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Jornal de Psicanálise

Print version ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.41 no.74 São Paulo June 2008

 

REFLEXÕES SOBRE O TEMA

 

Considerações sobre a possibilidade de que a análise didática possa ter resultados patogênicos

 

Considerations on the possibility of pathogenic results of training analysis

 

Consideraciones sobre la posibilidad de que el análisis didáctico pueda tener resultados patogénicos

 

 

David Zimerman*

Psicanalista membro efetivo da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo pretende tecer reflexões acerca da análise didática, com a ressalva de que ficará restrito à sua possível iatrogenia e patogenia no analista em formação. Assim, o autor destaca alguns pontos que julga básicos, entre eles, a enorme influência de um permanente “superego analítico”, o qual resulta dos mandamentos forjados pela IPA, desde sua criação até os dias atuais. Daí pode decorrer uma transgeracionalidade, ou seja, aludidos mandamentos (ou “recomendações”, como alguns preferem dizer) permanecem em sucessivas gerações de novos psicanalistas, tanto no que elas têm de positivo, quanto de negativo, sendo estas últimas as únicas salientadas no presente artigo. Imbuído do mesmo espírito, o autor tece reflexões acerca da supervisão curricular do candidato, assim como ressalta a relevância da pessoa real do analista.

Palavras-chave: Patogenia da análise didática, Formação psicanalítica, Supervisão de candidatos, A pessoa real do analista.


ABSTRACT

This paper intends to reflect on training analysis, but it will limit itself to the pathological aspects of the candidate’s psychoanalytical education. The author emphasizes some basic aspects: first, the important influence of a permanent “psychoanalytical superego” within IPA’s commandments, from its origins until today. The greatest consequence of this is the installation of a trans-generational influence, that is, the mentioned commandments forged by IPA persist in successive generations of new psychoanalysts, in the positive and the negative aspects, and the latter are emphasized in this paper. The author also makes reflections on the candidate’s supervision, and points out the importance of the real person of the psychoanalyst.

Keywords: Pathology of the training analysis, Analytical education, Candidate’s supervision, The real person of the psychoanalyst.


RESUMEN

Este trabajo pretende hacer reflexiones al respecto del análisis didáctico, únicamente restrictas para sus aspectos patogénicos en la formación del candidato para devenir psicoanalista. De este modo, el autor enfatiza algunos de los mencionados aspectos, como: “el superyó psicoanalítico” con sus mandamientos, desde su orígenes hasta la actualidad. La mayor consecuencia de eso es la instalación de una transgeneracionalidad, o sea, los mencionados mandamientos forjados por la IPA que persisten en las sucesivas generaciones de nuevos psicoanalistas, tanto en sus aspectos positivos como en los negativos, siendo estos últimos los que ocupan el presente artículo. El autor también hace reflexiones acerca de la figura del Supervisor del candidato, así como también enfatiza la importancia de la “persona real del analista”.

Palabras clave: Patogenia del análisis didáctico, Formación psicoanalítica, Supervisión de candidatos, La persona real del psicoanalista.


 

 

Como introdução ao presente artigo, convém fazer alguns esclarecimentos. O primeiro deles é o de que a responsabilidade pelo conteúdo das reflexões que se seguirão é inteiramente minha, ou seja, não represento o pensamento e tampouco as posições ideológicas vigentes na minha sociedade — Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre (SPPA) — o que de forma alguma deve significar que não possa haver concordâncias e, muito menos, que exista uma marcante discordância entre eu e meus colegas.

O segundo refere-se ao estilo utilizado neste trabalho, que consiste em um apanhado evolutivo de minha experiência pessoal através de comparações entre as características da época em que iniciei minha formação psicanalítica na SPPA, no início dos anos 60, e as modificações que se processaram ao longo dessas mais de quatro décadas.

Alude o terceiro ao fato de que parto do princípio de que a normalidade da análise do analista em formação é tão óbvia em sua necessidade sine qua non nessa formação e, na maioria das vezes, no seu sucesso, que não vou ater-me a ela.

Pretendo tecer reflexões quanto às possíveis situações, que denominarei de “patogenia das análises didáticas com candidatos em formação”, as quais, não obstante o fato de não serem por demais freqüentes, merecem que reflitamos sobre os prováveis inconvenientes e prejuízos que eventualmente provocam. Ademais, além de dispensar um aprofundamento das características e dos resultados frutíferos da normalidade das análises didáticas e de destacar alguns aspectos que caracterizam a provável patogenia que pode estar presente em algumas análises com candidatos-analistas, também opinarei sobre alguns aspectos controvertidos que mobilizam a que nós, analistas, nos pronunciemos quanto a alguns pontos polêmicos respeitantes à formação de novos psicanalistas.

