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Jornal de Psicanálise

Print version ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.41 no.74 São Paulo June 2008

 

TRADUÇÕES

 

A família institucional e a fantasmática do analista

 

The institutional and phantasmal family of the analyst

 

La familia institucional y fantasmática del analista

 

 

Stefano Bolognini*

Analista didata da Sociedade Psicanalítica de Bologna, Itália
Membro da European Editorial Board do International Journal of Psychoanalysis

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O autor propõe a existência de intensa interação entre as duas famílias do analista: a histórica, da infância, e a institucional, de sua formação. Para ele, ambas intervêm no trabalho do analista com seu paciente, no plano da fantasia interior, em grau diferente, segundo os diversos momentos de trabalho. Mostra-se que o elemento comum à experiência infantil e a analítica é a imensa oportunidade de profunda introjeção. No percurso do jovem psicanalista, há momentos introjetivos decisivos, que vão fundar e constituir as bases culturais, teóricas e clínicas do seu “Eu de trabalho”.

Palavras-chave: Família institucional, Família ampliada, Formação, Introjeção, Eu de trabalho.


ABSTRACT

The author proposes the existence of intense interaction between the analyst’s two families, the historical one of his infancy, and the institutional one, of his psychoanalytic education. In his opinion, they both step in the analyst’s work with his patient, on the level of his inner fantasy, and in different degrees according to the diverse moments of the work. He points out that the common element between the infantile experience and the analytic one is the enormous opportunity of profound introjection. There are important moments that favor introjection in the young analyst’s course, which establish and constitute the cultural, theoretical and clinical foundations of his Working Self.

Keywords: Institutional family, Extended family, Education, Introjection, Working Self.


RESUMEN

El autor propone la existencia de una intensa interacción entre ambas familias del analista, la de la infancia — histórica — y la de su formación — institucional. Para el autor, ambas intervienen en el trabajo del analista con su paciente, en el plano de la fantasía interior, en diferentes grados, según los diversos momentos del trabajo. También muestra que el elemento común a la experiencia infantil y analítica es la enorme oportunidad de profunda introyección. En el decorrer del joven psicoanalista existen importantes momentos introyectivos, que fundan y constituyen las bases culturales, teóricas y clínicas de su “yo de trabajo”.

Palabras clave: Familia institucional, Familia ampliada, Formación, Introyección,Yo de trabajo.


 

 

Curioso paradoxo da análise: se de um lado ela nos conduz à distinção mais clara da realidade interna da externa e o passado do presente — limitando assim as confusões e as sobreposições transferenciais em nossa aproximação ao mundo e, em particular, em nossas relações objetais —, de outro, ela nos coloca em contato com nosso incessante fluxo associativo. Dele, nós colhemos evocações iluminadoras que suspendem, pelo menos por alguns momentos, o processo secundário com seu trabalho de distinção, de sistematização e de recolocação de tudo o que nos passa na mente.

Essas duas maneiras de funcionamento se alternam e se entrecruzam durante o processo de pensamento — às vezes, de forma suficientemente integrada; outras, de forma cindida.

No curso dos anos, surpreendi-me com freqüência, durante seminários e encontros institucionais com colegas, a relembrar situações de minha infância em que, na grande cozinha da casa de campo, debaixo da quatrocentesca arquitrave de carvalho, via reunida a grande família ampliada: avós, pais, tios, primos, irmãos e vários parentes ao redor da comprida mesa, onde cada um tinha seu lugar, naqueles encontros periódicos, por tantos motivos memoráveis, e assim tão intensos e vivos para cada um de nós.

Nenhuma confusão, nesses momentos de recuperação da lembrança; melhor, a percepção de compreensíveis, humanas analogias entre os dois cenários — aquele colegial atual e aquele familiar de um tempo — e de uma sensata continuidade no plano onírico (mantendo, contudo, a clara diferença) entre esses dois âmbitos de experiência.

Operar as justas distinções permite, depois, numa espécie de círculo virtuoso, aceitar e apreciar mais serenamente as ulteriores evocações que nos são propostas pelo pré-consciente, quando o mesmo foi transformado — graças ao prolongado contato no trabalho analítico — num interlocutor bastante familiar para um ego sempre menos desconfiado, contraído e apavorado.

Quero, ora, me ocupar de uma fantasia bastante natural e certamente ubíqua — que me põe em vários lugares no mesmo momento; às vezes neurótica, outras vezes não patológica, não confusional, porém precisamente evocativa (e por vezes provocatória). Trata-se da fantasia do grupo, da comunidade psicanalítica como equivalente familiar, na medida em que possam experimentá-la — durante a análise e depois — os pacientes profissionais suficientemente saudáveis e os colegas, conscientemente ou em qualquer ângulo da própria mente.

Escolho esse argumento porque estou convencido de sua importância em concorrer para criar condições fortemente determinantes no trabalho analítico, através da construção do ambiente fantástico-relacional interno a cada um de nós, e definitivamente do clima no qual analista e paciente vão se encontrar a conviver, em geral por muitos anos.

Farei referência a uma realidade formativa-padrão, própria da nossa Sociedade Psicanalítica; mas as observações que apresentarei podem levar em consideração, do meu ponto de vista, outras realidades parecidas, mesmo se menos estruturadas, feitos os devidos ajustes.

Todo terapeuta tem de fato um contexto formativo, um analista pessoal, os colegas e, usualmente, um grupo da referência; freqüenta seminários, se atualiza, discute o material clínico em uma dimensão colegial.

