muitos postulantes desejarão se analisar. Outros não. E o que faria o Instituto? Ensinaria psicanálise e, obviamente, melhoraria seus sistemas de avaliações. Se a própria analise é tão importante na formação, muitos candidatos que não se analisariam dar-se-iam conta de que não poderiam ser bem avaliados, que não estavam aprendendo e a solicitariam voluntariamente. Se forem bem avaliados sem análise, quer dizer que esta não é imprescindível.

Recordemos que nas primeiras épocas, quando a criatividade da disciplina era indiscutível e, em conseqüência, muito maior que na atualidade, apesar de o número de analistas ser infinitamente menor, nem todos se analisavam e, aqueles que a efetuavam, a faziam brevemente.

A análise didática, com sua história de identificações narcísicas sucessivas, mantém por detrás dos divãs um Freud estrito, que trata de preservar a solidez do movimento com rigidez, que só tolera as próprias descobertas ou as do autor idealizado pela escola do analista didata. Isso inibe a criatividade. É curiosa a descoberta de que Freud em suas análises não se submetia aos conselhos que dava, o que nos permite dizer que suas análises não eram freudianas. Suas variações foram fundamentais para o progresso da técnica. Algo parecido sucede com os “poucos” fundadores de escolas da disciplina que, para fazer suas contribuições, variam as técnicas de seus sucessores. No entanto, seus seguidores, através das identificações narcísicas, que se alojam principalmente no superego, repetem o vivido anteriormente, reativando as identificações primárias, que passam a ter características de imperativo categórico, ideal do ego, exigindo submissão.

A saída desse círculo é difícil, requer a libertação dessa influência da análise didática. Grande parte dos candidatos transforma-se em bons artesãos que repetem a técnica aprendida. Poucos se desenvolvem como cientistas criativos com investigações originais. As associações sublinham seu aspecto mais de profissional gremial que científico.

Mesmo nas publicações e apresentações em congressos, prefere-se o assim chamado clínico, ou seja, o relato de casos. Quando o leitor ou ouvinte encontra nos casos mais elementos de sua própria escola — o que é freqüente — se sente mais gratificado. Quando o relatado é mais parecido a relatos de outros casos, confere-se ao trabalho maior importância. Praticamente o mesmo ocorre com as supervisões, quando o candidato analisa de forma mais semelhante a de seu supervisor, este se sente mais contente com os avanços de seu aluno.

A possível eliminação da análise didática envolve uma mudança que nós, técnicos artesãos — que somos a maioria dos analistas —, dificilmente poderíamos suportar.

Quis refletir a respeito da análise didática, que tende a perpetuar a estrutura de nossa organização, mantendo-a estável, impedindo-a de enfrentar as mudanças necessárias para se situar como uma organização moderna. Ela estimula, sim, o conservadorismo, a excessiva estabilidade. E isso à custa das análises de seus integrantes. Sacrifica os indivíduos para manter os círculos viciosos da organização. A meta de qualquer instituição é a sua conservação. Em nosso caso, em vez de ser, como deveria, a atenção para com suas características científicas e artísticas, talvez se torne a preservação dos seus aspectos artesanais, técnicos e museológicos.

 

Referências

Gomberoff, M. (1999). Término en el análisis didactico: Ponencia oficial. Apresentado no Congresso Internacional de Psicoanálise. Precongreso Didático, 41, Santiago.        [ Links ]

Gomberoff, M. (2002). Crisis y análisis didáctico. Apresentado no Congresso Fepal. Precongressso Didático, 19, Montevideo.        [ Links ]

Gomberoff, M. (2006). ¿Deben tratarse los psicoterapeutas? Apresentado no Congresso Fepal, 21, Lima.        [ Links ]

Gomberoff, M. (2007). Análisis Didáctico. Apresentado no Congresso Internacional de Psicoanálise, 45, Berlim, 25-28 Julho.        [ Links ]

Meyer, L. (2003). Subservient analysis. International Journal of Psychoanalysis, 84(5), 241-62.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Mario Gomberoff
Brasilia 800 Dpto. 301, Las Condes
Santiago, Chile
Fone: 56-2-224-6871
E-mail: magom@vtr.net

Recebido em: 20/04/08
Aceito em: 22/05/08

 

 

Tradução de Marta Úrsula Lambrecht
* Membro e analista de criança da Associação Psicanalítica Chilena.
1 Trabalho a ser apresentado no XXVII Congresso Latino-americano de Psicanálise, em Santiago, Chile, de 25 a 27 de setembro de 2008.

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