Inicio este artigo evocando o fato decorrido há quase cinqüenta anos, quando, após ter feito as entrevistas prévias para obter a condição de candidato do Instituto da SPPA, fui aprovado e recebi uma comunicação de que deveria esperar um tempo indeterminado para iniciar a análise com um analista didata, já que na época eles eram somente quatro e todos seus horários estavam ocupados.

Claro que, bastante motivado, esperei pacientemente, porém o tempo foi se prolongando e juntamente com minha noiva (atualmente, minha esposa) decidimos nos casar e tomamos algumas providências para os preparativos da festa: confecção de convites, escolha de um local apropriado, etc. Coincidentemente, com a data do casamento marcada e às vésperas da distribuição dos convites, fui comunicado pela diretoria do Instituto de que uma vaga fora aberta com o prof. Paulo Guedes. Fiz contato com ele, marcamos uma entrevista inicial, em que tudo correu bem, até que surgiu a informação de que eu estava com casamento marcado para muito breve.

As coisas, então, se complicaram. Com sua habitual franqueza e amabilidade, Guedes disse que se via obrigado a me dar duas opções, para que eu e minha noiva pensássemos, visto que não poderia me analisar naquelas circunstâncias, já que “seria o mesmo que uma pessoa passasse correndo e me informasse quero me analisar, mas antes vou me casar”, o que o deixaria totalmente impotente para avaliar melhor se o casamento expressava uma conquista sadia, ou se poderia estar expressando um acting ou coisa equivalente.

As opções que ele me oferecia eram: ou eu dava prioridade ao casamento e depois voltava a procurá-lo, sem a garantia de que me asseguraria a vaga para análise, ou eu e minha noiva postergávamos o evento o tempo suficiente para que o curso de nossa análise viesse a permitir a convicção de um momento certo para sua concretização. Naquele mesmo dia, eu e minha noiva tivemos uma longa conversa e, entre pós e contras, ela perguntou se a minha formação era assim tão importante. Respondi que sim, porém... (pretendia dizer que o adiamento do casamento poderia ser muito prolongado e que eu não queria causar nenhum problema e desgosto), ela nem me deixou completar e de forma muito amorosa me deu uma grande força para começar a minha análise.

Após uns dois anos aproximadamente, fui liberado para concretizar formalmente o casamento. Guedes enviou um presente, compareceu à cerimônia religiosa e à festa, estava alegre e me prestigiou. Nossa análise se prolongou por aproximadamente sete anos e só foi interrompida por sua inesperada morte prematura (estava com 50 anos), em conseqüência de um enfarte cardíaco.

Contei tudo isso para deixar uma pergunta ao leitor: se fosse hoje, o colega que neste momento me lê teria um procedimento similar? Ou grande parte da conduta do analista didata (faço a ressalva de que não era uma atitude isolada de Guedes, pessoa bastante flexível e sensível, mas, sim, de que expressava a mesma uma conduta vigente na época) sofreu grandes transformações, decorridos mais de quarenta anos? Reitero que o relato deste episódio não tem a menor intenção de formular qualquer tipo de queixa; pelo contrário, conservo uma gratidão pelos excelentes resultados que obtive e, até hoje, pranteio seu desaparecimento.

O que importa é que tenho, quase, uma convicção de que mais do que uma posição psicanalítica necessária para o bom andamento da análise, o meu analista de então — como, creio, acontecia em todas as sociedades brasileiras de psicanálise, na época — deveria estar submetido ao que chamo de superego psicanalítico. Este termo designa um clima algo persecutório existente entre todas as camadas das sociedades, abrangendo desde os candidatos aspirantes até o mais graduado dos psicanalistas veteranos, diante do temor de não cumprir rigorosamente as recomendações (ia dizer “ordens”) provindas da IPA, que eram bastante mais rígidas do que hoje.

Mais um exemplo: quando eu e os demais candidatos recebíamos o aval para aceitar um possível paciente para fazer uma análise de quatro sessões semanais, com o uso do divã, etc., com a finalidade de cumprir a prática de duas supervisões sucessivas, que perfizessem cada uma o tempo mínimo de aproximadamente dois anos, havia uma norma: o primeiro paciente, a ser analisado sob supervisão, deveria ter o mesmo sexo biológico que o do candidato, enquanto a segunda supervisão deveria ser com um analisando de sexo oposto.