A famosa afirmação de G. Carloni (1981, 1984) de que cada analista, enquanto tal, deve ter pelo menos um paciente e um colega, vale para todos aqueles que exercitam as terapias de base psicanalítica, a fim evitar os riscos de isolamento e da onipotência.

De uma coisa estamos certos, após um século de psicanálise: em nosso trabalho, não podemos nos permitir permanecer completamente sós, sob o risco de perda do sentido da realidade e da deterioração de nossa condição profissional e pessoal.

O analista deve ser um animal social, quando não societário.

Um paciente, em seu sexto ano de tratamento, e com quem conversava já há algum tempo a respeito do final da análise, perguntou-me, certa altura, quem era seu avô: queria dizer seu avô analítico. Era curioso a esse respeito.

Sua pergunta me surpreendeu apenas relativamente: ele era um psicólogo, com conhecimento profundo em nosso campo; mas, sobretudo, o contexto associativo do qual emergia a pergunta era fluidamente pertinente à sua condição. Os anos de análise tinham sido úteis para que ele reconhecesse a realidade e o sentido da sucessão das gerações.

A fantasia onipotente de se ter autogerado havia sido trabalhosamente reconhecida, analisada, desinvestida e superada, favorecendo uma vivência complexa de filiação, aberta a uma perspectiva generativa: reconhecendo-se filho de qualquer um, o paciente ia adquirindo a capacidade de pensar-se como potencial genitor, realmente disposto a acolher o outro na própria mente e na própria vida, segundo o transcorrer natural das gerações.

A curiosidade sobre o próprio avô analítico — expressa, devo dizer, mais como associação do que como pergunta dirigida, e, de qualquer forma, com garbo e serenidade, sem pretensão —, fez-me retornar à mente uma frase do meu analista, essa também no período final de análise. Eu estava falando sobre Cesare Musatti1, com quem havia encontrado em um congresso no final de semana anterior, e me referira à emoção que sentira por ter sido a ele apresentado e apertado sua mão.

“É o seu avô analítico...” — comentara meu analista em tom reflexivo, cônscio de não me fornecer uma informação da qual eu já não estava de posse, porém mais para evidenciar um dos fatores emocionais em jogo naquele momento (no caso de eu não ter já pensado nisso): Musatti não era importante para mim somente porque na Itália era um personagem famoso, em absoluto, mas também porque por seu intermédio havia sido fundada boa parte da psicanálise no Norte da Itália.

Muito se tem discutido, ao término do tratamento analítico, acerca da resolução da transferência como meta possível ou efetivamente utópica.

Os analistas compartilham, geralmente, o conhecimento do fato de que nem a desidealização, nem a separação psicológica em relação ao próprio analista, alcançadas na fase final do tratamento, são suficientes para fazer da última sessão (em muitos casos, realizadas vis-à-vis, como o primeiro colóquio) o ato pontual de reemersão da vivência regressiva transferencial.

Mesmo que limitado por uma desejavelmente sólida tendência à progressão e ao exame da realidade, essa vivência exigirá um tempo ulterior para elaboração que nunca será, de qualquer forma, completa (como nos demonstrou com muito espírito Renato Sigurtà (1977) em sua homenagem a Musatti, por ocasião de seu octogésimo aniversário).

Desse fenômeno, todavia, não fica evidenciada somente a componente distorcida, ilusória, substancialmente falaz: há também uma dimensão fundante, constitutiva dos processos identificados que dela provêm, entendida em seus aspectos construtivos.

Aspectos, por exemplo, que foram apreendidos por Robert Fliess em The Metapsychology of the Analyst (1942), com a descrição da formação do “Eu de trabalho” do analista, e, mais tarde, por Roy Schafer em The Analytic Attitude (1983/1984), quando se ocupou do “segundo self” do analista e de seu “superego do trabalho”.

A persistência de restos transferenciais arcaicos nos analistas não teve somente desenvolvimentos positivos, como sabemos. A história do movimento psicanalítico no interior das sociedades psicanalíticas nacionais, das correntes científicas e de seus institutos de formação têm se ressentido, às vezes de forma maciça, dos conflitos de evidente e preponderante matriz transferencial, com todo o acervo induzido pelos medos, desejos primitivos, rivalidades, invejas, ciúmes, angústias de exclusão, impulsos de prepotência e dominação, que em linhas gerais bem se conhecem.

Uma dimensão, freqüentemente, problemática e mesmo perigosa, que não se pode eliminar, então, também na nossa comunidade cultural e profissional, não obstante o trabalho plurigeracional desenvolvido para desativar, pelo menos em parte, o potencial destrutivo através da ampliação da consciência.

Nas páginas a seguir, todavia, irei descrever alguns desenvolvimentos caseiros, intimistas, no fundo mais positivos do que negativos, assumindo o risco de uma nuance levemente otimista.

Tenham paciência se, na impostação do trabalho, tiver que fazer uma grande volta: tais pensamentos pedem para ser desenvolvidos com calma.

Trata-se de reconhecer quem está no lugar interno, no qual recebemos nossos pacientes.

A comunidade analítica foi se familiarizando com o costumeiro hábito de considerar os próprios desenvolvimentos histórico-científicos também através da ótica das relações pessoais intercorrentes entre seus protagonistas. A partir da transferência necessária de Freud, dirigida a Wilheim Fliess; da transferência edípica ambivalente de Jung por Freud, e da transferência inicial narcísica de Freud pelo próprio Jung, até chegar às sucessivas cadeias genealógicas internacionais, à pluralidade tribal cotidiana, assim articulada, que faz freqüentemente prevalecer dúvidas acerca da existência de pelo menos uma, e mesmo distante, parentela entre os vários grupos psicanalíticos.

Além da realidade histórica objetiva, que cada um de nós colocado de fato num certo contexto histórico, cultural, institucional bem preciso, penso que existe uma importante realidade fantasmática implícita que, sem que notemos, nos acompanha freqüentemente em nosso trabalho cotidiano e em parte influi sobre ele. Trata-se de uma realidade familiar interna, que atingimos (no melhor dos casos) sem a correspondência de um adequado tributo, ou a qual reagimos (nos casos piores) sem um oportuno reconhecimento dos vários níveis fantasmáticos envolvidos.

A minha idéia é de que as nossas duas famílias (a histórica da nossa infância e a institucional da nossa formação) interagem de maneira notável entre elas e que ambas intervêm — em grau diferente, segundo os diversos momentos — no nosso trabalho com os pacientes (além das famílias internas dos mesmos), sob o plano da fantasia interior.

Encontro força para esta tese no artigo escrito por Lee Jaffe (2001) sobre as supervisões da formação: “Para o jovem candidato, os pais e os docentes podem estar ambos ‘presentes’ na sala de análise” (p. 849).

O reconhecimento que vou desenvolver tem como escopo “evidenciar para melhor reconhecer”, sem intenções celebrativas em relação à família.

Através do evidenciar as equivalências implícitas, é possível talvez, de um lado, elaborar uma melhor diferenciação, e, de outro, aceitar com maior filosofia — e até mesmo com certo pragmatismo institucional — a cota não eliminável de sobreposição experiencial entre os dois âmbitos profundos de representação.

Quem era, então, o avô analítico do meu paciente?

Diria que era um psicanalista capaz de pensar que, diante de Musatti, eu tinha me sentido, pelo menos um pouco, também como um neto diante de seu avô: isto é, era uma pessoa capaz de reconhecer com naturalidade a presença e a força dos sentimentos humanos dirigidos aos familiares, tanto na vida quanto na transferência; capaz de saber individuar e respeitar uma área intermediária entre a realidade histórica e o erro transferencial repetitivo, ou seja, a área da realidade psíquica: ali onde meu avô analítico não é um avô anagráfico, mas é, pelo menos um pouco, realmente avô, com funções de parcial co-participação em fundar a identidade, isso porque o elemento comum, seja na experiência infantil, seja na experiência analítica, é aquele das grandes oportunidades de profunda introjeção.

A análise, por meio do dispositivo da regressão, “reabre os jogos”, às vezes até o nível nuclear do self, e sua aparente fiction possibilita transformações fantasmáticas profundas.

Como no sonho, na qual a experiência não é materialmente “real”, mas às vezes “verdadeira”, no sentido mental.

Como analista didata, comumente escuto as histórias dos meus candidatos-pacientes sobre a primeira e a segunda seleção (eventos equivalentes, respectivamente, à concepção e ao parto), e a respeito do conhecimento de colegas de formação no início dos seminários. Acompanho, assim, quando na sessão eles fazem referência ao contato com os supervisores, com os próprios docentes, com os analistas de seus irmãos/colegas de escola.

Nesses relatos, encontro a vivacidade, o frescor e a força conflitante das vivências infantis diante do primeiro dia de escola, o contato com os tios e conhecidos de seus pais, as viagens com os primos e amigos de outras cidades: tudo isso ocorre com pessoas anagraficamente adultas e, do ponto de vista mental, já razoavelmente maduras para poder perceber e reconhecer a si mesmas, com humanidade suficiente, as ressonâncias profundas de uma experiência atual viva e verdadeira como aquela de sua infância.

Uma experiência na qual a transferência não é o único componente: pelo menos a transferência no sentido clássico, entendida na sua dimensão repetitiva e sobredeterminada, vértice redutivo em relação à riqueza da experiência que se torna possível pelo new beginning na análise.

Concordo com a opinião de Henry Smith (2001) sobre o fato de que a analogia entre a condição do candidato e a infância, se conduzida ao extremo, “[...] tende a promover uma visão simplista seja da mente do analista no seu trabalho quanto do desenvolvimento adulto em geral” (p. 785), mas penso também que existe o risco oposto, o de afastar as analogias que existem realmente.

Smith no seu excelente trabalho se ocupa sobretudo das analogias, digamos, “diminutivas”, porque baseadas sob formas de identificação do tipo prevalentemente imitativo e defensivo (aquelas que ele descreve, segundo o meu ponto de vista, são na maioria das vezes identificações projetivas com o objeto internalizado, sim, mas não “digerido” e não introjetado). Ao contrário, eu me refiro às analogias naturais e criativas: aquelas ligadas às introjeções parciais (Grinberg, 1976/1982), que a análise torna possível através de regressões dinâmicas, que não levam somente aos traumas, mas também à recuperação de modalidades fisiológicas de nutrição e de crescimento, que tinham se tornado contraídas e atrofiadas.

A família analítica interna do psicanalista compreende o analista pessoal (verdadeiro e próprio objeto primário complexo), os supervisores (habitualmente colocados no lugar do objeto paterno, como o “terceiro”), os docentes da formação do instituto (equivalente aos tios, enquanto estes são usualmente os analistas pessoais de outros candidatos) e, finalmente, os candidatos/irmãos, conflituais e, freqüentemente, divertidos companheiros de jogo e de aventura, nos anos dos seminários de formação.