Eu e meus colegas estranhávamos este tipo de critério de “sexo biológico”, mas nunca contestamos ou questionamos, porque a nossa conduta automática era a de acatar, de bom grado, as determinações da cúpula diretiva. Por essa época, ficamos sabendo (não sei se corresponde à verdade dos fatos) que também no Instituto da Sociedade de São Paulo havia um critério semelhante de seleção de pacientes para as primeiras análises sob supervisão curricular, só que com sinal contrário ao do Instituto de Porto Alegre, ou seja, o paciente para a primeira supervisão deveria ser do sexo oposto ao do candidato analista, enquanto o paciente da segunda supervisão deveria ser do mesmo sexo. Ficamos ainda mais intrigados.

Posteriormente, já na condição de analista didata da SPPA, durante uma reunião da comissão de ensino do nosso Instituto, aproveitei a pauta dos assuntos que debatíamos e questionei o porquê dos critérios de sexo biológico para esse tipo de seleção de pacientes. Após uma pausa, o então diretor do Instituto deu a resposta que me deixou algo estarrecido: “é para proteger os candidatos” — completando: “a intimidade entre o candidato e seu paciente, no caso de sexos opostos, pode promover o risco de surgimento de fantasias e até de envolvimentos eróticos, com os prováveis prejuízos na sua formação de psicanalista, especialmente no que tange à correta aplicação da ‘regra da neutralidade’.”

Fui me informar com colegas qual era a argumentação utilizada no Instituto de São Paulo, e a explicação que me deram era a mesma: “proteger os candidatos para evitar o risco de o candidato ainda despreparado, diante de um paciente do mesmo sexo biológico, vir a correr o sério risco de ele ficar severamente atrapalhado com as fantasias homossexuais que fatalmente surgiriam no campo analítico”.

Creio que o leitor concorda comigo na reflexão de que esses critérios, naquela época, bem no fundo, expressavam uma atitude superprotetora, logo, infantilizadora em relação aos candidatos, por mais que um deles fosse possuidor de um ego já amadurecido, talvez, até, fruto de uma análise anterior ao seu ingresso na Sociedade, fato que não era levado em conta. Essa infantilização do candidato pagava um alto preço: castrava sua espontaneidade e, fundamentalmente, sua criatividade, tal era seu receio vir a ser censurado caso ele (ou ela) ousasse fazer uso de uma necessária liberdade (cuidado: não confundir com libertinagem), logo, com os necessários limites para pensar, opinar, verbalizar, agir e ter assegurado seu sagrado direito de, eventualmente, errar ou de ter algumas limitações.

Essa atitude superprotetora do analista didata, em inúmeras situações, se concretizava como um vínculo dele com seu paciente candidato em moldes de exercício de poder, ou seja, nesse caso, a análise a que o candidato se submetia, muito provavelmente, estaria forjando ou reforçando a estruturação de uma personalidade de natureza submissa, ou a construção de falso self. Em casos extremos — não tão raros assim —, a análise podia, disfarçadamente, adquirir uma natureza algo sádico-masoquista.

Para reforçar essas reflexões, trago outro exemplo. Uma talentosa candidata, ao buscar cumprir da melhor forma possível sua obrigação para com o Instituto (redação de um trabalho que anualmente deve ser apresentado), optou por um texto em que fugia da rotina de simplesmente repetir obviedades e dava asas à sua imaginação (“imagem em ação”, segundo Bion) e à sua criatividade, propondo um vértice de abordagem e de compreensão algo diferente do habitual, entremeando citações de autores consagrados com opiniões pessoais.

Pois bem, a avaliação do trabalho, por parte de reconhecido analista-professor, foi negativa; não tanto, segundo ele, pelo conteúdo do trabalho, mas “por ela ter-se metido de pato a ganso”. Para deixar bem claro porque a reprovara, perguntou: sabes de onde vem a palavra “formação”? — e, sem esperar a resposta dela (que pretendia responder que, provavelmente, tal palavra designa a forma como o candidato está construindo sua identidade como psicanalista), ele sentenciou: a palavra formação se origina de fôrma, isto é, tens que te enquadrar na fôrma que a IPA determinou para todos nós!

Essa atitude de infantilizar e, assim, provocar um temor e um reforço da dependência (má) do candidato, tanto pode influenciar fortemente o andamento da análise do candidato-analista, quanto também, muitas vezes, repercutir no importantíssimo trabalho da supervisão curricular.