Em relação a estes últimos, é necessário observar que, naqueles anos em que tempos escolares são reprisados, criam-se vivências indeléveis, conflitos familiares destinados a permanecer como registro até quando os protagonistas deixarem de se relacionar, seja pelo curso da vida, seja pela falta de interesse recíproco — de qualquer maneira, estiveram na escola juntos, e este imprinting caracteriza o sentido de pertencimento a uma bem precisa ninhada, e isto é destinado a permanecer. Quanto aos tios analíticos (os docentes do instituto, freqüentemente analistas dos colegas/irmãos), estes tendem a funcionar como interessantes alternativas culturais em relação aos genitores analíticos: e não se pode esquecer, nesse sentido, que a etimologia faz derivar zìo2 de divus (devo a Zucchini esta noção), um termo que faz menção ao potencial prestígio e aos deslocamentos das cotas de idealização que essas importantes figuras colaterais podem se beneficiar no cenário familiar interno do analista.

Refiro-me, nesta descrição, aos aspectos benignos idealizados e necessários ao crescimento que valorizam os objetos-self. É evidente que os tios analíticos podem também constituir, por cisão e projeção, o suporte representativo dos aspectos persecutórios derivados das cotas residuais de idealização maligna (no sentido kleiniano) do objeto.

Não podemos esquecer como o termo tio tem sido adotado e desfrutado de modo falso em muitas relações perversas, tal como o descrito em crônicas jornalísticas, e que se presta às mais variadas ironias (como reação de orgulho ante à regressão fisiológica intra-training)3 do vértice de observação bondoso da fundação familiar.

Permanece o fato de que essa particularíssima projeção no cenário interno investe os supervisores e docentes de grande responsabilidade na administração das relações individuais e de grupo com os candidatos.

Deixo aqui suspensa a questão relativa às importantes recaídas dessa temática sobre os possíveis projetos de reformulação dos percursos formativos. Cito, por exemplo, a enorme diferença que pode haver numa análise que explore tais dimensões experienciais ao vivo, e que continue, portanto, durante certo tempo da formação, e uma que, ao contrário, tenha se desenvolvido e terminado antes dos seminários e das supervisões; anteriormente, isto é, da potente e específica reativação transferencial dessas valências no especial ambiente da família/instituição psicanalítica.

Podemos concordar ou não sobre a oportunidade das várias escolhas organizativas ao longo do percurso de formação. Entretanto, não é possível sustentar realisticamente que a diferença entre essas escolhas não seja relevante aos fins de níveis de consciência nos sucessivos acontecimentos da vida societária, na qual os aspectos científicos, culturais, organizativos e profissionais são tão imbricados com aqueles fantasmáticos e emotivos profundos.

Os candidatos evoluem, portanto, dentro do vilarejo de nascimento4 (uso intencionalmente o termo como uma imagem ligada à infância, para sintonizar-me com um bem preciso nível experiencial interno), constituído pelo seu instituto de formação, completando — quando as coisas vão relativamente bem — um percurso constelado por momentos introjetivos importantes, que vão fundar e constituir as bases culturais, teóricas e clínicas do seu “Eu de trabalho”.

De tempos em tempos, grandes eventos nacionais e internacionais (os congressos) vão levá-los ao contato com outras tribos familiares (colegas de outros institutos) ou, mesmo, a outras civilizações, como acontece nos seminário da Ipso5 ou, de qualquer modo, nos grandes encontros internacionais.

Em tais ocasiões, é possível experimentar contemporaneamente a sensação vivificante do possível entendimento e troca com analistas tão distantes pelo estilo e referências culturais, e aquela intimista de reconhecimento de pertencimento a uma família bem específica, fundamental para o próprio senso de identidade.

Como tantos colegas antes dele, Daniel Widlöcher (2004) interrogou-se a respeito do significado profundo da enorme quantidade de seminários, congressos e conferências desenvolvidas pelos psicanalistas em cada região. Mesmo reconhecendo a variedade dos possíveis motivos para esse fato tão surpreendente (se oftalmologistas ou cirurgiões fizessem tantos congressos, seria um desenvolvimento científico enorme que, na verdade, no nosso campo não acontece...), Widlöcher tem por hipótese que a função de base desses encontros seja a função do terceiro, como necessidade de notificação e de verificação dos produtos elaborativos internos do indivíduo, ou ao grupo local, vivenciado como entidade não suficientemente outra.

Através da escuta direta e das leituras, cada jovem analista mostrará as próprias tendências individuais de abrir-se com interesse e curiosidade para o novo (talvez integrando com aquilo que já é familiar), ou a fechar-se em uma modalidade de relacionar-se auto-referencial como maso chiuso6, ou ainda a desenvolver uma fantasia profunda de ruptura total e rejeição às próprias raízes, até a criação desde o seu início de uma “outra” identidade, verdadeiro equivalente de um “romance familiar” substitutivo, por meio do qual é possível entrever dolorosos e traumáticos desconhecimentos das próprias relações objetais originárias.

A fase sucessiva, aquela do acesso ao “Centro” ou ao “Instituto” de competência geográfica, é a definitiva — salvo no caso da superveniência de grandes mudanças logísticas na própria existência — e se caracteriza pela perspectiva praticamente ilimitada (no sentido subjetivo) de pertencimento ao contexto colegial e, no sentido mais profundo, ao grupo familiar.

Com espanto, me surpreendi refletindo com alguns colegas sobre uma realidade absolutamente tola, e, ainda assim, não adequadamente evidenciada pela comunidade psicanalítica: uma vez inscrito em um instituto, se permanece de fato pertencendo ao mesmo (salvo, precisamente, grandes ou graves imprevistos) até a morte, encontrando de modo regular e periódico sempre as mesmas pessoas que — ainda que não necessariamente participantes da nossa vida privada — constituem, de qualquer forma, uma constante na dimensão paralela da nossa família analítica.

O instituto psicanalítico é uma classe escolástica que não acaba nunca; é um condomínio (se o instituto é grande) habitado por subnúcleos familiares mais ou menos próximos, mas mesmo assim aparentados. Considerá-lo de modo asséptico e objetivante, como mero sodalício profissional, como uma “Ordem” ou uma cooperativa, é ilusório e redutivo, visto que não se leva em conta a transferência institucional que nele se desenvolve de modo absolutamente natural.

A transferência institucional, com toda sua articulada bagagem fantasmática, se instaura com vigor mesmo em situações de menores dimensões, duração e sistematização. Imaginem, numa instituição como a nossa, que fez seu emblema e pilar na metódica fixação e recorrência do setting de seminários, a tal ponto que as reuniões com os colegas são um dos pontos fixos da nossa existência, seguindo o registro das míticas reuniões de quarta-feira do grupo vienense!...

A força da transferência é destinada a condicionar sensivelmente as aberturas e os fechamentos teórico-conceituais dirigidos a este ou aquele colega ou docente, favorecendo ou inibindo, às vezes, até prescindindo, o efetivo valor ou interesse científico das várias contribuições propostas.

Criam-se as transferências aparentemente direcionadas a um objeto-teoria (transference to theory, de Leo Rangell, 1982), através das quais existe um relativo complexo envolvimento dirigido a uma figura que inspira áreas de alta significação transferencial.

Segundo Falzeder (1998), que cita, nesse sentido, as filiações americanas de Ferenczi e Rank, a figura inspiradora que está por trás é prevalentemente única.

Assim, por exemplo, no seu originalíssimo artigo Figuras da psicanálise como objeto de transfert, Laurence Spurling (2003, p. 41) sustenta a utilidade, para cada analista, de uma pesquisa sobre a própria relação interna com o autor de referência. Trata-se de “[...] um ótimo meio para conhecer mais a fundo o próprio transfert, já que a figura em questão não é uma figura real, mas existe somente através de seus próprios escritos.”

Spurling analisa sua transferência em relação à figura de Winnicott, anotando as mudanças teóricas e afetivas que, com o tempo, desenvolveram-se nele dirigidas à figura e ao pensamento do mestre.

As transferências institucionais dirigidas aos analistas concretamente presentes no instituto possivelmente serão ainda mais intensas e significativas, ainda que menos conotadas da onipotência idealizante que se atribui tão facilmente às figuras espaço-temporais mais distantes.

Uma insuprimível vivência de aproximação ou de distanciamento pessoal orientará as escolhas e as adesões co-participativas, freqüentemente com modalidades não menos irracionais do que aquelas que, quando crianças, nos faziam tender mais a um familiar do que a outro. A capacidade de um exercício crítico equilibrado e não preconceituoso é colocada em discussão quando se trata de avaliar propostas científicas e culturais provenientes de um setor afetivamente muito investido a priori de significados, em um sentido ou em outro, no âmbito da nossa família analítica ampliada.

Terminadas a análise e as supervisões, o jovem analista confronta-se, de maneira mais ou menos consciente, com duas tarefas evolutivas de considerável empenho:

1) Completar os processos de individualização/separação em relação ao próprio analista e supervisores.

2) Equipar-se adequadamente para os contatos com os colegas em regime não protegido de “não identificação”, no caso, com o próprio analista e com os supervisores: ele poderá e deverá recordar estes últimos, separando-se e deparando-se a cada instante com o novo, e não poderá reparar-se do novo encapsulando-se identificatoriamente dentro desses objetos (analista e supervisores).

Como um filhote que explora seu quintal povoado por todos os outros animais, mas dessa vez sem poder regular-se, de olho nas reações maternas como indicadoras de perigo ou de tranqüilidade e como objeto de imitação conformística, assim o jovem analista irá fazer uma idéia própria no mercado das idéias que a psicanálise contemporânea expõe com extraordinária riqueza. As gerações precedentes nem sonhavam com o amplo leque de propostas editoriais, de seminários e de congressos que são oferecidos nos nossos dias ao analista em formação.

Ainda uma vez, uma equivalência “grupo colegial/família” esclarece com evidência desarmante os múltiplos desenvolvimentos e destinos formativos possíveis: existem alunos/filhos mantidos encerrados em casa e feitos como em forminhas. Alguns são mandados pelo mundo afora prematuramente, sem adequada proteção e dotação, parecem banidos, uma vez que pouco cuidados e abandonados a si mesmos. Outros, ainda, são “levados para fora”, num regime de atenta e cuidadosa criação, e assim por diante.

Tudo isso ocorre, nem mais nem menos, como nas famílias verdadeiras, com uma certa imprevisibilidade acerca dos êxitos dessas criações e sobre a possibilidade de cada indivíduo conseguir níveis mais ou menos satisfatórios de desenvolvimento e maturação.