É bastante freqüente que determinado supervisor, não obstante a possibilidade de ser reconhecido como bom psicanalista, em vez de estimular no candidato sua capacidade de perceber, pensar e desenvolver sua capacidade de empatia e de continência, adotar e empregar, na supervisão que faz semanalmente, um estilo superegóico do tipo “tens que dizer que...”; “tens que fazer com que...”; “não deves (ou não podes) tal coisa... como, por exemplo, interpretar fora da transferência”, etc.

A conseqüência desse tipo de supervisão parece óbvia: no lugar de o candidato estar, de forma livre, construindo sua identidade de psicanalista — em concordância, evidentemente, com as concepções teóricas vigentes e às regras técnicas já consagradas, porém com seu estilo próprio —, ele está sendo induzido a “entrar na fôrma”, incentivado a ser um mero imitador do seu supervisor e aceitar, submissamente, o fato de que ele, candidato, ainda é uma criança engatinhando na busca das verdades e que, portanto, deve beber da fonte daquele supervisor que já atingiu o Olimpo dos deuses do conhecimento.

Em relação à submissão do candidato ao seu analista ou supervisor, creio ser útil enumerar as possibilidades que, embora mais raramente, ainda podem acontecer.

. Identificado com esse tipo de supervisor ou de seu psicanalista com essas características altamente narcisistas (ambos se colocando como donos e plenos sabedores das verdades do inconsciente do analisando), o candidato-analista vai reproduzir com seu analisando um padrão semelhante.

. Assim, diante de uma (provavelmente sadia) contestação ou não aceitação de suas intervenções ou interpretações por parte do seu analisando, corre ele o risco de “interpretar” que o paciente está resistindo, que o inconsciente dele está se recusando a conhecer as verdades; ou de que aquele paciente encontra-se num estado de “reação terapêutica negativa” (em muitos casos, na verdade, trata-se de uma “relação terapêutica negativa”). Casos mais extremos colocavam o candidato numa saia-justa: ou ele se submetia às verdades impostas pelo analista ou pelo supervisor ou, se não mais agüentasse, desistia de continuar sua formação como psicanalista, pelo menos na instituição em que estava.

. Os que, nessas condições, persistiam, regrediam a uma situação infantil, revivendo o papel de crianças incapazes, necessitadas de serem protegidas e orientadas por analistas que, então, se tornavam figuras idealizadas, logo, incontestadas.

. O resultado desse tipo de situação extrema levava o candidato a permanecer regredido e submisso ou, para receber sua “alta”, identificar-se com as verdades impingidas e, principalmente, com a onipotência, onisciência e, muitas vezes, prepotência do analista.

. Tal conseqüência negativa podia (e, eventualmente, ainda pode) acontecer em qualquer análise. No caso de análises didáticas, porém, quando o candidato recebe a condição de “alta”, “curado”, e o aval da autorização para exercer a clínica psicanalítica, é bastante provável que ele vá reproduzir, agora como psicanalista, o mesmo modelo todo-poderoso de seus mentores, dando prosseguimento a uma árvore genealógica, perpetuando o mesmo modelo, numa hierarquia tipo a de “passar o bastão” de cada geração para outra geração de novos analistas, com uma alta fidelidade a seus respectivos ex-analistas e, comumente, com a formação de clãs competindo entre si pelos méritos da filiação analítica a que pertencem.

Como, no presente artigo, está sendo dada uma ênfase na importância do “modelo de identificação” no curso das sucessivas gerações de formação de psicanalistas, creio que se impõe a necessidade de destacarmos, principalmente nos tempos atuais, em que há uma crescente demanda de pacientes portadores da “patologia do vazio”, a relevância que representa a “pessoa real do psicanalista”, talvez de igual ou maior importância do que seus conhecimentos teórico-técnicos.

Um outro aspecto relativo à “análise do analista em formação”, que não pode ser negligenciado (e ora não está sendo!) por parte dos responsáveis pela IPA e pelas sociedades do mundo inteiro, diz respeito à discussão de assuntos polêmicos que respingam diretamente nos candidatos em formação. Entre os temas que estão sendo debatidos, cabe mencionar alguns deles.

. A possibilidade de que as distintas entidades psicanalíticas (no nosso caso, a ABP e as respectivas sociedades a ela filiadas) adquiram uma maior autonomia da IPA na determinação de regulamentos, atendendo às circunstâncias específicas, geográficas e culturais de cada uma delas.

. Uma velha questão: a análise com candidatos deve, necessariamente, ser efetivada exclusivamente com um analista didata da mesma Sociedade, ou seria mais apropriada a possibilidade de que o aspirante que já esteja em análise com um reconhecido psicanalista, embora ainda não didata, pudesse prosseguir a sua análise (agora de natureza didática), de acordo com o seu desejo, com seu mesmo analista, com o qual está colhendo bons resultados clínicos, ou, se preferir, com um outro psicanalista que ainda esteja na condição de um membro associado, ou efetivo não didata?

. Uma questão permanentemente em pauta: o número de sessões semanais deve ser no mínimo de quatro? À parte o sabido fato de que muitas sociedades (entre outras, a de Paris) já legitimaram o número mínimo de três sessões por semana, creio que cabe nos perguntar se existe alguma clara evidência de que análises de quatro sessões semanais produzem um resultado analítico superior ao de, por exemplo, três sessões.

Não seria útil que em cada instituto houvesse uma espécie de supervisão (que não partisse de uma falsa crença de que fosse uma “super-visão”) individual ou coletiva, dos supervisores dos candidatos? Embora, é evidente, respeitando as óbvias diferenças de estilos de cada supervisor em separado.

. Igualmente, cabe refletirmos sobre a probabilidade de que seria bastante proveitoso para os candidatos que os múltiplos seminários teórico-técnicos tivessem uma uniformidade de orientação no sentido de o professor do respectivo seminário propor constantemente um confronto entre os vértices clássicos e os da psicanálise contemporânea, com a finalidade de o aluno desenvolver a capacidade de fazer discriminações e a de construir gradativamente os seus próprios valores, bem como avaliar as sucessivas transformações, selecionando aquelas que mais condizem com sua autêntica maneira de pensar o que é psicanálise e como praticá-la em termos rigorosamente clínicos, isto é, com o objetivo prioritário de conseguir o crescimento mental e uma melhor qualidade de vida de seu paciente, seja ele quem for.

Para concluir, faço questão de reiterar que minhas reflexões acerca de possíveis resultados patogênicos, provindos de certas análises didáticas, de forma alguma se revestem de uma atitude de natureza belicosa contra colegas de qualquer parte ou quaisquer instituições de formação de novos psicanalistas. Pelo contrário, creio que minha experiência pessoal de quase cinqüenta anos, desde a condição de candidato até a contemporânea prática psicanalítica clínica, possa instigar reflexões dos colegas leitores.

Centralizei aqui as minhas considerações críticas não em pessoas ou em certos grupos, mas, sim, no fato de que não obstante os últimos presidentes da IPA terem demonstrado uma ideologia e um espírito arejado, integrador e com tentativas de promover algumas significativas transformações acompanhando o mundo moderno (algumas já foram alcançadas), porém, de modo geral, esbarram elas num rígido conservadorismo (para não dizer “radicalismo”), provindo de uma parte da cúpula diretiva, bastante influente. A mesma é composta de ilustres psicanalistas, que se deram o papel de vestais, zelando pelo sagrado cumprimento de preservar e salvar o templo da ”verdadeira psicanálise”. A razão para esse zelo excessivo se deve ao temor de que as necessárias transformações ideológicas e técnicas que o mundo atual exige redundem numa degeneração, ou pior, até numa extinção ou miscigenação do “ouro puro da psicanálise”. Às vezes, o custo deste honesto esforço se torna muito alto: a psicanálise corre o risco de ficar isolada e anquilosada.

Não fora o óbvio problema de um necessário limite de espaço, inúmeras outras instigantes reflexões1 poderiam caber aqui.

 

Referências

Zimerman, D. (2004), Manual de Técnica Psicanalítica, Editora Artmed, Porto Alegre.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
David Zimerman
R. Com. Caminha, 286/404 — Moinhos de Vento
90430-030 Porto Alegre, RS
Fone/fax: (51) 3222-9077
E-mail: dgzimer@terra.com.br

Recebido em: 14/05/2008
Aceito em: 16/6/2008

 

 

* Psicanalista. Membro efetivo da SPPA.
1 Os leitores poderão conhecer melhor as minhas posições pessoais acerca deste tema tão importante, complexo e controvertido em meu texto “Carta íntima para os leitores que estão se iniciando como terapeutas psicanalíticos”, à página 453, do livro Zimerman, D. (2004), Manual de Técnica Psicanalítica, Editora Artmed, Porto Alegre.

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