É obrigatória, aqui, a citação de um artigo que foi, num certo sentido, um marco, na dimensão educacional das nossas instituições psicanalíticas: o Trinta métodos para destruir a criatividade dos candidatos de psicanálise, de Otto Kernberg (1996), que evidenciou (de um vértice que, utilizando os códigos políticos habituais, se poderia definir sem dúvida “de esquerda”) os riscos sempre presentes nos nossos percursos formativos, próprios como nos percursos que realizamos em âmbitos familiares.

Alguns desses riscos, na verdade, já foram descritos por Klauber, que tinha dado voz a questões elementares, sempre presentes nas famílias/institutos psicanalíticos: “O ensinamento de novas idéias é muito repressivo ou muito diluído? É desviado à custa da originalidade?” (Klauber, 1981/1984, p. 148). E assim por diante. O problema envolve, em primeira instância, os genitores-analistas propriamente ditos, ou seja, o analista didata e os supervisores de candidato. Todavia, as figuras significativas do instituto de pertencimento também são importantes em oferecer a possibilidade de introjeção parcial constitutiva, e no oferecer um ambiente fértil — ou pelo menos “vivível” — de desenvolvimento do pensamento e dos processos de crescimento.

Será que o candidato será capaz de apreciar e utilizar a família ampliada que a instituição lhe propõe? Vai dispor de um espaço interno, suficientemente amplo e articulado, para poder hospedar variadas fontes culturais, tolerando as suas diferenças e mesmo algumas dissonâncias, à espera de escolhas ou integrações personalizadas? Ou prevalecerão as necessidades identificatórias ou aquelas fusionais, em relação de um só objeto parental de referência?

Não é, notem bem, só uma questão de rótulo, de marca ou de um crachá cultural consciente e oficial diante do qual, já sabemos bem, são possíveis as mais variadas incoerências conscientes, inconscientes e pré-conscientes.

O Theoretical Working Party, da FEP7, evidenciou a onipresença de microcisões entre as organizações teórico-oficiais e aquelas implícitas de muitos analistas.

Trata-se de um problema bem mais substancial, ligado à qualidade da escuta por parte do analista na sessão e dos seus processos elaborativos internos.

Quem ele consulta durante a sessão? Com quais mestres, colegas, autores de referência ele se relaciona, ao considerar o material analítico? De quais e quantos vértices de observação ele é capaz de compreender quando o paciente chega não se sentindo perdido, mas “em casa”, numa casa analítica percorrida por vozes pluralistas e, mesmo assim — na realidade —, suficientemente domésticas e familiares?

E como, em que medida e com quais êxitos, mais ou menos harmônicos ou desconexos, conseguirá compor uma “personalidade psicanalítica” própria e individual, cultural e funcional? (Bolognini, 2002b).

Bem entendido, não é nem dever nem mérito dispor de uma familiaridade em freqüentar mais de um vértice de observação. Todos nós conhecemos analistas “harmoniosos” que se referiam a um só modelo, e outros que, com o mesmo êxito, integravam diversos modelos teóricos; assim como entre os “desarmônicos” encontramos os mono e igualmente os plurirreferenciais.

A possível plurirreferencialidade atual, contudo, não é uma culpa, nem uma garantia de confusão ou de ecletismo deteriorante, como alguns puristas são inclinados a predizer, às vezes de modo generalizador, agitando imediatamente o “espantalho assustador” da incoerência teórica e das confusões diante de cada abertura a soluções teórico-clínicas diversas.

Acredito que a capacidade de escutar com interesse o que nos dizem nossos tios e primos constitui um recurso a mais, desde que se disponha da capacidade de colocar em lugares bem articulados e corretamente definidos suas contribuições, e desde que atingida uma maturidade suficientemente crítica de base que permita escolher: isto sim, isto não; este elemento combina com aquele, enquanto aquele é realmente incompatível com aquele outro, e assim por diante.

Estou consciente do risco possível da salada de modelos e de um uso esquizóide das teorias; mas estou também propenso a acreditar que quem funciona assim o faria do mesmo modo quando se referisse oficialmente a um único autor.

A qualidade das combinações elaborativas depende mais do h funcional interno do analista do que da variedade dos seus ingredientes culturais.

De fato, nos nossos institutos, os candidatos escutam atualmente propostas teóricas diversificadas e a família ampliada analítica é cada vez mais uma realidade (apresentada, é claro, de modo mais ou menos feliz) que uma temida, perigosa e desviante utopia (Petrella, 2002).

O problema é favorecer o processo de crescimento interior do candidato: nosso objetivo é permitir que o mesmo seja capaz de orientar-se, de escolher, de rejeitar e, eventualmente, de integrar as várias propostas, de maneira mais ou menos harmoniosa e profunda.

E cada novo colega, se as coisas prosseguirem bem, resultará de qualquer maneira diferente dos outros, mesmo que co-específico nos aspectos teóricos e profissionais de base.

Os históricos da literatura e da filosofia estão acostumados a reconstruir com notável atenção as tramas de uma obra e do percurso dos autores, para melhor compreender as origens, os conteúdos, a forma e o sentido que, com o passar do tempo, influenciaram a cena de sua disciplina.

Em várias ocasiões, apreciando seu método, me surpreendi pensando que muito freqüentemente eles não são, no seu campo, menos “analistas” do que nós somos no nosso.

O trabalho de contextualização, de conexão das fontes, o evidenciamento das concomitâncias, das contaminações e das conjugações culturais tradicionalmente os permite compreender, com progressiva agudez e credibilidade, o nascimento da obra e os pressupostos internos de seu criador.

Sempre me interessou o fato de que os históricos da arte recorram, no desenvolver de sua pesquisa, a um elemento cognoscível ainda mais específico, impregnado de factualidade: eles são muito precisos e concretos ao reconstruir o percurso do artista.

O percurso é quase sempre um trajeto no sentido literal e concreto do termo: por exemplo, “o pintor A, depois de três anos transcorridos no ateliê do primeiro mestre, se hospeda na Aversa, em Veneza, onde ingressa no ateliê de Z, trabalhando ali por dois anos e conhecendo a obra de C, pela qual fica fortemente impressionado (como se pode notar na obra tal, na qual a luz assume novas característica), etc. Depois, se desloca para Florença, onde, tendo podido entrar em contacto com D e com E, acentua o seu interesse pela harmonia e pelo esquema de composição...”.

E assim por diante: viagens, novas escolas, aproximação de novos mestres, visões de novos quadros, novas idéias, aberturas, transformações.

O discurso poderia nos levar longe, e é um percurso complexo.

Alguns pintores viajaram pelo mundo, conheceram muitos colegas e não conseguiram integrar nada que fosse autenticamente interessante. Giorgio Morandi saiu bem pouco de Bolonha, viveu com duas irmãs, freqüentou poucos amigos, desenhou os mesmos objetos cotidianos e criou uma poética profunda e pessoal. Outros ainda (a maior parte) foram enriquecidos e transformados pelos contatos e pelas trocas com novas realidades.

Qual o valor dessa complexidade experiencial e formativa também para os psicanalistas, para os especialistas nessa matéria, que se configura, também pelo debate epistemológico, como uma ciência com estatuto especial?

Não tenho seguramente a pretensão de responder a uma questão de tal relevo.

Somente posso, nesse sentido, recordar a importância do contexto formativo durante os processos de crescimento: Giotto também (para permanecer no assunto), talento natural, beneficiou-se dos ensinamentos de Cimabue e da possibilidade de trabalhar no seu ateliê ao lado de outros irmãos/alunos.

Além das prováveis polêmicas sobre a oportunidade de oferecer aos candidatos uma formação baseada em modelos teóricos múltiplos ou monódicos, gostaria de chamar a atenção especificamente sobre o ambiente de formação.

A família analítica que trazemos dentro de nós nos coloca em condição, dia após dia, de recriar um clima de trabalho, de escuta e de troca que possui cores, temperaturas, espaços não casuais: estes consistem no produto complexo (e diversificado, em cada um de nós) do encontro entre nossas microculturas familiares e aquela do ambiente no qual nos formamos analiticamente.

Laura Ambrosiano (2001) falou do romance profissional do analista, referindo-se especificamente à contínua e mutante narração que emerge da revisitação da própria biografia profissional por parte do analista: os encontros, as relações, as vicissitudes emotivas e afetivas que pontuaram seu itinerário identitário e profissional.

O percurso foi tratado com profundidade, sempre em termos de complexidade familiar, também por Franco Borgogno (1999), como testemunho de profunda atenção por grande parte da psicanálise italiana por essas dinâmicas formativas.

O cuidado e a educação que recebemos dos nossos pais e parentes e igualmente o que nos foi oferecido pelos nossos mestres e colegas, confluem no nosso modo de ser e de trabalhar, mais no que tange efetivos comportamentos que pelos ensinamentos teóricos.

Se superássemos certo orgulho narcísico, que nos induz a rejeitar algumas das analogias entre a formação analítica e o período formativo da infância, nos dirigiríamos ao âmago da questão da relação da aprendizagem. Não poderíamos discordar da afirmação de Susan Isaacs (1948/1975):

“A criança não pode julgar o pai, a mãe e o professor tendo em vista o comportamento e a postura afetiva que os mesmos possuem em relação a ela. Palavras, orientações verbais, princípios abstratos não têm nenhum significado, senão na medida em que encontram coerência nas ações e nas personalidades das figuras das quais a criança depende. Aquilo que os pais e os professores são e sua experiência real com eles é infinitamente mais importante do que o quanto eles afirmam ou pretendem ser ou do quanto eles dizem que deveria ser” (pp. 191-192).

Na sua dimensão intimista, a cozinha analítica (Zucchini, 1990; Ferro, 2002) nos “colocou à mesa”, nutridos para uma revisitação constitutiva, após aquela originária da infância.

Batizados, crismas, comunhões, exames de admissão e ritos comunitários vários foram revisitados e festejados colegialmente, de modo não banal, nas passagens qualificadoras que constituem o percurso institucional. Os poucos e lisonjeiros vértices de infantilização induzida são, com freqüência, compensados e, em certa medida, superados pelas vantagens dos recursos constitutivos internos, que derivam do enriquecimento pela introjeção e pela significação pública, compartilhada e confirmada pela comunidade...

Naturalmente, famílias existem tantas e de todos os tipos, como bem sabemos.

Na família se nasce e se cresce e de família é também possível morrer: não estou aqui fazendo o elogio apriorístico à família.

A família, ou a presença na mesma de tantas figuras dominantes — e, em algum caso raro, até esmagador —, pode, às vezes, realmente inibir o crescimento dos indivíduos mais jovens, ou mesmo condicioná-lo fortemente, induzindo-o a obrigações de alinhamento científico, sem liberdade e espontaneidade.

Na Itália, devo dizer, situações desse tipo não ocorreram freqüentemente e, mesmo, menos macroscopicamente do que aconteceu em algumas sociedades no exterior, e acredito poder afirmar que houve vários fundadores de escolas e autoridades competentes, mas não autoritários.

Mesmo assim, por uma lei da vida, que vai além das intenções ou da natureza específica dos singulares indivíduos, mesmo nas nossas instituições, um dos motivos pelos quais alguns realizam ou escrevem coisas melhores depois de certa idade (além da experiência e competência adquirida ou pelo reconhecimento externo recebido, etc.) parece residir, banalmente, no fato de que os “maiores” (ou seja, freqüentemente aqueles mais especialistas e assertivos) em parte saíram do campo de jogo, criando novos espaços e o “vazio tão desejado” da espera nos confrontos dos mais jovens.

De qualquer forma, sei do caso de quem, com sabedoria e com a clarividência do sábio, praticamente fingiu fazê-lo, observando com prazer as evoluções que facilitou desse modo nos alunos.

O progressivo e natural retiro dos “chefes-brancos” dispersa os temores pelas possíveis críticas e confrontos, confortando assim o pensamento e a iniciativa dos mais jovens; essa seqüência de eventos, contemporaneamente, produz, nestes últimos, um típico efeito que os leva à responsabilidade.

Trata-se daquilo que acontece na natureza com certos animais ou certas árvores que, após uma longa submissão às plantas mais imponentes que pairavam sobre elas, desenvolvem-se plenamente somente quando do inevitável deteriorar-se destas, assumindo proporções anteriormente impensáveis: isto que assinala — de modo simples, aparentemente cruel, de forma distribuída e oportuna — o curso natural das gerações.

O antídoto melhor para essas situações de competição intergeneracional não consiste em negá-las, mas sim no expandir o campo: em colocar, vale dizer, à disposição dos colegas, jovens e menos jovens, espaços amplos e articulados, que ofereçam meios a muitos, se não a todos, de crescer e de expressar as próprias potencialidades na profissão, na pesquisa teórica, na reflexão clínica e na assunção de tarefas e funções institucionais.

Essa condição institucional de “estrutura ampliada” é tão importante quanto o outro ingrediente necessário: o de uma disponibilidade geradora autêntica por parte daqueles que, funcionando como os equivalentes genitoriais, compartilhem por um tempo a responsabilidade pela condução do grupo.

Tais são algumas das considerações que podem resultar do exame das semelhanças possíveis entre a família e a comunidade psicanalítica.

Quis chamar a atenção para esta simples equivalência já que, em razão exatamente de sua simplicidade, elementaridade e evidência, pode ser a mesma subestimada, quando não ignorada.

Acrescento que o desejo legítimo, mas às vezes um pouco ‘ideológico’, presente nos analistas, de intentar criar uma instituição sem implicações familiares, corre o risco de afastar simplesmente os componentes não-elimináveis, no lugar de reduzir seu poder, reconhecendo-o conscientemente.

Na criação do ambiente formativo, não podemos esquecer a nossa contribuição pessoal e aquela da instituição da qual fazemos parte na constituição de um cenário familiar interno, que compartilhamos com nossos professores, colegas e alunos.

Isso contribui intensamente para vivificação e a criatividade da nossa existência e daqueles que confiam no nosso imperfeito, mas voluntarioso trabalho cotidiano para a cura ou para o progresso.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Stefano Bolognini
Via Dell’abbadia 6, 40122
Bologna, Italia
Fone: 39-051-262784
E-mail: fef8279@iperbole.bologna.it

Recebido em: 12/05/2008
Aceito em: 10/06/2008

 

 

Tradução de Anne Lise S. Scappaticci
Revisão de Alice Paes de Barros Arruda
* Analista didata da Sociedade Psicanalítica de Bologna, Itália. Membro da European Editorial Board do International Journal of Psychoanalysis, publicou cerca de cem artigos psicanalíticos em revistas italianas e internacionais. É autor dos livros: “Come vento, come onda” (lançado também nos Estados Unidos: “Like wind, like wave”, Other Press); “Il sogno cento anni dopo”; “L’empatia psicoanalitica” (editado em seis línguas e prestes a sair em português); “Passaggi segreti. Teoria e tecnica dell’interpsichico” (em via de ser lançado na Itália pela Bolatti Boringheri).
1 Cesare Musatti nasceu em Dolo, província de Veneza, em setembro de 1897, e morreu em Milão, em março de 1989. “Mia sorella gemella la psiconalisi”; “A ciascuno la sua morte”; “Svevo e la psicoanalisi”; “Questa notte ho fatto um sogno”; “Leggere Freud”; “Chi a paura del lupo cattivo?” são alguns títulos de sua extensa obra, tendo sido este último (“Quem tem medo do lobo mau?”) publicado no Brasil pela Melhoramentos. (N.E.).
2 Zìo em italiano significa tio. Divus, em latim, quer dizer deus, divindade. (No Prontuario etimologico della língua italiana, de Migliorini e Duro, zìo é registrado como sendo derivado diretamente do grego: δεΙος ) (N.T.).
3 O autor parece se referir às rivalidades entre as escolas. (N.T.).
4 No original, villàggio natìo. (N.T.).
5 International Psychoanalytical Studies Organization.
6 Tipo de vilarejo de origem medieval do Norte da Itália, localizado nas altas montanhas, onde não havia trocas nem comércio com outras comunidades. (N.T.)
7 Fédération Européenne de Psychanalyse.

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